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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


VILEGIATURA MARÍTIMA NO NORDESTE BRASILEIRO

Eustógio Wanderley Correia Dantas
Professor da Universidade Federal do Ceará-Brasil. Bolsista Produtividade do CNPq
edantas@ufc.br
Andrea de Castro Panizza
Bolsista de Desenvolvimento Científico e Regional (FUNCAP/CNPq)
apanizza@usp.br
Alexandre Queiroz Pereira
Professor Substituto da Universidade Federal do Ceará-Brasil.
Pesquisador do Observatório das Metrópoles/Ceará
aqp@ufc.br

Vilegiatura marítima no nordeste brasileiro (Resumo)

No final do século XIX, início do século XX, dá-se a implementação das práticas marítimas modernas no Brasil pela elite e cujos desdobramentos vão possibilitar aproximação gradativa da sociedade local em relação aos espaços litorâneos. A vilegiatura marítima, delineada na capital e resultante de demanda da elite local, incorpora de forma crescente e gradual a totalidade das zonas de praia dos municípios litorâneos. A consolidação das relações da sociedade com o mar e o marítimo, seguida da propagação destas relações nos demais espaços, respalda-se na instituição da urbanização e expansão da Metrópole. Desta forma, analisou-se a vilegiatura marítima como expressão do tecido urbano metropolitano em expansão, tendo como recorte espacial parte do litoral nordestino brasileiro, especificamente as regiões metropolitanas e municípios litorâneos dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia. Evidenciou-se desdobramento de demanda por espaços de ócio, especificamente litorâneos, que nascem na cidade e extrapolam seu domínio, gestando uma rede urbana paralela à zona de praia e que tende a se densificar no tempo, como expressão das metrópoles em constituição.

Palavras chave: cidades litorâneas, práticas marítimas modernas, vilegiatura, Nordeste do Brasil.

O mar e o marítimo tornam-se, no final do século XX, verdadeiro fenômeno de sociedade, atraindo especial atenção dos cientistas sociais desejosos em apreender o desdobramento de lógica de valorização dos espaços litorâneos. A valorização, como produção social, não se define apenas pela criação de valor caracterizada pelas teorias econômicas. Envolve, na verdade, diversos aspectos simbólicos, culturais, tecnológicos e ambientais. Os espaços à beira-mar tornam-se objetos de desejo quando mudanças paulatinas nas representações sociais desmistificam o, até então, desconhecido. Concomitantemente, o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, distribuição de energia e transporte “aceleram” o tempo, “encurtando” os espaços. Os meios de comunicação de massa (especialmente a televisão) constroem imagens, caracterizando as zonas de praia como paraísos terrestres.

A valorização dos espaços litorâneos se consolida na medida em que acontece a propagação das práticas marítimas modernas, representativas de novas possibilidades de uso dos espaços litorâneos pela sociedade.

A matriz inicial de entendimento da dinâmica de valorização dos espaços litorâneos é pautada na noção de tropismo, associando as imagens do mar e do marítimo nos trópicos àquelas veiculadas nos países desenvolvidos e cujo desdobramento resulta de mudanças socioeconômicas e tecnológicas geradoras de fluxos evidenciadores dos espaços litorâneos dos países em via de desenvolvimento. Tal valorização indica bibliografia fortemente marcada por uma maritimidade dicotômica: de um lado, uma maritimidade externa, ou moderna, referente aos ocidentais, de outro, uma maritimidade interna, ou tradicional, referente às populações tropicais (CORMIER SALEN, 1996; DESSE, 1996).

A reconsideração da valorização dos espaços litorâneos nos trópicos permite relativizar esta abordagem, posto notar-se existência de uma elite local, fascinada pelas práticas marítimas modernas, a produzir os mesmos territórios e alimentar os mesmos desejos notados no Ocidente (DANTAS, 2004).

