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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

PATRIMÔNIO CULTURAL EM TERRITÓRIO URBANIZADO E A RECONSTRUÇÃO DAS CIDADES CONTEMPORÂNEAS: CAMINHOS E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

Arlêude  Bortolozzi
Universidade Estadual de Campinas
arleude@unicamp.br

Patrimônio cultural em território urbanizado e a reconstrução das cidades contemporâneas: caminhos e possibilidades da educação patrimonial (Resumo)

O “território urbanizado, no atual contexto da globalização, produto da acelerada expansão urbana e  intensa degradação ambiental, significa neste trabalho, sinônimo de “cultura” e “ relações de poder”. Indústria cultural, políticas dos processos urbanos como - “revitalização urbana” -, onde usuários são considerados consumidores, e o Patrimônio Cultural estão sujeitos à racionalidade econômica. Assim, estudos do território urbano em diferentes níveis e escalas espaciais preocupam-se com a gestão das cidades. Diante da complexidade ambiental e perda do valor simbólico do Patrimônio Cultural nas cidades contemporâneas, uma nova leitura do território se faz necessária. Um diálogo entre território urbano,  geografia cultural e educação patrimonial, que amplie o debate, poderá abrir caminhos, para se pensar a reconstrução das cidades através de políticas de reorganização do espaço urbano que priorizem a cidadania. A educação patrimonial, como estratégia de um planejamento urbano, voltado à  gestão territorial integrada poderá viabilizar propostas de inserção social das comunidades.

Palavras-chave: território urbanizado, patrimônio cultural, revitalização urbana, cidades contemporâneas, educação patrimonial

Cultural heritage in urban territory and the contemporary cities rebuilding: ways and possibilities of patrimonial education (Abstract)

The “urban territory” in the current globalization context, product of accelerated urban expansion and   intensive environmental degradation, is understood in this paper as synonym of “culture” and “power’s relationships”. Cultural industry, urban process policies such the “gentrification” one – where “costumers” are equally called consumers -, and the Cultural Heritage are subject to the economic rationality. Thus, urban studies related to the territory in different levels and spatial scales, highlight the importance of city’s management.  Considering, urban environmental complexity, and the lack of culture’s symbolic value in contemporary cities, a new look of territory become necessary. A dialogue between urban territory, cultural geography and patrimonial education, that amplifies the debate, could open ways to think city’s rebuilding through urban policies of space reorganization that priorize citizenship. In that sense, the patrimonial education as strategy of urban planning geared to an   integrated territorial management could make possible the social inclusion of communities.

Key-words: urban territory, cultural heritage, gentrification process, contemporary cities, patrimonial education

Estudos sobre o território urbano, em diferentes níveis e escalas espaciais revelam a necessidade, da busca de entendimento das questões relacionadas à gestão das cidades.

De acordo com (Borja, 1996, p. 85):

“entende-se a cidade não só como território que concentra um grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico (poder político, sociedade civil) e simbólico (que integra culturalmente e confere identidade coletiva a seus habitantes), e que se transforma em um campo de repostas possíveis aos desafios econômicos, políticos e culturais da nossa época”.  

Santos (2001, p. 4), concebe a cidade como um espaço de contradições:

“Como todo território, ela é um campo de forças, é o lugar primordial da contradição com que o mundo se debate hoje. Deve ser vista assim, se a gente quer ter uma visão progressista, se a gente quer pensar o futuro. O futuro é a escolha de caminhos para enfrentar as contradições”.

