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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

REDES AGROINDUSTRIAIS E URBANIZAÇÃO DISPERSA NO BRASIL

Denise Elias[1]
Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
deniselias@uol.com.br

Redes agroindustriais e urbanização dispersa no Brasil (Resumo)

Ao lado da metropolização, o Brasil passou por significativas transformações urbanas, a partir dos anos de 1980, quando crescem também as cidades médias e locais. Tudo isto promove a quebra de paradigmas, fazendo com que os antigos esquemas utilizados para classificar a rede urbana brasileira, as divisões regionais e as regiões metropolitanas, até hoje amplamente empregados, encontrem-se, em parte, ultrapassados. Uma das vias de reconhecimento das mudanças é a compreensão de como se processa a produção dos espaços urbanos não metropolitanos associados à reestruturação produtiva da agropecuária. Temos como objetivo principal reconhecer os processos e a dinâmica de (re)produção dos espaços urbanos não metropolitanos e as novas relações campo-cidade promovidas pela reestruturação produtiva da agropecuária, especialmente considerando cidades com papéis de intermediação na rede urbana brasileira, nós importantes de gestão das redes agroindustriais globalizadas.

Palavras-chave: Reestruturação produtiva da agropecuária; redes agroindustriais; cidades médias; Brasil.


Agro-industrial networks & disperse urbanization in Brazil (Summary)

Beside the metropolitan process, Brazil has experienced significant urban transformations, starting from the years of 1980, when the medium size and local cities also increase. All this promotes the breaking of paradigms, so that the old outlines used to classify the Brazilian urban network, the regional divisions and metropolitan areas, until now largely used, are, in part, outdated. One of the ways of recognition of these changes is the understanding of the production process of non-metropolitan urban spaces in relation to the restructuring of agricultural production. We have as main objective to recognize the processes and dynamics of (re) production of the non-metropolitan urban spaces and the new field-city relationships promoted by the productive restructuring of agriculture, especially considering cities with intermediation roles in the Brazilian urban network, important nodes for of management of globalized agro-industry networks.

Key-words: productive restructuring of agriculture: agro-industrial networks, medium size cities, Brazil.



O presente artigo procura sintetizar alguns dos fundamentos teóricos e metodológicos que vêm norteando a estrutura significativa das linhas de pesquisa por nós trabalhadas nos últimos anos, com o objetivo de compreender como se processa a produção do espaço urbano não metropolitano, no Brasil, em áreas que passam por processo de reestruturação produtiva da agropecuária, denotando novas dinâmicas aos espaços agrícolas e urbanos do entorno. Reflete também o recorte temático por nós trabalhado em projeto em andamento pela Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe)[2], intitulada Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional, do qual participam profissionais de diversas universidades brasileiras[3].

Para tanto, baseamo-nos no fato de que, paralelamente à metropolização, principal característica da urbanização brasileira nas décadas de 1960 e 1970, o Brasil passou, a partir dos anos de 1980, por significativas transformações urbanas, quando crescem também as cidades médias e locais. Tudo isto promove a quebra de paradigmas, fazendo com que os antigos esquemas utilizados para classificar a rede urbana brasileira, as divisões regionais e as regiões metropolitanas, até hoje amplamente empregados, encontram-se, em parte, ultrapassados, necessitando de uma revisão que dê conta da complexidade da realidade atual.

Uma das vias de reconhecimento das mudanças é a compreensão de como se processa a produção dos espaços urbanos não metropolitanos, aqui incluídas as cidades médias. Com a generalização do fenômeno da urbanização da sociedade e do território, que o Brasil atinge no final do século XX, os trabalhos de investigação científica sobre estas cidades têm sua relevância reforçada, suscitando estudos de alguns dos mais renomados pesquisadores brasileiros, especialmente a partir da década de 1990, sendo que os da Geografia e do Planejamento Urbano e Regional merecem destaque[4].

Como hipótese central, consideramos que a reestruturação produtiva da agropecuária, que atinge tanto a base técnica quanto a econômica e social do setor, tem profundos impactos sobre os espaços agrícolas e urbanos, que passam por um processo acelerado de reorganização. Estes se mostram extremamente abertos à expansão dos sistemas de objetos e dos sistemas de ação (Santos, 1996), próprios do atual sistema temporal, que têm na globalização uma de suas principais características (Santos, 2000; Ianni, 1996). Com a compressão tempo-espaço (Harvey, 1996), o campo apresenta-se como um espaço com menos rugosidades (Santos, 1985), possuidor de uma flexibilidade muito superior à apresentada pelas cidades e, assim sendo, como um lócus de difusão dos capitais industriais e financeiros.

Com a expansão dos sistemas de objetos voltados a dotar o território de fluidez para os investimentos produtivos de uma maneira geral, os fatores locacionais clássicos são redimensionados, ocorrendo uma verdadeira descentralização da produção. Neste contexto, se até a década de 1980, o conjunto da agropecuária da Região Nordeste do Brasil permaneceu quase inalterado, passa a receber vultosos investimentos de empresas agrícolas. O Semi-árido brasileiro[5], notadamente alguns dos seus vales úmidos, que até então, de certa forma, compunham o exército de lugares de reserva (Santos, 1993) para o agronegócio, tornam-se atrativos e são incorporados aos circuitos produtivos globalizados de empresas nacionais e multinacionais hegemônicas do setor.

Tal inserção baseia-se, muito fortemente, no modelo econômico predominante nas últimas décadas no Brasil, claramente de inserção passiva do país à economia e consumo globalizados, cujo objetivo maior é atrelar as áreas e setores econômicos considerados mais competitivos do país à dinâmica do mercado mundializado. Parte do Semi-árido assume, assim, novos papéis na divisão internacional do trabalho agrícola e vive, desde então, importantes transformações socioespaciais (Elias, 2006a,c, 2007c).

Assiste-se, a partir desta inserção, a radical mudança do discurso sobre as possibilidades econômicas do Semi-árido, notadamente nos seus vales úmidos, construindo-se um novo imaginário social sobre estas áreas, consideradas agora com várias vantagens comparativas, para as quais se vislumbram amplas oportunidades para o agronegócio globalizado, em especial, de frutas tropicais (especialmente melão e banana).

O Semi-árido nordestino passa a ser considerado como fração do espaço do planeta cada vez mais aberta às determinações exógenas e aos novos signos contemporâneos. Isto é ainda mais verdade no relacionado aos mercados, cada vez mais longínquos e competitivos; aos preços, geridos pelas principais bolsas de mercadorias do mundo; à pesquisa agropecuária, muitas vezes induzida pelos interesses de multinacionais hegemônicas, e, sobretudo, no referente aos centros de decisão e comando, todos localizados fora da região e mesmo fora do país.

Nas áreas onde se expande o agronegócio globalizado no Brasil, o meio natural e o meio técnico são rapidamente substituídos pelo meio técnico-científico-informacional (Santos, 1985, 1988, 1996, 2000). Isto significa que os espaços agrícolas também se mecanizam e passam a compor parte das redes agroindustriais (Elias, 2006a,b) e, onde a atividade agropecuária dá-se baseada na utilização intensiva de capital, tecnologia e informação, principais forças produtivas do presente período histórico, é visível o incremento da urbanização, do número e do tamanho das cidades.

São muitas as evidências de que a dinâmica da produção agropecuária globalizada é um dos vetores da reorganização produtiva do território brasileiro. Em todas as áreas nas quais se verifica a difusão do agronegócio, processa-se uma reestruturação da economia e do espaço, resultando no incremento da urbanização. Entre nossas principais preocupações, neste momento, está justamente compreender a dinâmica dessa urbanização, especialmente a partir das novas relações campo-cidade.

É notório que os antigos esquemas utilizados para classificar a rede urbana brasileira, as divisões regionais e as regiões metropolitanas, até hoje empregados pelos institutos oficiais de pesquisa do país, encontram-se, em parte, ultrapassados e não dão conta da complexidade da realidade atual. Parece-nos que uma das vias de reconhecimento das mudanças é a compreensão de como se processa a produção dos espaços urbanos não metropolitanos (Elias, 2006a,b, 2007a), nos quais se realizam, a nível local e regional, as condições da reprodução das redes agroindustriais.

