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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


DESENVOLVIMENTO RURAL, POLÍTICA NACIONAL DE BIOCOMBUSTÍVEIS E O MITO DA INCLUSÃO SOCIAL NO CAMPO BRASILEIRO

Celso D. Locatel
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
celso.locatel@gmail.com

Francisco Fransualdo de Azevedo
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
ffazevedo@gmail.com


 Desenvolvimento rural, Política Nacional de Biocombustíveis e o mito da inclusão social no campo brasileiro (Resumo)

Historicamente, o Estado brasileiro tem gerado diversos programas de desenvolvimento para a agricultura. Na sua maioria, trata-se de programas setoriais, em vez de territoriais, impedindo o fomento autêntico do desenvolvimento rural no país. Atualmente, as políticas públicas direcionadas ao espaço rural, a exemplo do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel e a Lei nº 11.097, que trata da introdução do biodiesel na matriz energética nacional, são evidências da continuidade do modelo de desenvolvimento anterior. Ademais, o Estado vem mantendo uma política de incentivos para o setor agroindustrial de produção de álcool combustível (etanol), com a continuidade do Proálcool. Cabe ressaltar que desde seu início, este programa foi concebido para beneficiar os usineiros que dispunham de poder político e de estrutura organizacional capaz de colocar o aparato do Estado à disposição de seus interesses. Nesse sentido, busca-se analisar as políticas de biocombustíveis (álcool e biodiesel) associadas à política agrícola brasileira, mostrando como tais políticas contribuem para o desenvolvimento rural do país. Para atingir este objetivo, será realizada uma análise do setor bioenergético do país, através da identificação de sua configuração e das relações de trabalho predominantes no setor.

Palavras-Chave: políticas públicas, biocombustíveis, desenvolvimento rural, inclusão social


Rural development, National Biofuel Policy and social inclusion myth in the brazilian country (Abstract)

Historically, Brazilian State has generated various development programmes for agriculture. In their majority they are sectoral programmes rather than territorial ones, preventing genuine fostering of rural development in the country. Currently, public policies directed to rural areas, such as the National Program for Production and Use of Biodiesel and the Law # 11.097 which deals with the introduction of biodiesel in the national energy matrix, are evidence of the continuity of the earlier model development. Moreover, the State has maintained a policy of incentives for the agroindustrial sector of production of fuel alcohol (ethanol), with the continuity of Proálcool. It is noteworthy that since its inception this program was designed to benefit the owners of sugar mills who have had political power and organizational structure capable of placing the apparatus of the State available to their own interests. Therefore, it is aimed to analyses the policies of biofuel (alcohol and biodiesel) associated to the Brazilian agricultural policy, showing how such policies contribute to rural development in the country. In order to achieve this goal it will be carried out an analysis of the country’s bio-energetic sector, through the identification of their configuration and work relations prevailing in such sector.

Keywords: public policies, biofuels, rural development, social inclusion


O processo de modernização da agricultura brasileira, incentivado por políticas públicas bem definidas, a partir da década de 1960, passa a ser considerado sinônimo de desenvolvimento rural, havendo uma simplificação típica da chamada teoria da modernização e do crescimento, onde os efeitos sociais positivos do desenvolvimento econômico eram vistos como ‘conseqüências naturais’ dos processos de crescimento e de modernização, sem se admitir a necessidade de implantação de políticas de redistribuição da riqueza e de combate à pobreza.

Na atualidade, o governo federal, na contramão do discurso oficial, que defende um modelo de desenvolvimento territorial local, continua desenvolvendo programas e políticas setoriais, baseadas no modelo desenvolvimentista da fase anterior. A exemplo disso, foram criados o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, e a Lei nº 11.097, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, fixando em 5 por cento o volume percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao diesel comum. Há os que defendem que o Programa foi concebido sob a visão da inclusão social, garantindo meios para a criação de postos de trabalho e distribuição de renda nas regiões mais pobres do país. Há ainda quem defenda que o biodiesel contribuirá para a consolidação da política de Reforma Agrária. Mas, sabe-se que essa política energética não é novidade no Brasil. Desde o início da década de 1970, o Estado brasileiro mantém uma política de incentivos para o setor agroindustrial de produção de álcool combustível (etanol), com a implantação do Proálcool. Cabe ressaltar que desde o início, este Programa foi concebido para beneficiar os usineiros que dispunham de poder político e de uma estrutura de organização capaz de colocar o aparato do Estado funcionando de acordo com seus interesses, carreando recursos para o setor. Nesse sentido, até mesmo técnicos do governo admitem que o setor de produção de álcool é concentrador de renda, e apesar disso, estes defendem que o biodiesel, mesmo não sendo exclusivamente produzido pela agricultura familiar, tem forte componente social.

No entanto, experiências como a plantação de mamona por parte de pequenos agricultores do Nordeste do país demonstram o risco de dependência perante grandes empresas agrícolas, que controlam os preços, o processamento e a distribuição da produção. Os camponeses são utilizados para dar legitimidade ao agronegócio, através da distribuição de certificados de "combustível social".

Diante disso, o objetivo principal deste trabalho é analisar as políticas de biocombustíveis no Brasil (álcool e biodiesel) associadas à política agrícola nacional, ressaltando de que maneira estas políticas contribuem para o desenvolvimento rural do país. Para atingir este objetivo, será realizada uma análise do setor bioenergético do país, através da identificação de sua configuração, das relações de trabalho e geração de renda propiciadas por ele, assim como dos recursos financeiros públicos gastos com tais políticas e programas.

Preliminarmente, acredita-se que, na medida em que ocorrem transformações espaciais com a substituição de culturas de alimentos pela lavoura canavieira, e de oleaginosas para a produção de álcool e biodesel, há a territorialização do capital monopolista na agricultura e a precarização das relações de trabalho, proporcionando, assim, maior exploração dos trabalhadores, que passam a engrossar a massa de pessoas que vivem na periferia das cidades, ou mesmo permanecem no campo dependendo de programas assistenciais, tendo geralmente que enfrentar todos os problemas ligados a falta de infra-estrutura e de serviço.

Dessa forma, o desenvolvimento do complexo canavieiro, assim como o que poderá vir a ocorrer com a produção do biodiesel, além de expulsar parte da população do campo, ocasionará a proletariazação e precarização da maioria que se mantém empregada, não lhes garantindo condições de vida adequadas, seja nas cidades ou no campo. Tudo isso, resultado da intensa exploração do trabalho estabelecida com a territorialização deste segmento moderno da agricultura.


Políticas públicas e agricultura: um breve histórico

O desenvolvimento da agricultura, ocorrido no período de 1930 a 1960 no Brasil, é marcado por um padrão de crescimento agrícola, apoiado na expansão horizontal com baixo nível tecnológico e pela ação estatal de forma decisiva para a implantação deste processo.

Neste sentido, observa que,

“Embora do lado da produção os determinantes da dinâmica da agricultura estivessem sendo deslocados para o mercado interno, do ponto de vista das transformações de sua base técnica ela ainda permanecia atrelada ao setor externo, pois sua modernização dependia da capacidade para importar máquinas e insumos. (...) as decisões de produzir se internalizavam gradativamente  em função das exigências do mercado nacional, mas  os instrumentos necessários para produzir dependiam cada vez mais da abertura para o exterior”[1].

Embora a estrutura de produção dos principais produtos agrícolas não tenha sofrido modificações importantes no pós-guerra, até o início da década de 1960, além da reorganização do espaço produtivo, através da maior especialização regional em determinados tipos de produtos, também ocorreu a reorganização da divisão social do trabalho na agricultura em nível nacional e o melhoramento e ampliação da infra-estrutura de transportes e expansão da frota de caminhões, com a criação da indústria automotriz, possibilitando um maior intercâmbio inter-regional, o que permitiu uma penetração crescente do capital comercial e a canalização dos excedentes agrícolas para os centros urbanos[2].

Resumidamente, pode-se dizer que o crescimento da produção agrícola brasileira, até meados da década de 1960, apoiou-se em um modelo de agricultura extensiva que se caracterizou pelo crescimento da área plantada dentro dos latifúndios mercantis, pela expansão da fronteira agrícola e pelo baixo nível tecnológico, apresentando, apenas, uma pequena elevação dos índices de uso de tratores e de adubos químicos, à base de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), que foram estimulados e facilitados pelo governo através da isenção de tarifas alfandegárias sobre a importação desses produtos e de financiamento favorecendo a incorporação destes à agricultura.