Assim sendo, discutir Patrimônio Cultural pode significar uma abertura de caminhos e possibilidades de reconstrução das cidades através de políticas de reorganização do espaço urbano, que valorizem a cidadania. Nesse sentido, a Educação Patrimonial poderá tornar-se uma estratégia importante nas propostas alternativas para um planejamento urbano associado à gestão territorial e à inserção social das comunidades. Este estudo procura estabelecer um diálogo, entre o Território Urbano, Geografia Cultural e Educação, objetivando construir um conhecimento que mostre a importância de uma visão de conjunto dos problemas ambientais urbanos. Isto, para que as contradições existentes nas práticas sociais atuais possam apontar novos caminhos e alternativas mais adequadas à gestão das cidades contemporâneas, principalmente, no que diz respeito à preservação do seu patrimônio cultural. Este, considerado como bens patrimoniais materiais e imateriais, assim como naturais e edificados e integrado no contexto da globalização, do território urbano diz respeito aos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais das cidades.

Na atualidade, o enfrentamento da problemática ambiental urbana deve ser concretizado pelo reconhecimento da sua complexidade e a dos seus processos, que comportam incertezas (Morin, 2001); (Prigogini y Stengers, 1984). Se o objetivo primordial de todo conhecimento é o de compreender o mundo e fundamentar ações, espera-se que este estudo, sem nenhuma pretensão de dar respostas prontas e acabadas possa questionar e apontar algumas proposições que venham a contribuir para ampliar o debate, sobre o território urbano e a necessidade de uma gestão territorial capaz de dar ênfase à gestão social das cidades brasileiras. A complexidade deste conhecimento, que incorpora reflexões de diferentes leituras e circunstâncias, nutre-se também do envolvimento prático da autora, como pesquisadora do Nepam/Unicamp (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais);  da experiência como Conselheira do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural) do estado de São Paulo – Brasil; e como docente e orientadora de pesquisas acadêmicas realizadas no programa de Pós-graduação da Geografia do IG/Unicamp - através da disciplina “Meio Ambiente Urbano e Novas Práticas Sócio-espaciais” - cujo principal objetivo é o de trabalhar nas pesquisas ambientais o conceito de “território de usos”, e contribuir para a reorientação das políticas públicas urbanas.

Assim, este trabalho objetiva fundamentalmente contribuir para abrir espaço de discussão sobre a valorização dos bens patrimoniais natural e cultural das cidades, no sentido de promover o resgate de seus valores históricos, culturais, e sobretudo buscar novos valores, “os sócio-ambientais” (Bortolozzi, 2002).  Considerando que os bens culturais não possuem uma identidade própria, porque na sua grande maioria refletem a identidade dos grupos sociais que os criaram, é preciso buscar novos caminhos para que novas práticas sócio-espaciais possam ocorrer a partir do pertencimento cultural das comunidades às áreas do seu entorno.

Contextualização e Indagações

A complexidade que envolve o conhecimento do “ambiental urbano”, hoje no contexto da globalização mundial aponta para a necessidade de uma nova leitura do território, como forma de compreender a sua dinâmica e buscar estratégias de intervenções, mais adequadas - para as cidades contemporâneas. Essa nova leitura deve ser entendida, como um conhecimento integrado da problemática ambiental urbana, onde os processos urbanos e históricos de reconstrução das cidades possam ser revelados através das relações entre diferentes escalas espaciais e da interdependência entre os diferentes aspectos, tais como os físicos, econômicos, sociais, políticos e culturais. Assim sendo, essa integração sugere uma força, que pode significar um combate às constantes fragmentações do espaço urbano no que concerne às relações do seu processo de produção, tais como sociedade-natureza; rural–urbano; local-global; sujeito-objeto, teoria e prática social.

Os problemas ambientais urbanos podem ser diferentes, assim como as cidades apresentam suas próprias especificidades, mas é possível fazer uma análise integradora do território urbano, através das categorias de análise do espaço geográfico tais como as apontadas por Santos (1997) - forma, estrutura, processo e função – e, do entendimento das suas relações, as quais orientam para uma compreensão da dinâmica territorial. Como já sintetizado por Bortolozzi (2007, p.02)

“as diferentes formas de degradação ambiental urbana no Brasil, são produtos do processo histórico da sua formação territorial, ocorridas na relação entre sociedade e natureza, através dos processos produtivos – produção e consumo de mercadorias – materializadas ou não, dentro de uma estrutura capitalista, que no contexto atual do “meio técnico-informacional” (Santos, 1994), não apenas acaba por distribuir desigualmente os homens no espaço em áreas de ricos e pobres, e também determinar as diferentes funções e ou usos que seus objetos dispostos nos territórios devem ocupar e ou a quem servir”.