O arcabouço teórico e conceitual para a explicação de tais processos e impactos socioespaciais encontra-se em construção, até porque muitos ainda estão em curso. Mas, acreditamos ser possível citar alguns caminhos, sempre com o objetivo de avançar na análise e na síntese desses processos.

Como fundamentos de método, impõem-se a escolha de temas e processos com os quais seja possível reconhecer “a especificidade do novo e sua definição estrutural e funcional; as combinações com os fatores herdados e o seu movimento de conjunto, governada pelos fatores novos, presentes localmente ou não e, também, os ritmos de mudanças e suas combinações” (Santos, 1994: 129). Dessa forma, parece-nos importante refletir sobre questões associadas às novas relações campo-cidade, as quais, em última instância, fazem-nos refletir sobre a territorialização do capital no espaço agrário e, conseqüentemente, nos pontos e nós componentes das redes agroindustriais, comandadas pelas grandes corporações do sistema alimentar globalizado.

O texto visa apresentar os estudos que estamos realizando sobre a cidade de Mossoró e região, pertencente ao Estado do Rio Grande do Norte, notadamente no que tange ao incremento das novas relações campo-cidade inerentes à difusão da produção intensiva de frutas tropicais, visando à exportação.

Tal objeto de estudo mostra-se de extrema importância para a análise do tema, especialmente a partir de conclusões e hipóteses resultantes de pesquisa anterior que realizamos por três anos, que privilegiou a difusão do agronegócio e as novas dinâmicas socioespaciais na Região Nordeste brasileira, especialmente no Baixo Jaguaribe (Estado do Ceará, composta por 10 municípios).

Entre nossas constatações, pudemos observar que a difusão do agronegócio promove a formação de novas regiões produtivas agrícolas, as quais denominamos de arranjos territoriais produtivos agrícolas (Elias, 2006a,b,c). Estes seriam os pontos luminosos (Santos, 1996) do espaço agrário do Semi-árido nordestino, as áreas mais dinâmicas quanto à expansão da modernização da produção e do espaço. Tal realidade acirra a refuncionalização dos espaços agrícolas e leva à difusão de especializações territoriais produtivas, denotando-se inúmeras seletividades, seja da organização da produção, seja da dinâmica do próprio espaço agrícola.

A formação destas regiões produtivas agrícolas obedece aos interesses dos agentes hegemônicos que estão à frente de tais processos, empresas agrícolas nacionais e multinacionais, e isso significa que não seguem necessariamente às divisões políticas administrativas estabelecidas, nem mesmo aos interesses locais, regionais ou mesmo nacionais. É importante destacar que tais regiões contêm também espaços urbanos, especialmente cidades locais, mas também cidades de porte médio.

Entre os mais importantes arranjos territoriais produtivos agrícolas existentes hoje na Região Nordeste, teríamos o inerente à produção de frutas tropicais em alguns vales úmidos do Semi-árido, englobando municípios do Rio Grande do Norte e do Ceará. Esta região tem Mossoró em seu âmago, uma cidade de porte médio, a segunda mais importante do Estado, sendo superada somente pela capital.

Novas dinâmicas das relações campo-cidade

A reestruturação produtiva da agropecuária tem promovido profundos impactos socioespaciais no Brasil, quer no campo quer nas cidades. Isto explica em parte a reestruturação do território e a organização de um novo sistema urbano, muito mais complexo, resultado da difusão do agronegócio globalizado, que têm poder de impor especializações produtivas ao território.

No Brasil, é possível identificar várias áreas nas quais a urbanização se deve diretamente à consecução do agronegócio globalizado. Como é notório, a modernização e a expansão dessas atividades promovem o processo de urbanização e de crescimento das áreas urbanas, cujos vínculos principais se devem às inter-relações cada vez maiores entre o campo e a cidade. Estas desenvolvem-se atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes cuja produção e consumo dão-se de forma globalizada. Além disso, representam um papel fundamental para a expansão da urbanização e para o crescimento de cidades médias e locais, fortalecendo-as, seja em termos demográficos ou econômicos.

Os elementos estruturantes das novas relações campo-cidade podem ser encontrados, por exemplo, na expansão do mercado de trabalho agropecuário que promove o êxodo rural (migração ascendente) e a migração descendente (Santos, 1993) de profissionais especializados no agronegócio, e na difusão do consumo produtivo agrícola (Elias, 2003, 2007b). Ao mesmo tempo, as novas relações campo-cidade dinamizam o terciário e, conseqüentemente, a economia urbana, e evidenciam que é na cidade que se realizam a regulação, a gestão e a normatização das transformações verificadas nos pontos luminosos do espaço agrícola.

A racionalização desse espaço imposta pela difusão do agronegócio deriva da formação de redes de produção agropecuárias globalizadas (Elias, 2006a,b,c) que associam: empresas agropecuárias, fornecedores de insumos químicos e implementos mecânicos, laboratórios de pesquisa biotecnológica, prestadores de serviços agropecuários especializados, agroindústrias, cadeias de supermercados, de distribuição comercial, de pesquisa agropecuária, de marketing, de fast food etc.

Como resultado, temos a intensificação da divisão do trabalho, das trocas intersetoriais, da especialização da produção e a produção de diferentes arranjos territoriais produtivos agrícolas, assim como a reestruturação das cidades no interior desses arranjos produtivos, a mostrar o aprofundamento da territorialização do capital no campo e da monopolização do espaço agrícola.

Defendemos (Elias, 2003, 2005a,c,d, 2006b,c) que é possível identificar no Brasil agrícola moderno vários municípios cuja urbanização deve-se diretamente à consecução e à expansão do agronegócio, e cuja função principal claramente associa-se às demandas produtivas dos setores relacionados à modernização da agricultura. Nessas cidades, que se caracterizam por serem cidades locais ou que desempenham papéis de intermediação na rede urbana, realiza-se a materialização das condições gerais de reprodução do capital do agronegócio.

Paralelamente à intensificação do capitalismo no campo com a difusão do agronegócio, processou-se um crescimento de áreas urbanizadas, porquanto, entre outras coisas, a gestão da agropecuária moderna necessita da proximidade e da cooperação que os ambientes urbanos proporcionam. Tal fato colabora para o Brasil chegar ao século XXI com uma generalização do fenômeno da urbanização da sociedade e do território.

Ao lado da metropolização, principal característica da urbanização brasileira nas décadas de 1960 e 1970, Milton Santos (1993) adverte para o fato de o Brasil ter passado por verdadeira revolução urbana, a partir da década de 1980, com a expansão do fenômeno o qual classifica de involução metropolitana, quando crescem também as cidades médias e locais. Outros preferem usar os termos urbanização difusa, urbanização extensiva, outros, ainda, cidade dispersa. Mas, o importante é destacar que é impossível continuar simplesmente dividindo o Brasil entre urbano e rural. Ainda segundo Santos, uma divisão entre um Brasil urbano com áreas agrícolas e um Brasil agrícola com áreas urbanas refletiria melhor a realidade contemporânea do país.

Uma das conseqüências da reestruturação produtiva da agropecuária no Brasil é o processo acelerado de urbanização e crescimento urbano promovido, pelas novas relações entre o campo e a cidade, que, por sua vez, foram desencadeadas pelas novas necessidades do consumo produtivo agrícola, o qual cresce mais rapidamente do que o consumo consumptivo[6].

Sem dúvida, o impacto de todas essas transformações técnicas, econômicas e sociais na dinâmica populacional e na estrutura demográfica é intenso. Concomitantemente a uma verdadeira revolução tecnológica da produção agropecuária e agroindustrial e às transformações nas relações de trabalho, ocorreu uma revolução demográfica e urbana, marcada por grande crescimento populacional, particularmente nas cidades. Dessa forma, o Brasil tem apresentado acelerado processo de urbanização e notável crescimento urbano.