Observa-se, nestes termos, fenômeno de incorporação dos hábitos ocidentais. Claval (1995) se interroga a propósito desta questão, evidenciando a fascinação exercida pela civilização européia, sensível na elite e em certas camadas da população. Esses traços de ocidentalização, relacionados ao desejo pelo mar, se dão com maior ênfase nos países pouco tocados pelo turismo internacional, os quais passam a reproduzir modelo de maritimidade proveniente dos países desenvolvidos, dado caracterizador da modificação de mentalidade dos grupos locais face ao mar. Em efeito, encontramos in lócus grupos locais produzindo os mesmos territórios e desejos ocidentais. Neste quadro, inscrevemos o desejo pelo mar no Brasil, movimento vizinho do da invenção das praias ocorrido, inicialmente na Europa. (DANTAS, 2004).

A vilegiatura e os espaços litorâneos brasileiros

No final do século XIX, início do século XX, no cerne do desejo pelo mar, dá-se a implementação das práticas marítimas modernas no Brasil pela elite e cujos desdobramentos vão possibilitar aproximação gradativa da sociedade local em relação aos espaços litorâneos. Com os banhos de mar, voltados inicialmente para o tratamento terapêutico, a sociedade local se aproxima timidamente dos espaços litorâneos, modificando suas atitudes vis-à-vis este elemento líquido. Tal movimento é seguido e potencializado pela vilegiatura marítima e, mais recentemente, pelo turismo litorâneo associado aos banhos de sol (URBAIN, 1996).

Os impactos mais marcantes na paisagem litorânea se fazem sentir a partir do delineamento da vilegiatura marítima. Primeiro por se caracterizar como prática que pioneiramente extrapola os limites das capitais (lócus nos quais as práticas marítimas modernas foram gestadas), instaurando nas zonas de praia dos municípios litorâneos, inicialmente os vizinhos e atualmente a totalidade daqueles inscritos na zona costeira, conflito com populações tradicionais a ocuparem as zonas de praia, notadamente os pescadores artesanais.

De prática marítima delineada na capital e resultante de demanda da elite local sequiosa por espaços litorâneos, percebe-se no tempo, como resultado de transformações no domínio socioeconômico (ampliação da classe média no país) e tecnológico (implantação de infra-estrutura urbana além da cidade, notadamente viária, energética e de telecomunicação), tendência de incorporação crescente e gradual da totalidade das zonas de praia dos municípios litorâneos que compõem a zona costeira brasileira.

Nos termos supramencionados percebe-se intensificação de processo de incorporação das zonas de praia à tessitura urbana e em função de duas racionalidades: a da capital e a da metrópole.

O primeiro movimento, característico da primeira metade do século XX e relacionado aos limites da capital, evidencia quadro notado em cidades como: a) Rio de Janeiro, com construção de via litorânea em 1904, após desmonte de seus morros e construção de túnel ligando Botafogo à Copacabana (1892) as praias são tomadas por residências secundárias, com fluxo marcante nos finais de semana e dias quentes (CLAVAL, 2004); b) Fortaleza, cujo processo se materializa em 1930, com incorporação da Praia de Iracema pela vilegiatura marítima e associada, de um lado, ao tratamento da tuberculose (a idéia do bem respirar, associada à teoria de Lavoisier – CORBIN, 1988) e, de outro, a práticas de lazer dos usuários de bonde, que ligavam o centro ao citado bairro (DANTAS, 2004); Recife, cuja beira-mar dos anos 1950 “contava, sobremaneira, com residência secundárias desocupadas durante a maior parte do ano” (CLAVAL, 2004).

O segundo movimento, delineado a partir da segunda metade do século XX, extrapola os limites da cidade (capital). Em estudo desenvolvido sobre Maricá-RJ, de 1975 a 1995, Mello e Vogel (2004) remetem a transformações ocorridas nas zonas de praia como resultantes de demanda gerada no bojo da metrópole carioca. Neste domínio tem-se: a) Santos, com processo de especulação imobiliária consolidado a partir da demanda por espaços litorâneos na cidade de São Paulo e analisado por Seabra (1979) através da metáfora da “muralha que cerca o mar”; b) Fortaleza, com lógica de valorização dos espaços litorâneos de município como Aquiraz  associada ao fenômeno de constituição da metrópole (PEREIRA, 2006).