Assim sendo, a referida totalidade do espaço geográfico, que não deve significar o “uno” e sim o “múltiplo”, nos remete à compreensão da própria complexidade dos processos urbanos atuais. O  enfrentamento da questão urbana deve ser concretizado, pelo reconhecimento de sua complexidade que comporta incertezas. E estas, nos permitem refletir e levantar questionamentos a fim de sugerir alternativas para a busca de soluções aos problemas. Como alertado por Santos (2001, p.04) é preciso refletir sobre as questões urbanas enfatizando a necessidade de se pensar o planejamento urbano pois “o planejamento urbano estratégico não pode ser planejamento, se não corresponde à verdadeira dinâmica, que é a do território nacional”.

Diante das contradições existentes nas práticas sócio-espaciais atuais com relação à preservação ambiental e, em particular a do patrimônio cultural no contexto da globalização e do território urbanizado - e que, portanto dizem respeito aos aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais - das cidades contemporâneas, algumas indagações se colocam:

- Se a reorientação de políticas públicas urbanas com foco no conceito de “território de usos” deve ter como objetivo corrigir as desigualdades sócio-espaciais, com a finalidade de abrir caminhos para a construção da cidadania, tem a chamada “revitalização de áreas urbanas”, contribuído para a reconstrução das cidades brasileiras, contemporâneas, como promotora de uma vida mais digna e justa para a maioria dos seus habitantes?  E mais:

- Se o dilema da gestão contemporânea das cidades com relação ao patrimônio cultural é o da perda do seu valor simbólico em função do mercadológico, e isto tem provocado a exclusão social, que papel cabe à educação patrimonial desempenhar?  Poderá ela contribuir para a salvaguarda deste valor? 

Complexidade dos processos urbanos, dinâmica territorial e a “revitalização de áreas urbanas”

Dentre os principais problemas ambientais, como os das áreas degradadas, que precisam urgentemente de novas práticas sócio-espaciais para a sua recuperação, fazem parte do processo denominado de “revitalização” de áreas urbanas. Dessa forma, a complexidade aqui é compreendida como inerente ao conhecimento do meio ambiente urbano, e o diálogo entre seus diferentes aspectos, o elemento fundamental para a compreensão dos processos urbanos de reconstrução das cidades contemporâneas. Refletir sobre o território urbano e a dinâmica territorial podem abrir caminhos para uma prática sócio-espacial, que seja capaz de incorporar na gestão territorial urbana a participação da comunidade local, como forma mais adequada de melhorar as condições de vida nas cidades. Segundo Borja, J. y Castells, M. (1997, p.98):

“Com a dinâmica territorial podemos perceber que o espaço dos fluxos está globalmente integrado enquanto os espaços dos lugares estão localmente fragmentados. Um dos mecanismos essenciais de dominação do nosso tempo histórico é o predomínio dos espaços dos fluxos sobre os espaços dos lugares”.

