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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

INTEGRAR PARA SEGREGAR: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DO TECIDO URBANO-REGIONAL DE GOIÂNIA E BRASÍLIA[1]

Tadeu Pereira Alencar Arrais
Professor Adjunto do IESA/UFG
tadeu.arrais@pq.cnpq.br

José Vandério Cirqueira Pinto
Mestrando do IESA / UFG
vanderio@ibest.com.br


Integrar para segregar: uma análise comparativa do tecido urbano-regional de Goiânia e Brasília (Resumo)

O Centro-Oeste brasileiro assistiu uma das mais eficazes estratégias de povoamento, com a construção de duas capitais planejadas. A primeira delas foi Goiânia, na década de 1930 e depois, na década de 1950, Brasília. As duas cidades têm características comuns, especialmente no que se refere à concepção de desenvolvimento. A característica mais importante vem do fato de as duas cidades terem sido planejadas para sediar o poder. A ambição, em ambas, por um projeto racional, representado pelos planos urbanísticos e arquitetônicos, indicavam claramente o projeto de modernização das elites regionais e nacionais. O discurso moderno, onde a precisão do zoneamento colocaria cada coisa em seu devido lugar, criando duas cidades ideais, negava o retrato da sociedade que as criou. A integração, presente nos discursos mudancistas, seja na escala regional ou mesmo nacional, não foi apenas uma estratégia para modernização, mas uma precondição para a reprodução da segregação.

Palavras-chave: Goiânia. Brasília. Planejamento. Segregação


Integrate for segregate: a comparative analysis of the urban space of Goiânia and Brasília (Abstract)

The Brazilian central region saw one of the more efficient strategies of settlement, with the building of two projected cities. The first projected city was Goiânia at 1930, and the second was Brasília at 1950. Both cities have similar characteristics, especially with regard to development conception. The essential characteristic between Goiânia and Brasília is that they were projected for organize the government. The desire for a rational project, in both cities, presented by urbanistic projects indicated the project of modernization of the regional and national elites. The modern discourse of the precision of the zoning developed two ideal cities counteracting the society that created these cities. The integration, inserted in the discourses of transformation, be in the regional scale or in the national scale, it wasn’t only an artifice for modernization, but an artifice for a reproduction of the segregation.

Key-words: Goiânia. Brasília. Projection. Segregation


O Centro Oeste brasileiro assistiu, no decurso dos primeiros quartéis do século XX, uma das mais eficazes estratégias de povoamento contemporâneo, com a construção de duas capitais planejadas. A primeira delas foi Goiânia, na década de 1930, que no âmbito das disputas regionais, estimulou o povoamento de uma longa faixa do Mato Grosso Goiano. Sua edificação respondeu, a um só tempo, ao projeto político das oligarquias regionais que viam na mudança da capital uma estratégia geopolítica e à necessidade de construção de um ponto a partir do qual o povoamento pudesse irradiar. Pouco tempo após a edificação de Goiânia, já na década de 1950, o território goiano foi palco de um dos mais audaciosos projetos da história contemporânea brasileira: a edificação de Brasília. Esta nova capital do Brasil, distante do centro econômico e político do país, estimulou de igual forma o povoamento do Centro-Oeste e da Amazônia brasileira, e por isso foi um passo determinante na integração econômica das regiões brasileiras.