O desenvolvimento de uma gama extensa de novas relações entre o campo e as cidades deve-se à crescente integração do agronegócio ao circuito da economia urbana. Tal situação dá-se, principalmente, porque o agronegócio tem o poder de impor especializações territoriais cada vez mais profundas. A produção agrícola e agroindustrial intensiva exige que as cidades próximas ao campo se adaptem para atender às suas principais demandas, convertendo-as no seu laboratório, em virtude de fornecerem a grande maioria dos aportes técnicos, financeiros, jurídicos, de mão-de-obra e de todos os demais produtos e serviços necessários à sua realização. Quanto mais modernas se tornam essas atividades, mais urbana se torna a sua regulação.

A cada renovação das forças produtivas agrícolas e agroindustriais, a cada renovação dos sistemas técnicos agrícolas e dos sistemas de ação que lhes dão suporte, as cidades que coordenam os espaços agrícolas de produção intensiva tornam-se responsáveis pelo atendimento das demandas crescentes de uma série de novos produtos e serviços, das sementes transgênicas à mão-de-obra especializada. Isto faz crescer a urbanização, o tamanho e o número das cidades.

As casas de comércio de implementos agrícolas, sementes, grãos e fertilizantes, os escritórios de marketing e de consultoria contábil, os centros de pesquisa biotecnológica, as empresas de assistência técnica e de transportes, os serviços de especialistas em engenharia genética, veterinária, administração, meteorologia, agronomia, economia, administração pública, entre tantas outras profissões, difundem-se por todas as partes do Brasil agrícola moderno que comporia o Brasil agrícola com áreas urbanas.

Com isso, a reestruturação da agropecuária não apenas ampliou e reorganizou a produção material, agrícola e industrial, como foi determinante para a expansão quantitativa e qualitativa da terciarização das economias próximas às áreas de realização do agronegócio, especialmente os ramos associados ao circuito superior da economia (Santos, 1979).

O resultado é uma grande metamorfose e o crescimento da economia urbana das cidades próximas às áreas de produções agropecuárias modernas, paralelamente ao desenvolvimento de um novo patamar das relações entre campo e cidade, perceptível nos diferentes circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação (Santos, 1986a, 1988; Elias, 2003) estabelecidos entre esses dois espaços.

Com a fluidez possível graças à construção dos modernos sistemas de engenharia dos transportes e das comunicações, intensificam-se as trocas de toda natureza, com grandes impactos na vida social e no território, reformulando o sistema urbano antigo. A expansão das redes agroindustriais não apenas repercutiu na estrutura técnica das suas respectivas atividades econômicas como causou profundos reflexos nas relações de trabalho, transformando o conjunto de normas e padrões que as regulavam. Como resultado, ocorre uma nova divisão social e territorial do trabalho, com conseqüências na estrutura demográfica e do emprego, que culminam em acelerado processo de urbanização, o qual se realiza sobre novas bases e gera novas práticas socioespaciais.

Cada vez que o território brasileiro é reelaborado para atender à produção das redes agroindustriais, novos fixos artificiais se sobrepõem à natureza e, desse modo, amplia-se a complexidade dos sistemas técnicos do espaço agrário. Diante disso, o território do agronegócio torna-se cada vez mais rígido, mais rugoso, promovendo uma urbanização corporativa (Santos, 1993; Elias, 2003), empreendida sob o comando dos interesses das holdings hegemônicas do sistema agroalimentar.

A modernização da atividade agrícola e agroindustrial redefine o consumo do campo, que deixou de ser apenas consumptivo para se tornar cada vez mais produtivo, e criou demandas até então inexistentes.

Contudo, não é apenas a cidade que tem força para receber e emitir numerosos e variados fluxos. Hoje, muitas das atividades realizadas no campo, não são necessariamente agrícolas. Essas agroindústrias têm o poder de criar muitas novas relações, próximas ou não, cujos circuitos espaciais da produção e círculos de cooperação buscam nexos distantes. Conseqüentemente, criam uma gama de novas relações sobre o território, transformam radicalmente as tradicionais relações campo-cidade e fazem com que esses dois espaços passem a emitir e a receber larga quantidade de fluxos de matéria e de informação. O resultado é uma total reorganização do território brasileiro, urbano e agrícola, onde se destaca a expansão do meio técnico-científico-informacional não só nas cidades, mas também no campo.

Tudo isso fez da urbanização um processo bastante complexo, dada a multiplicidade de variáveis que nela passam a interferir, como, por exemplo: a modernização agropecuária associada ao setor industrial, com a conseqüente especialização dessas produções; o crescimento da produção não-material, seja associada ao consumo produtivo agrícola ou ao consumo consumptivo; o aumento da quantidade e da qualidade de trabalho intelectual; o intenso processo de êxodo rural; a existência do agrícola não-rural; a migração descendente, etc. É insuficiente, assim, considerar apenas as antigas relações campo-cidade, pois seja o campo, seja a cidade são diferentes do que eram há trinta anos atrás. Quanto mais se aprofunda a divisão do trabalho agrícola, mais intenso e complexo torna-se o processo de urbanização.

No período técnico-científico-informacional (Santos, 1985, 1988, 1993, 1996), as cidades mais importantes dentro de uma região produtiva agrícola moderna passam a desempenhar muitas novas funções. Transformam-se, então, em lugares de todas as formas de cooperação erigidas pelo agronegócio globalizado e resultam em muitas novas territorialidades.

O consumo produtivo agrícola gera demandas heterogêneas segundo as necessidades de cada produto (agrícola ou agroindustrial), assim como durante as diferentes etapas do processo produtivo, diferenciando os equipamentos mercantis. Dessa forma, para compreender a economia urbana das cidades que possuem destacado consumo produtivo agrícola, é importante observar as funções exercidas por cada uma delas durante as diferentes etapas do processo produtivo, como, por exemplo, na safra e na entressafra.

É no período de safra das principais culturas de cada área que podemos distinguir com maior nitidez a especialização da cidade. Esse é o momento mais dinâmico nas várias regiões do Brasil agrícola com áreas urbanas, afetando todos os setores econômicos. Um exemplo marcante é o funcionamento ininterrupto de muitas das agroindústrias cuja manutenção dá-se apenas durante a entressafra. É também no período da colheita que aumenta o número de empregos agrícolas temporários, especialmente para a colheita das culturas que ainda não têm na mecanização a forma predominante de realização desta etapa do processo produtivo. Mas o essencial é destacar que crescem exponencialmente o consumo produtivo agrícola, assim como o consumptivo, os quais geram inúmeros fluxos, materiais e de informação, de diferentes níveis de complexidades.

Ressaltamos, ainda, que quanto mais dinâmica a reestruturação produtiva da agropecuária, quanto mais complexa a formação das redes de produção agropecuária e quanto mais globalizados os seus circuitos espaciais produtivos e os seus círculos de cooperação, mais complexas tornam-se as relações campo-cidade.

Ensaio sobre um espaço urbano não metropolitano inserido em uma nova região produtiva agrícola

Neste item, trazemos como exemplo, o noroeste potiguar, região que tem interessado aos capitais hegemônicos do agronegócio de frutas tropicais para exportação, em especial melão e banana. As vantagens proporcionadas pelos seus vales úmidos, áreas privilegiadas do Semi-árido brasileiro, fazem com que as empresas do agronegócio fruticultor tendam a se expandir na região, contribuindo para tanto as políticas públicas promovidas pelos governos estadual e federal, as quais têm alocado recursos em infra-estrutura necessária ao incremento da agricultura irrigada, bem como garantindo subsídios que possam atrair empresários do setor.

Isto resultou na vinda de empresas agrícolas, nacionais e multinacionais, promovendo, entre outros impactos, mudanças na estrutura fundiária da região, transformações nas relações de trabalho e, especialmente, modificações nos padrões de urbanização, passando a se configurar uma rede de cidades onde despontam aquelas associadas ao agronegócio, polarizadas pela cidade de Mossoró[7]. Esta apresenta contingentes populacionais e terciários diferenciados, uma vez que se encontra em estágio mais avançado de estruturação urbana, guardando pontos de complementação com as respectivas cidades menores dentro da mesma região produtiva.