Este entendimento, se levado em consideração nas propostas de urbanistas e planejadores, poderia fazer muita diferença para análises mais adequadas sobre a questão urbana e as práticas de gestão das cidades. A urbanização entendida via dinâmica territorial e, através da gestão territorial de um espaço geográfico, à luz dos processos sociais que a engendram deve considerar também as características naturais que ofereceram as bases para o seu desenvolvimento local. Isto mostra claramente as contradições e conflitos de interesses que permeiam os processos voltados ao patrimônio cultural em território urbanizado, e a necessidade de sua revalorização para a construção da cidadania. Segundo Santos (1998), a análise dos conflitos, pela perspectiva do território fornece entendimento indispensável à apreensão de sua dinâmica, sobretudo por seu conteúdo político, e ainda acrescenta que o conceito de território só poderá tornar-se uma categoria de análise social quando entendido como “território de usos”. É a partir então do uso do território que ocorre a possibilidade de articularmos a materialidade que inclui a natureza e o seu uso com a ação política (Santos. y Silveira, 2001). Isto porque o território usado não é estático e sim dinâmico, transformador, e mostra as contradições da sociedade ao revelar os processos históricos cristalizados nos seus objetos. Como apontado por Bortolozzi (1999, p. 17):

“a totalidade do espaço se torna em territorialidade no lugar mesmo da reprodução das relações sociais e a desorganização espacial decorrente de uma inadequada gestão territorial provoca não só a degradação das paisagens naturais, mas principalmente passa a ser um instrumento eficiente no processo de degradação humana, quando separa os homens em áreas de ricos e pobres”.

Nessa perspectiva, a noção de cidadania já tinha sido ilustrada, por Santos (1997, p. 81): “cada homem vale pelo lugar que se encontra: o seu valor como produtor, consumidor e cidadão, depende de sua localização no território”.

Dentre as inúmeras causas da intensa degradação ambiental das cidades brasileiras, no mundo atual, onde os espaços urbanos são considerados como “território de usos”, o processo de urbanização é aquele que tem desempenhado papel fundamental, seguido da ausência de uma distribuição equilibrada dos bens territoriais produzidos, da destruição dos recursos naturais, da utilização de tecnologias poluentes, do “marketing do verde” através da especulação imobiliária, e a crescente proliferação de valores antiéticos e individualistas, que aumentam o consumismo exacerbado – sem um comércio justo – onde os habitantes das cidades, como Santos (2000) os reconhece, são usuários, consumidores e não mais cidadãos. Para Santos (2000): “já que o mercado é cego para os fins intrínsecos das coisas, o espaço construído a partir da concepção mercadológica, torna-se cego para as necessidades essenciais dos homens”.

Todos esses fatores nos fazem pensar em novos processos e novas práticas sócio-espaciais para o território urbanizado. Com efeito, deve ser ressaltada a importância de se pensar a gestão das cidades com relação ao patrimônio cultural, não apenas a partir de uma perspectiva humanística, mas também sócio-ambiental, como uma estratégia de reorientação de determinados processos urbanos, onde a reorganização territorial deverá contar com a efetiva participação dos próprios cidadãos da comunidade local, para a tomada de decisões com respeito aos destinos de sua cidade.

Dentre os muitos processos urbanos é oportuno destacar o denominado de “gentrificação”.  O território urbanizado, entendido, como sinônimo de cultura e de - relações de poder -, o qual engloba também as paisagens naturais – é tratado pela mídia como mercadoria, da mesma forma que o processo de “gentrificação” também chamado de... “revitalização urbana” ou “recuperação de áreas “, orienta a sua ação para as demandas do mercado. Tanto na indústria cultural como nas políticas urbanas de “gentrificação, os bens artísticos e o patrimônio cultural são tratados como mercadoria, portanto sujeitos à racionalidade econômica. Como a tradução para o português do termo gentrification” é enobrecimento, este guarda segundo Leite (2004) ambigüidades no seu significado.

O argumento atual para justificar estes processos, baseia-se todavia no conceito do resgate da “tradição nacional”, que pressupõe na prática uma retomada da idéia de Patrimônio Cultural, muito embora acrescida de uma concepção mercadológica que o trata como mercadoria cultural. Paoli, M. C. no prefácio do livro Contra Usos da Cidade (2004) diz:

“Não se pode entender esse debate com clareza sem entender a experiência real das cidades atingidas pelo processo de “gentrificação”. Em outros termos sua narrativa resiste a optar entre a fragmentação dos sujeitos que, em territórios minados descobrem com satisfação a cidade enobrecida e os negócios que ela sustenta , e em seu oposto a desfiguração completa de sujeitos  e espaços urbanos que, impotentes se submetem alienadamente à dominação completa da lógica do falso promovido pelos gordos ganhos do capital imobiliário”.

