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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


A ATUAÇÃO DO MST E A LUTA PELA TERRA NA PARAIBA (1985 – 2008)

Helen Nunes Cosmo da Fonseca
Graduanda em Geografia / Universidade Federal da Paraíba - Brasil
(helen.geo@gmail.com)

Romina Baroni Cecato
Graduanda em Geografia / Universidade Federal da Paraíba - Brasil
(romina.cecato@gmail.com)

Edvaldo Carlos de Lima
Professor da Universidade Federal da Paraíba - Brasil
(edvaldo.edvlima@gmail.com)


 A atuação do MST e a luta pela terra na Paraíba, 1985 – 2008 (Resumo)

Um dos temas mais relevantes e polêmicos da questão agrária brasileira é a estrutura fundiária apresentada na forma de latifúndio improdutivo. O território brasileiro funcionou sempre subordinado aos interesses do capital estrangeiro, visto que, essa é uma herança do período colonial. A partir desse contexto, que teve sempre seus ditames baseados na lógica de acumulação do capital, surgem os movimentos sociais no campo e na cidade. Nesse sentido, objetivamos no artigo proposto fazer uma análise da territorialização e espacialização de um dos maiores movimentos sociais do campo, que objetiva desde sua gênese a luta pela terra e reforma agrária através das ocupações e assentamentos rurais: o MST. Partindo dessa premissa, entendemos que os trabalhadores e trabalhadoras rurais que participam desse movimento aspiram à reforma agrária, à medida que esta implica a democratização do espaço agrário. O Movimento tem sido a principal organização no desenvolvimento dessa forma de luta. Por isso é impossível compreender sua formação, sem entender a ocupação.

Palavras-Chave: Ocupação, latifúndio, luta pela terra, movimentos sociais


Action of MST and the struggle for the land in State of Paraíba (Abstract)

One of the most relevant and controversial themes of the agrarian question in Brazil is the agrarian structure which appears in the form of unproductive latifundia. Brazilian territory has always acted in subordination to interests of foreign capital, since that is an inheritance of the colonial period. From this concept, which has ever been based on the logic of capital accumulation, social movements appear in the field and in the city. Therefore, our objective in the proposed article is to do an analysis involving aspects of territorialization and spacialization of one of the greatest social movements of the field – MST – which aims, since its inception, to the struggle for land property and agrarian reform, by means of land occupation and rural settlement. From this premise, we understand that the rural labors, men and women, which participate of this movement, aspire to the land reform, while this implies democratization of the agrarian space. MST has been the main organization on developing this form of struggle. Therefore, it is not possible to understand its formation without understanding land occupation.

Keywords: Occupation, latifundia, land struggle, social movements


A estrutura fundiária brasileira é um dos temas mais relevantes e polêmicos da questão agrária, pois, apresenta-se na forma de latifúndio improdutivo. O território brasileiro funcionou sempre subordinado aos interesses do capital estrangeiro, visto que, essa é uma herança do período colonial. A partir desse contexto, que teve sempre seus ditames baseados na lógica de acumulação do capital, surgem os movimentos sociais no campo e na cidade. Nesse sentido, objetivamos no artigo proposto fazer uma análise da territorialização e espacialização de um dos maiores movimentos sociais do campo que luta pela terra e reforma agrária: o MST. Entendendo que os trabalhadores e trabalhadoras rurais que participam desse movimento aspiram à reforma agrária, à medida que esta implica a democratização do espaço agrário. Na seara deste contexto, a ocupação comparece como uma das formas relevantes em prol dessa luta dos trabalhadores, que por sua vez, vêm acumulando forças sociais e práticas em defesa de seus ideais, com a perspectiva de que um dia aconteça a democratização das terras.


Aspectos do processo histórico da questão agrária brasileira e paraibana

Este texto trata, de uma forma sintética, do processo histórico da questão agrária brasileira e paraibana, tendo, como intuito maior, o de mostrar como as classes dominantes apropriaram-se da utilização de um dos principais bens da natureza: a terra. Por outro lado, visa abordar alguns aspectos do processo de invasão que tem origem na ocupação feita pelos colonizadores.

A questão agrária paraibana é resultado de um longo processo, cujo ponto inicial pode ser fixado na formação do espaço colonial brasileiro, este, por sua vez, alicerçado nos latifúndios improdutivos, fundados com as capitanias hereditárias e as concessões das sesmarias pelos colonizadores.

