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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO: POSSIBILIDADE DE CONSENSOS?
O CASO DA PLANÍCIE CAMPECHE EM FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA, BRASIL

Edilaura Ana Steffens
Mestranda em Geografia Humana, Universidade de Barcelona.
edilaura@gmail.com

Plano Diretor Participativo: Possibilidade de consensos? O caso da Planície Campeche em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil (Resumo)

Atualmente, são cada vez mais constantes as discussões sobre a participação da população nos processos de elaboração de planos urbanos, como um elemento de democratização da gestão pública.

Esta comunicação discute a experiência de planejamento urbano no município de Florianópolis e, em particular, o planejamento elaborado pela Prefeitura Municipal para a “Planície entre Mares” na região do Campeche. Nesta localidade, houve uma grande resistência aos planos municipais por parte da população local preocupada com a preservação natural e sustentabilidade da região. Essa resistência se evidencia na organização e elaboração de um seminário comunitário, no ano de 1997. Esse seminário possibilitou a participação dos moradores e resultou na elaboração de um documento, Dossiê Campeche. Esse documento serviu, posteriormente, de base para a construção de um Plano Diretor Comunitário em 2000, que foi apresentado para a Câmara de Vereadores juntamente com o plano elaborado pela prefeitura. No ano de 2003 a comunidade entra com um pedido judicial tendo por base o Estatuto da Cidade. Estas intervenções e pressões populares resultaram na retirada do Plano Diretor do legislativo municipal. No ano de 2005 se retoma a discussão e elaboração de um novo plano, que permanece até este momento.

Palavras-chave -  Planejamento urbano, participação, consensos

Master Plan Participative: Possibility of agreements? The case of the Campeche Plain in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil (Abstract)

Nowadays, the discussion about citizen’s participation in urban planning process, as an element of democratization of the public administration, is more and more frequent.

This essay discusses Florianópolis the urban planning experience focusing, on the plan elaborated by the Municipal Government Concerning “Plains between Seas” in the Campeche region. In this region the local population worried with the natural preservation and sustainability, resisted a against the government plans. This resistance if evidenced in the organization and elaboration of a communitarian seminary, in the 1997. Ding this seminary as made possible the residents participation resulting in the elaboration of a document, Dossiê Campeche, which serving later as basis to elaborate a “Communitarian Master Plan” in 2000. This plan was presented to the Municipal Council al together with the plan elaborated the government. In 2003 the community entered with a judicial order based on the “Statute of the City”. These popular interventions and pressures has resulted in the withdraw of the Master Plan of the Municipal Council. In 2005 the discussion and elaboration of a new plan, was opened remains until and now.

Key words - Urban planning, participation, agreement

Os problemas e as dinâmicas urbanas aparecem cada vez mais complexos, conturbadas e contraditórias e na tentativa de buscar soluções e respostas a estes problemas, é comum que se remeta logo ao planejamento como a única alternativa. Porém, planejar não é um processo que ocorre de maneira simples, e tampouco é a solução para todos os problemas, muito pelo contrário, apresenta diversas e inúmeras complexidades. A discussão planteada e a maior dificuldade que vem sendo enfrentada por gestores, por técnicos e principalmente pela população é como construir a cidade de uma forma conjunta, democrática e eqüitativa. A tensão não aponta somente para a participação da população em si, nos processos de planejamento, e sim aponta estar diretamente vinculada aos conflitos sociais que definem o próprio espaço territorial. Neste sentido, o embate conceitual sobre quem, como e que intensidade de participação exercem no processo, se apresenta em realidade os conflitos sobre quem exerce o poder em relação a outros em determinados espaços urbanos.

Como em diversos cidades, apesar de transparecer imagens democráticas, flexíveis e estimulantes de participação e discussão de vários segmentos da sociedade, nos processos de planejamentos, em realidade, a maioria da população se localiza à parte do processo ou apenas com o caráter consultivo.  

Cabe destacar que as iniciativas e as experiências de gestão urbana, nas últimas décadas, que buscam implementar modelos de políticas participativas, de gestão democrática, dentre outros, como o modelo de Pressuposto Participativo da cidade de Porto Alegre e de Belo Horizonte no Brasil, sendo considerado referências em contexto sócio-político nacional e internacional, isto por privilegiar a participação popular na gestão dos recursos públicos municipais. Estes exemplos levaram a outras cidades a impulsionar processos de participação na elaboração dos pressupostos como em caso de Espanha.

