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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

AlguMas coisas de que nÃo sabemos muito, SOBRE A VIRTUDE, O ERRO E A INCERTEZA DO DESENHO, NA “CIDADE TOTAL”

Pedro Brandão
Universidade Técnica de Lisboa

Algumas coisas de que não sabemos muito, sobre a virtude, o erro e a incerteza do desenho, na “cidade total” (Resumo)

Com o final das éticas radicais da modernidade, dedicadas à perfeição de um “mundo novo”, e com o crescimento do individualismo na nossa época, a ética no desenho urbano pode parecer fora de tempo. Parece que sabemos já tudo, ou que não importa muito. É só aparente, todavia: na busca da qualidade da vida, a “vida boa”, os campos do pensamento ético tenderão a dar cada vez mais atenção aos assuntos do urbano contemporâneo.

O interesse público, ou comum, clarifica a ética política no que diga respeito às cidades, e se há neste âmbito sempre muito que descobrir, já é consensual a opinião sobre o que os governos devem fazer:

Palavras chaves: Ética, urbanidade, conhecimento, desenho, interdisciplinar.

As utopias e manifestos sobre a Cidade baseiam-se num tipo especial de “conhecimento” - as construções paradigmáticas. É o caso, quando designamos o fenómeno urbano na actualidade, como Cidade Total, querendo significar o urbano como quadro de vida de toda, ou da maior parte da humanidade.

Historicamente, as cidades utópicas (que são um tipo de construção paradigmática), não são apenas jogos de visionários, esgotando-se na primeira experiência de concretização, ou protótipo único. Antes correspondem, como conceitos geradores de desígnios para o desenho, à reacção a uma realidade urbana nascente, ainda mal definida ou incerta. É uma forma recorrente de pensamento para-projectual, propondo exemplos, meta-projectos, ou novas formas de cidades, avant-la-lettre frente ao desconhecido.

As teorias paradigmáticas a respeito da cidade, constroem-se como convicções, procurando alimento em qualquer forma de conhecimento, de ideologia política, da literatura ficcional, do desenho alegórico, ou de outra fonte que alimente a visão de uma cidade (presente ou futura) que se quer explicar. Estes modelos, são de racionalidade limitada (e também de duração limitada). Observaremos adiante a pertinência desta limitação, no entendimento do Espaço Público no seu plano comunicacional: a matriz essencial da interacção, que o desenho do espaço urbano é suposto promover.

A comunicação no espaço público tem por matriz a noção da cidade como palco e objecto de comunicação, como espaço onde os cidadãos interagem, desde logo porque se dirigem a palavra. Nas cidades contemporâneas, porém, a sua grande dimensão e complexidade, e a competição pelo uso do espaço público, pervertem aquela matriz, comodificando-o. A natureza pública do conteúdo de uma mensagem reside no interesse que ela representa para o público: para a segurança, comodidade, orientação, para a identidade e a interacção, para a própria cultura urbana.

Mas a cultura urbana da comunicação trás consigo um outro traço, o da cidadania - desde logo quanto à liberdade de expressão no espaço público, mas também quanto aos valores do colectivo, como a capacidade de interacção comunicativa, a expressão artística e a manifestação política; e ainda, o exercício do silêncio, a livre escolha individual, do seu campo de visão, a possibilidade de poder desfrutar da paisagem urbana, como um direito e um valor urbano em si mesmo, que pode mesmo sobrepor-se à necessidade de comunicar.

Falamos do software do design urbano. Isto é, das relações e interacções de que se faz a vida urbana. Na sua relação com o espaço físico, com o hardware do espaço público, não basta apenas um know how de natureza técnica, relativo ao modo mais eficiente de dar informações: supõe também juízos e opções éticas, tanto quanto políticas e culturais. Como se cultiva entre os profissionais o know how desses juízos e opções?

É também o interesse público, ou comum, que clarifica a ética política, no que diz respeito às cidades, e se neste âmbito há sempre muito por descobrir, já é normal a opinião sobre o que os governos devem fazer, como regular interesses em conflito,  proteger bens escassos, salvaguardar valores inter-geracionais, estimular funções de centralidade, promover o espaço público e a expressão da cidadania. Mas a aproximação ética ao design urbano não nasce antes que a reflexão ilumine também as práticas profissionais. A ética no campo das profissões assume não só o plano deontológico, das obrigações, mas também o plano axiológico, dos valores:

Assim, ao propormos uma reflexão sobre a moralidade na produção do espaço urbano, começamos por questionar o próprio conhecimento disciplinar sobre a cidade.

 

O pensamento paradigmático. Uma lista de cidades do nosso desconhecimento

A fundamentação de novas formulações teóricas sobre a cidade assenta em proclamações axiológicas, de forte pendor moralizante: por exemplo, quando nomeamos a Cidade Total, há uma carga negativa subjacente a um sentimento de perda (da ruralidade?), ou medo de esmagamento, pela imensidão do conceito. Os Manifestos são como uma formulação retórica, jogos de linguagem que facilitam a expressão de uma interpretação da realidade presente, com uma convicção quanto ao futuro desejado, tal como nas Utopias, onde as características recorrentes das cidades sonhadas nos dão uma imagem estratégica:

Em matéria de inteligibilidade, o paradigma é muito performante mas a sua reflexividade, nunca é definitiva, antes participa da abertura ao inesperado. Na maioria dos casos, não estamos perante verdadeiras teorias e saberes empíricos, com um percurso analítico e verificação causal, mas perante ideias seminais em que é recorrente:

De facto, a “matriz” do paradigma, será a de uma positividade, algo que escapa à conceptualização hipotético-dedutível de saber objectivado (Foucault), antes mobiliza os recursos da dialética e faz apelo à hermenêutica. Nesta óptica, explicação e compreensão constituem facetas de um mesmo processo - a interpretação - num jogo que se revela útil para explicar fenómenos polissémicos (como é a cidade).