As duas cidades, que distam uma da outra 210 km, têm características comuns, especialmente no que se refere à concepção e desenvolvimento. A mais importante vem do fato de as duas cidades terem sido planejadas para sediar o poder. A ambição, em ambas, por um projeto racional, representado pelos planos urbanísticos e arquitetônicos, indicavam claramente o projeto de modernização das elites regionais e nacionais. O discurso moderno, onde a precisão do zoneamento colocaria cada coisa em seu devido lugar, criando duas cidades ideais, negava o retrato da sociedade que as criou, exatamente como o Frankenstein de Mary Shelley. O crescimento demográfico das duas cidades ultrapassou as expectativas dos seus idealizadores. Goiânia, planejada para 50.000 habitantes, ultrapassou esse número já na década de 1960, chegando ao ano de 2007 a 1.244.645 habitantes.  Brasília cresceu em ritmo semelhante. Irrompeu a marca dos 500.000 habitantes em 1970 e hoje chega a 2.455.903 habitantes. (IBGE, 2007).  Outra característica comum nas duas cidades foi o fato de o seu tecido urbano expandir-se para além da escala local, contrariando os respectivos planos urbanísticos. Essa expansão para a periferia seguiu o modelo clássico, expulsando os pobres para áreas mais distantes e com pior infra-estrutura e equipamentos de consumo coletivo. Essa estratégia, mais que em outras cidades brasileiras, forjou uma imagem positiva de cidades “planejadas”, “arborizadas”, “sem pobres”, discurso reforçado pela avaliação da renda per capita e pela colocação no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

A compreensão desse processo envolve o entendimento e mapeamento da atual configuração do tecido urbano-regional de Goiânia e de Brasília. Essa configuração foi produto de investimento em meios de transporte de décadas anteriores que funcionaram como uma correia para drenar a mão-de-obra excedente para áreas distantes, oferecendo o mínimo necessário para a reprodução da força de trabalho. A investigação do padrão de moradia e da mobilidade pendular prova isso. Essa leitura reafirma os equívocos, tanto em Goiânia quanto em Brasília, de se localizar o planejamento fora do contexto da sociedade que o criou. A integração, presente nos discursos mudancistas, seja na escala regional ou mesmo nacional, não foi apenas uma estratégia para modernização, mas uma precondição para a reprodução da segregação, reafirmando a tese de Guy Debord de que “o espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado” (1997, p.23).

Duas cidades, um só plano, uma só região

Existem características comuns entre Goiânia e Brasília que vão além do fato de as duas cidades representarem, em cada momento histórico, projetos arquitetônicos e urbanísticos com uma clara película modernizadora. Essa película, cujo discurso esteve assentado na glória da integração aos mercados regional e nacional, escamoteou os impactos da transferência e edificação de duas capitais em uma região cuja lembrança do passado colonial era maior que a esperança de ingressar na modernidade. Goiânia começa a ser edificada na década de 1930, no contexto da ocupação da Marcha para o Oeste e Brasília no final da década de 1950, no contexto do nacional desenvolvimentismo. Nos dois casos, os projetos urbanos traduziram as ambições políticas e econômicas das elites regionais e nacionais e causaram impactos significativos no território goiano[2]. Dentre esses impactos podemos destacar:

A mudança significativa no perfil demográfico do território goiano. A migração em massa de trabalhadores pobres, especialmente do Nordeste brasileiro e de algumas regiões de Minas Gerais, acarretou, entre outros impactos, na perda das referências territoriais, uma vez que os migrantes foram impedidos, devido às condições econômicas e ao processo de disciplinarização nos acampamentos e alojamentos, de se “territorializar” nas áreas centrais das duas cidades, tendo que migrar para a periferia. No período de construção das duas capitais, o mito da “comunhão” e da “solidariedade” não ultrapassou os limites do discurso populista.[3]

A ampliação e alteração da composição do mercado de trabalho regional. É bom lembrar que os dois sítios urbanos foram demarcados em regiões com perfil agropecuário tradicional, onde predominava a chamada “fazenda goiana”, unidade produção auto-suficiente, como bem caracterizou Estevam (1998). Goiânia foi edificada na área do então povoado de Campinas, no Centro Goiano e Brasília no Leste Goiano, em área pertencente aos municípios de Formosa, Santa Luzia e Cristalina, criados no período colonial. A indústria da construção civil, nas primeiras décadas de construção já indicava a mudança no perfil da ocupação. Atualmente, considerando a ocupação, a administração pública e o comércio, são os principais empregadores do Distrito Federal (DF). No caso de Goiânia, muito embora com menor peso, a administração pública também tem destaque, juntamente com o comércio. O interessante é a fraca participação proporcional na geração de empregos, tanto no DF quanto em Goiânia, do setor industrial.