Todos esses processos urbanos precisam ser pensados como estratégias de ações que contribuam para superação da teoria e prática das ações atuais e abram caminhos para outros usos do território urbanizado. Como ressaltado por Leite (2004, p.70):

“Embora o processo de “gentrificação” possa resultar igualmente em paisagens urbanas estandardizadas, e que poderiam ser consumidas por qualquer pessoa,  a lógica da intervenção não se baseia na indistinção de mercadorias voltadas para as massas”.

Este, acaba por atuar na elitização do espaço, uma vez que suas características principais são a formação de paisagens de poder; a centralidade e a apropriação de certos espaços da cidade. Para o autor essas práticas não se referem apenas aos empreendimentos econômicos em áreas centrais, mas também à uma forte afirmação simbólica do poder. Assim sendo, esses processos contemporâneos de reconstrução de áreas degradadas em território urbanizado, deveriam representar novas práticas sócio-espaciais, que permitissem integrar cultura e gestão social,  tanto quanto a estética à ética.

Território urbanizado e seu significado para o urbanismo

O território urbanizado encontra-se envolvido, por uma teia complexa de implicações científicas, sócio-econômicas, políticas e culturais. Este também se coloca entre as escalas espaciais, local e global. O trânsito  por entre as escalas, é o que permite perceber que na escala local se produz uma contra ordem, como mostra Santos (2006). São nos lugares que ocorrem as resistências e solidariedades, capazes de inverter os processos de dominação do global. Com respeito à esta hegemonia e a perda do valor simbólico do patrimônio cultural ( Pelegrini 2006, p. 22) alertou:

“Talvez o maior perigo enfrentado pelo patrimônio mundial na atualidade, não se restrinja ao descaso público ou às ações do tempo, mas à depauperação do valor simbólico e histórico dos bens culturais e à gestação de espaços globais, pois estes constituem atos de depredação irreversíveis”.

É um desafio urgente reconhecer essas relações e compreender o território.  Para Santos (2006, p.101):

“O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população. Ito é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a  base do trabalho, a resistência, das trocas materiais e espirituais da vida, sobre as quais ele influi. Quando se fala em território deve-se pois logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população”.

O urbanismo, como mostra Meyer (2006) só foi reencontrar o termo território na metade do século XX, quando diante da nova organização do espaço urbano, devido às profundas transformações ocorridas com os seus objetos de estudo (as cidades), os urbanistas se viram com dificuldades para lidar com os próprios instrumentos de análise. Estes tiveram que aperfeiçoar seus instrumentos de leitura e interpretação para poder intervir no território. Para a autora, cabe ao urbanismo saber pesquisar e configurar suas questões a partir de recortes físicos, espaciais, funcionais e temporais do seu novo objeto, - o território urbanizado -. Este, como novo recorte espacial, torna possível uma aproximação do olhar sobre as relações dos atores envolvidos na construção e reconstrução contínua do tecido social urbano. Horacio Capel (2007) em entrevista concedida no Brasil, quando questionado sobre os principais desafios ao urbanismo na atualidade disse:

“Tenho a impressão de que os políticos perderam o contato com a realidade social. Eles estão desconectados dos movimentos populares e a participação dos cidadãos no urbanismo é puramente formal. A maneira como se faz o urbanismo deve ser modificado. Os políticos tomam decisões urbanísticas a partir de assessoria de técnicos que acreditam ser os donos da verdade por controlar o saber técnico. São especializados em arquitetura e têm de fato conhecimentos, mas falta a participação de outros especialistas nos planos  urbanísticos como antropólogos, economistas, sociólogos e geógrafos”.