A vilegiatura marítima é praticada pelas populações citadinas. Os maiores índices de proprietários de segundas residências advêm dos grandes aglomerados urbanos. No contexto internacional, Colás e Cabrerizo (2004) indicam, em seu estudo do caso espanhol, dados que corroboram com essa premissa. Concebe-se íntima ligação entre o veraneio e a urbanização, pois esta prática marítima, na sua forma atual, é um fenômeno social a funcionar como um dos elementos de constituição da sociedade urbana. 

Estudos realizados por Moraes (1999)[1], Dantas (2002), Assis (2003) e Pereira (2006) indicam que, dentre as práticas sociais desenvolvidas na zona costeira, a vilegiatura marítima  (referindo-se às segundas residências) são as que melhor representam a expansão do tecido urbano metropolitano no caso Nordestino. No caso estudado por Pereira (2006), apresenta-se a vilegiatura no Ceará como um fenômeno marítimo e predominantemente metropolitano.

Com o desenvolvimento da vilegiatura marítima, os espaços litorâneos são  engendrados tanto pela valorização como pela urbanização. Os loteamentos, os arruamentos, os quarteirões, as esquinas, os muros, as casas, os condomínios, os carros, os eletrodomésticos, os novos costumes e as pessoas desconhecidas passam a compor a paisagem das praias eleitas pelos veranistas. Ao longo das últimas décadas, a zona costeira foi redefinida, apresentando, assim, novas formas e novos usos. Torna-se essencial conhecer este processo, ao passo que é relevante compreender também as transformações socioespaciais condicionadas pela valorização dos espaços litorâneos.

A complexidade da valorização do litoral conquista significado ainda mais intenso quando posta num âmbito urbano-metropolitano. A consolidação das relações da sociedade com o mar e o marítimo, seguida da propagação destas relações nos demais espaços, respaldam-se na instituição da urbanização e expansão da Metrópole.

A construção de segundas residências no litoral constitui vetor considerável de espalhamento do urbano, tanto em relação às formas espaciais, quanto às novas condições sociais. As formas, associadas aos parcelamentos urbanos, vias rodoviárias bem estruturadas, e as próprias edificações de segundas residências (dispersas ou aglomeradas) atendem as necessidades recreativas dos moradores metropolitanos. Desta feita, tais construtos são exemplos representativos da materialização do urbano no espaço litorâneo. A partir deste fenômeno, a sociedade urbana na metrópole e, principalmente em sua cidade núcleo, cria elos mais fortes com os demais municípios litorâneos: metropolitanos e não-metropolitanos.

A citada expansão alimenta lógica de especulação imobiliária suscitadora de implementação de fenômeno de urbanização das zonas de praia dos municípios litorâneos, com maior ênfase naqueles sitos nas metrópoles. Demonstra-se, portanto, como o fator distância ainda é uma variável preponderante na constituição da vilegiatura marítima, sendo, grosso modo, sua proporção inversamente proporcional à distância em relação da capital.

No final dos anos 1980 até a contemporaneidade, o veraneio se intensifica posto: a) ser a infra-estrutura para ele implantada, base para constituição da atividade turística; b) ter um crescimento resultante do aproveitamento da melhoria infra-estrutural imposta pelas políticas de desenvolvimento do turismo no Brasil.

A Vilegiatura marítima e as transformações no litoral do Nordeste brasileiro

A intensificação-crescimento da vilegiatura marítima, associada às políticas de desenvolvimento do turismo, no final do século XX e início do século XXI, merece atenção especial. Tal interesse nos conduz a buscar compreender a temática supramencionada a partir de estudo de caso pautado no Nordeste do Brasil, região que passa por grandes transformações nos últimos anos e cujas variáveis indicadas são marcantes nas transformações da paisagem urbana litorânea, notadamente nos estados mais representativos desta dinâmica contemporânea: Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

O PRODETUR-NE a partir do final do século XX (anos 1980-1990), com injeção de volumes razoáveis de investimento, incorpora as zonas de praia dos municípios litorâneos à lógica de valorização turística, dando um papel de destaque às capitais, transformadas em pontos de recepção e de distribuição do fluxo turístico.