O estímulo ao processo de fragmentação territorial, o que influenciou a composição do poder regional, com o surgimento de vários municípios no Centro Goiano e no Leste Goiano. Em 1950, o Estado de Goiás contava com 77 municípios, passando para 178 em 1960, o que representou um crescimento de 130por cento. Desse total, o Centro Goiano foi a região que mais se fragmentou, tendo 34 dos seus 41 municípios emancipados entre 1948 e 1958.[4]  No Entorno do Distrito Federal foram criados, entre 1999 e 2000, 7 municípios, três dos quais com população acima de 50.000 habitantes. O caso de Águas Lindas de Goiás foi o mais emblemático, chegando ao ano 2000 com população de 105.746 habitantes (IBGE, 2000).

A integração econômica do Centro-Oeste brasileiro se deu na medida em que a implantação de redes de infra-estrutura de transporte foi sendo implantada, dando condição para o desenvolvimento das duas capitais. O conjunto de rodovias radiais, que partem da capital federal para as demais regiões do país, a exemplo da BR-040, BR- 020 e BR-060, somado às rodovias que interligaram Goiânia ao Norte e ao Sul do estado, permitiram melhores condições para circulação do produto econômico, fato decisivo para a integração do Centro Oeste ao Centro Sul brasileiro.

A consolidação de dois “centros de gestão territorial”, para lembrar Corrêa (1996), que polarizam, em função da oferta de serviços na área de saúde, educação e emprego, espaços do Nordeste brasileiro (Oeste da Bahia, Sul do Piauí), do Centro Oeste e do Norte. Do ponto do vista político, a maior atenção recai para o Distrito Federal, sede dos poderes constitutivos do país, o que também implica em maior destinação de verbas do Governo Federal. Em 2000, as despesas consolidadas do Governo Federal no Distrito Federal foram da ordem de 433.885.661 (1000 R$). Esse valor corresponde a 97,9por cento das despesas consolidadas do Governo Federal tem todo Centro-Oeste brasileiro (IBGE, 2003).

Esses impactos podem ser avaliados considerando a trajetória demográfica de Goiânia e do DF. Entretanto, essa trajetória aponta, apenas parcialmente, os problemas. Parcialmente porque é preciso associá-los à dimensão espacial, ou seja, horizontalizar os dados demográficos. Goiânia, na década de 1940, possuía 48.166 habitantes, passando para 53.389 em 1950 e 151.013 em 1960 (IBGE). Já o DF seguiu a seguinte linha demográfica evolutiva: 139.796 habitantes em 1960, 538.351 em 1970, 1.176.935 em 1980, 1.596.274 em 1991 e 2.051.146 em 2000. (IBGE). Em 2000, Goiânia atinge 1.093.007 habitantes. Do ponto de vista espacial, esses dados indicam um aumento gradativo da densidade demográfica. Mas a distribuição das densidades no espaço pode não revelar os complexos arranjos espaciais que irromperam o intra-urbano, pois não representam as articulações construídas com os espaços regionais, especialmente a partir da mobilidade.  Em 1970, a população dos municípios do Entorno do Distrito Federal chegou a 162.373 habitantes, saltando para 472,586 em 1991 e 815.251 em 2000. Esse movimento, no caso do entorno do DF, como apontou Caiado (2005), teve forte presença do poder estatal.  Paviani (1987, p. 37) observa assim esse movimento:

Assim, é a partir dos anos 70, principalmente após 1975, que se da a grande expansão rumo à periferia do DF. Claro está que, ao longo da década de 1960, muitas transações imobiliárias se efetuaram em Luziânia, mas elas tiveram o primeiro efeito de quebrar o uso da terra anterior, basicamente agropecuário. Era como se os primeiros movimentos de um gigantesco tabuleiro de xadrez ensejassem os atrativos iniciais para um movimentado jogo posterior.

