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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

A REORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO NA AMAZÔNIA OCIDENTAL.
  O CASO DO ESTADO DO ACRE – BRASIL

Cleide Helena Prudêncio da Silva
Mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP
Assessora  do Governo do Estado do Acre - Brasil
correio eletrônico: cleideprudencio@hotmail.com


A reorganização do território na Amazônia ocidental – o caso do Estado do Acre -   Brasil  (Resumo)

O trabalho realiza um estudo sobre a formação territorial do Brasil e do Acre, como ponto de partida para se refletir sobre uma nova configuração das terras acreanas. O processo de emancipação de Vila Campinas, localizada no município de Plácido de Castro, Estado do Acre, é o recorte empírico utilizado para análise. O contexto de lutas pela criação de Estados, Territórios e Municípios é ressaltado para se fazer a conexão do local com o global.  A Geografia Política dará o embasamento teórico para se analisarem os processos de construção e reconstrução de novos territórios. Na localidade estudada enfatizar-se-ão os seguintes aspectos para entender a sua formação: as migrações para o Estado nas décadas de 1970/19880, a implantação dos projetos de assentamentos como política de reforma agrária para a região amazônica e a articulação da Comissão Pró-Emancipação, que dará base para se aglutinar os olhares divergentes sobre a temática.

Palavras – chave: geografia política, divisão territorial, políticas territoriais. 


The Reorganization of the territory in the Amazônia  Occidental  - the case of the state of the AcreBrazil (Abstract)

The work realize a study about the territorial formation of  Brasil and of Acre, as staring point for us to think about a new configuration of the lands from Acre. The process of emancipation of Vila Campinas, located Plácido de Castro – Acre, is the impiric cutting used for analysis. The context of fights for the creation of States, Territories and Municipal districts is stood out for us to make the connection of the place with the global. The Political geography will give the theoretical basement to analyze the construction processes and reconstruction of new territories. In the planned place we will emphasize the following aspects to understand its formation: the migration for the State in 70s/80s, the implantation of the projects of establishment s like land reform politics for the Amazonian area and  Comissão Pró-Emancipação, thtat will give base to agglutinate the divergent watch on the theme.

Key words: political geography, territorial division, territorial politics    


A reorganização do território brasileiro e da Amazônia ocidental, especificamente o Estado do Acre – Brasil, é fruto da dissertação de Mestrado intitulada: Construindo e reconstuindo o Acre: reivindicação de autonomia de Vila Campinas.

O trabalho versou sobre a formação territorial brasileira e os diversos tratados e acordos que deram origem as configurações territoriais e políticas deste espaço, enfocando as possibilidades de novas organizações políticas-administrativas na Amazônia brasileira, focando o caso específico do Estado do Acre, a última porção territorial a ser incorporada ao Brasil em 1903.

O ponto de partida para as reflexões realizadas nesta pesquisa é a discussão de emancipação de Vila Campinas. A partir desta Vila, buscou-se refletir sobre o papel da Geografia Política, para abordar as transformações/formações dos territórios e as relações de poder inseridas neste contexto. Ao longo do trabalho realizamos uma revisão bibliográfica do tema da redivisão e organização territorial brasileira, enfocando as possibilidades e articulações de diversas organizações para criação de novos Estados e municípios na organização administrativa da Federação brasileira.

A questão da fronteira interna no âmbito da Geografia Política

Para começar, é importante definir com clareza o campo no qual a análise realiza-se. A Geografia Política é um dos ramos da Geografia Humana voltado às relações entre o poder e o espaço geográfico.

Para Costa (1992, p.16), há divergências no âmbito das ciências sociais sobre o conceito de Geografia Política e Geopolítica. Neste campo, existem alguns consensos como sendo a Geografia Política “o conjunto de estudos sistemáticos mais afetos à geografia e restritos às relações entre o espaço e o Estado, questões relacionadas à posição, situação, características das fronteiras...”. Já a Geopolítica estaria relacionada com “a formulação das teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre os Estados e às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros”.

Esta discussão entre estes dois ramos do conhecimento geográfico é antiga. Consideramos a partir dessa afirmação que a Geopolítica foi se consolidando como instrumento dos Estados – nações, para resolver seus conflitos e tensões internacionais e na busca de sua expansão. Em razão disso, segundo Costa (1992) e Miyamoto (1995), inúmeros trabalhos foram publicados, principalmente nos períodos entre guerras.