As áreas do desenho do urbano não são científicas - mas socorrerem-se das outras disciplinas, em busca fragmentos de teoria, que lhes permitam fundamentar as opções de projecto. A parte de convicção, na formulação dessas opções, é uma marca da sua identidade. Desde já, retenhamos alguns dos produtos deste tipo de convicção profissional paradigmática, no pensamento contemporâneo sobre a Cidade da postmodernidade (muito em especial a partir dos anos 80), com as quais podemos verificar que teorias e manifestos nas disciplinas do desenho, terão uma matriz ética, embora de duração limitada na explicação dos novos fenómenos (é válida até ao modelo operativo seguinte).

 

Tabela 1. Um Jogo Linguístico?

Carácter dominante

Disposição formal

Sistémica

Outras alegorias

Agrário, ambiental:
Agro City-R.Williams73
Eco city-ImCharg 69

Centrífuga:
Centrifugal City- AbuLughod 99

Memoria-identidade:
Analogue City- A. Rossi 69

Luminosidade:
Overexposed City-P. Virilio

Automóvel dominante:
Autopia-
R. Banham 71

Centrípeta:
Centripetal City-A. Pope 96

Crescimento rapido:
Boombourg-Lang 91

Desregulação:
Heteropolis-C. Jencks 93

Informação:
City of Bits + Etopia -Mitchell 95
Cyber City- C. Boyer 96
TelePolis- Echevarria94

Sem identidade:
Generic City-R.Koolhaas 96
Post-it-City-G.laVarra 03

Redes e fluxos:
Informational City-Castells 95
DataTown-MVRDV 99

Securitarismo:
Privatopia-Mckenzie94
Non City-F.Duque 04
Cannibal City + City of Quartz - Mike Davis 91

Ludico temático:
FantasyCity- J.Hannigan 98

Linear:
Corridor City-J.Garreau 91

Sistema Global:
Global City- S. Sassen 91

Temporalidade:
Collage City-C. Rowe 75

Dimensão Global:
Metapolis - Asher 95
Postmetropolis- Soja 89   

Difusão:
Diffused City-M. Kajina 01

Dualidade social:
Dual City-Castells 95

Technotopia:
Ville Cosmique-Iannis Xenakis 64

Tecnicidade:
TechnoPolis-
Castells 94

Limiar:
Edge City -J. Garreau 91

Intercambiador:
Hub City-VanSusteren 95

Estratificação:
Puff Pastry City-C.Garcia Vasquez 04

 Suburbio industrial:
Disurbia -Baldassare 87

Policentrica:
Polycentrical City-Chung e Koolhaas 03

Em rede:
Network City-Mitchell 03

Eventos:
Sim City - W.Wright 89
Event City - Tschumi 94

 

A matriz do conhecimento, na representação paradigmática da cidade

Na antiguidade clássica, o Paradigma era usado por oradores ou tribunos com fins retóricos, didácticos ou polémicos. Na sua utilização moderna, foi usado em formulações para explicar por associações analógicas um mito fundador de uma nova realidade. Um modelo abstracto construído a partir de alguns traços característicos e singulares (o Paradigma) é também chamado de tipo ideal. O seu objectivo não consiste em descrever um perfil médio mas em munir-se de uma estrutura lógica, ordenando um encadeado de fenómenos difusos. Forma-se assim um quadro de pensamento homogéneo (não contraditório), a partir do qual se pode compreender aquilo que constitui a especificidade de um acontecimento, de uma situação, no caso, um fenómeno urbano.

Aplicada a diversos objectos de estudo, este pensamento paradigmático desempenha a função essencial de uma utopia racional, que pode servir de suporte ou de apoio quando da construção de hipóteses mas que não deve ser interpretada de forma realista, sob pena de por aí se esconder um desconhecimento real.

É muitas vezes com teorias emprestadas de outras áreas do conhecimento, que as disciplinas do desenho constroem os seus paradigmas. Expressam-se frequentemente sob a forma de manifestos, utopias e modelos, que são expressos de modo visionário. Logo nas raízes da moderna teoria urbana encontramos duas representações paradigmáticas de concepções distintas, como a Cidade Jardim de Howard e a Ville Radieuse de LeCorbusier, modelos ou utopias que serviram de referência para o desenho experimentado, em transformações urbanas que mais tarde se generalizam em grande escala. Mas mesmo que em certo aspecto tivessem tido apoio em modelos analíticos da cidade, vindos de áreas científicas, não é menos frágil a explicação dos seus limites.

Se considerarmos aqueles dois modelos paradigmáticos à luz do que sabemos da cidade do dobrar do século, vemos como a ambos escapou que o processo de inelutável expansão da cidade era já estrutural, e não apenas visionário. As duas linhas que Choay identificou na teoria urbana moderna – o culturalismo (que se afirma pela nostalgia de valores da cidade pré-industrial, onde o mundo rural é contraponto orgânico e relacional, até à Cidade Jardim de Howard.) e o progressismo (que se afirma pela eficiência positivista, até Le Corbusier na Cidade Radiosa, um mundo que, ele dizia, precisa de se deixar guiar por armonizadores), serão no fundo categorias classificativas de pensamento paradigmático[1] .