O modelo de crescimento agrícola, baseado na produção extensiva e na expansão da fronteira agrícola, já mostrava claros sinais de exaustão no final da década de 50 e início dos anos 60, quando o país sofreu crises periódicas de abastecimento interno de produtos básicos como carne, feijão e frutas, provocando uma alta geral dos preços dos produtos alimentícios ocasionada pelo aumento dos custos de comercialização e pelo crescimento das redes urbanas[3].

Em meados da década de 1960, há um redirecionamento das políticas agrícolas para tentar resolver a crise de abastecimento no mercado interno. Essa crise, somada à inflação constituíam perigosos elementos que poderiam agravar as tensões sociais da época e, logo, o abastecimento de alimentos torna-se um importante objetivo econômico e político para o governo[4].

Outros fatores que contribuíram para as transformações ocorridas na década de 1960, foram as condições favoráveis do mercado internacional que, somadas ao crescimento da demanda do mercado interno, passaram a exigir um crescimento superior ao que vinha ocorrendo até então, através da incorporação de novas terras nas áreas de fronteira.

Com o início do processo de “modernização da agricultura” brasileira, pode-se identificar, de um lado, uma agricultura descapitalizada produtora de gêneros alimentícios e voltada para o abastecimento do mercado interno. De outro lado, uma agricultura tecnificada e capitalizada destinada à produção de exportáveis e de matérias-primas para as agroindústrias.

As mudanças que se processaram na agricultura brasileira, em especial pós-65, caracterizaram uma redefinição das relações entre agricultura e indústria, dando origem a um novo padrão de produção agrícola. A agricultura passa a reestruturar-se a partir da inclusão imediata no circuito de produção industrial, seja como consumidora de insumos e máquinas, seja como produtora de matéria-prima para a transformação industrial. Contudo, a produção tradicional não foi substituída imediatamente por esse “novo padrão agrícola”, assim como o padrão de expansão horizontal através da fronteira agrícola não cessou, situação observada até os dias atuais, com a expansão do cultivo da soja e da cana-de-açúcar nas áreas de cerrado e franjas amazônicas.

Esse processo contínuo de expansão da fronteira agrícola do complexo agroindustrial (CAI) foi viabilizado pela ação do Estado através dos incentivos fiscais e das facilidades oferecidas para a implantação de empresas agroindustriais e agropecuárias em áreas do Nordeste, Centro-Oeste e Amazônia[5]. Com a possibilidade de usufruir de infra-estrutura e de terras a preços irrisórios, esse tipo de empresa passou a interessar aos grandes grupos capitalistas nacionais e estrangeiros, o que viabilizou a entrada do grande capital no campo[6], incluindo aí os grupos ligados à produção de biocombustíveis.

Assim, a partir da década de 1960, ocorre uma desarticulação da agricultura com o ritmo de desenvolvimento que a indústria assumiu nesta década, tanto em nível político como em nível econômico, o que exigiu uma reorganização do setor agrário. A reorganização deste, se deu a partir da intervenção do Estado e de acordo com interesses dos grupos socialmente dominantes, que eram, predominantemente, o grande capital monopolista associado aos grandes proprietários de terras[7].

Neste sentido, “a ação do Estado nesse contexto orienta-se para a modernização da agricultura, visando integrá-la ao novo circuito produtivo liderado pela agroindústria de insumos e processadora de matéria-prima, ao mesmo tempo que mantém seu papel de estabilizador entre as necessidades do mercado interno e a pressão do mercado externo, e de gerador das condições infra-estruturais necessárias à expansão do conjunto do setor”[8].

As relações entre agricultura e indústria passaram por profundas e notáveis transformações a partir de meados da década de 1960. Essas transformações deveram-se ao crescimento e remodelamento das agroindústrias já existentes e à implantação de novas unidades agroindustriais de grande porte, que passaram a consumir mais produtos agropecuários para atender ao exigente mercado internacional. Essa necessidade crescente da agricultura de consumir insumos para a produção possibilitou aos ramos da indústria produtora destes, desenvolvimento rapido, passando a substituir as importações[9].

Esse processo de integração indústria e agricultura não se deu à margem das relações entre as grandes empresas, os grupos econômicos e o Estado. Este último atuou de forma mais decisiva, oferecendo créditos subsidiados, incentivos fiscais e uma forte política de incentivo às exportações. Isso proporcionou o crescimento e até mesmo o surgimento de empresas e grupos econômicos industriais que têm, na agricultura, seu mercado consumidor e, também, ocorreu o mesmo com as agroindústrias processadoras dos produtos agropecuários[10]. Assim, a agricultura tornou-se um elo de uma cadeia e a constituição do CAI só ocorreu com a implantação da indústria para a agricultura.

Todas essas transformações na agricultura ocorreram “somente com a introdução da política de crédito rural, como carro-chefe da modernização do setor agropecuário, desloca-se o eixo da política por produtos para a política da mercadoria rural em geral. O crédito subsidiado é provido de maneira generosa e por intermédio do sistema bancário institucionalizado. As fontes usurárias tradicionais, ligadas ao capital comercial, cedem lugar à rede bancária. E esta, ao se imiscuir no negócio rural, traz implícito um projeto de modernização que visa crescentemente mudar a própria base técnica da agricultura”[11].

Diante do exposto, pode-se inferir que, na década de 1960, principalmente após 1964, criou-se, no país, um conjunto de fatores macroeconômicos e políticos que possibilitaram notáveis transformações no padrão de desenvolvimento da agropecuária e na importância que esta tinha no padrão geral de acumulação no Brasil. Surge um novo padrão de articulação entre a cidade e o campo. A agricultura se integra com outros ramos de produção, tanto com o setor à montante (fabricantes e fornecedores de máquinas agrícolas, fertilizantes, implementos, etc.), como com o setor à jusante (agroindústrias processadoras). E, para produzir, a agricultura passa a depender dos insumos provenientes da indústria e passa a produzir bens intermediários ou matérias-primas para a agroindústria e não mais apenas bens de consumo final.

Assim, assistiu-se no Brasil, após a década de 60, uma tendência à especialização da produção agropecuária nas unidades produtivas capitalizadas que passaram a produzir visando ao mercado externo ou a produção de matéria-prima (produção de soja, trigo, laranja e cana-de-açúcar). Viu-se também, o desenvolvimento de uma agricultura tradicional e descapitalizada nas pequenas unidades de produção que se dedicam a produção de alimentos para o mercado interno.

Para tanto, instituiu-se, em 1965, o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), com o intuito de estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, favorecer o custeio e adequação da produção e a comercialização de produtos agropecuários, fortalecer a economia dos produtores rurais e introduzir, através de incentivos, métodos mais racionais de produção[12].

No período de 1965 até o início dos anos 1980, o crédito rural subsidiado se constituiu no principal instrumento de política agrícola do país, por meio do qual o governo tentou compensar o setor agrário pelas transferências de recursos a que estava submetido[13].

Assim, pode-se considerar que quem mais se beneficiou com o crédito subsidiado foram o sistema bancário privado[14], os grandes proprietários de terra, por terem fácil acesso ao sistema de crédito[15], os setores industriais ligados à agricultura, os quais se beneficiaram porque eram o destino final de grande parte do crédito subsidiado, tanto para custeio como para  investimento.

Desta forma, as políticas de crédito generosas, os subsídios aos financiamentos e as compras de máquinas e insumos tenderam a beneficiar um grupo formado pelos grandes produtores, empresários rurais, latifundiários e especuladores, as indústrias à montante e à jusante, que lucraram com suas atividades, por constituírem uma elite que influenciava no processo formador das políticas agrícolas. Enquanto isso, o pequeno produtor e o trabalhador rural, os quais permaneceram à margem do processo formador das políticas agrícolas, viveram a acentuação da pobreza e da miséria herdadas de fases anteriores[16]. Assim, não se pode deixar de ressaltar que os críticos desse modelo de modernização estavam corretos ao apontarem que, caso se implementasse um modelo de desenvolvimento sem se resolver os problemas estruturais, a tendência seria o agravamento da pobreza no campo que se transporia também para as cidades.