Com intensidade diferente, ocorre processo semelhante na periferia da região que circunda Goiânia, com destaque para Aparecida de Goiânia. Em 1970 tinha uma população de 7.470 habitantes, pulando para 42.632 em 1980 e 336.392 em 2000. (IBGE).  Esse processo continuou a ocorrer nas décadas seguintes com os municípios de Trindade, Senador Canedo e Goianiara. Em todos os municípios foi diagnosticado crescimento demográfico em virtude da migração intra-metropolitana, fator determinado pelo jogo de valorização imobiliária.

Enfim, a edificação de duas capitais, seguida do amadurecimento da infra-estrutura de circulação, comunicação e transporte, além da mudança promovida no perfil do emprego, marcou a transição do perfil agropecuário para o perfil urbano. Essa mudança teve implicações espaciais. O fato é que, olhando no mapa, as duas capitais, como num processo articulado de capitalização do território goiano e nacional, moldaram uma região caracterizada por ser, segundo Arrais (2007) “polinucleada”, “multifuncional” e “fragmentada”. Seguindo a análise de Arrais (op. cit), a primeira característica resulta do fato de a região não possuir um centro único, uma vez que o DF, Goiânia e Anápolis, exercem funções econômicas de destaque no cenário regional.  A segundo característica decorre do fato de estes centros desempenharem funções complementares na rede urbana regional. Essa multifuncionalidade é importante na medida em que revela mais complementaridades do que disputas no espaço regional, estando diretamente relacionada à sua polinuclearidade. A terceira característica, ou seja, a fragmentação indica que as periferias não participam da região da mesma forma que os núcleos centrais. Essa fragmentação é produto da integração seletiva que gerou um forte processo de exclusão social no tecido urbano regional. Duas cidades diferentes, como toda cidade construída por sujeitos situados historicamente, movidas pela ambição racional do zoneamento, criaram uma só região, especialmente do ponto de vista da integração econômica.

Definindo as escalas de análise

Existem, grosso modo, duas linhas metodológicas de interpretação das intervenções na cidade, cada uma delas com uma escala de análise distinta. A primeira é a escala intra-urbana e a segunda a escala urbano-regional. Villaça (1998) chamou a atenção para a questão semântica da escala intra-urbana. Afirmou que é tautologia usar o termo intra-urbano, pois ele é sinônimo de urbano. Porém, ainda persistia uma confusão entre quem trata e quais as forças responsáveis pela morfologia interna (endogenia) e pelos arranjos urbanos-regionais (exogenia urbana). Villaça (op. cit) expressa essa diferenciação a partir dos pontos abaixo:

No espaço urbano-regional os deslocamentos de mercadorias, energia, informação e comunicação têm poder estruturante;

No espaço intra-urbano, o que impacta sua estrutura ou reestruturação são os transportes e a mobilidade de pessoas, enquanto portadores de mercadoria força de trabalho ou como consumidores do espaço;

Na escala urbano-regional os modelos de desenvolvimento são fundamentais e determinantes para a articulação da organização espacial, enquanto para a escala intra-urbana eles não influem decisivamente;

Os temas da escala intra-urbana se dedicam a explicar a descentralização, a polinucleação, os subcentros, a reestruturação intra-urbana, etc.;Os temas da escala regional enfocam a reestruturação produtiva, o mundo do trabalho, a desconcentração industrial, etc.

Villaça (1998) afirma que o espaço intra-urbano se conduz pela localização. Essa determina a mobilidade, a coesão e a segregação das classes sociais, que por sua vez reestrutura o espaço interno das cidades. Na contramão dessa lógica, Ribeiro (2004, p. 9), afirmou que “A literatura acadêmica sobre os ‘estudos urbanos’ vem sendo marcada por um olhar excessivamente intra-urbano, setorial e localista.”. Soja (1993) chamou a atenção para a transformação do urbano como produto dos rearranjos macrossistêmicos do capitalismo, da sociedade da informação, do consumo e do trabalho, existindo não uma cisão, mas uma ligação entre os fluxos de produção e a alteração da tipologia ocupacional do trabalhador. Em síntese, conforme ensinou Santos (1996), é necessário transitar pelas escalas, pois, o que está em jogo não é o status da interpretação, mas o tecido espacial, a sociedade e o tempo.