No processo da invasão, os portugueses que aqui chegaram, em 1500, se apoderaram do território e impuseram as leis e as vontades políticas da Monarquia portuguesa. Dessa maneira, o território se constituiu em um espaço alienado, pois, toda sua estrutura e organização foram voltadas para atender as necessidades de acumulação do capital mercantil da metrópole (Portugal). Todas as atividades produtivas e extrativas visavam o lucro, tudo era transformado em mercadoria para ser exportado. Esse modelo de produção que era regido pelas leis do capital mercantil foi denominado de modelo agroexportador. De toda a produção feita em território brasileiro, mais de oitenta por cento era exportado. 

O modelo adotado para organizar as unidades produtivas agrícolas era o plantation. Segundo Stedile (2005, p. 21) esse modelo era a forma de organizar a produção agrícola em grandes fazendas de área contínua, praticando a monocultura, ou seja, especializando-se em um único produto, destinando-o à exportação. Em geral, essas culturas foram a cana-de-açúcar, o cacau, o algodão etc. e utilizaram, amplamente a mão-de-obra escrava.

Na Paraíba, a monocultura que se destacou foi a cana-de-açúcar, que era produzida no litoral do Estado. A evolução dessa atividade teve influência na ocupação e no povoamento paraibano. De acordo com Moreira e Targino (1997, p. 32-33), o litoral se baseou na produção canavieira, pois, as melhores terras férteis se localizavam nessa porção. Resultava, daí, uma divisão regional do trabalho, para melhor atender as necessidades da metrópole colonizadora. Por isso, o litoral produzia a monocultura canavieira e o interior do estado se voltava para a produção de gêneros alimentícios e da pecuária.

Nesse quadro, o trabalho escravo utilizado foi, inicialmente, o indígena (nativo), tendo sido logo foi substituído pelos negros trazidos da África, isso porque, os nativos não se submeteram de forma passiva aos colonizadores e a sua resistência terminou gerando conflitos, maus tratos e, mesmo, genocídio. Os africanos foram a base da economia colonial e, em sua condição de escravos, foram tratados como mercadorias, propriedades dos colonizadores. Nessa mesma condição, não eram sujeitos de direitos, mas objeto de uma relação jurídica ignóbil.

Para que o modelo agroexportador fosse bem sucedido, a Coroa Portuguesa optou pela “concessão de uso” da terra para as pessoas que dispusessem de capital para investir na produção das mercadorias necessárias para a exportação. Dessa forma, enormes extensões de terras (sesmarias) foram entregues aos capitalistas colonizadores.

Em 1850, a Coroa promulgou a primeira lei de terras do país. Esta decorreu das pressões inglesas que a Monarquia vinha sofrendo, no sentido de substituir a mão-de-obra escrava pela assalariada, pois, já se avistava a inevitável abolição das escravaturas. O referido diploma legal objetivava também evitar que os escravos, uma vez libertos não se tornassem donos de terras. Essa lei implantou no país a propriedade privada, ou seja, a posse da terra era feita somente através da compra. A partir daí a terra se tornou uma mercadoria com valor de troca e de uso. Esta lei regulamentou a grande propriedade da terra e consolidou a estrutura fundiária improdutiva, que até os dias atuais vigora no país.

Nesse período, a história das lutas sociais e das revoltas populares registrou muitas mobilizações através das resistências dos negros com as fugas e formações dos “quilombos”[1]. As aludidas lutas deixam nítidas as reações dos trabalhadores escravizados em relação às condições de vida e de trabalho a eles impostas.  Com efeito, eram obrigados a trabalhar durante longas jornadas e noite adentro, sempre que possível, em condições sub-humanas, evidenciadas pelos maus-tratos e castigos físicos, sendo muitas vezes acorrentados e colocados “no tronco”[2]. Segundo Moreira e Targino (1997, p. 37-42), além do trabalho nos canaviais, cabia aos escravos cultivar lavouras alimentares para seu próprio sustento e para o consumo do senhor e de sua família, trabalhar na mata cortando, empilhando e transportando madeira em carros de boi para abastecer as fornalhas, participar do trabalho fabril e de atividades domésticas, preparar os alimentos etc.