Entretanto, nem todas as concepções e experiências “participativas” podem ser caracterizadas como meramente legitimadoras. Como apontam  Capel (2007) e Casellas (2007), no caso do “modelo Barcelona”, que mesmo, difundindo uma imagem de administração pública e participativa demonstra em realidade que ainda carece de instrumentos de inclusão e participação de amplias camadas da sociedade civil. Nestas e outras propostas ainda transparece uma tendência de compreender a participação como exercício de meras “ações de fala” ou “atuação simbólica” (Randolph, 2007).

O que está evidente é que nos processos de planejamento, sempre se apresentam os conflitos existentes entre Estado, meios de produção e sociedade civil, assim como apresenta Gohn o planejamento,

“[...] se trata de um processo dialético, conflituoso e contraditório. Ninguém induz sozinho, há um sistema de correlação de forças no qual a cada pressão há uma resposta ou uma atuação antecipada às pressões. É uma luta. Se algum grau de democratização é obtido no processo, é graças às lutas e não à clarividência ou à predisposição de algum ator ou setor governamental” (Gohn, 1997: 188).

Nestas pequenas reflexões é possível observar que em diversos casos de planejamento em sua maioria são realizados e executados por técnicos, distante da participação da população, de tal modo neste artigo apresentamos em caráter de exemplo brevemente os conflitos, e resistências existentes no processo de planejamento no município de Florianópolis, mais especificamente a região da Planície do Campeche, que se localiza na região litorânea sul do Brasil, porção sul da ilha do Estado de Santa Catarina, sub região do litoral de Florianópolis (figura 1).

 

Figura 1. Mapa de localização da Planície do Campeche, em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Fonte: elaborado por Edilaura Steffens, com base na Malha Digital do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2001.

 

A planície do Campeche, conta com uma área aproximada de 50 km2 e envolve as seguintes comunidades do sul da ilha de Santa Catarina: Tapera, Ribeirão da Ilha, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras.

O desenvolvimento urbano da cidade de Florianópolis esteve inicialmente vinculado à parte central da Ilha e em uma parte continental com alternativas de incentivo ao turismo, a construção de um pólo econômico e moderno, através da sua expansão populacional. O primeiro Plano Diretor do município foi elaborado em 1952, e se destinava à parte central da ilha e a parte continental do município, não extrapolando os limites para as outras áreas do interior da ilha. Posteriormente, no Plano Diretor de 1976, (Lei Municipal1440/76) serviu de referência para a construção dos Planos Diretores seguintes, se iniciou a inclusão das outras áreas nas estratégias de desenvolvimento, e possuíam funções bem determinadas, incluindo então a região da Planície do Campeche entendida como principal área de expansão da ilha, por se constituir a maior área plaina do município.

O artigo está dividido em quatro secções, a primeira trata, propriamente, de uma breve descrição histórica das ações realizadas pela Prefeitura Municipal de Florianópolis para a região da Planície do Campeche e paralelamente as iniciativas e respostas da população local  frente às propostas da Prefeitura. Na segunda secção, é apresentada algumas reflexões sobre as iniciativas, as formas de organização, mobilização e resistência da população da Planície do Campeche, nos períodos anterior e posterior a aprovação do Estatuto da Cidade, enquanto instrumento normativo de participação popular.

Na secção seguinte, apresenta-se uma discussão sobre os conflitos, os limites e possibilidades de consensos que permeiam o longo período e processo de elaboração de um plano diretor para a região em apresentação. Não se pretende aqui sobrecarregar o texto com uma grande carga de informações ou conceitualização, muitas das quais, podem se tornar repetitivas, porém, apontar de maneira clara apenas para uma direção, ou reflexão, com um caráter de estudo inicial sobre o tema de planejamento em Florianópolis.

Ao final, esboça-se algumas considerações sobre o que foi discutido ao longo do trabalho.

Planejamento Urbano: as ações da Prefeitura Municipal de Florianópolis para a Planície do Campeche, versus as reações populares.