Estarão mesmo hoje já superadas, ou pelo contrário, estarão activas em novas formulações? Os paradigmas fundadores da modernidade no pensamento do urbano, vieram a encontrar os seus críticos na 2ª metade do século XX (quando as experiências testadas manifestavam já os seus limites, e uma nova cultura urbana se desenvolvia com um novo interesse das ciências humanas e das ideias políticas, pela cidade). E já com a emergência da cidade Pós-Industrial, massificada, alargada na sua dimensão física e com um novo papel global de regulação de fluxos, o pensamento paradigmático gerou novos modelos de Cidades explicadas.

O certo é que se assume ainda hoje a necessidade quase ancestral: a de dar resposta à questão contemporânea da cidade - a que resulta da aceleração crescente da urbanização da população, (com a extensão dos aglomerados, nas novas periferias), a que acresce a nova escala da competitividade urbana.

Hoje, a cidade sustentável e a cidade genérica parecem reeditar os paradigmas do historicismo[2]. As cidades sonhadas, seguindo a matriz de classificação de Choay, revêm-se em modelos, ainda com a tónica de Manifestos. Nesta perspectiva, um novo paradoxo parece ter assentado arraiais:

A Urbanidade como a vida e como ela está a crescer

Ao contrário da preferência do mainstream político pelos velhos centros da cidade, os novos núcleos urbanos periféricos são olhados como maus e insustentáveis, não somente devido a falta de qualidades de identidade, de densidade, de centralidade ou de estética, mas também devido à desvalorização dos seus factores de sucesso, nas suas qualidades como do acesso fácil, custo baixo, proximidade da natureza ou abundância do espaço. Embora abriguem a grande maioria dos moradores da cidade e das actividades económicas urbanas, elas são quase invisíveis no nosso pensamento. Chegamos a chamar-lhes de não-lugares.

Hoje 80% dos povos europeus são urbanos. Há 50 anos os números eram menos do que a metade daquele e há 100 anos os urbanos não seriam muito mais que 10% do total da população europeia. Como poderia tal mudança ter ocorrido, dentro dos limites do mesmo espaço das cidades existentes, sem se expandirem os territórios urbanos? O Habitat II das Nações Unidas concluiu que aquela aceleração da urbanização é um facto, um dado irreversível. As consequências são radicais e inescapáveis. Estamos a ver o alcance do retrato, ou estamos apenas a mentir a nós mesmos?

Ao mesmo tempo que os habitantes urbanos estão a crescer vertiginosamente, outras mudanças ocorrem na vida urbana. O crescimento da riqueza económica conduz as famílias a consumir mais espaço de alojamento (50 m2 por a pessoa em vez de 20). Nós temos hoje uma média de quase 2 casas em vez de 1 casa por a família, e com a posse universal do carro o percurso médio casa-trabalho a ser coberto por dia cresceu de 8 quilómetros para mais de 40 quilómetros.

O cultivo da nova urbanidade, deve ser central e não periférico no nosso pensamento do urbano e do seu desenho. O que é um subúrbio senão um processo da mudança no sentido de pertença? Em vez do exorcizado não-lugar, será o espaço de novos tipos de lugar, com novos significados e diferentes sentidos?

As respostas conduzem-nos a um ponto de vista diferente dos slogans convencionais que amaldiçoam o sprawl e fazem apelos a um impossível regresso generalizado aos centros de cidade. Tais apelos são promovidos pelo mainstream político e pelos negócios imobiliários, que negam a atenção para onde as pessoas de facto estão e promovem o monopólio dos apoios públicos à apropriação dos centros tradicionais por extractos sociais e negócios mais competitivos. O meu diferente ponto de vista é o de considerar a cidade que cresce como uma chamada para a fundação da urbanidade.

“A Urbanidade é mais do que a forma da cidade… É um modo de viver, uma atitude, uma cultura cívica que eventualmente poderia ser exercida em outro lugar…Não faz sentido a reconstrução de um passado mistificado das cidades. Mais interessante do que memórias nostálgicas é lembrar o que a cidade europeia representou e ainda representa de forma diferente. A sua forma democrática e integradora não pode ser mantida pela “musealisação”; antes, ela tem que ver com espaços partilhados onde o diverso e o específico têm implicações mais largas, traços civilizacionais que se desenvolvem não por serem iguais a si próprios mas por se relacionarem com o diferente de si próprios” (Daniel Innerarity).

Estamos num domínio do desconhecido? Algumas das exigências da urbanidade no espaço público, podem ser completamente diferentes em condições periféricas. Porque ali o vazio é abundante quando na cidade central é escasso, eles não somente têm que ser aqui preenchidos, mas também têm de ser semeados de funções de centralidade, apoiadas nos equipamentos, nos sistemas da mobilidade, na paisagem e na arte urbana, requeridos para a construção de novos e humanizados significados.

Qual é a causa da periferia? Será traduzível em mais uma crença paradigmática, num novo modelo, da Cidade Total, ou na necessidade do simples unir dos fragmentos? Pontos centrais, linhas de mobilidade e superfícies ocupacionais: estes são a matéria prima para o fazer do lugar. Mesmo se o espaço público suburbano de hoje nos parece grávido das rotundas, vias rápidas e shoppings, o espaço público é a farinha de que o pão é feito. E é um território enorme que nos põe à prova, porque nós ainda não sabemos o que fazer.