Em 1888 acontece a libertação desses trabalhadores, através da Lei Áurea. É também o fim do modelo plantation (unidades produtivas desenvolvidas pelo modelo agroexportado durante o período colonial). Contudo, a saída encontrada pelas elites rurais com o intuito de salvar a agroexportação, foi realizar uma intensa propaganda na Europa para atrair camponeses pobres, excluídos pelo avanço do capitalismo industrial, no final do século XIX. É nesse contexto que surge o campesinato brasileiro. Segundo Stedile (2005, p. 27) esse campesinato foi formado por duas vertentes: a primeira que trouxe quase dois milhões de camponeses pobres da Europa para trabalhar na agricultura do país e a outra que teve origem nas populações mestiças que foram se formando ao longo dos quatrocentos anos de colonização. Essa população que também era impedida, pela Lei de Terras de 1850, a se transformar em pequenos proprietários, passou a migrar para o interior do país. Conseqüentemente, o mesmo ocorreu no Estado paraibano. A longa caminhada para o interior tinha por objetivo a dedicação às atividades de produção agrícola de subsistência.

Em 1930 ocorreu uma nova fase da história econômica do país devido às várias crises do modelo agroexportador. Nessa época, que corresponde a Era Vargas (1930-1945), a nascente burguesia industrial toma o poder da elite rural. Esse momento é caracterizado pela a implantação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento agropecuário, o que ocorre durante o regime militar, e pela subordinação da agricultura à indústria.

Essas mudanças são diretamente responsáveis pelas profundas modificações nas relações de trabalho no campo e na cidade. Delas decorre também a expropriação/expulsão dos camponeses, visto que, no momento em que o trabalhador rural não tem acesso à terra, a sua única opção é migrar para as cidades vizinhas em busca de outras formas de sobrevivência material. Trata-se, dessa forma, de luta por trabalho, elemento indispensável a condições de vida digna. Com efeito, ainda que se esteja fazendo referência a uma fase da história em que não se tinha clareza do que deve ser considerado como direitos humanos e fundamentais, não se pode deixar de observar que o trabalho já era entendido como uma categoria fundante do ser humano. De fato, é através do labor que o homem tem a possibilidade de transformar a natureza em meio de subsistência, alcançando também o respeito no ambiente (comunidade/sociedade) em que vive.

É dentro de um processo de resistência e de enfretamento das classes trabalhadoras contra as políticas de desenvolvimento agropecuário e na luta pela democracia e pelos direitos a uma vida justa e digna que as novas formas de luta no campo e na cidade acontecem com maior vigor.

Nesse quadro, os trabalhadores rurais vêm acumulando forças sociais e práticas em defesa de seus ideais e necessidades, através de um novo processo de conquistas na luta pela terra (as ocupações). Dessa maneira, em reposta à realidade imposta pelo modelo de produção vigente, em que o antagonismo de classes rege a sociedade, os movimentos sociais ganham força com o surgimento das Ligas Camponesas em 1950. Porém, é no decorrer dos anos de 1970 que ocorre a formação de vários movimentos sociais no país. De acordo com Gohn,

“Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um novo campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade.  As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Essa identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não-institucionalizados (2000, p. 251-252)”.

As forças atribuídas aos movimentos sociais contemporâneos pelas Ligas Camponesas, estende-se, até aos anos de 1978 e 1985, quando surge e se territorializa o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Este é o mais importante movimento social de luta pela terra e reforma agrária, tendo em vista, que a ocupação de terra é compreendida pelo Movimento como uma ação política de luta e resistência dos trabalhadores sem-terra ao processo de expulsão/expropriação originado pelo desenvolvimento do capitalismo no campo. Na seqüência, parte-se da formação e atuação das Ligas Camponesas como base para o surgimento do movimento social de luta pela terra e reforma agrária, denominado MST, em escala nacional e estadual.

O surgimento do MST no Brasil e na Paraíba

Dentro do processo histórico dos movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária, em que a classe trabalhadora luta pela democracia, através do rompimento com as estruturas convencionais, desafiando e criando novas formas de organização, os trabalhadores rurais se engajam num novo processo de conquista na luta pela terra. Dessa maneira, ao longo dos anos de 1970, ocorre a formação de vários movimentos sociais. No campo e na cidade, em diversos Estados, a classe trabalhadora rebela-se contra a expropriação das terras e a exploração do desenvolvimento capitalista, num processo de enfrentamento e resistência.