A afirmação de Roncayolo (1993, p. 94) de que “a cidade é um território que organiza territórios” serve para  mostrar o enfraquecimento da cidade compacta como foco central do urbanismo, e a necessidade das cidades contemporâneas serem analisadas na escala territorial da geografia

Educação Ambiental e Cultura no território urbanizado

Primeiramente, como alerta Santos (2000), é preciso esclarecer as referências de cultura que estão sendo abordadas, e quais queremos abordar. Queremos a cultura de massas que se alimenta das coisas, que é inimiga da consciência e indiferente ao social e ao ambiental, ou a cultura profunda, a cultura dos homens que fala das suas necessidades?

Na verdade, o que está predominando nas cidades contemporâneas, no contexto da globalização, é a estandardização das paisagens. Os espaços urbanos são apropriados pelos grupos sociais que usam o território como mercadoria. O patrimônio cultural também submetido ao valor mercadológico, ora são vendidos, ora são usados como suporte para o consumo de outras mercadorias como mostra Harvey. Exemplos dessa constatação são os usos constantes dos territórios de patrimônio cultural pelo turismo.  Assim sendo, o que se faz necessário neste momento, é a busca de uma nova leitura do território, capaz de desenvolver e resgatar outros valores para os bens patrimoniais e seus usos, e isto nos remete ao entendimento da Educação Ambiental e da Cultura no território urbanizado. Para Corrêa (2007, p. 2):

“Cultura constitui-se em termo dotado de diversas acepções, sendo um termo, empregado no senso comum e inteligível no âmbito das idéias em discussão. No âmbito das ciências sociais a polissemia é ampla e os debates em torno dos conceitos são numerosos”.

A Geografia Cultural que segundo Corrêa (2007, p. 4) “hoje é um sub-campo plenamente estabelecido no país”, passou por profundas transformações a partir dos anos 70, através de embates de ordem tanto epistemológicos, teóricos como metodológicos. Desses embates nasceu uma geografia crítica que juntamente aos diferentes sub-campos fizeram surgir  nos anos posteriores a chamada geografia renovada onde a geografia cultural aparece com um nítido sentido político, onde “significados “ passa ser a palavra chave dessa corrente de pensamento. Ainda Corrêa (2007) revela que segundo Myers, Mac Greevy, Carney e Kenny (2003) ao avaliarem a geografia cultural norte americana da década de 90, eles a viram dividida em três correntes principais: a humanista (fenomenológica de interpretação das paisagens culturais a dos lugares); a pós - estruturalista que (apresenta vários caminhos e recusa em aceitar uma única interpretação da sociedade e seu espaço) e a terceira consubstanciada no materialismo histórico.

Para Soja, (1993:19) e reforçado por Bortolozzi (2001:01) dos confrontos polêmicos

“vem emergindo algo mais: uma teoria crítica mais flexível e equilibrada, que reenlaça a feitura da história com a produção social do espaço. Novas possibilidades estão sendo geradas a partir desse entrelaçamento criativo, possibilidade de um materialismo simultaneamente histórico e geográfico; de uma dialética tríplice do espaço, tempo e ser social; de uma reteorização transformadora das relações entre a história a geografia e a modernidade”.