No ano de 1985 foi criada a Lei Municipal 2193/85, conhecida como o Plano Diretor dos Balneários, tendo como objetivo principal regular e disciplinar a ocupação do solo, promovendo à localização, o acesso, a implantação das edificações, os limites para a construção e para a produção agrícola. Adequando a lei 2193/85 (Plano Diretor dos Balneários), numa extensão do plano de ação para o desenvolvimento da região do Campeche e como parte das políticas que visavam à construção da “tecnópolis catarinense”, em 1992 o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) termina a primeira proposta do Plano de Desenvolvimento do Campeche, posteriormente chamado de Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares cuja elaboração se iniciou em 1989 (e apresentação oficial à Câmara dos Vereadores em 1995). Para o IPUF (1995), este plano vem possibilitar “uma cidade baseada no turismo e na alta tecnologia, com capacidade para abrigar cerca de 450.000 habitantes e, que será capaz de colocar o Município de Florianópolis, coerentemente com o século XXI” (Bento, 2004: 156).

Dentre os objetivos específicos do Plano elaborado pelo IPUF (1995) constam:

Concomitante a elaboração do Plano Diretor para os Balneários, em 1985, na comunidade do Campeche, foi criada a Associação de Surf do Campeche que já se demonstrava preocupada com a preservação das dunas e restingas com a crescente ocupação urbana na região, e questões relativas a equipamentos e serviços urbanos. No ano de 1987 realiza o um primeiro seminário exigindo a redefinição do Plano Diretor, inclusive, dando ênfase à participação comunitária. Como resultado da mobilização, em 1989 foi elaborado uma Carta dos Moradores do Campeche Sobre os Projetos de Urbanização da Área.

Mesmo com as mobilizações, em 1992 o IPUF finaliza a elaboração deste Plano de Desenvolvimento do Campeche, e já é encaminhado para a Câmara de Vereadores Municipal para a aprovação. Porém, por pressões da população local a discussão do Plano foi adiada durante este ano, e no ano seguinte, em 1993, busca apoio de técnicos e profissionais para a implementação do Plano. Porém, o que o Instituto não esperava era que estes surgiriam inúmeras críticas a respeito das propostas do Plano, principalmente referente ao grandioso sistema viário previsto, o alto gabarito dos prédios e das prováveis conseqüências sócio-ambientais desastrosas – principalmente por motivos da alta densidade populacional e baixa capacidade de abastecimento de água juntamente a inexistência de tratamento de esgoto. Apesar destas críticas, mesmo assim o IPUF apresenta a Câmara, o Projeto em 1995, sem alterações. E novamente por organização e pressão da população da localidade, a discussão do Plano foi paralisada neste mesmo ano.

No ano seguinte, em 1996, a tramitação do projeto foi suspensa, e somente em 1997 o Projeto foi reapresentado pelo Instituto, de forma fragmentada para as comunidades que abrangiam a Planície, e estava todo o território subdividido em 36 Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs). O Instituto então estabeleceu um prazo de 42 dias para que estas comunidades se pronunciassem sobre o Plano, enquanto a UPEs da qual fazia parte.

Muitas destas comunidades se recusaram a se pronunciar por não concordarem com o parcelamento elaborado pelo IPUF e também com o prazo de poucos dias, não sendo possível realizar consultas aos moradores. No caso do Bairro Campeche, a proposta foi apresentada para uma assembléia de aproximadamente 200 moradores, e neste momento a proposta foi rejeitada. Após a rejeição do Plano, se iniciou uma ampla mobilização e organização na comunidade e foi criado o Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV), que com o objetivo de apresentar propostas alternativas, busca apoio e pareceres técnicas junto aos profissionais da Universidade Federal - UFSC e ao mesmo tempo encaminha uma solicitação ao Instituto para adiar, para mais trinta dias, o prazo de manifestação de propostas de alteração do Plano da UPEs. O Instituto, respondeu através de uma correspondência à Associação de Moradores, negando o pedido de adiamento do prazo, informando que “a ausência de resposta pela Associação de Moradores será considerada como nada tendo a opor ao plano apresentado”. (MCQV, 1997: Dossiê Campeche).