No âmbito da organização político partidária revela-se a importância do apoio político do PCB (Partido Comunista Brasileiro) no processo histórico dos movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária. Este foi o primeiro partido político que se levantou em defesa da luta camponesa. Ele afirmava, em seus manifestos, que era necessário organizar um movimento operário-camponês para iniciar uma política de reforma agrária estrutural em escala nacional. Sua principal base organizativa se constituiu nas Ligas Camponesas que fundamentam ideologicamente os atuais movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária. Elas surgiram em Pernambuco, no Engenho Galiléia, adquirindo força com grande evidência em Sapé, Paraíba. Tal movimento foi apoiado pelo advogado e deputado estadual pelo partido socialista, Francisco Julião, autor da legalização da sociedade fundada pelos “galileus”[3]. Como marcavam de forma expressiva o espaço de luta do homem pelo direito de possuir a terra em que trabalhava, elas foram reprimidas durante o governo militar, seguido de prisões de lideranças camponesas e até mesmo assassinatos. Segundo Martins (1983, p.66) as Ligas Camponesas surgiram num combate dos foreiros[4] aos proprietários que os queriam expulsar da terra e, consequentemente, do acesso à sobrevivência.

Entre os movimentos fundamentados ideologicamente pelas Ligas Camponesas, está a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST e a Via Campesina. Segundo Fernandes (2000, p.49) o MST é fruto do processo histórico de resistência do campesinato brasileiro, tendo a sua formação iniciada num espaço social conquistado pelas diversas experiências das lutas populares, tanto do campo como da cidade. Essas experiências contribuíram muito para as mudanças das estruturas tradicionais das organizações políticas, como a Igreja Católica, o novo sindicalismo representado pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, que congrega os diversos sindicatos no nível nacional, e na construção do Partido dos Trabalhadores – PT.

Foi através dessas experiências de lutas populares que os trabalhadores rurais foram conquistando seu próprio espaço e criando novas formas de luta pelo uso democrático da terra. Por isso, foi formado ao longo dos anos de 1970, um espaço de socialização política, em que os trabalhadores articulavam-se e organizavam-se em prol da luta pelos seus direitos: as Comunidades Eclesiais de Base no Brasil – CEBs. Essas comunidades tiveram um papel forte e relevante no processo de lutas, pois, formavam um espaço social que oferecia aos trabalhadores os meios e as condições de analisar a realidade imposta pelo modelo de produção capitalista. A partir daí, esses sujeitos refletiam sobre a sua histórica situação de subordinação e, conseqüentemente, começaram a articular ações contra as diversas injustiças contra eles cometidas.

Deve-se registrar que durante o período militar, malgrado as proibições de reuniões que tivessem fins políticos, essas comunidades permitiram a recriação da organização camponesa. Contaram, para tal, com o apoio da Igreja Católica, visto que, era cada vez maior o envolvimento de religiosos com a realidade dos trabalhadores. Essa postura foi tomada pela Igreja após um período de mudanças, como as discutidas pelo Concílio do Vaticano II em 1965; pela II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín, Colômbia, em 1968 e pela III Conferência em Puebla, México em 1979. Todo esse movimento, considerado de grande relevância para a renovação da Igreja, através da chamada “Teologia da Libertação”, a qual tinha como opção a preferência pelos pobres e excluídos. Nesse contexto, as Comunidades Eclesiais de Base tiveram a oportunidade de se transformar em espaço de reflexão.

A propósito do MST, Fernandes observa:

“A gênese do MST aconteceu no interior dessas lutas de resistência dos trabalhadores contra a exploração, expropriação e o trabalho assalariado. O movimento começou a ser formado no Centro-Sul do país, desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupação da gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das gestações que resultaram na formação do MST. Muitas outras ações dos trabalhadores sem-terra, que aconteceram nos Estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua gênese não pode ser compreendida por um momento ou por uma ação, mas por um conjunto de momentos e um conjunto de ações que duraram um período de pelo menos quatro anos (Fernandes, 2000, p. 50)”.

A partir daí, tiveram início as primeiras experiências de ocupações de terras (1979 a 1984) em grandes fazendas que não cumpriam com o seu papel social, bem como reuniões e encontros que também contribuíram para, o nascimento do MST, em 1984. Este foi fundado por trabalhadores, no Primeiro Encontro Nacional, realizado em Cascavel, no Estado do Pará. Após um ano, o Movimento realizou o seu Primeiro Congresso, que tinha como intuito verificar o processo de territorialização pelo país.