No Brasil, a partir de meados da década de 1990, o governo federal passou a adotar medidas com o objetivo de redirecionar as políticas para o meio rural. Tal redefinição foi impulsionada pelas mudanças que vinham ocorrendo no cenário econômico, social e político do campo, resultante da abertura comercial, do desmantelamento das políticas públicas de subvenção à agropecuária e do questionamento sobre a eficácia do modelo tecnológico adotado nas ultimas décadas.

Na atualidade, existem duas linhas de políticas públicas para o campo brasileiro. A primeira de caráter estritamente setorial que tem como objetivo a maximização da competitividade do agronegócio, apoiada na concepção produtivista e setorial. Para tanto, a meta principal do setor primário, formado pela agricultura, pecuária, silvicultura e pesca, é a redução de custos de produção. Para isso, torna-se necessária a incorporação crescente de tecnologia e uma especialização das unidades de produção, o que gera a redução dos postos de trabalho e uma demanda por mão-de-obra qualificada. A absorção do excedente de força de trabalho resultante desse processo fica a cargo de outros setores da economia ou de setores sociais[17]

A segunda, ainda que mantenha o caráter setorial, tem como objetivo maximizar as oportunidades de desenvolvimento humano em todos os espaços rurais, ao contrário do primeiro projeto, que busca a especialização, que gera redução de postos de trabalho. Esse tem como meta a diversificação das economias locais, a começar pela agropecuária, tentando dinamizar o rural através da diversidade multissetorial e da salubridade dos alimentos produzidos e preservação ambiental, que são elementos que se convertem em vantagens competitivas na atualidade[18]. Assim, verifica-se que essa linha de política apresenta semelhanças, ao menos no discurso, ao programa europeu Leader.


A agroindústria sucro-alcooleira no contexto das políticas para o setor agropecuário

O desenvolvimento da agroindústria canavieira está associado à história do Brasil por ter se constituído, durante um longo período, no elemento central da economia colonial, sendo que sua influência extrapola o plano econômico, determinando, em boa parte, a evolução social e política do país[19]. Na atualidade, a agroindústria mantém posição de destaque na economia nacional, com o açúcar figurando entre os principais produtos na pauta de exportação e o álcool (anidro e hidratado), no mercado interno, sendo consumido como combustível, puro ou adicionado à gasolina.

A história recente do setor é marcada pela intervenção estatal, que tem na criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), em 1933, um marco fundamental. Essa intervenção buscou regular as relações entre os agentes econômicos envolvidos no processo produtivo, a expansão do setor e a forma como ocorreria, para tentar resolver dois grandes problemas que se agravaram com a crise de 1929, que são a disputa entre classes sociais dominantes, ou seja, o conflito de interesses entre usineiros (agentes modernizados) e os “senhores de engenho” (agentes tradicionais) componentes do complexo canavieiro[20].

A intervenção estatal, através do IAA, passou a determinar a estrutura do complexo, através de mecanismos como o controle de preços, estabelecimento de cotas de produção, com mercado garantido e com subsídios, especialmente creditícios, divisão regional do mercado; controle das exportações e restrições ao capital estrangeiro.

No final da década de 1960 e início da de 1970 foram implementadas políticas de concentração e modernização do setor, visando fomentar ainda mais as exportações e a expansão dos subsetores, através do escoamento a preços subsidiados, de toda a produção de açúcar que não fosse absorvida pelo mercado interno[21].

No entanto, esse setor passou por profundas transformações com a implantação de novas plantas industriais modernas e reestruturação das já existentes, a partir da década de 1970. Essas transformações foram viabilizadas através da implantação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool)[22], em 1975, que provocou a alteração mais importante do setor, tornando o álcool carburante o produto mais importante do setor.   

A criação do Proálcool, que veio dinamizar o setor agroindustrial canavieiro, está associada a dois problemas econômicos graves: a crise energética do modelo de desenvolvimento brasileiro, causada pela elevação dos preços do petróleo em 1973 e a crise conjuntural apresentada pelo segmento produtor de açúcar, devido a forte queda do preço do produto no mercado internacional. Cabe ressaltar que na realidade, desde o início, este programa foi concebido para beneficiar os usineiros que dispunham de poder político e de uma estrutura de organização capaz de colocar o aparato do Estado funcionando de acordo com seus interesses, carreando recursos para o setor[23].

Neste sentido, o Estado resolveu o problema dos usineiros com dívidas via Fundo Especial de Exportação e dos fabricantes de equipamentos para o setor, que tinham se estruturado para o Programa de Racionalização da Agroindústria Açucareira, lançado em 1971. Mas, devido à crise provocada pela queda dos preços do açúcar no mercado mundial e a conseqüente estagnação desse setor, tais agroindústrias apresentavam uma grande capacidade ociosa[24].

A crise apresentada pelo setor açucareiro decorre do mau uso dos recursos financeiros obtidos pelos usineiros junto ao Estado[25]. Isso associado à queda no preço do açúcar e à retração do mercado levara à redução dos recursos do Fundo de Exportação e dos preços pagos pelo IAA, dificultando a amortização das dívidas contraídas por eles. Assim, o Proálcool surge como tábua de salvação para o setor. O que se assistiu, a princípio, foi a sujeição de propósitos para a incrementação da economia nacional aos interesses dos grandes usineiros e produtores de equipamentos, visando a valorização do capital imobilizado no setor[26].

Ao longo da implementação do Proálcool, a canalização de recursos e as condições de financiamento para o setor agroindustrial – ampliação, reequipamento e implantação de destilarias – e agrícola – custeio e investimento – sofreram alterações, o que possibilita a identificação de quatro etapas distintas quanto ao fluxo de recursos financeiros que são: a primeira etapa, de 1975 a 1979; a segunda, de 1980 a 1984; a terceira, de 1985 a 1989 e; a quarta etapa, de 1990 aos dias atuais[27].

A primeira etapa de implantação do Proálccol foi marcada pela aprovação de 136 projetos de destilarias anexas e 73 de destilarias autônomas, sendo que 47 por cento e 32 por cento, respectivamente, desses projetos estavam em São Paulo. Os recursos para esses empreendimentos eram viabilizados através de financiamentos que cobriam 100 por cento do valor investido. Geralmente as taxas de juros correspondiam a 17 por cento ao ano para o Sudeste, quando se tinha uma taxa de inflação anual em torno de 37 por cento, e com prazo de 12 anos para pagamento, com três anos de carência[28].

A segunda fase do Programa tem como destaque a maior articulação de capitais e sua consolidação em escala nacional, com o redirecionamento para a produção de álcool hidratado, que seria usado como carburante em substituição à gasolina. Esse redirecionamento se deu em função do segundo choque do petróleo em 1979. A maior articulação de capitais deveu-se a aproximação de interesses do capital agroindustrial com o setor automobilístico e com as empresas produtoras de bens de produção para o setor agrícola, quando o álcool surge como combustível alternativo. Nessa etapa, os financiamentos estatais cobriam até 80 por cento dos investimentos, com taxas de juros fixas em 6% ao ano para destilarias anexas e de 5 por cento ao ano para as destilarias autônomas, mantidos os prazos de pagamento da fase anterior. Observa-se nesse período de consolidação do Programa, com o estabelecimento de uma agricultura energética de caráter concentrador, a eliminação de pequenas usinas e de grande parte de pequenos fornecedores, considerados ineficientes economicamente[29].

 Além desse aspecto, ocorre nesse período a expansão da canavicultura, no território paulista, envolvendo políticas agrícolas e agroindustriais do IAA, do Proálcool e do Plano de Desenvolvimento do Oeste do Estado de São Paulo (Pró-Oeste), como a criação do Programa de Expansão da Canavicultura para Produção de Combustível do Estado de São Paulo (Procana). De acordo com a Secretaria de Agricultura de São Paulo, essa política especial tinha como objetivo inserir o Oeste Paulista na produção do setor sucro-alcooleiro, usando como argumento a idéia de que essa seria a forma concreta de desenvolver a agricultura em moldes modernos, fortalecendo as destilarias anexas já existentes e incentivando a instalação de autônomas.