 

A comunicação na cidade e a interacção no espaço e no tempo

Temos de considerar o facto de que nem toda a informação que hoje tem por canal o espaço público urbano, respeita a supremacia do carácter público. Isso pode não ser eticamente problemático: se grande parte da informação disponibilizada no espaço público deve ter natureza pública, por vezes precisamos também de informação sobre eventos, serviços comerciais, actividades ou locais…que são de oferta privada. Assim, nalguns casos a informação comercial pode ser também de interesse geral, principalmente se for relativa a serviços ou acções que envolvam grande número de cidadãos. Para dar um exemplo evidente para todos, a sinalética de farmácia interessa naturalmente a esse prestador de serviços, mas há um valor de interesse social, da informação respeitante à localização deste estabelecimento que, não sendo ilimitado, justifica um uso do espaço público para que tal informação chegue aos destinatários.

A compatibilidade de interesses gerais e particulares da comunicação supõe uma prevalência dos primeiros sobre os segundos e portanto a existência de um processo regulador, que estabeleça as condições de utilização do espaço público comunicativo para fins privados, suas compensações e garantias de transparência. A verdade é que a informação publicitária podendo ser estabelecida mediante compensações ou ela própria transportar valores de interesse geral, corresponde sempre a uma apropriação do espaço visual público, e em certos casos à espoliação dos valores da paisagem urbana.

A marca, ou a comunicação fantasiosa

Se a informação publicitária tem por conteúdo a própria cidade (como é a comunicação que decorre do marketing urbano), a necessidade de dar a conhecer uma imagem competitiva promovendo-a junto de destinatários que se pretendam atrair (turismo, negócios, quadros…) ou junto dos habitantes a mobilizar para um projecto colectivo, essa comunicação pode representar em si mesma um objectivo estratégico para a própria cidade. Mas pode também revestir carácter ilusório para promoção de negócios privados ou de políticas superficiais de imagem, promovendo o valor de um local com falsos significados - sejam eles nostálgicos (história, ruralidade…) sejam fantasiosos (paradisíacos, exóticos…), sejam tecnológicos (inovação, futurismo).

Do mesmo modo, a comunicação que tem por objecto o turista, justifica a ocupação de um espaço visual (nomeadamente promovendo a informação sobre os monumentos, locais de lazer, restauração e hotelaria…) não só porque estes utilizadores têm necessidades e limitações especiais (língua…) como porque o bom acolhimento desta actividade é socialmente reconhecido como útil (para a cidade, país…) trazendo benefício económico à colectividade. Mas há aqui também limitações, pois aquela promoção não deverá ser subserviente à função turística, nem transmitir uma imagem de superficialidade temática.

Os espaços públicos, em que o contacto comunicativo se regista em directo, são um recurso usado em qualquer nível do processo comunicacional (conteúdo/mensagem, linguagem/agente, suporte/canal). Mas a melhor forma de garantir a comunicação é na relação face-a-face, por efeito da densidade/proximidade, na vivência no exterior à casa, o traço comunicativo essencial do espaço público[3]. O próprio significado comunicativo do espaço público tende a modificar-se, seja com a comercialização publicitária do espaço visual, seja com a comunicação para o automóvel, na proliferação crescente de sinais e outros estímulos de comunicação nos canais de circulação viária, ou ainda com o condicionamento dos comportamentos (proibições, operatividade do espaço) e a institucionalização de regulações normativas da comunicação interpessoal.

Comunicação, tecnologia, arte e sociabilidade

Os espaços virtuais de encontro, suplantarão a cidade como espaço físico do encontro? A resposta a esta questão será um processo aberto, um jogo que teremos sempre de jogar, contando com o que a cidade real pode oferecer, hoje, como espaço comunicativo, e também o que podem oferecer os novos media... e se possível combinando os dois, numa mobilização do espaço público urbano, (convocada por email e sms), lúdica e “gratuita”[4]. Poderemos talvez constatar, como escreve Gottmann (91) que “o desejo de estar presente em todas as formas de manifestação, participar pessoalmente em reuniões, conviver face a face, acentua-se. E tudo isto anima, multiplica e sobrecarrega as redes...”.

O elemento ao qual historicamente cabe a função da comunicação simbólica, no espaço público urbano, é o monumento. Segundo Débray (97) essa comunicação é de diferentes tipos, o que permite estabelecer uma tipologia dos monumentos: segundo o traço evocativo de memória, segundo a mensagem emuladora de sentido histórico colectivo, ou segundo a forma propiciadora de poder estético, no espaço. A arte urbana ou arte pública, na sua diversidade de abordagens, tem sempre um registo de contexto e de relação, entre a criatividade artística e os vários interesses que informam o espaço público. Grande domínio de condensação de sentido e de experimentação, a arte terá de tomar parte na fundação da urbanidade supondo a intervenção comunicativa (e criativa) do Outro no espaço público.

Assim, sendo a nossa época precisamente caracterizada pela comunicação como matriz de organização, de valor e de poder, a comunicação no espaço público terá um significado matricial e a compreensão dos novos meios, tecnologias e significados comunicacionais. E cada vez mais terá um grande território à sua frente, para experiências de interdisciplinaridade, relacionando esteticamente a experiência do Espaço Público comunicativo, com o Espaço Público urbano, na cidade alargada.

O Sistema de Informação Urbana

A sociedade, se por um lado valoriza o direito de ser informada, de conhecer e discutir o que lhe diz respeito, por outro lado, pretende preservar margens de privacidade, de intimidade. Os cidadãos terão responsabilidades na determinação de que algumas coisas estão fora da lógica do consumo. E é por aí que se revelam não já apenas como consumidores de informação.