Neste contexto, a comunidade organiza e realiza, em outubro deste mesmo ano, mais um Seminário Comunitário de Planejamento Urbano do Campeche, que duraram três dias e teve a participação de aproximadamente 250 moradores e técnicos. O seminário teve o objetivo de “discutir a questão do planejamento local em parceria com os órgãos públicos, especialistas, pareceristas e moradores em geral da planície do Campeche” (MCQV, 1997:10).

O movimento convida de maneira formal os órgãos de planejamento da administração municipal para participarem, discutirem e planejarem conjuntamente as propostas para a região. Porém, alegando constrangimento, os órgãos não compareceram ao evento comunitário. Como resultado deste seminário, foi elaborado e entregue ao Instituto em novembro deste ano o documento Dossiê Campeche, que consta com 240 páginas. Este documento elaborado pela comunidade apresenta mais do que uma crítica crua ao Plano elaborado pelo Instituto, e sim busca apresentar uma análise com bases em argumentos técnicos, científicos e políticos e passa a adotar uma postura protagonista no processo de planejamento urbano. Neste sentido, o Dossiê Campeche apresenta uma série de propostas e indicações para a elaboração de diretrizes e instrumentos de planejamento da comunidade.

Em resposta a este documento, o IPUF elaborou um parecer técnico nº 214/98 onde, dentre outras depreciações, desconsidera o seminário comunitário por ter sido realizado “mais de 20 dias após, o prazo de 42 dias estabelecidos anteriormente pelo órgão para a apresentação de sugestões. Ainda, contestam a representatividade e integridade de alguns autores dos pareceres técnicos, por motivos de alguns deles residirem na região do Campeche, imputando-se vício de parcialidade. Em 1999, o Plano elaborado pelo IPUF foi encaminhado a Câmara Municipal, sem alterações. Porém mais uma vez, os tramites foram interrompidos por pressões populares”.

Neste mesmo ano, foram retomadas as discussões e reuniões entre IPUF e comunidade, na tentativa de chegar a um consenso sobre as discordâncias que já estavam explicitadas nos processos anteriores. Apesar de inúmeras reuniões e encontros, não foi possível estabelecer acordos e consensos.

Assim, o Movimento Campeche Qualidade de Vida organizou juntamente com os moradores da região mais uma assembléia onde foi aprovado o Plano Alternativo da Comunidade, juntamente com os Projetos de Lei Substitutivos para a aprovação da Câmara de Vereadores. No ano de 2000 o Plano Alternativo da Comunidade foi entregue para apreciação na Câmara de Vereadores.

No ano de 2001 ocorre uma audiência pública para analisar e discutir os dos Planos apresentados. Em junho deste mesmo ano, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal informa que decidiram pela elaboração de um terceiro Plano Diretor, na tentativa de mesclar ambos os planos propostos. Mais uma vez, a organização comunitária, não concorda e não aprova a decisão e avalia que o Plano utilizado como base haveria sido o proposto pelo Instituto e que o Plano comunitário somente teria sido levado em conta em aspectos logicamente consensuais como, por exemplo, a necessidade de implantação de rede de tratamento de efluentes, algumas áreas comunitárias e áreas verdes, etc.

Já no ano de 2003 a Associação de Moradores do Campeche (AMOCAM) juntamente com a União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (UFECO) entraram com uma liminar judicial contra o Presidente da Câmara de Vereadores, de acordo com os artigos do Estatuto das Cidades – Lei 10.257/2001, que estabelece obrigatoriedade de audiências públicas com as comunidades antes da definição de Planos Diretores, e foi suspensa a apreciação do Plano Diretor da Planície entre mares. Em 2005, por motivos de proximidade e como limite para revisão de Planos Diretores, (outubro de 2005) estabelecido pelo Estatuto das Cidades, foi retomada a discussão sobre o Plano da Planície, e os vereadores teriam apenas 10 dias para avaliarem a documentação elaborada pelo Instituto e posteriormente fosse encaminhado para votação. Porém, esta tentativa também foi mal sucedida, sendo que o próprio Estatuto exige que o Plano Diretor Municipal compreenda o município em sua totalidade e não parcializados ou regionalizados.