Segunda cidade mais importante do Rio Grande do Norte dista cerca de 200 km da capital e encabeça uma aglomeração com mais de 600 mil habitantes, composta por cerca de 45 municípios, especialmente do Rio Grande do Norte e do Ceará. Configura-se como uma cidade de porte médio, que tem sua economia dinamizada a partir da diversidade da atividade econômica, ampliando sua importância na região, vindo a se constituir num centro regional com localização entre duas regiões metropolitanas, Fortaleza (CE) e Natal (RN).

Há o interesse de que a pesquisa que estamos realizando seja a mais ampla possível e que ofereça elementos consistentes à análise deste espaço urbano não metropolitano, verificando em que medida ele estabelece identidades com outras cidades com importante função associada ao agronegócio, já que o movimento de expansão do capitalismo no campo tende a promover homogeneidades. Por outro lado, sabemos que uma mesma variável tem diferentes impactos conforme o lugar na qual se apresenta, para tanto dependendo o jogo de relações entre os mais diferentes pares dialéticos possíveis para análise do espaço e da sociedade. Essa constatação estimula o estudo e análise do papel de diferentes atores que alteram de forma diversa, as estruturações urbanas e regionais.

Atividades associadas ao agronegócio da fruticultura, assim como à extração e beneficiamento do sal, à exploração do petróleo e do gás natural, desenvolvidas na região de influência de Mossoró, têm contribuído para o crescimento urbano deste município. Das três, a extração de sal é a mais antiga atividade econômica da região, sendo que a extração de petróleo e gás e o agronegócio de frutas tropicais têm o âmago de seu crescimento a partir do final da década de 1970, sendo a década de 1980 a de consolidação das atividades. É importante destacar que Mossoró é o primeiro produtor brasileiro de exploração de petróleo em terra e o segundo em volume geral (terra e mar, respectivamente).

Uma das dificuldades que sempre se apresenta na maior parte das pesquisas científicas que têm como objeto o estudo de uma localidade, uma cidade, uma região, é como fazer para conseguir captar, transpor a teoria para o estudo do objeto. Desta forma, parece-nos de fundamental importância a definição de questões e temas norteadores, ou seja, que vão direcionar toda a pesquisa, sintetizando o que queremos com a mesma, assim como um conjunto de variáveis que possa colaborar para a melhor apreensão do objeto de análise.

Assim sendo, considerando o objetivo de abarcar como se processa o incremento da urbanização no Brasil agrícola que passa por processos de reestruturação produtiva da agropecuária, parece-nos que dois grandes grupos de variáveis devam ser considerados: um que dê conta de captar as relações campo-cidade que mais de perto possa refletir as novas características do agronegócio e um outro que dê conta do incremento da urbanização e da reestruturação da cidade em si. Naturalmente, que a realidade é bem mais complexa e tais divisões são somente um recurso metodológico. Importante se faz destacar que aqui estamos pensando em espaços urbanos não metropolitanos.

Como tema para abarcar as relações campo-cidade difundidos ou incrementados com as redes agroindustriais, poderíamos citar o consumo produtivo agrícola. Com a fluidez possível a partir da construção dos modernos sistemas de objetos, acirra-se a divisão territorial e social do trabalho agropecuário, intensificando as trocas de todas as naturezas, difundindo o comércio e os serviços, com profundos impactos na vida social e no território. Assim sendo, conhecer a expansão do consumo, seja produtivo, seja consumptivo, e suas formas, intensidade, qualidade e natureza dos fluxos, de matéria e de informação, são importantes para indicar o leque de novas relações entre a cidade e o campo, explicitando formas de organização interna dos espaços urbanos e as novas relações entre os diferentes elos das redes agroindustriais.

O consumo produtivo agrícola é um elemento estruturante da economia urbana das áreas de expansão do agronegócio (Elias, 2003, 2007b), que cresce com a incorporação de ciência, tecnologia e informação ao espaço agrário, obrigando as cidades próximas a suprir suas demandas por insumos materiais e intelectuais. Vale lembrar que para a difusão do consumo produtivo agrícola devemos considerar os sistemas de objetos, os sistemas de ação (Santos, 1996) e os fluxos correspondentes.

São inúmeras as variáveis associadas ao consumo produtivo agrícola gerada pelo agronegócio: empresas comerciais (máquinas e implementos agrícolas, sementes selecionadas, produtos veterinários, agrotóxicos etc); empresas de serviços (pesquisa agropecuária, análise de solos, aviação agrícola, consultoria agrícola, telefonia rural, irrigação, manutenção de máquinas agrícolas, informática, empresas de gestão de recursos humanos, de transporte de cargas, entre outras); empresas de telefonia rural etc.

É importante também citar que os escritórios das principais empresas agrícolas da região frutícola em análise localizam-se, em sua grande maioria, na cidade de Mossoró. Nesta, a relação intrínseca do terciário com o agronegócio pode ser observada a partir das variáveis supracitadas. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (Relação Anual de Informações Sociais - RAIS) indicam que no ano de 2005 existiam, em Mossoró, dois estabelecimentos de comércio atacadista de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso agropecuário (eram cinco em todo o Rio Grande do Norte); um estabelecimento de aluguel de máquinas e equipamentos agrícolas (eram dois em todo o Estado); doze estabelecimentos com atividades de serviços relacionados com a agricultura. Entre estes poderíamos citar o serviço de pesquisa agropecuária, assessoria para fazendas e agronegócios e sistema de irrigação para agricultura.

Trabalhos de campo realizados na cidade durante os meses de janeiro e fevereiro de 2008 revelaram que a atividade de comercialização de insumos e implementos (sementes, adubos, corretivos, rações e produtos veterinários em geral, fertilizantes, material para irrigação, agrotóxicos, máquinas e equipamentos etc) destaca-se com cerca de quinze estabelecimentos. Várias destas lojas, além da venda do produto, prestam também assistência técnica, logística, de manejo das culturas, o que faz com que alguns dos funcionários-vendedores tenham formação superior, como em agronomia. Estes profissionais especializados compõem parte dos fluxos diários entre o campo e a cidade na região de Mossoró, quando realizam o que chamam de visitas técnicas.

A análise dos mercados abrangidos por estes estabelecimentos revela parte dos circuitos espaciais percorridos e a abrangência regional dos mesmos. Não são poucos os estabelecimentos que atendem não só aos produtores do município, mas de vasta região, que abrange não só o Rio Grande do Norte, mas também os Estados do Ceará e da Paraíba, principalmente.

As possibilidades de pagamento destas empresas mostram outra entre as características recentemente incorporadas pelos estabelecimentos comerciais associados ao consumo produtivo agrícola de Mossoró. Além das tradicionais formas de pagamento a vista em dinheiro, cheque (a vista e pré-datado) e boleto bancário, algumas lojas adotam o pagamento com cartão de crédito. Várias foram as que revelaram também que, além das vendas no local, utilizam-se da internet para realização de tal atividade.

Os serviços de ensino técnico e superior, público e privado, são também importantes para observar o peso do consumo produtivo agrícola na cidade de Mossoró, uma vez que é significativa a importância dos cursos de graduação e de pós-graduação voltados para as demandas do agronegócio. São seis as instituições de ensino superior, sendo três universidades, duas públicas (Ufersa - Universidade Federal Rural do Semi-Árido[8]; UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte) e uma privada (UNP), uma unidade do Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica[9]) e duas faculdades (Facene – Faculdade de Enfermagem Nova Esperança e Faculdade Máster Christer).