O turismo litorâneo é apontado como um dos principais vetores econômicos na Região Nordeste, implicando na adoção de políticas econômicas desenvolvimentistas que culminaram no fortalecimento de lógica de organização do espaço dispare na Região Nordeste de outrora. Percebe-se importante concentração de recursos públicos, investimentos privados e fluxos turísticos em quatro Estados (Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte), implicando em fragmentação da região, com indicação do “Nordeste turístico”, associado às imagens representativas da maritimidade nas capitais e metrópoles litorâneas  nordestinas (DANTAS, 2006a).

Os investimentos públicos são os alavancadores da política de desenvolvimento. Conforme o BNDS, na primeira fase do PRODETUR (intitulado PRODETUR I, haja vista notar-se continuidade do mesmo com implantação do PRODETUR II e, mais recente, do PRODETUR III), até o ano de 2005, previa-se investimentos da ordem de 900 milhões de reais nos estados nordestinos, distribuídas as maiores parcelas para a Bahia (300 milhões de reais) e o Ceará (160 milhões de reais), totalizando 51% do volume de recursos totais. Os restantes 49% distribuídos, em ordem decrescente, entre os estados de Sergipe (76 milhões de reais), Maranhão (74 milhões de reais), Alagoas (71 milhões de reais), Pernambuco (64 milhões de reais), Paraíba (54 milhões de reais), Piauí (54 milhões de reais) e Rio Grande do Norte (47 milhões de reais) (Tabela 1). Baseado em Relatório Final do BNB este quadro muda, percebe-se, grosso modo, distribuição real dos recursos (investido) com valores superiores ao previsto. Nesta distribuição continuam a se destacar os estado da Bahia (139,06 milhões de dólares) e do Ceará (88,339 milhões de dólares), correspondendo a 57,33% do volume de recursos totais, cabendo os restantes 42,67% aos demais estados em ordem decrescente: Sergipe (32,604 milhões de dólares), Pernambuco (30,763 milhões de dólares), Alagoas (27,612 milhões de dólares), Maranhão (26,599 milhões de dólares), Rio Grande do Norte (22,333 milhões de dólares), Paraíba (19,997 milhões de dólares) e Piauí (8,849 milhões de dólares).

 

Tabela 1
Investimentos do PRODETUR I e dos Governos Locais

ESTADO

PREVISTO (*)
(milhões R$)

INVESTIDO (**)
(milhões U$)

BID

LOCAL

BID

LOCAL

ALAGOAS

71

-

27,612

14,756

BAHIA

300

200

139,06

75,505

CEARA

160

-

88,339

53,428

MARANHÃO

74

-

26,599

14,345

PARAIBA

54

295

19,997

12,786

PERNAMBUCO

64

4,1

30,763

11,212

PIAUI

54

-

8,849

12,274

RIO GRANDE DO NORTE

47

-

22,333

15,907

SERGIPE

76

282,981

32,604

18,153

TOTAL

900

-

396,602

229,366

Fonte: (*) BNDS, 2005 e (**) Relatório Final do BNB, 2005.

 

Com tal incremento apresenta-se lógica de organização espacial paralela à zona de praia, baseada no aeroporto e nas vias litorâneas e permitindo prolongamento sobre o litoral. Tal lógica, diametralmente diferenciada da reinante até então, coloca as zonas de praia dos estados em foco sob a dependência direta das capitais e sem mediação de centros urbanos intermediários. Salvador com seu aeroporto internacional e recém construída linha verde, Fortaleza com seu aeroporto internacional e recém construída via estruturante, são alguns exemplos de lógica a engendrar o que Santos (1985) denomina de "curto circuito" da rede urbana (DANTAS, 2006b).

A implementação desta lógica transforma as zonas de praia em mercadoria nobre, dado que implica na modificação radical da paisagem litorânea. Com o turismo litorâneo, associado à vilegiatura marítima, que o antecede, as paisagens associadas à pesca e ao porto se encontram abaladas. Uma zona marcada pela presença dos portos e dos vilarejos de pescadores é afetada atualmente pela construção de novas formas (dos estabelecimentos turísticos somando-se às residências de vilegiatura marítima), acompanhando toda linha costeira e provocando a inserção de novos atores e a expulsão dos antigos habitantes, bem como, paradoxalmente, o fortalecimento dos movimentos de resistência (DANTAS, 2005).