Na tentativa de se adequar aos prazos e normativas do Estatuto das Cidades, a Prefeitura Municipal de Florianópolis iniciou no final de 2005 o processo de elaboração do seu novo Plano Diretor, assim as expectativas e tensões referentes às perspectivas de participação popular permanecem latentes entre a administração municipal e a comunidade do Campeche, neste momento de planejamento urbano para a cidade. Novamente através do Instituto de Planejamento Urbano, no dia 01 agosto de 2006 foi realizado uma audiência pública para a constituição de um Núcleo Gestor Municipal, visando a legitimação e participação popular. Em este sentido, as discussões e os trâmites deste processo não serão analisados neste trabalho, por motivos que estar ainda em faze de elaboração.

A resistência e participação popular, antes e depois do Estatuto da Cidade

Na trajetória histórica de mobilização comunitária, constata-se que desde a década de 80 a população vem participando com vistas a contribuir para fazer do Plano de Desenvolvimento do Campeche uma garantia de qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. Desde aquele momento, o mais coerente teria sido o Instituto possibilitar a participação da população que o rejeitava, a fim de conhecer os anseios e interesses da comunidade, assim como as insatisfações e as possíveis falhas que consideravam e viabilizar um plano legítimo em co-responsabilidade com a comunidade residente. Porém, a postura assumida pelo IPUF foi contrária.

A comunidade do Campeche, desde o início de suas mobilizações, a cerca da temática do planejamento urbano possui uma postura transparente de protagonismo comunitário. Suas ações reivindicativas foram permeadas constantemente pela discussão em relação à sua participação nos processos de planejamento e gestão urbana. Já em 1989, com a 1ª Carta dos Moradores do Campeche Sobre os Projetos de Urbanização da Área já continha linhas dedicadas à solicitação de mecanismos de participação. Durante o conflito em relação ao Plano do IPUF, desde 1992 a comunidade rejeita posturas que somente lhe ofereçam a possibilidade de opinar e/ou sugerir alterações. Reivindica sua capacidade de autodeterminação e o reconhecimento pelo Estado desta capacidade – uma vez que a autogestão plena necessitaria, para poder existir, de uma sociedade realmente autônoma que a envolvesse.

A iniciativa, a organização, e realização de reuniões, assembléias, seminários, a busca de informações e apoios técnicos na elaboração de documentos e de um plano Alternativo da Comunidade expressam e reafirmam a necessidade da participação comunitária na definição das políticas de urbanização do município de Florianópolis.

A partir do ano de 2003 o movimento popular do Campeche, com um pleno conhecimento de seus direitos e deveres enquanto “cidadãos”, se organiza com outros movimentos municipais e traz a tona a Lei 10.257 – Estatuto da Cidade aprovado em 2001, que é entendida como um meio e não como um fim, e em seu parágrafo único do 1º artigo expressa de maneira clara do que se trata:

“Art.1º. (...) Normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (Art.1º. Estatuto da Cidade; 2001).

Referente à participação da população, estabelece em seu art. 2º diretrizes:

“II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (Art. 2º, Estatuto da Cidade; 2001).

Ainda, em seu artigo 40º segue:

“Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

§ 2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.

§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos” (Art. 40º, Estatuto da Cidade; 2001).

Assim, a participação comunitária é o componente novo na proposta de planejamento urbano previsto na Lei, capaz de conduzir a mudanças mais significativas nas cidades, porém não é somente o fato de existir uma lei que isso realmente vá se concretizar, pois o processo participativo acontece dependendo do nível da maturidade dos movimentos sociais e do envolvimento da população e deve avançar para além do próprio Estatuto da Cidade. Cabe salientar que a existência desta lei ajuda no processo, como foi o caso da própria aprovação da Lei do Estatuto da Cidade, que foi resultado de uma grande mobilização e participação social.

Neste sentido, com a aprovação da Lei, a comunidade do Campeche passa a ter um instrumento legal, que prevê e obriga ao Instituto de Planejamento, enquanto órgão representante da Prefeitura Municipal, a criar mecanismos que possibilite a participação da população na elaboração do Plano Diretor da cidade. Ou seja, o Estatuto da Cidade é apenas uma regulamentação à disposição dos municípios e da população, mas é o Plano Diretor municipal que vai expressar de maneira concreta e objetiva a participação da comunidade, não somente na fase de elaboração e votação, mas, sobretudo, na execução e gestão das decisões tomadas no plano. Neste caso, o movimento popular organizado do Campeche, soube utilizar e fazer valer com suas ações os princípios estabelecidos na Lei, exigindo e conseguindo impedir algumas ações por parte do Instituto até a formação do Núcleo Gestor Municipal em 2006.