Dados dos cursos da Ufersa, a mais antiga e consolidada instituição de ensino superior da cidade e a mais fortemente ligada ao agronegócio, ajudam-nos a evidenciar esta relação, uma vez que entre seus dez cursos de graduação, quatro se relacionam com as atividades agropecuárias (agronomia, engenharia agrícola, medicina veterinária e zootecnia). Quando os dados são os da pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado), a relação dos cursos com a agropecuária fica ainda mais evidente, uma vez que existem cursos de: mestrado em Ciência Animal, em Irrigação e Drenagem, em Ciência do Solo; e mestrado e doutorado em Fitotecnia. No que tange aos cursos de especialização, a relação com a agropecuária também se mostra significativa. Do quadro de docentes desta instituição, chama atenção o número de professores com doutorado.

Outro exemplo de atividade que cresce em função do incremento do agronegócio é o de feiras agropecuárias. A cidade de Mossoró sedia anualmente a Feira Internacional de Fruticultura Tropical Irrigada (Expofruit), a qual pode ser citada como uma das representativas do setor no país. Assim como nas suas congêneres no Brasil, a programação inclui mini-cursos, palestras, mesas redondas, plantio experimental etc. Entre as atividades mais esperadas, citaríamos as chamadas ‘rodadas de negócios’, durante as quais são fechadas muitas vendas da produção local, que é determinante para todo o setor não só da cidade, mas de toda a região produtiva agrícola.

Na edição de 2006, a Expofruit foi realizada pelo Comitê Executivo de Fitossanidade do Rio Grande do Norte (COEX), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE/RN. Foram 320 estandes de empresas e instituições públicas atuantes em diversos segmentos do agronegócio. Entre as empresas destacam-se as produtoras de frutas e as ofertantes de produtos e serviços para toda a cadeia produtiva frutícola. A presença de empresas estrangeiras dos EUA, da Alemanha, Irlanda, Espanha etc chama a atenção. Entre as instituições públicas presentes na feira, poderíamos citar as principais instituições financeiras do país (Banco do Brasil – BB; Banco do Nordeste do Brasil - BNB); a Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern), que administra os portos no Estado, responsável por parte significativa das exportações de frutas produzidas na região; a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), entre outras.

Vale destacar que, como em outras feiras do gênero no país, por ocasião do evento, a circulação de dinheiro e capital no município é um fato a ser mencionado, uma vez que, além dos negócios do setor frutícola especificamente, determinante para a produção futura, vários outros são afetados, como o setor de alimentação, hospedagem, transporte de passageiros e cargas, aluguel de veículos etc. Anualmente a feira injeta milhões de reais na economia da cidade e na agricultura da região, envolvendo os serviços necessários para a sua realização, além de demandar grande número de mão-de-obra para a própria montagem da infra-estrutura da mesma.

Citemos alguns dados do setor hoteleiro. Mossoró caracteriza-se por apresentar um setor hoteleiro com poucos estabelecimentos, sem nenhum hotel de alto padrão ou de alguma rede nacional ou internacional, sendo todos os empreendimentos existentes de capital local ou regional. Embora parte dos leitos permaneça sem ocupação em uma parte do ano, por ocasião da Expofruit todos os hotéis da cidade ficam com a ocupação completa com grande antecedência.

O Hotel Thermas, por exemplo, o mais importante e com hospedagem mais cara na cidade[10], que se notabiliza por possuir um parque aquático formado com águas termais, muito procuradas por suas supostas benesses à saúde, encontrava-se com 100 % de seus 145 apartamentos ocupados, por ocasião da Expofruit de 2007, segundo nos informou seu gerente de hospedagem, sendo que 80% dos hóspedes estavam participando da feira. Destacou, ainda, que parte importante destes hóspedes tinha origem em outros países[11]. Ainda segundo a mesma fonte, a maior parte dos hóspedes do hotel, em todas as épocas do ano, é composta por pessoas que estão em viagem de negócios, especialmente ligados ao setor de extração de petróleo e gás e à fruticultura.

Tal demanda já provoca reorganização no setor, sendo que, no presente, estão em construção dois novos empreendimentos, construídos totalmente baseados nos parâmetros internacionais modernos de hospedagem executiva, ou seja, totalmente distintos dos hoje predominantes. O empreendimento mais importante pertence a multinacional do setor Accorhotels, que possui mais de 4 mil hotéis em todo o mundo, e terá a bandeira IBIS.

A Expofruit movimenta também o setor informal. Por ocasião da edição de 2007, além da praça de alimentação existente no local interno à feira, foi possível observar nas imediações inúmeras barracas, trailers e carrinhos, especialmente para venda de alimentos e bebidas. Da mesma forma, é importante lembrar que a existência da Expofruit é também determinante para a reestruturação dos equipamentos e infra-estrutura da cidade, considerando a criação de espaços transitórios para a realização do evento. As duas primeiras edições da Expofruit ocorreram nas instalações do hotel Thermas. Ocorre que, a feira cresce a cada edição e as dimensões do mesmo ficaram insuficientes para comportá-la, passando a mesma a ocorrer na Ufersa, que possui área de grandes dimensões.

É comum nos espaços urbanos não metropolitanos do Brasil agrícola moderno observar que os ramos industriais associados às redes agroindustriais (indústrias de alimentos, de insumos químicos, de máquinas agrícolas, de máquinas para agroindústrias, de produtos farmacêuticos e veterinários, entre outros) são predominantes no setor industrial como um todo. Se utilizarmos dados dos estabelecimentos industriais existentes em Mossoró para estudar a associação com o setor agropecuário, teríamos outro exemplo importante de atividade econômica inerente às redes agroindustriais. Na cidade que nos serve de objeto, se considerarmos os dez maiores estabelecimentos industriais, segundo número de empregados e faturamento anual, seis estão intimamente ligadas ao setor agroindustrial (castanha de caju, suco de frutas, óleos vegetais, sal marinho, farinha de milho e derivados).

Embora o consumo produtivo agrícola tenha um caráter especial para observarmos as novas relações campo-cidade, o consumo consumptivo também desempenha importante papel para buscarmos compreender como se processa a expansão da economia e da malha urbanas, além de evidenciar muitos tipos de fluxos de pessoas, mercadorias, matérias-primas etc, seja do tipo campo-cidade ou interurbanos.

O crescimento do terciário é devido ainda ao crescimento populacional e à revolução do consumo, erigida sob os auspícios do consumo de massa, que impõe necessidades como se naturais fossem, associadas à existência individual e das famílias. Historicamente, o consumo transformou-se no verdadeiro ópio, substituindo gradativamente o tradicional papel desempenhado pelas religiões. Enquanto estas se alicerçam na fé para difundir os seus códigos de convivência social, o consumo instala sua fé por meio de objetos, que são a própria ideologia, quer pela sua presença imediata, quer pela promessa ou esperança de obtê-los um dia. O poder do consumo é tão contagiante que passa a representar um papel motor e perverso na sociedade atual, passando pelo próprio aprendizado e condicionamento social do consumo. O consumo tem sua própria força ideológica e material alimentando-se das práxis individuais e coletivas experimentadas no processo cotidiano de vida: o trabalho, a casa, o lazer, a educação, a saúde etc (cf. Santos, 1987, p.33-42).

Desta forma, paralelamente ao crescimento do consumo produtivo, aumentou de forma expressiva o consumo consumptivo, de bens e de uma série de outras atividades que se enquadram dentro do terciário: saúde, educação, religião, transportes de matéria e de informação, serviços de segurança, administração pública etc. O dinamismo das três principais atividades econômicas da região polarizada por Mossoró (agronegócio de frutas, extração de sal e petróleo) contribuiu para a elevação da média salarial, principalmente dos trabalhadores especializados associados aos respectivos setores, expandido a classe média. 

O crescimento das atividades econômicas e populacional e a existência de uma população com poder aquisitivo mais elevado, mesmo que relativamente pequena perante a população total, acabaram por propiciar o surgimento de um número de casas de comércio e de estabelecimentos que oferecem serviços especializados, alguns bastante modernos, antes restritos às principais capitais do país. Tudo isso multiplicou e tornou mais complexos os fixos e os fluxos na cidade e região, que vem modificando nova configuração espacial.