A indústria automobilística, parte interessada nessa política, foi beneficiada com incentivos fiscais ao setor e ao consumidor, com redução de IPI, IPVA, isenção de ICMS e preços subsidiados do álcool vendido ao consumidor, de até 65% do valor da gasolina[30]. Além dessas medidas que impulsionaram o consumo do álcool, há ainda a obrigatoriedade da adição de 22% de álcool anidro à gasolina, ampliando mais o mercado cativo para o capital monopolista que se territorializa de forma acelerada neste setor produtivo, obtendo alta lucratividade.

A terceira etapa do processo é marcada por novas mudanças, principalmente nas políticas de destinação de recursos. A partir de 1985, o percentual de recursos financiados caiu para 50% do valor investido nos projetos e, a partir de 1986, é estabelecido o pagamento integral da correção monetária, mais taxas de juros reais[31], com exceção das áreas de atuação da SUDENE e SUDAM.

A materialidade histórica do Proálcool, nas condições e rearranjos técnicos, econômicos e políticos em que se deu, e as alianças que lhe deram sustentação, contraditoriamente, geraram uma crise no setor na segunda metade da década de 1980, o que causou o aumento da capacidade ociosa das destilarias, atingindo em 1987 um quarto da capacidade produtiva[32]. Essa crise do setor, causada pela redução dos subsídios, diretos e indiretos, associada ao aumento da cotação do açúcar no mercado internacional, fez com que houvesse uma inversão no processo produtivo inaugurado pelo Proálcool, ou seja, as empresas passaram a direcionar a produção para o açúcar que se tornou mais lucrativa. Essa situação desembocou na crise de abastecimento de álcool no final da década de 1980, desestimulando o consumo e a produção de carros a álcool. Assim, rompe-se as alianças de sustentação desse Programa, aflorando e acirrando as disputas intercapitalistas pelo acesso aos favores do Estado.

A década de 1990, início da quarta etapa do Proálcool, marca o acirramento das disputas de interesses entre empresários das duas principais áreas produtoras, Nordeste e São Paulo, principalmente. Os produtores paulistas reivindicaram o fim da prática protecionista do Estado, a saída deste do setor e ainda a eliminação dos subsídios regionais, alegando que se tratava de uma política paternalista que premiava os produtores menos produtivos. Deixando as divergências de lado, os empresários do setor passaram a exigir do Estado a renegociação das dívidas e a liberação de mais recursos para o setor[33]. A pressão exercida pelos empresários do setor levou o governo a acatar as reivindicações, com refinanciamento das dívidas, além da liberação de novos recursos para investimentos e custeio da agricultura com juros subsidiados. Também ocorreu nesse período, um processo de desregulamentação do setor e a extinção do IAA, o que provocou eliminação de empresas menos competitivas.

Quando da extinção do IAA, o complexo canavieiro apresentava como características estruturais básicas: a produção agrícola e agroindustrial muito heterogênea e controlada pelos mesmos agentes, os usineiros; baixo aproveitamento dos subprodutos; competitividade apoiada na incorporação de novas terras e no pagamento de baixos salários, o que indica um processo concorrencial no interior do complexo baseado na apropriação de terras que possibilitasse a extração das rendas diferenciais; além do acesso diferenciado aos recursos públicos[34].

A desregulamentação do setor levou as empresas a buscarem novas estratégias de crescimento, o que provocou modificação no perfil de crescimento destas empresas, ocorrendo uma diversificação produtiva e uma diferenciação de produtos. Basicamente, a diversificação das atividades econômicas está associada à utilização dos subprodutos do processo de produção de açúcar e álcool, gerando novas fontes de lucro através da utilização de recursos produtivos até então ociosos, ou que se tornaram ociosos pela modernização tecnológica do processo industrial.  Além desses aspectos, o setor retomou o crescimento na ultima década, devido a garantia de mercado para o álcool combustível, com o desenvolvimento dos motores movidos a biocombustíveis (álcool ou gasolina) por todas as montadoras de veículos que atuam no mercado brasileiro.

Como reflexo disso, observa-se uma expansão acentuada da área ocupada com o cultivo da cana-de-açúcar no país na ordem de aproximadamente 28 por cento, elevando a área plantada de 4.830.538 para 6.179.262 de hectares, o que representa uma área maior que a área total agricultável de muitos países. Ainda deve-se ressaltar que esse cultivo ocupa os melhores solos do país, que são aqueles localizados nas regiões do norte do estado do Paraná, centro-norte de São Paulo e Zona da Mata nordestina, especialmente dos estados de Alagoas, Pernambuco e Paraíba (tabela 1).


Tabela 1
Brasil: municípios com mais de 50 por cento da área de lavouras temporárias ocupada com o cultivo da cana-de-açúcar e área total de cultivo, 2006

Estado

Número de Municípios com mais de 90% da área total de lavouras temporárias ocupada com cana-de-açúcar

Número de Municípios que apresentam entre 70% e 90% da área total de lavouras temporárias ocupada com cana-de-açúcar

Número de Municípios que apresentam entre 50% e 70% da área total de lavouras temporárias ocupada com cana-de-açúcar

Número de Municípios com mais de 50% da área total de lavouras temporárias ocupada com cana-de-açúcar

Área total ocupada com cultivo da cana-de-açúcar - em hectares

Rondônia

0

0

0

0

1.278

Acre

0

0

0

0

973

Amazonas

0

2

0

2

6.049

Roraima

0

0

0

0

548

Pará

0

0

0

0

11.261

Amapá

0

0

0

0

80

Tocantins

0

0

0

0

3.801

Maranhão

0

0

1

1

39.301

Piauí

0

0

2

2

10.213

Ceará

0

0

3

3

29.067

Rio Grande do Norte

3

4

6

13

55.623

Paraíba

9

6

1

16

116.115

Pernambuco

43

9

2

54

336.765

Alagoas

38

13

0

51

402.253

Sergipe

2

7

2

11

38.853

Bahia

3

8

10

21

106.455

Minas Gerais

5

12

12

29

431.338

Espírito Santo

1

6

3

10

64.042

Rio de Janeiro

6

19

8

33

164.290

São Paulo

81

122

69

272

3.284.681

Paraná

2

7

19

28

432.815

Santa Catarina

0

0

0

0

17.154

Rio Grande do Sul

0

0

0

0

33.277

Mato Grosso de Sul

3

1

2

6

152.747

Mato Grosso 

2

3

2

7

202.182

Goiás

1

4

6

11

237.547

Distrito Federal

0

0

0

0

554

Brasil

199

223

148

570

6.179.262

Fonte: IBGE: Produção Agrícola Municipal, 2006.

Depreende-se que a maior parte dos municípios que desenvolve plantios de cana-de-açúcar apresenta mais de 50 por cento da área total de lavouras temporárias ocupada com esta cultura. Nota-se também um número considerável de municípios cuja área total de lavouras temporárias (entre 70 e 90%) é ocupada com a cana, assim como um número também elevado de municípios cuja área total de lavouras temporárias (mais de 90%) executa-se com este tipo de lavoura. Isso mostra a importância da cana-de-açúcar na configuração e organização do espaço rural brasileiro.

Observa-se ainda que o estado de São Paulo detém sozinho o maior número de municípios e a maior área ocupada com cana-de-açúcar, mais da metade nacional, seguido do estado do Paraná, Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso e outros.

Por outro lado, os estados que apresentaram o menor número de municípios e a menor área ocupada com a monocultura da cana-de-açúcar correspondem a todos os estados do Norte, parte dos estados do Nordeste, principalmente Piauí, Ceará, Sergipe, Maranhão e Rio Grande do Norte, além dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na região Sul, e o Distrito Federal.

Comparando os dados da tabela 1 com o conteúdo da figura 1, observa-se a eloqüência das afirmações acima, ou seja, a expressividade econômico-espacial da atividade canavieira na Zona da Mata nordestina e no estado de São Paulo, especialmente nas porções Oeste e Central.

Figura 1
Brasil: Localização das Unidades Agroindustriais de Álcool e Açúcar e de Biodiesel - 2006


Destaca-se, principalmente, maior concentração de unidades agroindustrais de álcool consideradas mais antigas, seguidas de novas unidades com maior dispersão, e unidades de biodiesel, também com maior dispersão, havendo uma relativa concentração dessas últimas na região Centro-Oeste do país, especialmente no estado do Mato Grosso. Ademais, nota-se participações relativas dessas unidades agroindustriais espalhadas nas demais unidades da federação.