Pode-se considerar que o pioneiro na utilização da concepção geopolítica foi o jurista sueco e professor de Ciências Políticas, Rudolf Kjéllen (1864-1922). Este desenvolveu suas teorias baseadas nas idéias de Friederich Ratzel (1844-1904), que via o Estado como um organismo territorial. As concepções de Kjéllen analisavam o Estado como um organismo biológico, impondo à Geopolítica um caráter reducionista e expansionista. Para Costa (1992, p.56), este concebia “a Geopolítica como um ramo autônomo da ciência política, distinguindo-o da geografia política, para ele um sub-ramo da Geografia”.

Levando em conta as contribuições destes estudos, pode-se perceber que é na escola alemã, com a fundação do Instituto de Geopolítica de Munique, pelo General Karl Haushofer (1869-1946), que a geopolítica galga maior expressão no círculo de poder, propondo, segundo Costa (1992, p.119), relacionar a “ciência militar com a geografia política, de onde pudesse surgir uma geopolítica aplicada à realidade alemã”.

Para Mattos apud Evangelista (2001), “o desprestígio da Geopolítica como ciência veio de sua apropriação pelos seguidores do General Karl Haushofer, que rotularam este campo do conhecimento como um pretexto científico para justificar as teses expansionistas nazistas. A teoria do lebensraum – espaço vital – que dominou o espírito geopolítico da Alemanha nazista”, sendo responsável pelo seu descrédito e, como cita Lacoste (2002, p.37), utilizada como “um saber estratégico [...] reservado à minoria dirigente”. Esta característica de um conhecimento apropriado como instrumento de formulações governamentais foi largamente utilizada no período da ditadura militar no espaço brasileiro.

No Brasil, pode-se constatar na história da ciência geográfica uma certa dicotomia entre uma escola militar e uma escola acadêmica-universitária (1). Aqui, o termo Geopolítica sempre aparece com um acentuado peso militar-estrategista. Na concepção do senso comum, a Geopolítica é dos militares e não dos geógrafos. Neste sentido, faremos considerações sobre a Geopolítica do Brasil, apoiada nos escritos de Shiguenoli Miyamoto (1995). O autor destaca alguns períodos, para compreender como foi construído este pensamento no território brasileiro (2).

Pode-se constatar neste momento, através de relatos históricos, que a Geopolítica era utilizada como instrumento de estratégias e formulações dos governos militares. Desta utilização, principalmente através do Serviço Nacional de Informações, planejavam e definiam formas de ação territorial (3).

O outro divisor da Geopolítica, citado por Miyamoto (1995, p.139), nas décadas de 1980/1990, foi a atenção dada aos temas geopolíticos pelos pesquisadores, acadêmicos e pelas instituições de ensino superior e não somente pelos militares. O autor cita que a “geopolítica do Brasil passa a receber atenção em textos de Manuel Correia de Andrade” e outros autores como Wanderley Messias da Costa e Bertha Becker, que publicaram vários trabalhos com o enfoque nesta área do conhecimento. Esta última, além de grande estudiosa das questões geopolíticas nacionais, tem vários trabalhos específicos sobre a Amazônia. 

É dentro deste contexto de reflexões geopolíticas que se pode perceber nitidamente a importância da Geografia Política.  Isso ganha nitidez na formação das concepções de limites e fronteiras, mas também nas relações do poder ou dos poderes que vão se definindo no âmbito das disputas no espaço produzido (4).

No campo da Geografia Política, pode-se perceber que as discussões de territórios, limites, fronteiras e poder estão muito ligadas. Alguns autores, entre eles Raffestin (1993, p.52), consideram que “o conceito de poder é muito perene, pois não é visível”. Ele tem que ser compreendido através da multiplicidade das “relações de força que são imanentes ao domínio em que elas se exercem e são constituídas. O poder é parte intrínseca de toda relação”.

A partir destas concepções realizam-se acordos que podem interferir na definição de limites e fronteiras. Talvez assim se justifique a afirmativa do General Meira Mattos apud Evangelista (2001), de que “a geografia política ficou no campo das ciências geográficas, enquanto a Geopolítica adquiriu o sentido dinâmico das ciências políticas, indicadora de soluções governamentais inspiradas na geografia”. Mas a visão do General Meira Mattos exposta acima é uma visão muito focada na concepção militar, no dualismo entre Geografia Política e Geopolítica. Como se a primeira fosse dos estudiosos e acadêmicos e a segunda pertencesse ao militares.