Ao conceber a necessidade de participação popular somente a partir da instauração do Estatuto das Cidades, o IPUF abre a possibilidade de ao menos duas compreensões em relação à sua concepção de participação. Em primeiro lugar, é possível entender que a participação – antes sequer cogitada – passa a ser compreendida como apenas mais um requisito legal a ser cumprido pelo órgão planejador do município. Por outro lado, não tão distante do primeiro, a participação pode passar a ser vista enquanto uma associação de valor ao produto “Florianópolis”, buscando propagar a idéia de que o planejamento da cidade foi realizado com plena participação cidadã. Independentemente da perspectiva adotada, a preocupação com a qualidade e efetividade da participação popular não consta em realidade. A preocupação está em garantir o rótulo “participativo” à cidade.

Atualmente, com vistas ao processo de elaboração do novo Plano Diretor de Florianópolis, iniciado em 2006, os moradores da comunidade do Campeche vem se organizando novamente, a partir da formação de um Conselho Popular com atividades periódicas, organização de assembléias e novo seminário comunitário na tentativa de concretizar a elaboração de um plano Diretor integrado e participativo para o município de Florianópolis.  

Possibilidade de consenso?

É possível observar que a história do planejamento urbano da cidade de Florianópolis, no caso aqui analisado, a Planície do Campeche, não difere em muitos aspectos da história observada em diversas outras cidades nacionais e internacionais.

A visão tradicional de uma política tecnocrática, a herança da perspectiva modernista de urbanismo, garante ainda às práticas de planejamento e gestão urbanas uma característica reconhecidamente autoritária e antidemocrática.

É possível observar nitidamente que, nos embates e divergências entre as intenções do IPUF e as intenções da população da Planície do Campeche, revelam a existência de incompatibilidade conceitual e metodológica quanto à natureza e finalidade da participação popular no processo de planejamento no município de Florianópolis.

A postura e atitudes adotadas pelo IPUF demonstram claramente sua compreensão e concepção sobre planejamento urbano, vendo ainda como um objeto de estudos e de trabalho, apenas e exclusivamente de técnicos e profissionais, considerados devidamente capacitados para exercerem a papel de planejadores urbanos. Neste sentido, mesmo que os modelos urbanos, atualmente, estão orientando-se na busca de novas alternativas e mecanismos que visam à participação dos diversos agentes societários, ainda atribuem, grande responsabilidade à função de pensar o futuro desejável para as cidades, aos profissionais considerados “competentes”, ou seja, ao corpo de técnicos e profissionais que compões majoritariamente os órgãos de planejamento. Este legado que o urbanismo moderno deixou e que ainda está presente é marcado por uma prática de planejamento com bases na racionalidade disciplinadora e pela negação de grande parte da população, no pensar e fazer a cidade.

Em muitos casos, a participação popular é pontuada enquanto condição sem a qual não há possibilidade para a efetiva aplicação prática do que já foi planejado anteriormente pelos técnicos, diferentemente e contraditório, do que seria a participação enquanto direito e condição essencial para a construção de uma cidade mais justa. Isto se demonstra na realidade, quando a participação ocorre apenas com o caráter de mero homologadores, exercidos por representantes populares, muitas vezes sem possuírem condições informativas, técnicas, e até mesmo de elementos ou subsídios de mobilização popular real para adotarem uma postura de protagonistas na elaboração das políticas urbanas municipais.

Neste sentido, a não preocupação e o não comprometimento com a dimensão real e qualitativa da participação popular, por parte dos órgãos de planejamento - neste caso o IPUF - faz com que se utiliza apenas, a participação, enquanto criação de uma imagem ou rótulo, de uma “cidade participativa”, revelando uma abordagem baseada em uma perspectiva que não abandonou suas origens tecnicista e racionalista. Com base em estas concepções de participação popular, o IPUF e prefeitura municipal de Florianópolis, tentam garantir o controle sobre as decisões referentes ao desenvolvimento urbano do município. Todavia, IPUF e prefeitura, consideram indispensável à necessidade da criação desta imagem, as atenções se voltam para os instrumentos e mecanismos a serem utilizados por eles mesmos, que ao mesmo tempo em que possam garantir a imagem “participativa”, não percam o poder de decisão.