Nessas condições, em Mossoró, paralelamente ao crescimento do consumo produtivo, vem aumentando o consumo consumptivo de bens e de uma série de outras atividades que se enquadram dentro do terciário, o que pode ser observado, por exemplo, através da implantação de ramos de atividades econômicas representativas da atuação dos novos agentes econômicos. Entre estes poderíamos citar a implantação de supermercados e hipermercados; de shopping centers; de serviços de saúde especializados; de agências bancárias; de redes de venda de eletrodomésticos e eletrônicos; de empresas do setor imobiliário; de administração pública etc.

A expansão do consumo de produtos modernos e sofisticados, inerentes às novas formas de produção, distribuição e consumo, evidencia as mudanças no município, assim como seu reforço enquanto município que polariza um mercado regional, sendo que parte deste, com poder de compra que justifique a instalação de algumas atividades e equipamentos, propiciando a instalação dos centros comerciais associados às formas modernas de distribuição de mercadorias, cujos signos principais são os supermercados e os shopping centers. Para Santos (1987, p. 34) estes seriam os verdadeiros templos modernos do consumo, contruídos, aliás, à feição das catedrais.

Mossoró teve seu primeiro shopping center inaugurado em meados de 2007, tendo a frente um grupo empresarial italiano. Até então, o centro da cidade concentrava a quase totalidade do comércio varejista. Em coletiva à imprensa por ocasião do lançamento do empreendimento[12], o responsável pela empresa gerenciadora do projeto justifica a iniciativa pela renda per capita da cidade[13], além da localização estratégica do município na região Oeste do Rio Grande do Norte. Prova disto é que o shopping foi construído quase à margem de uma rodovia de acesso ao município, como ocorre em outras cidades de porte médio.

A chegada do empreendimento já vem provocando mudanças na sociabilidade local e regional. Poderíamos citar, por exemplo, o horário possível de compras, que se estendeu das 18 h, tradicional horário de fechamento do comércio de rua, para as 22h, assim como passou a ser possível também aos sábados à tarde e aos domingos; o incremento da alimentação fora de casa, com a implantação da praça de alimentação, contendo diversas opções de fast-food. Outro atrativo inerente ao lazer, de grande impacto nos hábitos culturais, é a instalação de salas de cinema. Com o shopping center chegam também algumas importantes lojas de redes nacionais, lojas de departamento, hipermercado e franquias. Poderíamos citar a Marisa, Riachuelo, O Boticário, Pólo Play, Camisaria Colombo, Siciliano, Americanas entre outras.

Os valores representados pelo consumo de bens materiais e imateriais, assim como a reestruturação da cidade vem se instalando na vida dos indivíduos e da coletividade mossoroense. No jogo do mercado, as áreas onde a população possui uma renda mais elevada apresentam-se como prioritárias para o desenvolvimento de certos setores da produção não material, agravando os desequilíbrios intra-urbanos e regionais, através da expansão da produção terciária. Da mesma forma, as áreas de implantação dos equipamentos e infra-estruturas modernas passam a ser áreas de incrementando da especulação imobiliária e de rápido crescimento do preço da terra, introduzindo práticas inerentes ao mercado imobiliário até então pouco comuns na cidade.

No caso da instalação do shopping center, apesar do pouco tempo de sua implantação, ele está funcionando como um verdadeiro extensor urbano. Instalado em área até então pouco ocupada, com terras com preços bastante baixos, desde o início das obras, alguns outros importantes empreendimentos já se instalaram no ‘rastro’ de sua construção. Dentre os mais importantes exemplos, citaríamos a instalação de uma universidade privada, a UNP (‘filial’ de unidade existente na capital do Estado), assim como de um condomínio fechado de casas. Tudo isto vizinho ao shopping center, na mesma avenida, o que tem provocado um intenso processo de especulação imobiliária, fazendo com que o preço dos lotes se multiplique muitas vezes em pouco tempo.

O depoimento de uma moradora das imediações dá-nos idéia da intensidade da especulação atual. Ela cita que comprou um terreno em 2001 pelo preço de R$ 1.200,00 e hoje, passados sete anos, é possível vender o mesmo pelo preço de R$ 40.000,00. Ainda segundo a mesma moradora, uma imobiliária que está comercializando lotes no bairro, está pedindo R$ 50.000,00 pelo lote de 12 m X 30 m, isto para os terrenos mais distantes do shopping, sendo que para os próximos os preços estão ainda mais elevados.

Associado ao consumo produtivo e consumptivo, teríamos os serviços inerentes ao novo nexo financeiro e à monetarização da vida social e da difusão do crédito (agências bancárias, caixas eletrônicos, escritório da Bolsa de Valores e Mercadorias, corretoras etc). Mossoró conta atualmente com treze agências bancárias, distribuídas entre bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco do Nordeste) e privados (Bradesco, HSBC, Itaú e Unibanco). Todos os bancos juntos somavam cinqüenta caixas de auto-atendimento, distribuídos por vários pontos da cidade, sejam em supermercados, universidades, instituições públicas, drogarias, no shopping center, além das próprias agências. Devemos destacar também as lotéricas, os ‘caixas aqui’ e os bancos integrados. As etapas de difusão da rede bancária e a diversificação do setor financeiro, segundo número, nível e distribuição são também itens importantes para investigação.

Outros temas que propiciam ao mesmo tempo observar relações campo-cidade, assim como crescimento da urbanização são a dinâmica populacional e o mercado de trabalho. O estudo do mercado de trabalho em geral e do agrícola em particular ajuda-nos a melhor compreender como vêm se dando às mudanças nas relações sociais de produção, já que a flexibilidade que rege o atual padrão produtivo reflete de forma inconteste no modo de organizar e gerir o trabalho. Diante desse novo quadro no mundo do trabalho, torna-se imprescindível compreender a evolução do mercado de trabalho formal no setor da agropecuária, pois o surgimento de uma classe de trabalhadores agrícolas assalariados representa a materialização do movimento do capital no campo.

Como os regimes de exploração da terra estão diretamente associados à forma de sua apropriação, o acirramento da territorialização do capital nos espaços agrícolas é concomitante à diminuição da exploração indireta, com a gradativa diminuição da cessão da terra pelo proprietário com a obtenção de rendas pré-capitalistas, como a da divisão (meia ou terça, por exemplo) da produção obtida, tornando inviável a permanência dos que não detém a propriedade da terra.

Como resultado da expansão do agronegócio da fruticultura, responsável pela difusão de um novo modelo de produção agropecuária, vários espaços agrários da região polarizada por Mossoró transformam-se em pontos ou nós das redes agroindustriais globalizadas e o comportamento endógeno das relações de trabalho é transformado. Desse modo, a mudança do padrão de produção acompanha-se de um aumento do mercado de trabalho agrícola em moldes capitalistas, especialmente a partir dos anos 1990.

No município em estudo, o âmago da formação de um mercado de trabalho agropecuário encontra-se nas novas relações sociais de produção difundidas com o agronegócio da fruticultura (especialmente do melão), que expropriam os pequenos proprietários e expulsam os que não detêm a propriedade da terra, promovendo o êxodo rural (migração ascendente) e aumentando o contingente de trabalhadores agrícolas não rurais, que passam a ser temporários.

Como o agronegócio utiliza um contingente de mão-de-obra especializada, é possível observar o acirramento da divisão social do trabalho no setor. O mercado de trabalho agrícola já se mostra hierarquizado e apresenta em uma de suas pontas o trabalhador especializado. Este é um profissional de origem e vivência urbanas, que passa a ser o assalariado permanente (engenheiro geneticista, técnico agrícola, veterinário, administrador agrícola, agrônomo, piloto de avião agrícola, administrador etc.) dos setores associados ao agronegócio, com elevada composição orgânica do capital.