Entre a mobilidade e a segregação

Para Levy (2002) a mobilidade é uma relação social construída a partir da mudança de lugar, pois envolve uma acessibilidade (presença dos sistemas de circulação e transportes) e uma competência (o acesso a partir do preço). Essa acessibilidade e competência contida na mobilidade formam o capital social para os indivíduos que os detêm. Tanto em Goiânia quanto no DF, quem tem maior poder aquisitivo detém o controle das áreas mais favorecidas e mais acessibilizadas das cidades, conforme foi destacado anteriormente.

O tecido urbano do DF, como o da maioria das metrópoles brasileiras seguiu os traçados rodoviários. A partir do Plano Piloto (Brasília) a mancha urbana se estendeu pelas Regiões Administrativas do Cruzeiro, Guará, Candangolândia, Núcleo Bandeirante, chegando a Taguatingua, Ceilândia e Samambaia. Essa conurbação se alinhou aos eixos viários que se dirigiam no sentido sudoeste e sul do Distrito Federal. No Entorno do DF existem conurbações com Novo Gama, Valparaíso e Cidade Ocidental.

Para demonstrar nossas argumentações, selecionamos 5 dos 20 municípios da região do Entorno do Distrito Federal. A escolha desses municípios se baseia no fato deles terem as ligações mais densas e o tecido urbano mais conurbados com o DF.  Essa forte ligação existente deve-se a mobilidade que aciona territórios e cristaliza uma região urbana estratificada, mas não desconectada, como indica as tabela 1 e 2.

Águas Lindas de Goiás é o exemplo mais notório. Dos 105.746 habitantes, apenas 3.531 trabalham ou estudam em Águas Lindas de Goiás e 28.027 (44,59 por cento) se dirigem diariamente ao Distrito Federal. O Novo Gama também apresenta profunda dependência do DF, sendo que suas migrações pendulares para o trabalho ou escola chegam a 40,71 por cento. Dos 94.856 habitantes de Valparaíso de Goiás 37,30 por cento dos trabalhadores e estudantes se dirigem ao DF. Santo Antônio do Descoberto alcança 31,23 por cento e Cidade Ocidental apresenta 34,93 por cento das migrações pendulares para o DF. 

Quadro 1
População residente de 15 anos e mais de idade que trabalha ou estuda e pessoas que
realizam movimento pendular nos municípios selecionados do Entorno do Distrito Federal

Municípios

Distância Rodoviária
Km

População - 2000

Trabalhavam ou estudavam no município de residência

Trabalhavam ou estudavam no Distrito Federal

por cento de quem trabalhava ou estudava no DF

Águas Lindas de Goiás

41

105.746

3.531

28.027

44,59

Cidade Ocidental

43

40.377

661

9.655

34,93

Novo Gama

33

74.380

26.990

18.928

40,71

Santo Antônio do Descoberto

46

51.897

20.869

9.531

31,23

Valparaíso de Goiás

31

94.856

41.105

21.545

37,30

Fonte: IBGE. Censo demográfico, 2000.

Entre os fatores que influenciam as migrações pendulares estão: forte papel polarizador do DF, com maior oferta de serviços e equipamentos sociais (saúde, educação e lazer), maior oferta de emprego em função do perfil da demanda solvável dos municípios goianos e a oferta de meios de transporte regular que facilitam os deslocamentos diários.

A argumentação acima também serve para explicar o que ocorre no espaço urbano-regional da Região Metropolitana de Goiânia (RMG), especialmente em relação aos municípios selecionados para a análise (Aparecida de Goiânia, Goianira, Trindade e Senador Canedo). A periferização de Goiânia seguiu o sentido sul, pelas vias BR – 153 e GO – 040, sendo o estágio de expansão urbana e conurbação mais avançado entre Goiânia e Aparecida de Goiânia. No sentido leste, inicia-se a conurbação com Senador Canedo, no sentido noroeste com Goianira e ao oeste com Trindade.