Em suma, estas são algumas visões da Geografia Política que se gostaria de evidenciar. Com isto, enfoca-se a importância deste arcabouço teórico na compreensão da formação/divisão/redivisão e rearticulação de um espaço, ou melhor, de um território em construção ou a ser reconstruído. Aí reside a importância desse conhecimento no âmbito geográfico, e também na formação territorial que aqui se está abordando, pois ainda que os limites externos já estejam definidos, as fronteiras internas de um país estão sempre em construção.

No caso do Brasil, que é um país com pouco mais de 500 anos, pode-se perceber a pertinência do ressurgimento da discussão da reconfiguração de seu espaço interno. Isso hoje está reforçado pelas discussões da formação de novos limites internos em decorrência de diversos fatores como os laços culturais, a reorganização política e econômica e, em especial, os processos organizados pela sociedade civil. Assim, surgem áreas que tendem a territorializar-se como novos Estados e Municípios; pois, em muitos casos, há uma compreensão de que a fronteira política existente não contempla mais a dinâmica populacional e a dos atores sociais (nota) ali contidos. Isso se justifica, conforme Machado (2000, p.9), porque “as fronteiras pertencem ao domínio do povo”. Esse domínio se expressa de forma dinâmica, por isto as mudanças são possíveis nos embates constantes no espaço produzido.

A divisão territorial do Brasil

Trazendo essas discussões para o processo de formação dos limites e fronteiras brasileiras, constata-se a necessidade de levar em conta sua história. Com isso se buscará compreender o processo de disputas e de negociações que foi realizado para se chegar à atual configuração, ainda que se detendo aos aspectos que são de extrema importância para essa compreensão. Mesmo assim, reafirma-se que a fronteira e os limites sempre foram preocupações dos Estados-nações, sobretudo, no sentido do exercício de controle e de vínculo.

Desde a “descoberta” da América em 1492 e a do Brasil em 1500, processos esses inseridos no ciclo das grandes navegações, o território brasileiro passou por várias mudanças na sua configuração territorial, em decorrência de tratados e acordos assinados como: Tratado de Tordesilhas, Madri, Prado, Santo Ildefonso, Ayacucho e Petrópolis que incorporou o Acre ao Brasil em 1903.

Assim se definiram as fronteiras externas do Brasil, ou seja, suas fronteiras internacionais. Concorda-se com a professora Lia Osório Machado (2000, p.09), quando afirma “que a discussão dos limites de uma possessão do Estado se encontra no domínio da alta diplomacia ou da alta política”. No momento de discorrer sobre esse tópico, percebeu-se nitidamente que os tratados, acordos e convenções, mesmo sendo uma linguagem do mundo jurídico, são os principais instrumentos de formação/divisão/redivisão dos territórios. Em muitos momentos da História, os acordos servem para “legalizar” situações já vividas pela população de um determinado território, como foi o caso das terras hoje acreanas, que, mesmo antes dos acordos entre Brasil e Bolívia, em 1903, já eram habitadas por brasileiros (Figura 01)

O estudo geográfico ou o estudo da ação política sobre o território é importante para se refazer os caminhos de todo o processo que é geográfico, e também histórico. Entender esta definição territorial conduzirá a uma visão desse espaço na perspectiva das dimensões que também são econômicas, políticas e socioculturais. Quando se fala das lutas pela posse de um espaço, tem-se que discutir os motivos que levam a este conflito. No caso específico do Brasil, pode-se constatar que foram várias as lutas, acordos e tratados que deram origem a tal configuração. Assim, vê-se que a formação de um território é sempre fruto de muitos embates e alguns empates (5) na construção de um espaço produzido, que traz estas múltiplas dimensões implícitas e, às vezes, explícitas em seus percursos formadores.

Alguns autores, em especial os ligados aos temas geopolíticos, constataram que a preocupação dos governantes responsáveis por grandes espaços territoriais foi de vê-lo, na ótica da ligação e integração, para que não ocorressem movimentos separatistas. Porém, os desequilíbrios do desenvolvimento regional, entre as unidades federativas, com reflexo sobre a população e as atividades produtivas, são aspectos fundamentais dos debates sobre uma nova configuração territorial.