A intensa difusão de capital, tecnologia e informação na atividade agropecuária vem aumentando a divisão das tarefas e funções produtivas e administrativas. Paralelamente, processou-se uma alteração qualitativa e quantitativa de antigas funções, com importantes transformações no mercado de trabalho agrícola. Entre as conseqüências dessas mudanças, apresentam-se novas dinâmicas populacionais, como a da migração descendente (da cidade maior para a cidade menor) de profissionais especializados no agronegócio, de origem e vivência urbanas. Estes profissionais estão entre os que diariamente realizam o fluxo campo-cidade.

Entre as variáveis e indicadores associados a estes temas e seus respectivos processos, consideramos fundamental mencionar a evolução da população total, urbana e rural e da taxa de urbanização.  Os dados relativos à população total do município nos dão um contingente de 97.245 habitantes em 1970 e de 213.841 habitantes em 2000, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – Sidra). O crescimento da população foi, assim, de 116.596 habitantes num período de trinta anos, equivalendo a um percentual de cerca de 120 %. De acordo com a mesma fonte, em igual intervalo de tempo, sua população residente urbana passou de 79.302 para 199.081 habitantes, perfazendo um crescimento de 119.779 pessoas vivendo na área urbana de Mossoró, o que nos dá um crescimento de 151 % em termos relativos. Dessa forma, nesses trinta anos, a população urbana cresceu cerca de 2,5 vezes, evidenciando que o crescimento urbano é mais acelerado em relação ao da população total. No que tange à taxa de urbanização, se já era alta no primeiro ano considerado para análise (81,5 %), atinge os 93 % no ano 2000.

Entre as características do mercado de trabalho em países como o Brasil, um destaque é a informalidade, como já demonstrou Milton Santos ainda na década de 1970 (Santos, 1979). Tal realidade é ainda mais exacerbada nas regiões mais pobres do país, muito recentemente inseridas aos circuitos produtivos globalizados, nas quais as atividades representativas da atuação dos novos agentes econômicos já se implantam a partir de regras da produção flexível.

A terceirização é uma das principais marcas do trabalho hoje no Brasil e traz grandes prejuízos aos trabalhadores. Tal realidade foi incrementada a partir do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que privatizou parte importante das empresas estatais brasileiras, promovendo o que alguns pesquisadores consideram um verdadeiro ‘desmonte do Estado’, abrindo ainda mais as portas para o capital internacional e para a reestruturação produtiva. Muitas estatais que não chegaram a ser privatizadas passaram por processos significativos de reestruturação, como ocorreu com a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás), que detém o monopólio da exploração de petróleo no país, que hoje terceiriza parte significativa de suas atividades. O papel da Petrobrás enquanto vetor de crescimento econômico em Mossoró é muito significativo, seja pelo pagamento de royaltes ao município, seja pela quantidade de empregos diretos e indiretos oferecidos.

Em entrevista realizada junto ao presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Mossoró[14], foi possível constatar que o próprio sindicato foi fundado (em 1990) com o objetivo de atingir os trabalhadores das empresas terceirizadas da Petrobrás, que compõem, até hoje, a maior parte dos associados do sindicato[15].

Parece importante citar que a extração de sal na região, historicamente importante, sofreu forte reestruturação na década de 1970, responsável pelo desemprego em massa dos trabalhadores do setor, uma vez que as mudanças incluíram a total mecanização da extração. Desta forma, embora o setor seja bastante importante, já tendo sido responsável por parte significativa dos empregos na região, hoje apesar de sua importância econômica, o número de empregos não tem a mesma relação. Basta citar que uma das mais importantes empresas da região, que produz cerca de 45 % de todo o sal marinho do país, emprega 240 trabalhadores.

Em contraponto à terceirização, os dados do mercado de trabalho formal são um bom indicador para podermos observar características importantes da estrutura, evolução e dinamismo de economias regionais ou municipais. Vejamos como tal realidade se processa no município em análise. Para tanto, vamos nos utilizar de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (Relação Anual de Informações Sociais - RAIS e do Cadastro de Empregados e Desempregados – CAGED), que desde 1985 oferece dados oficiais com regularidade.

A análise da fonte supracitada para Mossoró mostra que o estoque de empregos formais do município cresceu 188,5% entre 1985 e 2005, passando de 12.817 para 36.984 empregos. A distribuição do total destes empregos segundo os principais setores de atividades também revela algumas características importantes do mercado de trabalho formal, sendo o crescimento uma realidade quase irrestrita. Algumas características acompanham a realidade nacional, de urbanização recente inerente à difusão do terciário e, assim sendo, nos três anos considerados para análise (1985, 1995 e 2005), há predominância do setor no total de pessoas empregadas formalmente, atingindo cerca de 57% em todos eles. Os serviços são predominantes, com mais de 30% nos três anos.

Se ao invés da participação percentual de cada setor no total do mercado de trabalho formal considerarmos o crescimento individual de cada um, outras características se revelam. Uma delas é o significativo crescimento percentual dos empregados no setor de construção civil, que foi de 618% nos vinte anos considerados para análise, muito embora em termos absolutos o crescimento pudesse passar despercebido (2.095 pessoas). De qualquer forma, o crescimento do setor demonstra a expansão das infra-estruturas, que muitos novos fixos artificiais estão sendo construídos em espaços antes menos rugosos, diminuindo o meio natural e aumentando o percentual do meio técnico e mesmo do meio técnico-científico-informacional.

E é do setor da construção civil que poderíamos citar outro exemplo das novas sociabilidades e novas demandas do mercado de trabalho local até muito recentemente inexistentes em uma cidade como Mossoró. Trata-se do processo da verticalização que já começa a ocorrer, mesmo com tantos espaços para a cidade poder se expandir horizontalmente. Tal realidade fez com que muitos dos operários da construção civil hoje atuantes na cidade sejam migrantes de cidades maiores, como de Fortaleza (capital do Estado do Ceará), uma vez que os trabalhadores locais da construção civil não apresentam experiência com construções verticais, mas somente térreas.

Considerando ainda os crescimentos segundo setores de atividades, citaríamos o setor de comércio. Em 1985, eram 2.808 pessoas ocupadas no comércio, contra as 9.284 pessoas em 2005. O período de crescimento mais intenso foi o de 1995 a 2005, quando o número de empregados cresceu 145%. Os serviços por sua vez passaram dos 4.548 para as 11.803 pessoas empregadas com carteira assinada, significando um crescimento de 159,5% nos vinte anos. A indústria também apresentou significativo crescimento para uma cidade como Mossoró, passando dos 3.360 para os 8.638 empregos formais entre 1985 e 2005.

Cuadro 1
Mossoró - Estoque de empregos por setores de atividades, 1985, 1995, 2005 

Setores

1985

1995

2005

Indústria

3.360

6.935

8.638

Construção civil

339

1.121

2.434

Comércio

2.808

3.779

9.284

Serviços

4.548

8.810

11.803

Agropecuária

1.762

7.702

4.825

Total

12.817

28.347

36.984

 Fonte: RAIS – Ministério do Trabalho

Cuadro 2
Mossoró: Variação do estoque de empregos formais por setores de atividades, 1985 a 2005

Setores

1985 – 1995

1995 – 2005

1985 – 2005

 

Absoluta

%

absoluta

%

absoluta

%

Indústria

3.575

106,4%

1.703

24,6%

5.278

157,1%

Construção civil

782

230,7%

1.313

117,1%

2.095

618,0%

Comércio

971

34,6%

5.505

145,7%

6.476

230,6%

Serviços

4.262

93,7%

2.993

34,0%

7.255

159,5%

Agropecuária

5.940

337,1%

-2.877

-37,4%

3.063

173,8%

Total

15.530

121,2%

8.637

30,5%

24.167

188,6%

Fonte: Elaboração própria.

O trabalho agrícola em toda a região polarizada por Mossoró sofre profundas metamorfoses com a abertura à competitividade do período atual, caracterizada pela intensificação das práticas neoliberais em um ambiente de reestruturação produtiva. Nossos estudos têm mostrado que algumas características predominantes na Região Concentrada (Santos, 1986, 2001), onde as metamorfoses do trabalho agrícola mostram-se de forma mais complexa, também estão presentes nestes novos espaços da produção agrícola globalizada.