Este ponto é de grande importância para o entendimento da educação ambiental, pois esta ao apontar para a necessidade de uma educação criativa, capaz de formar o cidadão cônscio do lugar que ocupa na sociedade, nas diferentes escalas espaciais, também deverá considerar o conhecimento das diferenças culturais como estratégia , na busca da melhoria das condições de vida das pessoas. Assim o ambiente urbano, poderá ser entendido como um novo diálogo entre os homens, e as questões conceituais como um novo significado para o conhecimento produzido na interface dos aspectos técnicos e humanistas, possibilitando-se assim rever posturas e determinadas práticas já estabelecidas. Por existir comunidades urbanas que vivem numa situação de degradação sócio-ambiental, onde as condições de vida seguem precárias e não existe nenhuma atuação cidadã integrada socialmente, é que surge a necessidade de se construir as possibilidades de mudanças. Portanto, na análise do território urbano, é preciso também saber superar uma visão reducionista da paisagem, como esclarece Santos (2007, p. 2), a percepção é sempre um processo seletivo de apreensão e a nossa obrigação é a de ultrapassar a paisagem como aspecto para chegar ao seu significado”. A possibilidade que parece despontar aqui é a de poder alcançá-la através das inter-subjetividades, o que significa integrar na análise do fenômeno urbano, sujeito e objeto, assim como a razão e emoção.

Ao refletir sobre as transformações econômicas e sociais profundas do mundo de hoje, Faria (2001 p.43-44) considera:

“parece evidente que estas também passem pelo desenvolvimento cultural,  (afirmação de direitos culturais já existentes, criação de novos direitos, desenvolvimento do pertencimento, etc.). No entanto, em quase seis mil municípios brasileiros, ela está fora da agenda e em outros é artigo de segunda classe. O que existe, na sua grande maioria é sua instrumentação enquanto reforço de outras atividades consideradas prioritárias, como eventos de inaugurações, comícios, onde os municípios tendem a confundir captação de recursos com dinâmicas culturais”.

Para Santos (2001, p. 4): “Possivelmente isso vem do fato de que o planejamento urbano não é precedido por estudos sobre a cidade”. A análise urbana passa a ser de responsabilidade de técnicos especializados em “coisas”. Faria (2001:44) explica também que com a emergência do denominado “paradigma ecológico” e a idéia do “desenvolvimento sustentável”, e entendendo-se o paradigma como “um complexo interativo de várias dimensões, ganha destaque o papel das diversidades culturais (...)”.

No entanto, aliados à degradação da qualidade de vida, à desestruturação do tecido social das cidades e aos notáveis desequilíbrios contemporâneos, começamos a ter necessidade de construir uma outra  mirada. Para tal, algumas possibilidades existem, onde atores políticos já pensam em planos de governos como algo mais substantivo, em condições de gerar propostas que estimulem ou resgatem a criação de identidades, desenvolvendo grupos culturais, mapeando culturas e buscando suas raízes dentro do território. Além disso, para uma boa gestão das cidades, os  processos  urbanos precisam estar articulados com valores democráticos e com os direitos da população aos bens culturais, territoriais, à cidadania e à vida. Corrêa y Rosendahl (2005) y Corrêa (2007, p. 4) reconhecem que no Brasil, a “Geografia Cultural ganha existência a partir de 1993, com a criação do NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Espaço e Cultura) do Departamento de Geografia da UERJ”. Sintetizando, como mostra Corrêa (2007 p.13):

“Diversa em propósitos e métodos, a geografia cultural oferece aos geógrafos vários caminhos para tornar inteligível a ação humana. Não há um único caminho que a priori seja melhor que o outro. O pesquisador deve decidir que caminhos seguir, a partir de suas indagações, a partir de sua atividade indagadora”.

Educação Patrimonial: seus caminhos e possibilidades

Atualmente, no contexto atual do “meio técnico-científico e informacional” (Santos, 1994), quando a informação assume papel cada vez mais relevante em nossas existências, através da mídia, da Internet e do ciber espaço, etc,  a educação ambiental e a cultura devem desempenhar papéis preponderantes para a construção da cidadania. Ambas têm a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para a proteção do patrimônio cultural como sendo umas das facetas na luta pela defesa da própria vida. Ë urgente, que tanto a educação como a cultura, muitas vezes ausentes destes pertinentes diálogos, reconheçam a importância do binômio que elas próprias constituem - como um pilar de sustentação das cidades contemporâneas -, e venham se juntar ao debate, para que efetivamente possam difundir uma nova cultura do território. A educação como um todo, a Geografia Cultural e a Educação Ambiental quase omissas na discussão crítica sobre o Patrimônio Cultural, poderiam repensar suas práticas atuais e incorporar a educação patrimonial como um elemento chave para análises mais profundas sobre os valores éticos, estéticos, e sócio-ambientais da nossa sociedade.