Entre 1985-1990, o MST se instalou de fato nas regiões do Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e parte da Amazônia.

O MST e a função social da propriedade

O papel social atribuído à propriedade e referido no parágrafo acima, vai ao encontro dos objetivos do MST. Este, por sua vez, através de suas manifestações e reivindicações, foi de extrema relevância na opção do constituinte de 1988 por estabelecer no III, do artigo 170, da Constituição da República Federativa do Brasil o referido papel social. Mais que isso, uma função social. Com efeito, o dispositivo mencionado, determina: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III- função social da propriedade [...].” Deve-se entender, dessa forma, que a propriedade, urbana ou rural, tem uma função junto à sociedade que vai além da acumulação de bens e da contribuição indireta para o crescimento econômico.

Com a atenção voltada para o restabelecimento da democracia no país, após anos de ditadura militar, a constituinte de 1988 cuidou de inserir, no texto constitucional, a compreensão já difundida no âmbito internacional, de que a propriedade (mesmo quando produtiva) não se mantém por si só, sendo sustentada pela sociedade como um todo. Entende-se que, dessa forma, cabe-lhe, função de retorno social.

No que respeita às propriedades rurais improdutivas, fica evidente que a aludida função não é desempenhada, visto que seus proprietários mantêm grandes extensões de terra sem utilizá-las (ou sem utilizá-las de forma satisfatória), visando oportunidades de mercado ou, em última análise, a transferência a herdeiros, no contínuo processo de enriquecimento das minorias. Isso ocorre enquanto grandes contingentes de trabalhadores carecem de uma pequena porção para produzir a própria subsistência material e promover a própria dignidade. Nelas, inaceitavelmente, não se criam empregos, assim como nada se produz para o bem comum. É nessa mesma percepção que o texto constitucional brasileiro estabelece a reforma agrária, a qual consta de seus artigos 184 e seguintes. Neles estão contidos preceitos que buscam a justiça social através da democratização do uso da terra. Entretanto, como existe uma distância considerável entre os dispositivos constitucionais e a sua aplicação e efetividade, o processo da referida reforma se arrasta, no Brasil, com pequenos resultados. Interesses dos latifundiários e suas representações no Poder Legislativo, em particular, criam obstáculos ao uso da terra por aqueles que, de fato, a tornariam produtiva.


O surgimento do MST na Paraíba

Na Paraíba, bem como em outros Estados nordestinos, os trabalhadores também encontraram dificuldades para criar o MST. Registra-se que a história das lutas camponesas durante a maior parte do período histórico foram lutas isoladas. O Movimento compreende que essas lutas devem ser articuladas para que esta se torne consistente, tanto a nível nacional como internacional, para que possa proporcionar a efetivação da Reforma Agrária brasileira.

Dentro dessa perspectiva, desde 1985, quando a delegação voltou do Primeiro Congresso, havia uma vontade de formar no Estado o Movimento. Porém, até 1989, o MST fora apenas uma secretaria localizada numa cidade vizinha da capital João Pessoa, Campina Grande. Segundo Fernandes os camponeses que lutavam neste Estado contra a expropriação/ expulsão tinham o apoio da Pastoral Rural, que em 1988 transformou-se em Comissão Pastoral da Terra (CPT), e também do bispo Dom José Maria Pires. Entretanto, há opiniões um tanto diversas, como a relatada por Schiochet (2008), Líder Estadual do MST na Paraíba, em entrevista: “Houve uma resistência da Igreja Católica com a chegada do MST na Paraíba, porque ela sempre teve a hegemonia no Estado e não queria perder seu poder e seu espaço com a vinda de outro movimento social”. Para que a primeira ocupação fosse efetivada no Estado, os trabalhos de base para a formação de grupos de família, já estavam sendo realizados três meses antes da ocupação.

“Em relação à luta pelo retorno à terra, ela ainda nova no Estado e se caracteriza pela ocupação de imóveis por trabalhadores assalariados. Essa  ação tem sido organizada pelo Movimento dos Sem Terra, atuando na Paraiba desde 1989 e pela Comissão Pastoral da Terra. Ocupado o imóvel, barracas são levantadas, a terra é preparada e um grande roçado é plantado em mutirão. Surge assim o “acampamento” (Moreira, 1997, p.280)”.       