No caso de Trindade, os 30 Km que a separa de Goiânia, também é composto de setores residenciais conurbados com Goiânia. Só 22,69 por cento dos trabalhadores e estudantes de Trindade se dirigem para Goiânia. Na sua sede municipal está a maior parte dos seus mais de 80 mil habitantes. Senador Canedo é a cidade mais próxima da capital estadual, pois dista apenas 16 Km. Dos seus mais de 50 mil habitantes, 44,74 por cento dos trabalhadores e estudantes exercem migração pendular para Goiânia. Por ser uma cidade jovem apresenta forte dependência de Goiânia, porém, começa a desenvolver sua autonomia.

Quadro 2
População residente de 15 anos e mais de idade que trabalha ou estuda e pessoas que
realizam movimento pendular nos municípios selecionados da Região Metropolitana de Goiânia (RMG)

Municípios

Distância Rodoviária
Km
População – 2000

Trabalhavam ou estudavam no município de residência

Trabalhavam ou estudavam em Goiânia

por cento de quem trabalhava ou estudava na RMG

Aparecida de Goiânia

21

336.392

154.132

74.255

40,92

Goianira

37

18.719

8.417

2.748

32,64

Trindade

30

81.457

42.937

9.638

22,69

Senador Canedo

16

53.103

21.836

12.264

44,74

Fonte: IBGE. Censo demográfico, 2000.

Aparecida de Goiânia, apesar de o centro tradicional estar a 21 Km de Goiânia, forma um dos mais intensos estágios de conurbação do Centro-Oeste. É a segunda maior cidade do Estado de Goiás com 336.392 mil habitantes em 2000 e com projeções para mais de 400 mil para 2008. Do total da população que trabalha e estuda, em 2000, 40,92 por cento trabalhava e ou estudava em  Goiânia. Conforme mostrou Arrais (2006), há regiões de Aparecida de Goiânia que as migrações são exercidas por classes de trabalhadoras domésticas e por operários da construção civil, caso da região sul e sudoeste. Há regiões onde as migrações são exercidas por trabalhadores de escritórios, trabalhadores do comércio e prestadores de serviços especializados, caso da região norte, conurbada com Goiânia. É nessa região que se encontra o maior valor da terra, o mais intenso processo de verticalização imobiliária da cidade, e a área dotada da maior concentração de renda, portando novas centralidades, conforme detectou Pinto (2006). Há também uma migração pendular inversa entre profissionais liberais, donos de empresas, intelectuais, estudantes universitários, médicos, etc., que residem em Goiânia, com destino à Aparecida de Goiânia, pois a dinâmica econômica empresarial e cultural aparecidense estabelece diferenciadas mobilidades entre ela e a capital estadual.

Essa discussão prova a estreita relação entre mobilidade e segregação sócio-espacial na estrutura intra-regional Goiânia e do Distrito Federal. Villaça (1998) entende segregação, por uma determinada coesão ou homogeneidade social, que se estabelece em um dado espaço, controlando ou demandando a localização de restritos grupos sociais, caso das classes mais abastadas. No caso de Goiânia e do DF, a segregação pode está ligada à separação forçada dos grupos sociais. Para Marcurse (2004, p. 24) a população segregada está forçada “[...] involuntariamente, a se aglomerar em uma área espacial definida”. As generalizadas periferias que se formaram no Entorno de Goiânia e DF são a resposta dos incisivos processos de segregação ou expulsão das classes sociais das áreas mais centrais dessas cidades, restando residir a 20, 35 ou até 47 Km de distância do seu lugar de trabalho.