Tal transformação é empreendida a partir da capital, cidade litorânea marítima que se justifica na descoberta do turismo como atividade rentável. Apresenta-se, nestes termos, a metáfora da Cidade do Sol, propagada pelos governantes nordestinos e pleiteada por cidades como Fortaleza e Natal.

De imagem derivada de uma consciência comum de pertencimento (CLAVAL, 1980), resultante de tomada de consciência de comportamento de grupo com base espacial, as imagens veiculadas atualmente obedecem a outra lógica, reveladora de outras escalas e parâmetros. No Nordeste, após final dos anos 1980, podemos falar de articulação das cidades com escalas mais amplas, inclusive a internacional e que são definidas pelo desejo de torná-las competitivas em relação a outras cidades. Para tanto, cada cidade procura se impor com a elaboração de uma imagem especifica e associada, no caso em evidencia, ao turismo litorâneo (DANTAS, 2000).

Considerando transformações recentes, que suscitaram, de um lado, a diminuição do papel do estado central e, de outro lado, o fortalecimento do papel do estado local baseado na prosperidade das cidades (CLAVAL & SANGUIN, 1997), podemos afirmar que se aponta para processo de elaboração de imagem turística das “cidades litorâneas nordestinas” (DANTAS, 2002b). Esta imagem é cunhada graças a quadro de descentralização do poder que denota importante papel do estado local no desenvolvimento de políticas de planejamento e de marketing reforçadoras do papel central da capital na valorização das zonas de praia. Trata- se de imagem concebida além daquela de nação, inscrita no sistema mundo, e construída pela elite política local em conformidade com uma consciência turística que a torna o espelho do governo, ultrapassando, a exemplo do ocorrido na Espanha (POUTET, 1995), o contexto estritamente turístico e econômico e revela a propaganda política, ao se utilizar da publicidade para responder aos critérios do desenvolvimento econômico e anunciar a modernização.

Esta filiação forma opiniões tanto internas (em escala local) como externas (em escala regional, nacional e internacional). A opinião interna é marcada pela criação de uma consciência turística buscando convencer os habitantes da vocação turística de seus estados e da capital. A opinião externa é marcada pelo fortalecimento da imagem turística, com enunciamento de paraíso destinado aos turistas e vilegiaturistas amantes de praias.

Nesta lógica, a segunda residência, aquela de uso ocasional, é central na implementação dos desejos daqueles em viajar ou estabelecer-se temporariamente nas zonas de praia: turistas e vilegiaturistas. Os primeiros contam com a mesma na complementação da oferta de hospedagem, denominada extra-hoteleira. A título de exemplo tem-se, fundado em dados da SETUR-CE, indicação de aumento da oferta deste gênero de hospedagem de 1997 a 2005, notadamente o relacionado a imóveis alugados, que passam de 20.000 unidades ofertadas em 1997 a aproximadamente 45.000 unidades em 2005, volume denotador do aumento de importância das residências secundárias na recepção dos fluxos turísticos.  Os segundos, com aquisição de imóvel nos trópicos, dispõem de residência utilizada por eles e amigos nos períodos de estada no Ceará. Tal volume é bem mais representativo do que o relacionado aos imóveis alugados, posto ter evoluído de 30.000 unidades em 1997 a 70.000 em 2005 (Tabela 2 e Gráfico 1).