Nem toda a informação deve utilizar o espaço público. Mas toda a que o utiliza deve fazê-lo com a perspectiva de economia do espaço e do tempo, para que não se produza ruído visual e não se retire valor a esse espaço (obstrução de vistas, imagem confusa, diminuição da eficácia). A regulação pública da comunicação diz respeito a todos os domínios do Sistema de Informação Urbana, mas os problemas da comunicação devem ser avaliados previamente[5]:

Dito de outra forma: Quem pode comunicar o quê no espaço público e o que comunica o espaço de si mesmo?

Esta é uma definição política, que trata dum traço essencial da cidadania. O facto de coexistirem na cidade residentes, utentes frequentes e utentes episódicos (visitantes, turistas) revela que para uns e outros prevalecem diferentes factores e objectivos da informação. Por exemplo, não é aceitável que uma parte significativa da população não possa utilizar o espaço público livremente (20% da população com deficiente mobilidade, visão ou outras), por ausência de suportes específicos para pessoas com diferentes códigos linguísticos ou com necessidades especiais.

O facto de haver excesso de elementos de comunicação, nomeadamente pela informação publicitária, sem regulação adequada, faz crescer o número de objectos que ocupam o espaço físico, poluição visual, riscos de segurança, imagem confusa e desorientadora, numa redução geral da performance comunicativa, com custos de contexto. Também por isso, a ocupação do espaço visual público deve ser limitada a situações em que a violação dos direitos de todos à vista e o prejuízo para o valor da paisagem sejam minimizados e compensados de modo claro e aceite pela comunidade,  correspondendo a objectivos democráticos de acesso à informação, de promoção da qualidade da vida urbana e da consciência social em relação ao Outro.[6]

Saberes da comunicação no espaço público

A questão, que nos introduz o problema do profissionalismo na comunicação, é: qual é o elenco das capacidades e entendimento do fenómeno comunicacional que se exigem de todos os profissionais do desenho da cidade? Podemos diagnosticar um deficit de consistência, isto é, não sabemos ainda o suficiente sobre a comunicação na cidade e não organizámos ainda o que já sabemos.

Tal elenco começará no domínio do próprio projecto: formular um diagnóstico; visualizar um programa; simular uma hipótese; estabelecer uma referência; transmitir um conceito; produzir alternativas; propor decisões; discutir os impactos... São territórios de projecto do espaço público que reclamam novos canais e linguagens e, principalmente, novas competências e atitudes de comunicação.

Os profissionais do design urbano descrevem a cidade como um artigo abstracto, com conceitos técnicos numa linguagem de jargão exclusivo, fora de uma experiência emocional. Mas a nossa experiência, como civilização urbana é feita de ocasiões da vida diária, em que fazemos e pertencemos a lugares, interagindo com outras realidades.

As competências comunicacionais da concepção e do desenho, são imperfeitas - nós profissionais comunicamos mal com os outros (não-profissionais). O que é paradoxal: as profissões do desenho foram formadas na convicção de que era neste instrumento de comunicação, o desenho, que residia a sua identidade. As competências tradicionais (do desenho propriamente dito) com facilidade se tornam auto-centradas, adquirindo em si mesmas o estatuto artístico, frequentemente com sacrifício de eficácia comunicativa (o exemplo gritante da impossibilidade ou desinteresse da leitura de uma exposição de arquitectura por um leigo). O domínio pelos profissionais das estratégias de comunicação hoje não se pode resumir ao virtuosismo nos métodos de representação, um processo comunicativo em que podem, eles próprios, induzir distorção.

Os métodos de representação do espaço permitem diversas formas e ferramentas, mas também a atitude de ultrapassar os Gap’s comunicativos, promovendo comunicação dialógica entre profissionais e não profissionais. O que reclama o recurso a novos métodos e diversos formatos para um elenco alargado de contextos, e destinatários. Na análise estratégica, na definição de objectivos sociais e políticos, no apoio à tomada de decisões, na coordenação de interface entre intervenientes, na auscultação e interacção com interessados, no marketing e nas relações públicas do projecto, um projecto de comunicação, é cada vez mais reclamado como indispensável.

Infra-estrutura e domínio do espaço-tempo - dois casos de Software

O primeiro caso é uma história de Vida. Hans Monderman, um engenheiro de tráfego holandês falecido em Dezembro de 2007 desenvolveu a convicção do “espaço partilhado” um princípio radical no desenho de vias urbanas que aplicou em vários projectos na Holanda. Monderman revolucionou com aquele conceito, o habitual método de trabalho da sua profissão, baseado no cálculo a partir do volume de tráfego, para explorar uma nova abordagem, que equaciona questões políticas e sociais mais alargadas sobre o espaço público, a interacção na vida social e o próprio desenho.

O desafio inicial era o da redução da velocidade de circulação dos automóveis em ambiente urbano, problema cuja solução tradicional assenta em sinais de proibição, obstáculos como balizadores, lombas, e divisões entre vias especializadas. Em 1982 ele aplicava uma nova teoria: remover todos os sinais de transito, semáforos, passadeiras de peões e até os lancis entre os passeios e as vias dos automóveis. A chave do novo raciocínio é questionar a separação dos movimentos na via pública que todas aquelas sinalizações promovem e em alternativa propor a partilha do espaço, a interacção entre os utilizadores: “Retirar os sinais obriga a procurar o contacto do olhar, à interpretação da linguagem corporal e à aprendizagem da responsabilidade - a agir como seres humanos normais”.

A sua solução para a cidade de Drachten, com junções nuas de sinalização e obstáculos, mostrou que o trânsito pode reduzir a velocidade (para 30 km/h) e ao mesmo tempo não haver prejuízo geral no tempo do atravessamento, por não haver paragens, ao mesmo tempo que se reduziram os acidentes em quase 90%.