Estes processos com caráter burocrático possuem, dentre outras intenções, a capacidade de desmobilizar os atores sociais, de maneira a prejudicar sua organização seu crescimento enquanto movimento, como ocorreu no ano de 1997 com algumas comunidades que se sentiram desmotivadas e deixaram de manifestar suas opiniões e interesses, sobre as subdivisões do território em Unidades Espaciais de Planejamento (comentado no inicio do texto). Neste sentido, vê-se a necessidade como em muitos casos, de radicalizar a independência comunitária em relação às instituições estruturalmente heterônomas, tendo como horizontes e objetos de pesquisa os mecanismos e instrumentos que auxiliem a autogestão comunitária de seu território.

Nesta perspectiva, cumpre resgatar que esta hipótese central envolve a afirmativa de que, enquanto a comunidade e a municipalidade não acordam sobre o conteúdo do Plano de Desenvolvimento para a Planície Entremares, e conseqüentemente para todo o município, a região vai sendo ocupada de forma desordenada e desrespeitando às diretrizes de proteção ao meio ambiente outras legislações municipais. É urgente a adoção de um meio eficaz para equacionar o conflito.

Para o IPUF (1997), os critérios de uso do solo para esta região, tão almejado tanto pelo IPUF quanto pela comunidade, têm abordagens diferenciadas. No entanto, apesar do infindável conflito existente entre as idéias de ambas as partes, estas concordam que existe a necessidade urgente de implantação de um plano diretor para a região, em decorrência principalmente de vários fatores, tais como:

Neste compasso, não há como deixar de perceber, que nem mesmo o consenso sobre a importância de um plano diretor para a região da “Planície entre Mares”, é suficiente para fazer com que os representantes da comunidade e os administradores públicos elaborem um Plano que satisfaça os interesses da coletividade. Diante da imposição constitucional de democracia direta através da participação popular na elaboração e avaliação das políticas sociais, também no que se refere às políticas públicas urbanas, não há mais como o poder público impor suas diretrizes à população. Assim, entre os caminhos que se vislumbra para a solução do conflito tem-se, em primeiro lugar que, no mínimo a administração pública envolvida na elaboração de planos diretores, se coloque de forma efetivamente comprometida com o interesse da população.

Considerações finais

A título de conclusão, é possível considerarmos que existem fronteiras e limites conceituais e metodológicos que impedem um consenso que atenda plenamente tanto a pretensões e do Instituto de Planejamento, quanto às pretensões comunitárias. A função estrutural da prefeitura municipal, representada pelo Instituto de Planejamento, bem como sua constituição técnica e burocrática, lhe possibilita considerar a adoção de instrumentos e metodologias ao processo de planejamento, para que atinjam um grau mínimo participativo, visto como este grau não o faz abandonar de seu papel de definidor e de exclusivo executor das políticas urbanas e, ao mesmo tempo, possibilita acrescentar legalmente um rótulo de um processo participante. Por outro lado, os anseios e posturas da comunidade organizada apontam para, no mínimo, alternativas processuais e metodológicas que possam garantir ou mesmo apontar mais diretamente para uma prática autonomista e participativa.

O plano diretor não deve ser visto e encarado apenas como um documento técnico, como algo distante dos conflitos e da realidade que caracteriza a cidade, ele deve ser é um espaço de debate, entre cidadãos e técnicos, para definição de opções e alternativas, conscientes e negociadas, para uma estratégia de intervenção no território.

A nova visão de planejamento urbano tem que ser assimilada por todos envolvidos no processo. Os planos diretores elevados à condição de instrumentos básicos da política de desenvolvimento e de expansão das cidades pressupõem a participação da comunidade, com domínio do conteúdo, das possibilidades e limitações para sua intervenção no processo. A elaboração de plano diretor exige dos administradores públicos e da comunidade espírito de cooperação na busca de alternativas para administrar os conflitos de interesse.

 

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SOUZA, M. L. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, 366 p.

 

Referencia bibliográfica:

STEFFENS, Edilaura Ana. Plano Diretor Participativo: Possibilidade de consensos? O caso da Planície Campeche em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/197.htm>

 

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