Portanto, conforme destacado anteriormente, observa-se no mapa o predomínio de instalações de novas unidades agroindustriais sucro-alcooleiras no norte do estado do Paraná, oeste paulista, sul do Mato Grosso do Sul, centro-sul de Goiás e Triângulo Mineiro, que também correspondem aos estados da federação que apresentaram maior expansão da área cultivada com a cana-de-açúcar, como pode ser verificado na tabela 2. 


Tabela 2
Brasil: Agroindústrias Sucro-Alcooleiras, Biodiesel e Áreas Cultivadas com Cana-de-Açúcar e Soja - 2006

 

Agroindústrias

Área cultivada de cana-de-açúcar

Área cultivada de soja

Estado

Unidades de Álcool e Açúcar (antigas)

Novas Unidades de Álcool e Açúcar

Unidades de Biodiesel

1996

2006

Variação (%)

1996

2006

Variação (%)

Rondônia

0

0

0

567

1.278

125,40

576

103.110

17801,04

Acre

0

1

1

204

973

376,96

-

20

-

Amazonas

1

0

2

676

6.049

794,82

49

2.258

4508,16

Roraima

0

0

0

0

548

 

-

11.000

-

Pará

1

0

1

6.379

11.261

76,53

-

72.335

-

Amapá

0

0

0

90

80

-11,11

-

-

-

Tocantins

1

0

3

2.056

3.801

84,87

7.019

329.220

4590,41

Maranhão

4

0

2

17.473

39.301

124,92

63.652

383.284

502,16

Piauí

1

0

2

8.058

10.213

26,74

9.585

232.009

2320,54

Ceará

1

0

5

25.381

29.067

14,52

20

300

1400,00

Rio Grande do Norte

3

0

1

55.688

55.623

-0,12

-

-

-

Paraíba

9

0

1

101.655

116.115

14,22

-

-

-

Pernambuco

24

1

3

469.045

336.765

-28,20

-

-

-

Alagoas

25

0

0

432.236

402.253

-6,94

-

120

-

Sergipe

4

0

0

22.764

38.853

70,68

-

-

-

Bahia

5

0

8

76.154

106.455

39,79

433.263

872.600

101,40

Minas Gerais

31

14

14

247.290

431.338

74,43

471.018

1.009.366

114,29

Espirito Santo

6

0

1

45.540

64.042

40,63

-

-

-

Rio de Janeiro

8

0

4

168.912

164.290

-2,74

-

-

-

São Paulo

177

26

16

2.493.180

3.284.681

31,75

563.600

656.600

16,50

Paraná

27

5

15

285.147

432.815

51,79

2.386.743

3.931.721

64,73

Santa Catarina

0

0

3

17.421

17.154

-1,53

167.368

331.627

98,14

Rio Grande do Sul

0

0

7

35.734

33.277

-6,88

2.547.152

3.868.501

51,88

Mato Grosso de Sul

11

12

6

82.085

152.747

86,08

831.954

1.907.688

129,30

Mato Grosso 

11

1

17

118.506

202.182

70,61

1.956.148

5.822.867

197,67

Goiás

17

22

11

117.990

237.547

101,33

883.276

2.494.060

182,36

Distrito Federal

0

0

0

307

554

80,46

34.733

53.980

55,41

Brasil

367

82

123

4.830.538

6.179.262

27,92

10.356.156

22.082.666

113,23

FONTE: Fonte: IBGE: Produção Agrícola Municipal, 1996 e 2006.

É importante frisar que São Paulo detém o maior número de unidades agroindustriais de álcool, antigas e novas. O estado do Mato Grosso detém o maior número de unidades agroindustriais de biodiesel, seguido dos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Goiás. No Nordeste, o estado da Bahia apresenta o maior número de unidades agroindustriais de biodiesel, seguido do estado do Ceará e Pernambuco. Assim, o que fica evidente é que a instalação de unidades de processamento de biodiesel situa-se nas áreas de predomínio do cultivo da soja, o que derruba a tese do governo de que esse combustível tenha um caráter predominantemente social e que vai ser um importante mecanismo de geração de emprego e renda no campo para famílias de camponeses.

Nota-se que em quase todos os estados citados houve aumento da área ocupada com cana-de-açúcar ao longo da década estudada. Percebe-se ainda, um aumento expressivo da área ocupada com soja nos estados do Centro-Oeste, e parte dos estados do Norte, Nordeste e Sul. O aumento mais significativo da área ocupada com cana-de-açúcar ocorreu no estado do Amazonas, seguido do estado do Acre. No que concerne ao aumento da área ocupada com soja, destacam-se os estados de Rondônia, Tocantins e Amazonas, evidenciando, portanto a penetração e/ou expansão rápida destas monoculturas no bioma de floresta amazônica.

Nos estados do Nordeste, a maior expansão da área de soja se deu no Piauí, seguido do Ceará, Maranhão e Bahia. Nos demais estados não houve registro de plantio e/ou expansão da área ocupada com esta monocultura.

Na região Sul, o estado de Santa Catarina apresentou a maior variação na expansão da sojicultura, seguido do Paraná e do Rio Grande do Sul. Vale ressaltar que em todo o país a área ocupada com soja mais que dobrou de tamanho, já a área ocupada com cana-de-açúcar apresentou variação próxima de 30 por cento.


O lado amargo da cana-de-açúcar

Não resta dúvida que o Proálcool, enquanto política pública para o setor agroindustrial e para a produção de energia, tem atingido seus objetivos. Ocorreu um crescimento significativo da produção de cana-de-açúcar, novas destilarias e usinas foram instaladas e cresceu o número de empregos diretos em toda a cadeia produtiva, desde a indústria produtora de máquinas e equipamentos para o setor sucro-alcooleiro até a comercialização de álcool e açúcar. No entanto, há que se questionar a qualidade desses novos postos de trabalho, principalmente no campo, quando se analisa esse setor produtivo.

Para exemplificar citaremos o caso da destilaria Alcoeste, de médio porte localizada no interior paulista, mais especificamente na região de Fernandópolis. A mão-de-obra utilizada pela empresa varia entre 250 empregados no período de safra e 180 na entre-safra. Como as terras utilizadas para o cultivo da cana-de-açúcar, juridicamente pertencem a outras empresas ou pessoas, toda a mão-de-obra utilizada na lavoura, em todas as etapas do cultivo, não é controlada pela destilaria, mas pelas outras firmas, como a Agrícola Arakaki, parte do grupo de mesmo nome, proprietária das Fazendas Santa Alice e Santa Helena, localizadas nos município de Estrela d’Oeste e Fernandópolis, além de inúmeros arrendamentos que a empresa possui. A Agrícola Arakaki possui 136 empregados permanentes, que se dividem nas funções desde secretária de diretoria, contadores, agrônomos, mecânicos, até tratoristas e trabalhadores braçais que realizam as tarefas de manutenção das fazendas[35]. No entanto, no período de safra chega a ser contratado um universo de até 1.400 empregados temporários para efetuar o corte da cana. Também no período de plantio de novas áreas, ou renovação de canaviais, são contratados de 80 a 130 empregados temporários para a realização das tarefas.

A contratação de todos esses trabalhadores volantes não é realizada diretamente pela empresa agrícola, mas por intermédio de empreiteiros, que recebem da empresa um valor pela tonelada de cana cortada pelos trabalhadores. Esses empreiteiros ficam responsáveis pelo transporte dos trabalhadores e pelo acompanhamento do trabalho no campo. Assim, parte do valor de trabalho realizado pelo operário é pago ao empreiteiro, o que caracteriza mais um mecanismo de exploração do trabalho, ficando esse agenciador com uma parte da mais-valia extraída.

O trabalhador receberá por tarefa realizada, ou seja, pelo volume de cana cortada no dia – pagamento por produção. A adoção desse tipo de pagamento, que é uma das formas de trabalho, já denunciada por Karl Marx no século XIX, se constitui como uma das mais desumanas e perversas, pois o trabalhador tem o seu ganho atrelado a força de trabalho despendida por ele por dia[36].