Em vez de adicionar novos elementos de obstáculo e de proibição no espaço público, sempre que é detectada uma dificuldade, Monderman recorda-nos que a generalização do uso da sinalização foi historicamente devida a uma cultura errónea do controle do risco no planeamento viário e que a introdução da separação física das vias com a construção de passeios, terá talvez sido devida à simples vontade de limpeza das entradas dos edifícios e não tanto às razões de segurança e protecção dos peões.

Em 2004 a UE aprovava o financiamento de um projecto para o aprofundamento das experiências de espaço partilhado até 2008, demonstrando a teoria de Monderman em seis cidades da Holanda, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca e Alemanha.         Monderman, que assegurava que o sistema funciona em vias até 25 mil veículos por dia, já não verá o grande teste da sua teoria - em Londres, onde a Exhibition Road, via de intenso movimento que serve 1 Universidade, 3 museus nacionais com 10 milhões de visitantes/ano, metro e autocarros, está a ser redesenhada como espaço partilhado. Mas argumentou, até ao fim da sua vida, com os próprios fundamentos do espaço público, expressos na convicção: “Contacto visual, e interacção entre cidadãos no espaço público, é a mais elevada qualidade que podemos ter num país livre”.

O segundo caso passa-se em Marvila, a freguesia (distrito) na periferia de Lisboa mais deprimida e mono-funcional, uma extensa área transfigurada com um enorme plano de habitação social dos anos 70 a 90 que lhe deu o nome mais conhecido de Chelas. No contexto temporal da Expo 98 foi atravessada por novas infra-estruturas viárias, passou a ser servida pela nova linha de metro e foi instalada no seu centro uma grande superfície comercial, colocando-o pela primeira vez no mapa visual da cidade. 

Neste contexto, um conjunto de projectos de desenho participado teve lugar entre 2001 e 2004, envolvendo intervenções efémeras e permanentes, o colectivo Extramuros, reuniu um conjunto alargado de artistas, arquitectos, designers, paisagistas, fotógrafos, músicos e outros profissionais, em parceria com a Junta de Freguesia e o Centro Português de Design, pondo em marcha um processo que ilustra as possibilidades da prática crítica interdisciplinar[7].

Uma primeira fase, de um evento participativo, teve lugar em 2001 com um festival de arte urbana, com acções que comportam novas atitudes e códigos comunicativos no espaço público. Num segundo momento, relativo a uma fase seguinte da intervenção, um projecto de design de comunicação inclusivo: Em 2003 o projecto Sinais, a Cidade Habitada, propôs-se interpretar um desígnio político local – a alteração da toponímia repondo designações correspondentes à vontade da população. Rejeitando as indicações técnicas dos diferentes locais da urbanização até aí identificados com algarismos e números, foram democraticamente restauradas nomenclaturas anteriores, a maioria do período de ocupação rural (começando com o próprio nome da freguesia, referenciado como o nome do plano de habitação social que lhe alterou o sentido urbano - Chelas - e não com o nome histórico do seu território).

O projecto foi desenvolvido com a participação das escolas locais, no levantamento do território, dos lugares a sinalizar e da recolha de opinião local através de inquéritos e entrevistas. Como principais produtos materiais do projecto concretizou-se:

Tem aqui todo o sentido enquadrar a questão da estetização do espaço público, ou, como refere Remesar (03), a diferença entre Arte Pública e Arte no espaço público, que reside no facto de o primeiro tem por objectivo que os cidadãos tenham controle sobre a estética do seu próprio ambiente. E também tem cabimento referir a responsabilidade dos artistas no reconhecimento dos seus territórios e capacidades de intervenção na cidade:

“Não saber já criar um espaço de partilha, não compreender que o vazío dos espaços públicos tem e faz a cidade e a sua urbanidade tanto quanto o cheio as suas construções...Para reencontrar nas nossas cidades um sentido e espaços onde nos reencontrarmos, é preciso que os artistas aí tenham direito de Cidade. É preciso darmos um lugar |une place| aos artistas”[8].

 

A ética no Desenho Urbano - Virtudes da reciprocidade e da aprendizagem

Nós profissionais tendemos a impor a nossa própria visão aos outros, sem um verdadeiro processo comunicacional. Nós sabemos, nós temos uma visão global, certa. Isso relega-nos para um mundo isolado, à parte. Pelo contrário podemos admitir, como os Socráticos, que nós temos somente a metade da verdade - outros têm a outra metade e é num processo comunicacional que nós ganhamos mais verdade. Acontece com profissões e com cidades.

Hoje esperamos das relações sociais equidade e atitudes responsáveis. O papel ético principal, no design urbano, é o da qualidade das interacções com o Outro. Mas devemos também conhecermo-nos a nós mesmos, para agir eticamente. Para nos conhecermos temos de reconhecer o que nós não sabemos, ou não sabemos bastante; para reconhecer os erros e para aprender deles, temos que ouvir e temos de compreender para ser compreendidos.

A ética da Convicção leva-nos a construirmos a nossa própria opinião profissional (e também alguns mitos profissionais) mas nós não temos um monopólio na visão, nem é uniforme a visão do todo. Sem as visões e os planos de todos os parceiros que estão em acção e dão forma à cidade, o espaço pode ser como um cenário brilhante, mas não há nenhum jogo quando não há ninguém a jogar.