Assim sendo, a educação patrimonial deveria estar inserida no rol das preocupações tanto da chamada educação ambiental como da educação como um todo, valorizando as culturas urbanas locais. Os efeitos dos impactos sócio-ambientais, das intervenções urbanas atuais muitas vezes promovem a exclusão social, quando em nome da chamada “revitalização urbana” ou “recuperação de áreas degradadas” podem provocar o deslocamento parcial ou total das comunidades. Não há dúvidas sobre a importância da educação patrimonial em estudos sobre as cidades contemporâneas. Dois trabalhos de orientação, na minha linha de pesquisa, do Programa de Pós-graduação da Geografia no IG - UNICAMP, um de mestrado já concluído em 2007, intitulado “O Engenho Central de Piracicaba como Patrimônio Industrial: usos e ruídos do território urbanizado”, por Carmen Blanco,  e outro de doutorado em andamento, por Luzia Joinhas,  sobre o antigo Horto Florestal de Rio Claro – SP, intitulado “Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade”: Entre a memória e o esquecimento”,   ilustram muito bem a necessidade desse novo olhar para o território urbanizado nas cidades contemporâneas brasileiras.

Os espaços urbanos nas áreas de estudo em ambas as pesquisas citadas, são analisados como “territórios de usos”, e puderam revelar os conflitos existentes, entre os desejos de seus habitantes e moradores aos direitos de cidadania,  portanto ao direito ao entorno, aos bens culturais e territoriais, e o seu oposto, os comandos dos governos, poder púbico, as empresas, etc. Estes espaços são territórios urbanizados, em constante uso que em meio às contradições que lhes são inerentes passam a expressar,  através dos seus interlocutores, os valores da nossa história, nossa cultura e identidade. A inserção desses exemplos neste trabalho justifica-se por vir de encontro às reflexões até aqui empreendidas, no que concerne a importância da inclusão da gestão social no trato da questão ambiental urbana via dinâmica territorial e  gestão territorial. A gestão ambiental que geralmente contempla apenas a administração dos recursos naturais  é reducionista e não prioriza os valores sociais. Já a gestão territorial ao compreender o território como sinônimo de “cultura” e “relações” de poder administra também os conflitos de interesses podendo assim, também incorporar os valores sociais. Isto permite ouvir as necessidades das comunidades para tornar as cidades mais humanizadas. Assim, o diálogo entre território urbano, geografia cultural e, a educação podem revelar também as contradições das práticas atuais de preservação do patrimônio cultural das cidades contemporâneas do mundo e do Brasil.

Considerações finais: algumas proposições para a inserção social das comunidades 

- Que a Educação Patrimonial possa vir a ser inserida no rol das preocupações da Educação Ambiental – já institucionalizada -, e que esta seja incluída nos programas de planejamento urbano, o qual através de uma gestão territorial  integrada,  possa ampliar o debate sobre a cidadania e sobre as propostas voltadas para o patrimônio histórico-cultural,  como uma estratégia para a melhoria das políticas públicas urbanas.

- Que a Educação Patrimonial possa ser um importante interlocutor no diálogo entre público/ privado, portanto entre a população, as comunidades, poder público, empresas e universidade, a fim de participar do desenvolvimento local e da preservação dos bens patrimoniais nas cidades brasileiras.

- Que a Educação Patrimonial possa promover os valores sócio-ambientais, que permitam reorientar os usos dos bens territoriais culturais, disponíveis nos territórios urbanizados do mundo e do Brasil, para a inserção social das comunidades na gestão das cidades contemporâneas.

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