Quando ocorreu a primeira ocupação, em 1989, já se registrava um documento que tramitava há dois anos em Brasília num processo de desapropriação da Fazenda Sapucaia, ocupada pelos sem-terra. No segundo dia dessa ocupação foi registrado o primeiro confronto com um grupo paramilitar, um grupo de extermínio que utilizava cavalaria, uniforme, armamento pesado e tinha como grito de guerra a seguinte frase: “Acorda todo mundo para morrer”. Como esse grupo não possuía uma ordem de despejo, os sem-terra resistiram e frustraram a ação militar. Porém, durante a noite o grupo efetivou o confronto. Nesta ação as pessoas procuraram escapar em direção da mata, alguns líderes foram brutalmente torturados e, durante esse ataque, a menina Luzia de Brito, de dezoito meses, morreu quando sua mãe foi atacada, jogada ao chão e pisoteada. 

Indignados pelo decorrente fato, os militantes do Movimento partiram em busca dos seus direitos de cidadãos e foram até o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) localizado na capital, levando o corpo da criança assassinada, onde tentaram uma audiência com o governador. Contudo, os trabalhadores não foram recebidos pelo governador, que indicou o Chefe da Casa Civil para receber os sem-terra. Eles relataram o ataque, solicitaram ajuda para procurar pessoas desaparecidas e reivindicaram o assentamento para as famílias, mas nada aconteceu em defesa dessa luta.

Segundo Lazzaretti (2003, p.78), apesar de toda violência, os militantes permaneceram acampados numa área próxima da fazenda. Nada foi definido pelo governo, em termos de desapropriação da área. Com o passar do tempo, as famílias da militância juntaram-se a outras famílias que já viviam no local e juntas ocuparam a fazenda Maniçoba, no município de Esperança, onde esperaram pela emissão da posse da terra. As tentativas de despejo e dispersão não resultaram em nada, pois as famílias resistiram, e dessa forma suas histórias registraram o princípio da formação do Movimento.

 No estado paraibano, o MST nasceu em condições bastante conflituosas, como na maioria do território brasileiro. Dessa maneira, as famílias que persistiram contra a guerra do latifúndio conquistaram a terra e o Movimento juntamente com elas, finalmente, conseguiu fincar suas raízes. A partir de 1991, o MST da Paraíba, diante de toda ação e mobilização dos sem-terra, passa a ser relevante na agenda do movimento a nível nacional.


Territorialização e espacialização do Movimento

A territorialização da luta pela terra é um processo de conquistas em frações do território. Em meados da década de 1980, quando o MST inicia sua territorialização pelo país, os trabalhadores sem-terra se juntam com os demais trabalhadores e intensificam o processo de formação do campesinato brasileiro. Dessa forma, eles passaram a ser os principais sujeitos, no enfrentamento com o Estado, na luta pela terra e pela reforma agrária.

Raffestin (1993, p.198) afirma que "O território é um trunfo particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço político por excelência, o campo da ação dos trunfos". Dessa maneira, o território conquistado dentro da espacialização da luta, como resultado do processo de trabalho e organicidade de um movimento, é demonstrado como trunfo na espacialização da luta pela terra.

A territorialização e a espacialização do Movimento dar-se-á inicio com a ocupação, que é compreendida como uma ação de resistência camponesa ao processo de desenvolvimento do capitalismo. Desenvolver um processo de luta e conquista da terra significa territorializar, dessa maneira, quando os sem-terra ocupam uma fração do território e conseguem resistir contra a guerra do latifúndio, eles formam o assentamento rural. É desse modo, que acontece a territorialização da luta pela terra, pois, a cada assentamento conquistado, é uma fração do território que os sem-terra irão construir uma nova comunidade, vislumbrando novas conquistas, como: a luta pela educação de qualidade, pela saúde, crédito agrícola, cooperação agropecuária e outros direitos que proporcionam uma vida digna ao ser humano, visto que, o modelo de produção vigente não oferece aos trabalhadores. Desse modo, o Movimento lutará sempre contra a exclusão, exploração e expropriação da classe trabalhadora. Neste sentido é relevante compreender o conceito de classe trabalhadora.

De acordo com Marx a classe trabalhadora é composta por aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário. Para que o modo de produção capitalista seja alimentado, o trabalho é a sustentação do capitalismo e essa sustentação se faz pela exploração do trabalhador.