As virtudes do conhecimento e os pecados, da vaidade e da mentira

Perante o novo urbano, a Virtude assenta em reconhecer as diferenças no conhecimento, e numa maneira nova da aprendizagem que o caracteriza - “construir pontes” entre os diferentes lados do conhecimento:

As Virtudes no projecto urbano, são consequentemente reconhecíveis: ouvir e compreender, ser prático e aberto, facilitar a comunicação e a colaboração, ter visão e realismo, experiência emocional e literacia cultural…No passado, a verdade (materiais e estrutura aparentes) e a modéstia (forma livre de decoração) eram vistas como virtudes estéticas dos edifícios, opostas aos pecados profissionais, apontados como mentiras da forma. Os moralistas do desenho moderno identificavam a ética com a estética no desenho.

Os mitos historicistas e as estéticas legitimadoras de um alegado espírito do tempo que a arquitectura e a cidade deveriam reproduzir, levaram-nos frequentemente a preconceitos ideológicos sobre o que é o desenho certo e errado. Uma história crítica do desenho ajuda-nos a compreender os períodos de transição (no do nosso tempo, da Revolução Informacional, tal como no tempo anterior, da Revolução Industrial) com as suas mudanças de referências e sensações de perda. Ela diz-nos algo sobre como se renovam os paradigmas profissionais: é só depois de algum tempo, que novos paradigmas éticos e palavras-chave, moderam as convicções morais nostálgicas.

A Vaidade, por seu lado, começa com a ampliação da auto-imagem e no design urbano tem manifestações diversas. Por exemplo, ela compele alguns autores de obras urbanas, arquitectos e outros artistas, a pensar que o modo como as pessoas vivem é conduzido de algum modo pelo desenho; As mentalidades e mesmo a felicidade podiam então ser projectados. Mas nem no lugar mais belo poderemos ser feliz, se não formos felizes. Isto não significa que nós devemos desistir de tocar o sentido estético e emocional das pessoas e dos lugares. Nunca seria aceitável, um ambiente sem sentido. Mas é mais fácil fazer um lugar estético do que projectar a vida das pessoas. Sobre-avaliar os “poderes” do projecto é não apenas uma forma de vaidade, mas uma mentira.

Estimula-se frequentemente a pura mentira, quando os lugares são projectados com menos atenção aos seus destinatários, do que ao seu visual, as atmosferas, os efeitos, a imagem e o glamour. A forma do urbano não é uma colecção de objectos e das suas assinaturas. É requerido ao desenho do espaço público mais do que estar no mainstream formal do momento, para promover interacções humanas. A verdade é que a vida real é crucial no design urbano. Praticá-la não é uma capacidade inata, pois requer:

As éticas do design urbano realizam-se nos diferentes momentos da interacção num processo do projecto. Há sempre o antes e o após o dar a forma: O desenho começa com necessidade, programa, finalidade, e somente depois chega a dar forma a coisas… mas é só mais tarde que o desenho conclui o seu trabalho, com o impacto das coisas com a vida, nas mutações previstas ou inesperadas. Os lugares são desenhados mas nunca estão terminados. Por isso não nos podemos esquecer: o utilizador que nós também somos, é parte do desenho.

Batalhas, paradoxos, conflitos e dilemas

Os verdadeiros territórios da ética são os conflitos morais e não as regras morais. Os paradoxos podem ser criativos no design urbano:

Diz-se que mais de 80% do valor urbano é feito hoje e valores intangíveis: Como podemos controlar a criação do valor, com valores intangíveis? Em termos urbanos as contradições de valor não são tipicamente contra mas frequentemente com e têm que ser resolvidos com um resultado de ++:

As cidades são comunidades com narrativas sobre si mesmas, onde os cidadãos procuram a representação de sua própria identidade, como um sentido emocional da proximidade e da pertença. Mas os laços da solidariedade estão em causa, quando a sociedade se organiza em enclaves espaciais e em unidades fechadas e especializadas, onde o serviço é apenas uma funcionalidade mecânica. Os novos lugares da competitividade urbana são sobrecarregados com inputs sensoriais e comunicativos, inerentes à vontade de os transformar em lugares espectaculares, de excepcionalidade. Mas o significado de tais espaços pode ser irrelevante na vida diária.

Sendo a Cidade uma construção complexa em que há sempre mais do que uma solução para um problema, quais são os campos de batalha profissional (as causas profissionais) de hoje? As profissões são compelidas a agir procurando o seu reconhecimento social. Os artistas fizeram sempre isto, ao mesmo tempo que se misturaram com a sociedade, fazendo-se parte dela. Mas a acção auto-centrada, na auto-protecção da sua própria tecnicidade, nas fronteiras e cercas disciplinares, têm o efeito oposto, de especializar e de isolar as culturas profissionais. O próprio projecto foi separado em duas partes, com conceitos paradigmáticos opostos: O conceito técnico (necessidade-produção) e o conceito artístico (desejo-respresentação).

“O paradigma técnico do projecto corresponde em isolar o momento da produção e em considerar a sua relação com a necessidade, como directa e decisiva; O paradigma do artistico, por seu lado, corresponde frequentemente a isolar o momento da representação e a considerar a sua relação com o desejo como o independente de qualquer outra coisa” (Pedro Brandão).

É a unidade perdida do projecto. O paradoxo está no facto de que o projecto urbano requer cada vez mais o sentido de conjunto… na interdisciplinaridade: a procura de saberes de intervalo, de reconstrução de saberes.

A missão do design urbano, tendo um sentido holístico, depende da interacção entre os actores da cidade, de um sentido da duração e de oportunidade no tempo, da coerência numa intervenção simultânea a várias escalas, da participação e cidadania dos usuários, e da interdisciplinaridade. Assim o seu sentido holístico só pode ser cumprido num sentido de missão extrovertido.