O debate sobre as dificuldades de organizar um território remonta à primeira configuração territorial do Brasil, desde a época das capitanias hereditárias até a atualidade. Para Miyamoto (1995, p.182), “não foram poucas as propostas de divisão do território nacional, algumas com visões eminentemente geográficas, outras com uma visão geoeconômica. Cada uma apoiada nos seus argumentos e nas suas justificativas específicas”.

Na atualidade, no âmbito da unidade federativa do Brasil, têm-se presenciado algumas tentativas de criação de novos espaços. No Congresso Nacional tramitam dezesseis propostas de criação de Estados ou Territórios. Estas propostas têm dividido muitos políticos e pesquisadores que na maioria das vezes têm opiniões contrárias a certas proposições. Desde 1940, até os dias atuais, o país sofreu alterações na configuração de suas unidades político-administrativas através da criação e extinção de Estados e Territórios Federais. As últimas modificações ocorreram com a Constituição de 1988, deram origem ao Tocantins, elevaram os Territórios de Amapá e de Roraima à categoria de Estados e anexaram o Território Federal de Fernando de Noronha a Pernambuco.

Depois de quase duas décadas de estabilidade, presencia-se um movimento por mudanças na configuração do espaço brasileiro. Este tem sido provocado por elites locais, políticos e cidadãos comuns que moram nestas áreas. O discurso do desenvolvimento e da presença do Estado para melhor atender às necessidades do cidadão é corrente nas justificativas destas propostas. Nos projetos que tramitam no Congresso Nacional, podemos perceber que existem propostas de redefinições de várias localidades, especialmente de regiões da Amazônia.

De forma resumida, tratar-se-á em seguida de alguns destes projetos que tramitam no Congresso Nacional e que propõem uma nova configuração territorial. Assim se quer mostrar que no plano de uma nova redivisão do território nacional está posto o desenho de uma nova Geografia Política brasileira, como se evidencia no (quadro 1):

Quadro 1
Propostas de redivisão do Território Brasileiro.

Região

Território a ser criado

Conteúdo do projeto

Norte

Estado do Tapajós

Divide o Pará para formação de um novo Estado.

Norte

Território de Solimões

Divide o Estado do Amazonas, criando um Território Federal.

Norte

Território do Rio Negro

Divide o Amazonas, criando um Território.

Norte

Território do Juruá

Divide o Estado do Amazonas, criando um Território Federal.

Norte

Estado do Carajás

Divide o Pará, criando um novo Estado.

Norte

Território do Oiapoque

Divide o Amapá, tornando está área um Território Federal.

Norte

Território do Marajó

Separa a Ilha do Marajó do Pará, transformando-a em Território Federal.

Norte

Estado do Maranhão do Sul

Divide o Estado do Maranhão, criando um novo Estado.

Centro-Oeste

Estado do Mato Grosso do Norte

Divide o Estado do Mato Grosso, criando um novo Estado.

Centro-Oeste

Território do Araguaia

Divide o Mato Grosso, criando um novo Território Federal.

Centro- Oeste

Estado do Planalto Central

Convoca Plebiscito em Minas e Goiás, para o desmembramento de áreas e criação de um novo Estado.

Centro-Oeste

Território do Pantanal

Divide os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, criando um Território Federal.

Nordeste

Estado do São Francisco

Divide a Bahia, criando um novo Estado.

Sudeste

Estado Minas do Norte

Divide Minas, desmembrando cidades do norte e dos vales do Jequitinhonha e Mucuri, criando um novo Estado.

Sudeste

Estado de São Paulo do Leste.

Divide São Paulo, criando um novo Estado.

Sudeste

Estado da Guanabara

Divide o Rio de Janeiro, criando um novo Estado.

  Fonte: Câmara dos Deputados, 2004. Reorganizado por Cleide Helena Prudêncio da Silva, 2005.

Frente à existência desses projetos, muitos questionamentos sobre a importância de cada um poderiam ser suscitados. Porém não se tem pretensão de uma investigação mais profunda, mas apenas de reafirmar que há um fundo de explicações, vontades, desejos e interesses de grupos e de atores políticos e sociais que, em determinado momento histórico, por razões econômicas e culturais, não se sentem mais satisfeitos com as antigas formulações elaboradas em relação à organização e divisão territorial.