A movimentação do tecido regional: a integração incompleta

Um fenômeno comum na análise demográfica dos espaços metropolitanos brasileiros a partir da década de 1980 foi o gradual declínio das taxas de crescimento demográfico das cidades pólos das Regiões Metropolitanas e, por outro lado, um crescimento acentuado dos municípios periféricos. Essa perspectiva, em várias regiões, impôs para os pesquisadores a necessidade de considerar o tecido urbano na escala regional. As respostas aos problemas metropolitanos, especialmente em relação ao transporte coletivo, moradia e geração de emprego, também exigiram observações mais apuradas da dinâmica regional, demanda já assinalada pela própria institucionalização das Regiões Metropolitanas brasileiras na década de 1970 (Ribeiro, 2000).

O reconhecimento desse padrão de integração regional também influenciou a análise da segregação, apontando para a necessidade de considerar a importância da mobilidade populacional, como já assinalamos. Tanto na Região Metropolitana de Goiânia (RMG), quanto no Entorno do Distrito Federal, ocorreu, desde a 1970, uma gradual expansão da infra-estrutura de transporte, resultado, também, dos arranjos dos agentes imobiliários. Desse modo, a integração do transporte foi feita para garantir as condições de deslocamento da mão-de-obra assentada nas periferias, mas que continuava a trabalhar nas áreas pólos, como já demonstramos.

Mais do que mera coincidência, os mapas 01 e 02 ilustram como o processo de integração e modernização, mesmo em tempos diferentes, resultaram em padrões de integração espacial muito semelhante. A diferença não esta no veneno, mas na dose. É claro que, em se tratando do Distrito Federal (DF), é preciso considerar, para utilizar a expressão de Agnew (2000), a “coexistência de institucionalidades”. Isso não é pouco, mas não é o suficiente para isolar a análise, pois, independe das questões institucionais, os marcos da construção social são semelhantes.

Mas o que podemos observar em comum nos mapas?

Articulação com o espaço regional foi facilitada pelas vias de transporte. No caso do Distrito Federal, essas vias tinham como propósito a integração radial aos vários pontos do país, especialmente ao Sudeste. Entretanto, o espaço regional ressentiu-se desse impacto, fato atestado pela observação a linhas de urbanização nos vetores da BR-070 (acesso para Águas Lindas de Goiás), BR-060 (acesso para Santo Antônio do Descoberto), BR-040 (acesso para Luziânia e Valparaíso de Goiás) e BR-020 (acesso para Formosa). Em Goiânia ocorreu processo semelhante, demonstrado pela influência da BR-153 (saída para Aparecida de Goiânia), da GO-080 (saída para Nerópolis) e da GO-060 (saída para Trindade) e GO-070 (saída para Goianira).

Figura 1
Distrito Federal (DF) e municípios goianos selecionados

 

Essa configuração exemplifica uma inversão da linha de valorização do solo em alguns dos municípios periféricos. No Entorno do DF, por exemplo, a terra mais valorizada é aquela próxima ao limite do Distrito Federal. É o caso de Valparaíso de Goiás, que atendeu a demanda solvável do DF. Em Goiânia, ocorrem processos semelhantes em relação à Aparecida de Goiânia, mas também em Senador Canedo e Trindade. A área conurbada de Aparecida de Goiânia é uma das mais valorizadas, mesmo porque também atende a demanda de Goiânia. Uma das implicações desse processo é a pouca participação das pessoas na própria discussão dos problemas dos seus municípios, isso porque seu cotidiano esta estreitamente ligada à cidade pólo.

O crescimento demográfico não foi capaz, ainda, de estimular a construção de centralidades sólidas, o que pode ser comprovado pela forte dependência dos municípios periféricos em relação à Goiânia e ao DF. Também ocorre, em função da valorização do uso do solo, forte segregação espacial nos próprios municípios periféricos, fato demonstrado pela especulação imobiliária e pelo padrão de assentamento das camadas mais pobres, como ocorre em Águas Lindas de Goiás, Valparaíso de Goiás, Aparecida de Goiânia, Trindade, Goianira, entre outros.  