“É verdade que tanto Adam Smith quanto Karl Marx denunciavam este trabalho, chamando-o de perverso e desumano, analisando apenas esta forma de trabalho em situações em que o trabalhador controlava o seu processo de trabalho e tinham, ao final do dia, pleno conhecimento do valor que tinham ganho, isto porque conheciam o valor do trabalho executado. No corte de cana é diferente, porque os trabalhadores só sabem quantos metros de cana cortaram num dia, mas não sabem, a priori, do valor do metro de cana para aquele eito cortado por ele, este desconhecimento é devido a que o valor do metro de cana do eito depende do peso da cana, que varia em função da qualidade da cana naquele espaço e a qualidade da cana naquele espaço depende, por sua vez de uma série de variáveis (variedade da cana, fertilidade do solo, sombreamento etc.). Nestas condições, as usinas pesam a cana cortada pelos trabalhadores e atribuem o valor do metro, através da relação entre peso da cana, valor da cana e metros que foram cortados. Tudo isto é feito nas usinas, onde estão localizadas as balanças, sem controle do trabalhador. Portanto, entre aquelas situações de trabalho analisadas pelos dois pensadores nos séculos XVIII e XIX e as praticadas na cana nos séculos XX e XXI há uma enorme distância, que é o não controle do salário e do processo de trabalho pelos trabalhadores, este é controlado pelas usinas”[37].

Essa característica desumana e perversa que predomina nas relações de trabalho no setor canavieiro tem levado à exploração extrema do trabalhador, uma vez que o salário que o trabalhador receberá depende da capacidade física de cada trabalhador, o que torna essa forma de salário uma das mais arcaicas existentes no meio rural brasileiro. É importante destacar que mesmo havendo aumento da produtividade do trabalho não há aumento de salário.

De acordo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura, juntamente com o crescimento da produção no Brasil houve um crescimento da produtividade do trabalho no corte de cana, medida em toneladas cortadas, por dia, por homem ocupado. Na década de 60 a produtividade do trabalho era, em média, de 3 toneladas de cana por dia de trabalho, na década de 80 a produtividade média passa para 6 toneladas de cana por dia, por homem ocupado, e no final da década de 90 e início da presente década, atinge 12 toneladas de cana por dia[38].

Segundo informações obtidas na empresa Alcoeste, os preços pagos pela tonelada de cana cortada seguem as normas estabelecidas entre os produtores e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que é comum para todo o Estado de São Paulo. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Batatais a remuneração dos trabalhadores é baixa, pois os mesmos recebem em média R $ 2,70 por tonelada cortada, em 2004, e a forma de pagamento (por produtividade) tem levado os cortadores de cana a trabalhar até 16 horas diárias. Esse valor por tonelada, para os que conseguem atingir a média diária de 12 toneladas, garante ao trabalhador um remuneração diária de R$ 32,40, por dia trabalhado[39].

No caso específico da Destilaria Alcoeste, quanto às determinações legais, estas são cumpridas pela empresa que realiza o registro temporário de todos os trabalhadores, efetuando recolhimento de FGTS, pagamento de férias remuneradas e de décimo terceiro salário. No entanto, isso não ameniza as condições de exploração do trabalhador, o qual recebe salários aviltados e no final de cada safra é dispensado, sendo que a maioria deles não encontra outra alternativa de trabalho, ficando no aguardo da próxima safra.

Diante dessa superexploração da força de trabalho, já não são raros, casos de morte súbita nos canaviais do Brasil. Em muitos casos, o esforço físico extremo torna-se fatal e possivelmente já causou a morte súbita de muitos trabalhadores. São comuns notícias como “Trabalho escravo e morte nos canaviais brasileiros”[40], “Para manter emprego, cortador de cana precisa elevar produção; ONU investigará se 9 mortes ocorreram por exaustão”[41], “Trinta cortadores de cana são hospitalizados por excesso de trabalho”[42].

De acordo com dados da Comissão Pastoral do Migrante, em 2004 houve pelo menos onze mortes de cortadores de cana. Entre 2005 e 2006, o Serviço Pastoral dos Migrantes registrou 17 mortes de trabalhadores migrantes no corte da cana em São Paulo. Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do estado.

O que fica explicito, na medida em que ocorrem transformações espaciais, com a substituição de culturas de alimentos pela lavoura canavieira, em havendo a territorialização do capital monopolista na agricultura, há a precarização das relações de trabalho, proporcionando conseqüentemente maior exploração do trabalhador. Além desse aspecto, esses trabalhadores que, enquanto volante e com emprego sazonal, passam a engrossar a massa de pessoas que vivem na periferia das cidades, tendo que enfrentar todos os problemas ligados a falta de infra-estrutura urbana. Assim, o desenvolvimento do complexo canavieiro, além de expulsar o homem do campo, leva à precarização e/ou proletariazação da maioria dos que nele se emprega, não lhes garantindo condições adequadas de vida nas cidades, situação resultante da intensa exploração capital/trabalho, estabelecida com a territorialização deste setor de agricultura moderna.

Diante disso, “o que o Brasil não pode permitir é que essa impulsão do álcool na matriz energética mundial se dê à custa da vida e da saúde de uma grande parcela da população. É essa a questão que está em jogo. Agora por que não se produz álcool em condições socialmente avançadas? Socialmente e ambientalmente sustentáveis? É esse o problema que o Brasil tem que resolver”[43].

Deve-se considerar ainda que o Estado é o principal articulador da atual configuração do setor sucro-alcooleiro, ou seja, a situação de exploração que vive a maioria dos trabalhadores do setor é resultado de ações efetivas do Estado que criou mecanismos para que ocorresse a penetração do capital monopolista na agricultura, garantindo-lhe condições de acumulação e reprodução ampliada, dando origem à “modernização conservadora”, que se caracteriza por um processo de intensificação da concentração fundiária, concentração de capital para um pequeno grupo de capitalistas, através de mecanismos de apropriação de bens de produção e do acesso ao sistema de financiamento com recursos da União[44]


O programa do biodiesel: o mesmo caminho amargo da cana?

Seguindo o mesmo modelo do programa Pro-Álcool, foi criado o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. A sua criação se deu através da Lei n° 11.097 de 13/01/05, na qual ficou estabelecido sua adição ao óleo diesel na proporção de 2 por cento (B-2). Tal mistura já está autorizada e passará a ser obrigatória a partir de 2008, elevando o percentual para 5 por cento (B-5) em 2013. A meta é chegar, sem previsão de prazo, a 100 por cento (B-100), puro diretamente no tanque.

Sobre este novo programa de biocombustível os mitos são ainda maiores. Esse produto está sendo considerado economicamente vantajoso, ecologicamente correto e socialmente justo. No entanto, é necessário lidar com muita cautela com esse assunto, haja vista os exemplos anteriores que temos sobre o processo de intensificação do uso de insumos na agricultura e das relações entre agricultura e agroindústria, como é o caso da cana-de-açúcar.

Para os deputados federias do Conselho de Altos Estudos da Câmara, “Por ser biodegradável, não-tóxico e praticamente livre de enxofre e aromáticos, é considerado um combustível ecológico. Como se trata de uma energia limpa, não poluente, que pode ser usada pura ou misturada com o diesel mineral em qualquer proporção, o seu uso num motor diesel convencional resulta, quando comparado com a queima do diesel mineral, numa redução substancial de monóxido de carbono e de hidrocarbonetos não queimados”[45].

De acordo com pesquisas científicas não se trata de um combustível não poluente. O que está ocorrendo é que “os biocombustíveis têm sido propagandeados e considerados erroneamente como ‘neutros em carbono’, como se não contribuíssem para o efeito estufa na atmosfera. Quando são queimados, o dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para distribuição”[46].

Outro mito relacionado ao Programa do biodiesel refere-se a afirmação de que se trata de um combustível social. Entretanto, para os defensores deste Programa “a produção de oleaginosas em lavouras familiares faz com que o biodiesel seja uma alternativa importante para a erradicação da miséria no país, pela possibilidade de ocupação de enormes contingentes de pessoas. [...]. A inclusão social e o desenvolvimento regional, especialmente via geração de emprego e renda, devem ser os princípios orientadores básicos das ações direcionadas ao biodiesel, o que implica dizer que sua produção e consumo devem ser promovidos de forma descentralizada e não-excludente em termos de rotas tecnológicas e matérias-primas utilizadas”[47].