Mas o que isto de modo geral implicaria? Considerando a posição de Faissol (1994, p.282), vê-se que: Uma reflexão sobre estas questões implica uma reflexão sobre o próprio sistema político-brasileiro, a forma como pessoas e territórios são representados e considerados, principalmente, à luz do fato de que somos um país com fortes desigualdades sociais e territoriais.

A configuração do espaço na Amazônia brasileira – o caso do Acre

A dinâmica populacional da Amazônia é um fator importante para se adentrar na discussão dos processos de reorganização interna desta região. A partir dos trabalhos existentes, percebe-se que a dinâmica de povoamento sempre esteve associada aos períodos de prosperidade e decadência econômica, causando assim fluxo e refluxo de população. Assim ocorre o surgimento de vilas e cidades, que eram formadas, na sua maioria, pela necessidade de estabelecer um ponto para a realização da atividade econômica. Por isso, as cidades amazônicas, na sua maioria, têm uma relação ou uma proximidade com os rios, que eram lugares de chegada de mercadoria e de saída da borracha.

Em boa parte da Amazônia, segundo informações da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (2005), apenas na década de 1970, “o processo de povoamento regional deixou de se basear na circulação fluvial, criando assim novas formas de agrupamentos populacionais”, que são as vilas e cidades que atendem à circulação rodoviária, com abertura de várias rotas como forma de “integração” da região com o restante do país.

Segundo Becker (2004, p.25), a “urbanização alterou o processo de povoamento da Amazônia”, ocasionando que “a maioria dos seus habitantes estão vivendo em núcleos urbanos”. Para salientar as mudanças ocorridas neste espaço, recorremos ao quadro elaborado por pela autora (Quadro 02):

Quadro 2
Mudanças Estruturais na Amazônia.

Mudança Estrutural

Principais Impactos Negativos

Novas Realidades

1. Conectividade – Estrutura de Articulação do Território

Migração/mobilidade do trabalho; desflorestamento; desrespeito às diferenças sociais e ecológicas.

Acréscimo e diversificação da população; casos de mobilidade ascendente; acesso à informação – alianças/parcerias; urbanização.

2. Industrialização – estrutura da economia

Grandes projetos econômicos de enclave; subsídio à grande empresa; desterritorialização e meio ambiente afetado (Tucuruí)

Urbanização e industrialização de Manaus, Belém, São Luiz, Marabá; valor total da produção minera l/2ª no país; valor total da produção de bens de consumo duráve l/3ª no país; transnacionalização da CVRD.

3. Urbanização – estrutura do povoamento

Macrozoneamento – povoamento

Inchaço – problema ambiental; rede rural-urbana-ausência de presença material da cidade – favelas; sobre urbanização – isto é, sem base produtiva; arco do desflorestamento e focos de calor.

redução da primazia histórica de Belém-Manaus; nós das redes de circulação/informação; retenção da expansão sobre a floresta; mercado verde; “lócus” de acumulação interna, 1ª vez na história recente; base de iniciativas políticas e da gestão ambiental.

4. Organização da Sociedade Civil – estrutura da sociedade

Conflitos social-ambientais; conectividade + mobilidade + urbanização;

Diversificação da estrutura social; formação de novas sociedades locais – sub-regiões; conscientização – aprendizado político; organização das demandas em projetos alternativos com alianças/parceiros externos; despertar da região/conquistas da cidadania.

5. Malha Socioambiental – estrutura de apropriação do território.

conflitos de terra e de territorialidades; conflitos ambientais

Formação de um vetor tecno-ecológico; demarcação de terras indígenas; multiplicação e consolidação de Unidades de Conservação (Ucs); Projetos de Gestão Ambiental Integrada (PGAIs) nos estados; Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos (PDAS); Capacitação de quadros do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).

Fonte: Becker, 2004, p.30.

Todo o processo de formação deste espaço e de suas transformações, como se pôde constatar nas variáveis citadas, remete à discussão sobre a redivisão de seu território. Como já se enfatizou anteriormente, a maioria dos projetos que tramitam no Congresso Nacional, que versam sobre uma nova configuração do espaço brasileiro, tem o seu foco na Amazônia (principalmente no Amazonas e no Pará), propondo assim uma nova configuração espacial da região e uma nova organização político-administrativa da Federação.