Figura 2
Goiânia e municípios selecionados

 

Na verdade, a movimentação do tecido regional foi determinada pela movimentação do tecido intra-regional de Goiânia e do DF. A segregação, característica das referidas áreas intra-urbanas, reproduziu-se nos municípios que envolviam as capitais, com muito mais força. Mais força, porque a distância, nos dois casos, faz a diferença. Isso implica não apenas em maior despesa (pois o transporte pesa no orçamento das famílias mais pobres), mas também na apropriação do tempo gasto no deslocamento que pode chegar até 5 horas diárias. Do ponto de vista das áreas centrais, das elites locais, a estratégia é perfeita, pois separam, cada vez mais, os produtores do espaço do espaço produzido. Não por acaso existam áreas no interior do DF, como Lago Sul e Lago Norte, que exibem indicadores socioeconômicos e padrões de consumo tipicamente de paises desenvolvidos.

Conclusões

Um dos principais desafios da pesquisa urbana é a compreensão do modo como pessoas ocupam o espaço urbano e têm acesso, a partir do seu lugar, às centralidades produzidas na cidade, ao que inclui o lazer, o emprego, o teatro, os cinemas e os parques. Atributos esses que aproximam o citadino do direito à cidade, já defendido por Lefebvre (1991). Goiânia e Brasília, por serem cidades planejadas, tiveram suas centralidades iniciais definidas pelo zoneamento. É possível que no início tenha ocorrido um aparente equilíbrio entre centralidade e a mobilidade, já que os trabalhadores encontravam-se próximos ao centro e a centralidade ainda não estava completamente formada. Com o processo de urbanização, valorização do solo e expansão urbana, esse aparente equilíbrio desapareceu, na medida em que a expansão horizontal não foi apenas a expansão do tecido urbano, mas a expansão do atores sociais territorializados. Assim surgiram os entornos, os municípios periféricos. Na verdade, como já apontou Vesentini (1998), em um estudo já clássico sobre o DF, o problema não está localizado na ambição do planejamento, como colocam alguns críticos. Ao contrário, o problema está em supor que as centralidades haviam sido criadas para todos. A velha máxima do planejamento expressa na Carta de Atenas, de que criando novas formas podermos induzir novos conteúdos, reservou um papel de eunuco para a arquitetura moderna, pelo menos do ponto de vista da mudança social. Isso porque uma sociedade desigual nunca produzira espaços que promovam a igualdade, mesmo que estes carreguem na sua origem, uma ambição modernizadora.

 

Notas

[1] O trabalho é resultado parcial de reflexões desenvolvidas no âmbito do Projeto Avaliação dos impactos territoriais dos programas estaduais de intervenção regional para o Nordeste Goiano, Norte Goiano e Entorno do Distrito Federal, entre 1998 e 2006, financiado pelo CNPq-Brasil.

[2] Ferreira (1985:48) localiza assim o surgimento de Brasília: “Brasília surge numa fase em que se intensifica a industrialização substitutiva de importações, com a produção de bens de consumo, intermediários e de capital. A década de 50, quando se dá o início da construção da cidade, marca a posição da indústria como motor e centro dinâmico da economia nacional e de sua expansão. (...) O Brasil estava se urbanizando intensamente e precisava se urbanizar não só para dar suporte ao próprio desenvolvimento industrial, mas também para ampliar o seu mercado interno para a nascente indústria. A cidade surge por efeito indutivo da industrialização sem, contudo, ter a implantação industrial como condição necessária.”.

[3] A partir desse momento utilizaremos a denominação Distrito Federal. Essa denominação é mais apropriada, uma vez que o termo Brasília designa, atualmente, uma das 29 Regiões Administrativas do Distrito Federal.

[4] Outro fator que influenciou a fragmentação, além da consolidação de Goiânia, foram os estímulos à agricultura no Mato Grosso Goiano, especialmente após a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás, na década de 1940, hoje município de Ceres.

 

Bibliografia

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Referencia bibliográfica

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