Diante dessa premissa, o Governo lançou o Selo Combustível Social, que “é um componente de identificação concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário aos produtores de biodiesel que promovam a inclusão social e o desenvolvimento regional, por meio de geração de emprego e renda para os agricultores familiares enquadrados nos critérios do Pronaf”[48].

Esse selo será concedido pelo MDA às agroindústrias de biodiesel que comprarem matéria-prima da agricultura familiar em percentual mínimo de: 50 por cento na região Nordeste, especialmente no Semi-árido; 10% na região Norte e Centro Oeste e, 30 por cento nas regiões Sudeste e Sul. Com isso os empresários obtêm vantagens, tanto do governo quanto ao se tornarem mais competitivos no mercado mundial, por se tratar de um produto com um apelo social. “Por meio do selo de combustível social, o produtor de biodiesel terá acesso a alíquotas de PIS/Pasep e Cofins com coeficientes de redução diferenciados, além de acesso às melhores condições de financiamentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e suas Instituições Financeiras Credenciadas, assim como o Banco da Amazônia S/A – BASA, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Banco do Brasil S/A ou outras instituições financeiras que possuam condições especiais de financiamento para projetos com Selo Combustível social. O produtor de biodiesel também poderá usar o selo para fins de promoção comercial de sua empresa”[49].

Diante dessa característica do Programa, seguramente uma das conseqüências do biodiesel para os agricultores camponeses será a sujeição à lógica das empresas de biocombustíveis. O simples desenvolvimento de uma atividade agrícola, por mais vantajosa que seja, não garante ao agricultor se apropriar de toda a renda da terra gerada por essa atividade. Isso ocorre porque, no processo de circulação da mercadoria, ocorre a mediação entre as diversas unidades e segmentos de produção, havendo uma concorrência pelo controle de parte da renda que, comumente, é, parcialmente apropriada por outros setores ou segmentos da sociedade[50]. Isso ocorre  porque

“A propriedade da terra em produção, apesar de condição necessária, não é condição suficiente para garantir ao seu proprietário a apropriação de excedentes sob a forma de renda da terra, nos preços dos produtos. A capacidade de apropriação assume um caráter individual e está associado ao poder de mercado de cada produtor, (...) no contexto da competição intercapitalista. Neste sentido, o capital dinheiro imobilizado em terras produtivas pode ser desvalorizado na competição intercapitalista. O excedente econômico, relativo à renda da terra, pode ser apropriado por concorrentes nos mercados oligopolizados à montante e à jusante. O que deveria se constituir como renda da terra assume a forma de juros, lucros comerciais, de lucros agroindustriais – associados à redução dos custos agroindustriais – e de lucros industriais de setores produtores de máquinas e insumos”[51]

O domínio exercido pelo setor urbano-industrial, sobre a estrutura produtiva, implica na pilhagem dos produtores diretos em favor de uma acumulação do capital urbano, que se dá através da elevação dos preços dos produtos agrícolas, criando uma condição de troca desfavorável para o produtor rural, de financiamentos, quase que forçados, do setor público para produção agrícola que, por um lado, beneficia o setor industrial à montante, que terão seus produtos consumidos e, por outro, o setor financeiro que consegue apropriar-se de parte da renda da terra através da cobrança dos juros dos empréstimos concedidos. Dessa forma, o Estado torna-se um agente ampliador da economia a serviço da acumulação. É importante enfatizar que “o Estado encarrega-se, através de complexa política adequada, de assegurar a transferência dos valores da agricultura para a indústria”[52].

Diante desse quadro, a “experiências como a plantação da mamona por pequenos agricultores no Nordeste demonstraram o risco de dependência a grandes empresas agrícolas, que controlam os preços, o processamento e a distribuição da produção. Os camponeses são utilizados para dar legitimidade ao agronegócio, através da distribuição de certificados de ‘combustível social’”[53].

Além desse aspecto ainda existe o risco sobre a segurança alimentar, pois, muitas famílias, para atingir níveis satisfatórios de produção de sementes de oleaginosas deixariam de produzir gêneros alimentícios, o que poderia colocar em risco o abastecimento dos próprios camponeses e da sociedade como um todo. 


Considerações Finais

A produção de álcool combustível no Brasil está diretamente relacionada à monocultura, que historicamente esteve vinculada ao latifúndio, fato que marca de forma negativa a histórica agrária do país. Além de contribuir para a manutenção da estrutura fundiária extremamente concentrada, ainda tem um custo social imposto ao conjunto da sociedade. As relações de trabalho predominantes no setor canavieiro, com trabalho sazonal e remunerado por produtividade, possibilitam a superexploração do trabalho, como salários aviltantes, o que, não raro, tem levado trabalhadores à morte por exaustão.

Além desse lado sombrio e desumano das relações de trabalho, o trabalhador sazonal, cortador de cana, é obrigado a viver na periferia das cidades médias dos interiores ou em bairros pobres das pequenas cidades e vilas, sem saneamento básico, assistência médica ou qualquer outro serviço básico, que é de direito de todo cidadão. Quando esses trabalhadores não estão nessa condição de moradores marginalizados estes são migrantes sazonais que se deslocam todos os anos de outras regiões do país, em especial do Nordeste, para se sujeitarem ao trabalho exaustivo do corte da cana. Para essa parcela de trabalhadores as condições são ainda piores, pois estes, muitas vezes são alojados em condições subumanas em barracões precários, sem condições de higiene e de moradia. Ademais, são obrigados a pagar valores consideráveis pela cama que dormem e pela comida que comem nesses locais. Nesse tipo de relação têm sido comuns as denúncias de trabalho escravo nos canaviais do Brasil.     

De acordo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), na atualidade, essa condição social em que vive uma parcela significativa da população brasileira inclui aproximadamente 500 mil cortadores de cana. Logo, as famílias dos cortadores de cana, custam aos cofres públicos milhões de reais que são utilizados para a manutenção dos programas assistencialistas, como por exemplo, o bolsa família. Assim a superexploração do trabalhador pelo capital agroindustrial, que não garante nem mesmo a reprodução simples da força de trabalho, exige que o estado brasileiro realize ações desse tipo.

Quanto ao biodiesel, colocar em prática uma política de incentivo à produção de sementes oleaginosas por camponeses, não torna o programa e o produto biodiesel um combustível social. Muito pelo contrário. O que se observa em segmentos agrícolas onde houve integração da produção camponesa à agroindústria, é que há um processo de submissão total desses produtores, uma vez que se cria um mercado oligopsonizado, o que possibilita apenas a reprodução simples desses trabalhadores, que muitas vezes se convertem em simples fornecedores de força de trabalho à agroindústria, mesmo mantendo a propriedade da terra. A exemplo dessa situação, pode-se citar os fumicultores ligados à indústria do tabaco, os suinocultores e os avicultores do sul do país que produzem no sistema de integração, e os citricultores do interior de São Paulo ligados às indústrias de suco concentrado.

Assim, implantar uma política que conduza camponeses a dedicarem-se ao cultivo de mamona, palma ou pinhão, matéria-prima que só teria aplicação na indústria química, seria colocá-los na mesma lógica de exploração de outros agricultores que já se encontram vinculados ao setor agroindustrial.   


Notas

[1] Kageyama 1987, p.7.

[2] Sorj, 1980.

[3] Sorj, 1980.

[4] Pastore e Alves, 1975. Veiga, 2001.

[5] Neste sentido, Delgado observa que “as diversas experiências de pólos de desenvolvimento rural integrado, emergentes no planejamento agrícola do II PND, precisam ser analiticamente localizados, no esforço de máxima prioridade a uma determinada política de desenvolvimento rural que então se perseguia. (...) a proposta dos pólos de desenvolvimento rural, que se institucionaliza a partir do II PND e cujas estratégias e programas principais se definiram a partir da constituição do POLONORDESTE, POLOCENTRO, POLAMAZÔNIA e POLONOROESTE” (1985, p.107 e 108). Para uma análise detalhada sobre a ação do Estado na implementação destes programas ver: OLIVEIRA, A.U. Integrar para não Entregar. São Paulo, HUCITEC, 1988. 

[6] Sorj, 1980.

[7] Sorj, 1980.