A emancipação de municípios no Acre – o caso de Vila Campinas

Com a Constituição de 1988, foram repassados aos Municípios e Estados funções inovadoras como poderes para definirem a criação de impostos e para deliberar sobre a autonomia de novas áreas. Para Martin (1993, p.118), “o tamanho das unidades político-territoriais possui, evidentemente, uma relação com o nível tecnológico alcançado pelas comunicações e os transportes [...] as grandes extensões por si mesmas não garantem o desenvolvimento econômico.”. A unidade territorial ou no caso a criação de municípios é um tema recorrente na História brasileira. Nossas fronteiras internas decorrem de arranjos e articulações que merecem um estudo detalhado.

Dentro deste contexto, o autor distingue três fases da evolução político-administrativa do município brasileiro que são: no primeiro momento, o predomínio da função é judicial e acentuada autonomia em relação à metrópole; no segundo estágio constata-se a reação metropolitana e absorção do município pelo poder central. O terceiro momento caracteriza-se pela separação entre os poderes central e local.

Como o recorte empírico desta pesquisa volta-se a realidade de Vila Campinas, localizada no Estado do Acre, ousa-se conjecturar possibilidades para o futuro. Será que em alguns anos poder-se-á ter um novo município no mapa acreano? Existe a necessidade desta criação?

Como se está tratando do tema da redivisão territorial, vale salientar a instigante contribuição de Martin (1993, p.242). O autor enfatiza que no Brasil há “municípios fracos” que ocasionam conseqüentemente “Estados fracos”. Qual a fraqueza constatada nestas localidades? Para o autor, a “existência de unidades inviáveis economicamente, as quais sobrevivem permanentemente dependentes do governo federal”, seria um dos argumentos utilizados para propor que “a fusão de alguns Estados poderá garantir ao Brasil, um maior equilíbrio tanto regional quando federal”.

A tese defendida por Martin (1993) revela um posicionamento claro sobre a temática, mas ao longo da pesquisa foram construídas idéias e argumentos que se contrapõem à tal posicionamento. Levou-se em conta que as divisões políticas na Amazônica nem sempre estão bem consolidadas e que seu processos de urbanização têm suas especificidades. De acordo com os estudos realizados por Machado (1999, p.119), no período de 1960 até 1996, “grande parte das aglomerações rurais foram transformadas em ‘cidades’, graças aos movimentos de autonomia municipal”.

Como se observa nos casos específicos do Pará e do Acre, a relação do poder público com as localidades que estão sob sua jurisdição política é muito incipiente e deixa muito a desejar. Qual a relação da ausência do poder público com a emancipação? Na maioria dos casos propostos para criação de novas unidades políticas, as necessidades básicas do cidadão não estão sendo atendidas.

Na localidade estudada, constata-se a ausência do poder público. As distâncias em relação à cidade-sede e as dificuldades de locomoção contribuem para que os benefícios demorem a chegar. Esta característica é bem peculiar às cidades amazônicas.    

No caso específico de Vila Campinas, defende-se que o melhor para esta localidade seria sua emancipação, com a construção de uma estrutura própria para a viabilização de suas demandas. Na maioria dos municípios acreanos, onde ocorreu o desmembramento em 1992, o atendimento público tornou-se mais eficaz.

 Na Amazônia, esse debate está posto e concorda-se com diversos autores que defendem que o melhor caminho para a discussão de emancipação é um processo que envolva os diversos grupos locais.  A possibilidade de criação de um novo município na área estudada é muito grande, mas na atualidade encontra resistência de gestores do município de Plácido de Castro e impedimentos jurídico.

Conclusões sobre a pesquisa

A discussão de novos arranjos territoriais e regionais propostos por Martin (1993), sugere a fusão de algumas localidades. O debate é polêmico e o autor ressalta que com certeza haverá uma defesa ética dos “pequenos Estados”.

A proposição é realizada sem um estudo empírico de cada localidade, a partir do qual pudesse visualizar a opinião da comunidade interessada. Além disso, a idéia de reagrupar não tem base social e nega a base identitária que se forma a partir das relações que se criam quando da instalação num lugar – a territorialidade que se constrói.

Afirma-se isto, pois ao longo da pesquisa, não se constata nenhum movimento pela fusão de Municípios ou mesmo de Estados (unidades federativas).  Ademais, como se defende uma ampla participação da população das áreas a serem desmembradas ou fundidas, não se verifica na pesquisa de Martin (1993), nenhum movimento organizado que tenha como bandeira a fusão de seus Estados.