 

Tabela 2
Perfil da demanda turística via Fortaleza. Demanda de hospedagem - 1997 a 2005

 

Meios de Hospedagem

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Total

100,0

100

100

100

100

100

100

100

100

Hoteleira – Subtotal

46,5

51,6

49,2

48,2

54,5

53,2

60,4

53,3

54,1

Hotel

37,0

44,2

39,7

35,9

41

34,6

42,6

36,6

34,6

Apart-Hotel

2,7

2,7

2,3

3,8

5,2

4,2

4,1

2,1

2

Pousada

6,6

4,4

7

8,3

6,8

13,8

13,4

14,2

17,2

Albergue

0,2

0,3

0,2

0,2

1,4

0,6

0,3

0,4

0,3

Extra-hoteleira – Subtotal

53,5

48,4

50,8

51,8

45,5

46,8

39,6

46,7

45,9

Casa parentes/Amigo

44,7

41,3

42,8

38,6

34,3

38

33

37,1

36,9

Casa própria

3,0

1,7

2,7

3,5

2,4

3,3

2,2

4,7

3,5

Casa/Apto Aluguel

2,1

1,4

1,9

3,6

4,3

3,7

2,5

3,6

2,2

Outros

3,7

4

3,4

6,1

4,5

1,8

1,9

1,3

3,3

Fonte: Secretaria do Turismo do Estado do Ceará

 


Gráfico 1: Evolução de demanda  de hospedagem extra-hoteleira via Fortaleza (1997-2005).
Fonte: SETUR-CE.

 

Nestes termos, podemos partir do pressuposto de que a segunda residência nas metrópoles nordestinas é expressão da lógica de valorização dos espaços litorâneos em consonância com racionalidade de fragmentação contemporânea da região (aquela resultante da transformação do Nordeste em região turística e associada ao imobiliário). Apresenta-se, portanto, como expressão do urbano em constituição e resultante de racionalidade de urbanização das zonas de praia. Não é à toa que os maiores índices de variação, comparando dados da sinopse do censo de 1991 e 2000, ocorrem em estados recentemente inseridos na lógica de valorização turística do Nordeste, o Rio Grande do Norte (70,21%) e o Ceará (63,90%), seguidos da Bahia e Pernambuco, com 53,00% e 44,88%, respectivamente (Tabela 3).

 

Tabela 3
Segunda Residência e Variação Intercensitária (1991-2000)

UF / Recenseamento

CENSO 1991

CENSO 2000

VARIAÇÃO

Rio Grande do Norte

19.576

33.321

70,21%

Ceará

39.429

64.620

63,90%

Bahia

126.176

193.062

53,00%

Pernambuco

58.870

85.291

44,88%

Fonte: Sinopse IBGE 1991 e 2000.

 

A tabela 4 apresenta a situação dos estados da Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte em relação ao total de residências secundárias registrado nos censos de 1991 e 2000.  Os três primeiros estados são responsáveis pelos maiores índices absolutos da Região. O caso do Rio Grande do Norte destaca-se pelo elevado percentual de variação inter-censitário, 70,2%, sendo o maior dentre os quatro estados. A mesma tabela permite analisar o padrão de distribuição espacial das residências secundárias nos quatro estados. Além do total absoluto por unidade da federação, explicita-se a distribuição entre duas categorias de municípios, os litorâneos e os não-litorâneos. Em todos os estados, os percentuais de variação entre 1991 e 2000 indicam sensível acréscimo das residências secundárias em municípios litorâneos, sendo o percentual destes, superior a variação no contexto estadual. No tangível a variação estadual, Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte registraram 53,0%, 44,9%, 63,8% e 70,2%, respectivamente. Em contrapartida, seus municípios litorâneos alcançaram acréscimo igual a 60,6% para os baianos, 59,5% para os pernambucanos, 59,5% para os cearenses e 77,1% para os norte-grandenses.

Tabela 4
Variação inter-censitária (1991-2000) do número de residências secundárias
nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, por situação do município

Localização

1991

2000

Variação

inter-censitária (%)

N° municípios (A)

Total res. secundárias (B)

B/A

%

N° municípios (A’)

Total res. secundárias (B’)

B’/A’

%

Estado CE

178

39462

221,7

100

184

64620

351,2

100

63,8

Munic. Litorâneos

18

18318

1017,7

46,4

20

32423

1621,2

50,2

77,0

Demais municípios.

160

21144

132,2

53,6

164

32197

196,3

49,8

52,3

                   

Estado RN

152

19576

128,8

100

166

33321

200,7

100

70,2

Munic. Litorâneos

19

9924

522,3

50,7

23

17571

764,0

52,7

77,1

Demais municípios.