[8] Sorj, 1980, p. 69.

[9] Muller, 1986.

[10] Müller (1986, p. 60) observa que “a agricultura brasileira transitou do predomínio do modo tradicional de produzir para o predomínio do modo moderno, que combina insumos e serviços industriais com terra e trabalho. Essa transformação profunda expressa que houve mudanças (i) no objeto de trabalho, (ii) no processo de trabalho, (iii) nas formas da força de trabalho e (iv) na gestão e controle das unidades de produção. O predomínio significa que mesmo a manutenção e reposição do modo atrasado de produzir, assim como a pobreza, somente encontram sua explicação plena ao se levar em conta suas conexões com o modo de produzir. A transição de um modo a outro de produzir-distribuir está diretamente associado à constituição e expansão (i) dos setores da industria para a agricultura e (ii) dos setores agroindustriais. Vale dizer, a transição está diretamente correlacionada com a constituição do complexo agroindustrial brasileiro”.

[11] Delgado, 1985, p. 21.

[12] Gonçalves Neto, 1997.

[13] Hespanhol, 1997.

[14] Este setor criou mecanismos e se serviu dos já existentes para aumentar sua taxa de lucro, pois, segundo Gonçalves Neto (1997, p. 179) passa a utilizar “recursos que, de outra forma, seriam recolhidos ao Banco Central e remunerados a taxas inferiores às cobradas no crédito rural. Além de poder ‘oferecer' este serviço a clientes preferenciais, dos quais exige reciprocidade na forma de saldos médios, compra de contratos de seguro, etc., cobra taxas de assistência para elaboração de projetos (1% a 2% do valor dos contratos) e mais taxas de assistência técnica e supervisão”.

[15] Estes gozaram, além do grande volume de recursos com taxas de juros subsidiados a que tiveram acesso, ainda “o crédito rural abre caminho para que estes produtores inaugurem uma nova forma de ganhos: a substituição de capital, utilizando na produção o dinheiro de origem governamental e aplicando os recursos próprios no mercado financeiro, imobiliário, etc.” (Gonçalves Neto, 1997, p. 180).

[16] Ver Delgado (1985), Müller (1993) e Muller (1998).

[17] Veiga, 2001.

[18] Veiga, 2001.

[19] Szmrecsányi, 1979.

[20] Ramos, 1999.

[21] Szmrecsányi, 1979.

[22] O Proálcool foi instituído pelo Decreto nº 76.593, de 14/11/1975.

[23] Thomaz Júnior, 1996.

[24] Bray et. al., 2000.

[25] Szmrecsányi, 1979.

[26] Esse processo de valorização do capital imobilizado no setor através da implantação do Proálccol é assim analisado por Thomaz Júnior (1996, p. 83): “Egressos da fase áurea do açúcar no mercado internacional, que fez com que as exportações triplicassem no período de 1969 a 1974 [...], seguida de uma queda drástica em 1975, ..., aliado às avaliações negativas de melhora no curto prazo, devido às previsões de superprodução em vários países importadores e das dívidas acumuladas no período áureo do açúcar no início dos anos 70, depois de terem-se reequipado para responder aos estímulos direcionados por programas governamentais anteriores [...] – e sem perspectivas econômicas para o futuro próximo – não restou dúvidas, em eleger o álcool, mais uma vez, como válvula de escape. Só que agora enquanto alternativa econômica, política, tecnológica, com mercado cativo e lastreado por elevadas quantias de investimentos estatais, como forma de valorizar o capital já imobilizado e dar condições de retorno certo (reprodução ampliada), para a seqüência de investimentos, frente a uma capacidade ociosa significativa”.

[27] Thomas Júnior, 1996.

[28] Thomaz Júnior, 1996.

[29] Bray et. al., 2000.

[30] Thomaz Júnior, 1996.

[31] Nesse sentido, Thomaz Júnior (1996, p. 89) destaca que “apesar do ‘fechamento da torneira', os mecanismos protecionistas, responsáveis pela drenagem de recursos públicos (basicamente subsídios diretos e indiretos) não foram desativados de pronto”.

[32] Thomaz Júnior, 1996.

[33] Thomaz Júnior, 1996.

[34] Ramos, 1999.

[35] Informações concedidas pelo gerente da Agrícola Arakaki, em entrevista realizada no dia 03 de julho de 2002, na sede da Fazenda Santa Alice, no município de Fernandópolis.

[36] Alves, 2006.

[37] Francisco Alves. Por que morrem os cortadores de cana? [En línea]. Guariba (SP): Pastoral do Migrante, 2006.

<http://www.pastoraldomigrante.org.br/novo_site/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=149 >. [30 de março de 2008].

[38] Alves, 2006.

[39] Jornal Hora do Povo. Morte por exaustão no corte de cana em SP. [En Línea].  São Paulo: Instituto Brasileiro de Comunicação social. 2006. <http://www.horadopovo.com.br/2006/marco/29-03-06/pag4a.htm>. [30 de março de 2008].

Dessa forma o “bom” trabalhador é “bem” remunerado pelo seu trabalho e o “mal” recebe só o equivalente ao que trabalhou, criando-se estereótipos para justificar a exploração. Para SILVA (1999, p. 86), “trata-se de uma forma de salário mais vantajosa ao capitalista uma vez que a intensidade do trabalho não depende dos investimentos em capital constante, mas do próprio trabalhador. É um salário que reforça as diferenças de habilidade, força, energia, perseverança dos trabalhadores individualmente, provocando diferenças nos seus rendimentos e o estabelecimento da concorrência entre eles. Esta competição estimula o aumento da intensidade do trabalho e, conseqüentemente, da produtividade”.

[40] Comissão Pastoral da Terra Nordeste. Trabalho escravo e morte nos canaviais brasileiros. [En línea]. Recife: Comissão Pastoral da Terra Nordeste, 2007. <http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file= article&sid=43>.  [30 de março de 2008].

[41] Folha de São Paulo. Para manter emprego, cortador de cana precisa elevar produção; ONU investigará se 9 mortes ocorreram por exaustão. [En Línea]. São Paulo: Jornal Folha de são Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005. <http://www.cip.saude.sp.gov.br/CEREST/Ferramenta_de_Comunicacao/Midia%20e%20Acidente%20de%20Trabalho/Fax%20simile%20capa%20textosFolha18092005.doc>.  [30 de março de 2008].

[42] Ministério Público do Trabalho. 30 cortadores de cana são hospitalizados por excesso de trabalho. [En Línea]. Ministério Público do trabalho: Cuiabá, 2007. <http://www.prt23.mpt.gov.br/noticias/noticia_detext.php?seq=2355>. [30 de março de 2008].

[43] Comissão Pastoral da Terra, 2007.

[44] Nesse sentido, Thomaz Júnior (1996, p. 74) ressalta que “o Estado, ao sintetizar no seu interior as contradições capital-capital e capital-trabalho, aponta alternativas concretas, para o setor sucro-alcooleiro, oferecendo as condições materiais para a rentabilidade do capital, assegurando a orientação clara no sentido de subsumir toda a terra disponível, inclusive o latifúndio, conservando o poder político-econômico da burguesia agrária, agora no comando do CAI”.

[45] Câmara dos Deputados, 2003, p. 09.

[46] Pinto, E. Melo, M. e Mendonça, M.L. O mito dos biocombustíveis. [En línea]. Jornal Brasil de Fato: 2007. <http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/o-mito-dos-biocombustiveis>.  [30 de março de 2008].

[47] BiodieselBr. Agricultura Familiar, Emprego e o Lado Social do Biodiesel. [En línea]. Curitiba: BiodieselBr, 2008. < http://www.biodieselbr.com/biodiesel/social/aspectos-sociais.htm>. [30 de março de 2008].

[48] Secretaria da Agricultura familiar. Selo Combustível Social. [En línea]. Brasilia: MDA, Secretaria da Agriculrura Familiar, 2006. <http://www.mda.gov.br/saf/index.php?sccid=362>. [30 de março de 2008].

[49] Secretaria da Agricultura familiar., 2006.

[50] Neves, 1995.

[51] Moreira, 1995, p. 8.

[52] Vergopoulos, 1986, p. 113

[53] Pinto, E. Melo, M. e Mendonça, M.L. 2007.


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