Desse modo, caracteriza-se a complexidade desta problemática, além de se reconhecer seu caráter polêmico. Na Amazônia, onde as fronteiras ainda não estão tão consolidadas, em cada localidade existem argumentos a favor e contra o desmembramento para as redefinições de limites. São salientados como pontos para o desmembramento: a distância do poder público da população, as longas distâncias entre cidade/sede e cidade/vila, a pouca representação destas áreas nas decisões políticas, a necessidade de criação de estruturas e serviços que viabilizem o desenvolvimento, etc.

Como contraponto, podem-se citar preocupações que podem inviabilizar o desmembramento, como: o baixo poder de arrecadação própria, a inexistência de atividades produtivas que viabilizem economicamente a estrutura governamental, etc. 

Quais seriam então os pontos mais importantes na definição? O que atingiria mais as pessoas que vivem nos lugares?

No Estado do Acre, estudou-se o processo de emancipação de Vila Campinas no enfoque de uma discussão ampla. Buscamos ao longo da pesquisa, referências teóricas para responder a alguns questionamentos que são de suma importância, tais como: deve-se ou não transformar Vila Campinas em município? Ao final da pesquisa, acredita-se que a emancipação será um ganho para a localidade e seus moradores. Problemas como os enfrentados na atualidade seriam minimizados, com a presença in loco do poder público.

O segundo questionamento refere-se à participação da população nesta discussão. Na Vila estudada, o movimento existente é formado pelos diversos segmentos da localidade. A mobilização tem uma base social forte e reivindicatória. Esta é uma das conclusões importantes a que se chegou.

O terceiro questionamento refere-se à viabilidade econômica. Não podemos ser irresponsáveis de pensar em emancipação de localidades sem levar em conta suas possibilidades de fomentar investimentos, arrecadar impostos, gerar empregos, etc. Este é um dos grandes problemas das emancipações. Muitas são implementadas sem um prévio estudo da realidade econômica, social, política e cultural. Contudo, volta-se a argumentar que, frente às especificidades de muitas localidades amazônicas, estas situações devem ser consideradas com maior cuidado e sensibilidade.

Concluindo, deixa-se, como proposição para os agentes públicos e para as comunidades envolvidas nesta temática, que as definições de rearranjos territoriais não sejam apenas um ato político, jurídico e administrativo. Seria necessária a criação de um Fórum Popular, como uma instância que deveria discutir a demanda, levantar suas problemáticas e propor aos legisladores a criação ou não de novas localidades. Assim, propõe-se que cada realidade seja analisada de forma específica. Cada movimento tem sua história e sua organização.

Notas

(1)   A divisão entre estas duas escolas, a militar e a acadêmica - universitária, é realizada por Hélio Evangelista no seu texto sobre Geopolítica, 2001.

(2)   Vale salientar que se utilizará como referência apenas dois momentos que o autor distingue como “o ciclo militar, que vai de 1964 a 1984, e os debates acadêmicos sobre a geopolítica, que se iniciam na década de 80 e vão até a atualidade”. Algumas características são salientadas por Miyamoto (1995, p.110) para caracterizar estas fases: a ruptura do poder verificada com o golpe militar [...] são os anos em que a doutrina de segurança e desenvolvimento formulada pela Escola Superior de Guerra vai encontrar as oportunidades que esperava [...] verifica-se [...] uma ênfase acentuada nos estudos que vinculam a segurança com o desenvolvimento.

(3)   Com o golpe militar de 1964 e a conseqüente centralização do poder político no executivo federal o projeto geopolítico militar pôde ser colocado em prática [...] o território não-integrado, passa a ser o foco das políticas territoriais do Estado autoritário, que redesenhará o mapa político-econômico nacional. (Cataia, 2006, p.1).

(4)   Tal noção de poder fica clara na fala de Arendt apud Souza (2003, p.80):O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde origina-se o poder (protestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu poder’ também desaparece.

(5)   O empate é a expressão mais concreta, tangível, das lutas travadas pelos seringueiros contra o desmatamento e dá a pista de como o próprio movimento dos seringueiros foi delimitando o espaço, localizando-se. O “aqui tem gente”, que aparece no documento de fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros, tem nos empates a sua concretude e é por si mesmo uma afirmação de localização (Gonçalves, 2003, p. 60). 

Bibliografia

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Referencia bibliográfica

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