A difusão do agronegócio da fruticultura na região considerada para análise, voltada para exportação, notadamente para os mercados europeu e americano, é o ponto-chave para entendermos o novo padrão produtivo que se processa e, conseqüentemente, da formação do mercado de trabalho agrícola, que se difunde e passa a hierarquizar o quadro de contratações formais no setor. A difusão da racionalização do processo de trabalho e o aumento da demanda por mão-de-obra qualificada, ampliando a divisão social e territorial do trabalho, resultam na crescente oferta de emprego para profissionais qualificados, que passam a compor os trabalhadores assalariados permanentes; no crescimento da terceirização nas empresas agrícolas; no crescimento do mercado de trabalho formal etc.

Os dados da RAIS evidenciam algumas destas novas características do trabalho agrícola em Mossoró, que registrou um crescimento de 173% no número de empregos formais entre 1985 e 2005, saltando dos 1.762 para 4.825 empregos formais. Pode parecer pouco para quem utilizar exclusivamente parâmetros predominantes no Brasil agrícola moderno, mas extremamente significativos para áreas do Semi-árido nordestino recentemente inseridas aos circuitos produtivos globalizados.

Naturalmente, que esta difusão do mercado de trabalho agrícola formal se dá a custas de muita exploração dos que não mais detêm a propriedade da terra, como também dos pequenos proprietários ou assentados que, impossibilitados de garantir a sobrevivência da família unicamente pelo produto do trabalho no seu lote de terra, são obrigados a se assalariar em determinados períodos do ano.

O mercado de trabalho agrícola formal tem também como característica a sazonalidade, que acompanha, muitas vezes, o calendário das culturas, o que acaba por gerar trabalho temporário ou o trabalhador safrista, como é conhecido na região que nos serve de objeto. Nesta, o pico da produção vai de agosto a janeiro. Dessa forma, entre os trabalhadores agrícolas assalariados temporários, deve-se distinguir aquele que só detém a sua própria força de trabalho, o “bóia-fria”, residente na cidade, que se desloca diariamente para o campo, sobretudo nas épocas de safra, e formam a categoria dos agrícolas não rurais, daqueles que possuem uma pequena propriedade de terra, antiga ou fruto de políticas de assentamentos, na qual residem com a família e, como não conseguem auferir a subsistência, vendem sua força de trabalho durante algumas épocas do ano, especialmente para as empresas agrícolas.

No período da entressafra, os safristas demitidos que possuem alguma terra voltam aos seus municípios de origem, sendo que muitos sobrevivem do seguro desemprego somado à agricultura de subsistência. Os já totalmente expropriados da terra, muitas vezes residem nas periferias das cidades da região e aumentam o contingente dos desempregados ou subempregados. Vale destacar que as principais empresas agrícolas mantêm um cadastro que classifica os trabalhadores conforme o desempenho dos mesmos durante a safra, o qual é utilizado por ocasião da nova safra, aumentando a seletividade do recrutamento de mão-de-obra.

Uma parte importante dos fluxos campo-cidade diários registrados em áreas de difusão do agronegócio é exatamente destes trabalhadores agrícolas que moram na cidade, mas trabalham no campo. Isto pode ser observado seja entre os trabalhadores agrícolas sem qualificação, como entre os mais qualificados.

Por outro lado, amplia-se o processo de subordinação de alguns pequenos produtores agrícolas que, ao invés de expropriados pelo processo de territorialização do espaço agrário, subordinam-se diretamente às empresas agrícolas, e acabam por transferir parte da renda da terra que lhes caberia. Esta subordinação se dá através de mecanismos financeiros e de controle técnico da produção, assim como pela contratação da compra da produção, desenvolvendo-se empresas semi-integradas.

Não é raro encontrar em Mossoró e região, empresas agrícolas que vêm estreitando os laços com pequenos produtores ou empresas agrícolas de menor dimensão seja através do oferecimento de assistência técnica, seja com o incentivo ao uso de novas tecnologias, responsabilizando-se pela venda da produção de seus parceiros. Desta forma, além das empresas diminuírem os custos da produção, pois não têm que adquirir terras, contratar trabalhadores, comprar insumos etc, podem ter um menor montante de capital de giro, sendo que ainda se fortalecem no setor da comercialização da fruta e no de fornecimento de insumos industriais para a agricultura (defensivos, adubos, material de irrigação etc), através da venda de tais produtos para os que classifica como parceiros. É comum que tais insumos sejam pagos pelos parceiros à empresa por ocasião da venda da produção, assim como que as mais importantes empresas agrícolas presentes na região e que adotam o regime de parceria, possuam loja própria nas quais os parceiros podem adquirir tais produtos, remontando a práticas de subordinação historicamente existentes no país e, infelizmente, ainda tão presentes.

Considerações finais

Esse artigo reflete um caminho que vem sendo trilhado e, ao mesmo tempo, mostra que há muito trabalho a ser feito para que possamos, de fato, conhecer melhor as mudanças que vêm se processando nos papéis desempenhados pelos espaços urbanos não metropolitanos associados à difusão do agronegócio, à medida que se amplia o movimento de ocupação do território brasileiro, por ondas de inserção dos lugares de reserva que o integram de forma mais articulada à economia internacional.

Compõe, dessa forma, um dos caminhos possíveis de interpretação da produção do espaço de várias cidades brasileiras que têm, em seu âmago, a difusão do agronegócio globalizado, que se constitui a partir da dialética entre a ordem global e a ordem local, resultando no acirramento da divisão social e territorial do trabalho no setor, transformando as tradicionais relações cidade-campo, promovendo o crescimento da urbanização e das cidades.


Notas

[1] Pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente, com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

[2]  Coordenada pela professora Maria Encarnação Sposito, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente.

[3] A pesquisa é desenvolvida com o auxílio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob a coordenação de Denise Elias (UECE) e Maria Encarnação Sposito (UNESP/PP).

[4] Neste particular, o Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP de Presidente Prudente, em especial a professora Maria Encarnação Sposito, tem se notabilizado pelos estudos sobre as cidades médias brasileiras, tendo já realizado, coordenado e orientado várias pesquisas sobre o tema nos últimos anos.

[5] O Semi-Árido brasileiro engloba vasta área da Região Nordeste, no qual estão inseridas partes dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e uma parte do sudeste do Maranhão, além do norte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Caracteriza-se por ser uma região populosa e economicamente pobre. Ideologicamente, associa-se esta pobreza as suas características naturais, marcadamente de baixa umidade e pouco volume pluviométrico.

[6] O consumo produtivo é o consumo associado à produção, que desenvolve atividades terciárias que precedem à produção material e sem as quais ela não pode se realizar. No Brasil agrícola moderno criam-se novas formas de consumo associadas à produção agropecuária. O consumo produtivo agrícola é o consumo que se dá nas cidades, inerente às atividades agrícolas modernas, expandindo o terciário (comércio e serviços) associado ao setor. Por sua vez, o consumo consumptivo é o consumo de bens e serviços que se esgota em si próprio, inerente às demandas das pessoas.

[7] Destacaríamos: Açu, Ipanguaçu, Baraúna, entre outras.

[8] Antiga ESAN, recentemente federalizada.

[9] O Cefet oferece cursos técnicos e tecnológicos.

[10] O apartamento mais barato saía ao preço de R$ 300,00 a diária e o mais caro saía a R$ 763,00 (dados a partir do acesso ao site do hotel, no dia 27 de março de 2008).

[11] Entrevista realizada por ocasião de trabalho de campo do qual participam membros do Laboratório de Estudos Agrários (LEA), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), por ocasião da Expofruit 2007.

[12] Jornal O Mossoroense, 16 de fevereiro de 2007.

[13] Equivalente a R$ 5.978,00 (mesma fonte).

[14] Em fevereiro de 2008.

[15] Este abrange 23 municípios e conta com cerca de 1.300 sindicalizados, o que representa cerca de 40% dos trabalhadores do setor.


Referências Bibliográficas

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Referencia bibliográfica

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