133

9652

72,6

49,3

143

15750

110,1

47,3

63,2

                   

Estado PE

168

58870

350,4

100

185

85291

461,0

100

44,9

Munic. Litorâneos

12

23869

1989,1

40,5

14

38070

2719,3

44,6

59,5

Demais municípios.

156

35001

224,4

59,5

171

47221

276,1

55,4

34,9

                   

Estado BA

415

126176

304,0

100

415

193062

465,2

100,0

53,0

Munic. Litorâneos

33

45935

1392,0

36,4

33

73915

2239,8

38,3

60,9

Demais municípios.

382

80241

210,1

63,6

382

119147

311,9

61,7

48,5

Fonte: Sinopse preliminar dos Censos 1991 e 2000, IBGE

 

Nestes termos, o caso cearense é destaque. Em 1991, o número de residências secundárias nos 160 municípios não-litorâneos correspondia a 21.144 , enquanto os 18 litorâneos respondiam por um total de 18.318 . No censo de 2000, os dados indicam uma reversão da situação anterior. Os 20 municípios litorâneos apresentavam 32.423 residências secundárias e os 164 não litorâneos 32.197. Desta forma, o Ceará justa-se ao caso do Rio Grande do Norte, pois este último, já apresentava número de segundas residências nos municípios litorâneos (9.924) superior à somatória das segundas residências nos demais municípios (9.652) desde o censo de 1991. No censo de 2000, o quadro consolida-se com 17.571 residências secundárias litorâneas e 15.750 em municípios não litorâneos.

A tabela 4 exprime também o coeficiente de aglomeração municipal de residências secundárias, consistindo na relação entre total de residências secundárias e número de municípios, por conjunto (litorâneo ou não litorâneo). Entre 1991 e 2000, nota-se maior participação a nível estadual do percentual de residências secundárias situadas no litoral. O crescimento das residências secundárias é mais acentuado nos municípios litorâneos. Na Bahia, em 1991, o coeficiente para os não litorâneos correspondia a 210,1 residências secundárias/município, enquanto no caso dos litorâneos o coeficiente indicava valor igual a 1392,0 secundárias/município. Em 2000, este índice salta para 2.239,8 secundárias/município, sendo que os não litorâneos respondiam por apenas 311,9.

Entre os quatro estados o quadro assemelha-se. O Estado Pernambuco mostra-se bem exemplar, alcançando em 2000, coeficiente de concentração nos municípios litorâneos superior a 2.700 secundárias/município. Desenha-se um quadro de concentração exponencial nestes estados nordestinos, onde o espaço privilegiando para a alocação do fenômeno da residência secundária é o litoral. Tal apreciação coaduna com o cenário nacional, à medida que, de acordo com o IBGE, os 20 municípios brasileiros com maior proporção de residências secundárias localizam-se no litoral.

Considerações finais

Com a vilegiatura marítima, associada na contemporaneidade ao turismo litorâneo, as zonas de praia das cidades litorâneas tropicais são redescobertas. Se anteriormente falávamos de eclipse parcial do mar, atualmente ele é descortinado em sua totalidade. A cidade e seus citadinos redescobrem parte esquecida em suas geografias, denotando necessidade de releitura de arcabouço teórico metodológico até então empregado na análise urbana. Resta-nos, suplantar tradição nos estudos empreendidos.

Este interesse pelo mar se insere no bojo da sociedade global e ocorre em virtude do desenvolvimento da produção de massa, da generalização das trocas e da aceleração da mobilidade individual. Base de uma mudança de mentalidade e especialmente de relação com o meio ambiente e o espaço (PERON, 1996), tal fenômeno se consolida a partir da necessidade generalizada de lazer evidenciada, conforme Lefebvre (1961), pela civilização industrial moderna.

 

Notas

[1] As “residências de veraneio podem ser apontadas como o fator numericamente mais expressivo da urbanização litorânea, pois ocorrem ao longo de toda a costa” (MORAES, 1999, p. 38).

 

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