Para que o MST consiga com sucesso se territorializar e espacializar a partir do processo da luta pela terra, é necessário que haja uma organicidade e metodologia a serem seguidas. Estes preceitos são básicos para a orientação dos trabalhadores, visto que, os organizam e orientam aos objetivos que devem ser traçados e alcançados.


Perspectivas do movimento

O Movimento compreende que as ocupações de terras são ações políticas de acesso a terra nos processos de espacialização e territorialização da luta pela justiça social. Portanto, os sem-terra ocupam e reocupam a terra de modo a conquistar o assentamento. Dessa maneira, acontece a territorialização, visto que, o assentamento comparece como uma fração do território onde os trabalhadores irão construir uma nova comunidade. Assim, a cada assentamento alcançado, o MST se territorializa.

Após a conquista da terra, os sem-terra almejam uma nova conquista, dimensionando a terra em luta pela educação, saúde, moradia, trabalho, entre outros, ou seja, todos os direitos que lhe foram tirados, desde a época colonial, com a implantação do modelo agroexportador.

A luta pela terra significa um dos principais elementos para a compreensão da questão agrária. Deve-se entender que a ocupação e a resistência desses trabalhadores, ocupando espaços e neles permanecendo, são formas de transpor obstáculos no caminho para a consecução da democratização desse bem natural (a terra) apropriado pelas elites rurais através. Esta é uma das práticas do MST para chegar à reforma agrária.

Primeiro, é preciso dizer que a ocupação é uma ação decorrente de necessidades e expectativas, que inaugura questões, cria fatos e descortina situações. Evidente que esse conjunto de elementos modifica a realidade, aumentando o fluxo das relações sociais. São os trabalhadores desafiando o Estado, que sempre representou os interesses da burguesia agrária e dos capitalistas em geral. Por essa razão, o Estado só apresenta políticas para atenuar os processos de expropriação e exploração, sob intensa pressão dos trabalhadores. A ocupação é, então, parte de um movimento de resistência a esses processos, na defesa dos interesses dos trabalhadores, que é a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. (Fernandes, 2000, p.281-282).

Os assentamentos rurais originados, na maioria das vezes, pelas ocupações, significam para os sem-terra a possibilidade de diminuir a exclusão proporcionada pelo modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária e também uma forma de construção da sua própria existência.

Dentro da realidade vivida por esses trabalhadores, o balizamento entre a exclusão causada pelo modelo de desenvolvimento agropecuário e a ressocialização proporcionada pela implantação dos assentamentos resultantes da ocupação, os sem-terra ainda permanecem em desvantagem. Isto porque o número de famílias assentadas é menor que o número de famílias expropriadas, visto que a área destinada aos assentamentos é menor que as áreas incorporadas pelos latifúndios. Dessa forma, fica nítido que a concentração de terras ainda continua se desenvolvendo de maneira gritante no país.

Diante dessa realidade, os movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária trabalham arduamente, dia após dia, em busca de um processo que não tem como ser evitado e que vem se arrastando por séculos: a utilização da terra por aqueles que querem e podem nela produzir.  

Nesta seara, as perspectivas do Movimento caminham na busca pelos direitos dos sem-terra, que são: o acesso a terra, o desenvolvimento das políticas públicas voltadas para a produção familiar camponesa, aumento das políticas de assentamentos rurais, crédito acessível aos trabalhadores rurais, abertura para participação dos sem-terra na vida econômica e política do país, acesso ao trabalho, à educação de qualidade e à saúde. 


Notas

[1] “Quilombos” foram formações de povoados construídos por negros escravos fugidos das terras de seus “proprietários”. Possuíam relativa organização interna, com definições dos poderes de decisão e distribuição de tarefas. O Brasil ainda conta com descendentes legítimos destes núcleos, que recebem a denominação “quilombolas”.

[2] O “tronco” era uma tora de madeira onde eram acorrentados os escravos para serem castigados. Nele eles sofriam a dor física das chibatadas e a dor moral da humilhação.

[3] “galileus” sociedade fundada por Francisco Julião. Em 1960 as Ligas Camponesas estavam organizadas em 26 municípios pernambucanos e se estendiam pela Paraíba e pelo norte de Alagoas.

[4]  Os foreiros eram trabalhadores camponeses que obrigatoriamente pagavam uma renda fundiária ao proprietário da terra, na qual moravam e trabalhavam.


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