Podemos chamar-lhe altruísmo.

Valor e teoria do valor

Os valores intrínsecos são atributos independentes das circunstâncias. Mas o valor é um conceito que influencia escolhas de meios e fins: o bom do mau, um bem maior de um menor, um mal menor de um maior. Nesse sentido a bondade e a maldade são compreendidos como graduações e o valor torna-se operacional, contextual. Ora o valor de um edifício ou de um espaço urbano é relacionado com uma finalidade - proveito, atracção estética, consistência do desenho. O valor que denota envolve significados - a percepção e a aceitação daqueles fins. A teoria do valor (axiologia) sublinha os valores, os sistemas do valor e os julgamentos de valor, considerando as necessidades humanas:

Num sistema do valor, os julgamentos do valor não existem independentemente:

Uma teoria do valor pode ser útil para estudos empíricos que fazem falta, a respeito dos sistemas de valor ou das preferências de grupo. A avaliação pode variar, desde um procedimento simples e intuitivo, até um estudo profissional detalhado, em estágios diferentes do processo do projecto:

Ética e Economia são considerados no senso comum como sendo noções contraditórias. Há um frequente julgamento ético negativo, da actividade da construção- rapidamente condenamos o proveito, ou negligenciamos a sustentabilidade económica essencial às actividades urbanas. A verdade é que as actividades num dado território têm de ser compreendidas e geridas, como realidades económicas.

“Os valores na economia não são da mesma ordem que os valores estéticos, éticos ou espirituais. Mas é sobretudo na esfera económica que a palavra “valor” tem um significado preciso e foi certamente na esfera económica e financeira que o processo por meio do qual o valor se transformou em algo subjectivo e variável, superior ao valor absoluto e estável, começou a emergir” (Jean-Joseph Goux).

Na criação de valor, os factores económicos temporais são factores chave: a degradação é o resultado normal, seja ela devida a insuficiente investimento, a consumo de valor não-reprodutivo, ou a má gestão de processos, no tempo. Para predizer como o espaço mudará no futuro e que actividades poderá engendrar, temos que projectá-lo enquanto processo socio-económico temporizado: a sustentabilidade económica das cidades depende do valor (de vários tipos) que é produzido, face aos recursos consumidos num dado tempo. As noções económicas, como a de valor, são relevantes para os conceitos éticos implicados no projecto urbano. Com elas podemos compreender fenómenos contemporâneos, como a especialização e competitividade urbana, a privatização e comodificação, a estetização e a tematização da cidade.

A competitividade das cidades é também insuficientemente compreendida - as cidades num mundo global necessitam de desenho para competir a diversos níveis do valor, da qualidade e da identidade. Mas a competitividade é frequentemente reduzida ao objectivo da atracção - do investimento, dos turistas, dos negócios. Uma apreciação positiva do passado da história urbana, motiva hoje investimentos crescentes na competitividade do centro histórico das cidades. Quase todos os recursos da reabilitação são agora dedicados à cidade histórica, para servir alguns poucos residentes e muitos utentes do lazer, da cultura, do consumo e do turismo.

A reconstrução dos velhos centros significa quase sempre a substituição dos usos, com financiamento público da gentrificação e do privilégio, quando a urbanidade suburbana é sub-dotada de recursos, para os seus enormes problemas sociais e ambientais. Frequentemente isto significa eliminação da especificidade cultural e local, a perda do valor da identidade. E o próprio design urbano não é isento da falta, pois ele controla os mesmos ingredientes do discurso temático: Imagem, impacto e identidade.

Alguns dilemas e contradições éticas, estão escondidos atrás de evidências consensuais como a sustentabilidade urbana ou a cidade compacta. Porque os recursos não são ilimitados, nós temos escolhas a fazer: Que partes da cidade estamos a escolher para serem promovidas e que parceiros para serem privilegiados? Podemos nós assegurar uma verdadeira recuperação da força da velha cidade, no seu significado original, ou ela é agora redutível ao cenário temático? Ou há outro caminho?

 

5 afirmações morais, de ética “soft” e sentido do “cuidado”

A cidade cresce, e surpreende-nos. As limitações no conhecimento e na acção, são também reflexo de indeterminações do fenómeno. Se o forte tónus de Convicção nos tem levado a produzir e reproduzir modelos paradigmáticos, teremos de nos apoiar também no tónus da responsabilidade - os profissionais do urbano devem responder às necessidades e desejos, com um sentido do cuidado (o Dasein, de Heideger):

a. O Design urbano, uma ética ambiental. Assegurar a responsabilidade a respeito da sustentabilidade urbana não é redutível a procedimentos tecno-burocráticos. Felizmente, o design urbano não tem um conjunto de regras fechado e de soluções padronizadas – ele é parte dos conflitos entre forças, interesses e acções no desenho da cidade.

Ao reconhecer os actores sociais e os actores envolvidos na tomada de decisão, aceitamos que as relações sociais são o contexto preliminar das éticas ambientais do design urbano – a vida das pessoas é o ambiente da sua interacção.

b. A vida quotidiana. As cidades são os lugares onde as ineficiências afectam mais severamente as populações, destruindo o valor de retorno do que é investido. Ao mesmo tempo a cidade é o lugar da mudança, concentrando recursos soft tais como informação, conhecimento e compromisso: A melhoria da vida quotidiana é um objectivo: A solução para os problemas não estará na grande rotura, na ilusão de escapar-se da vida vibrante da cidade para algum lugar que se julga modelo. Mas há um sentido de virtude pública que pode ser alternativo: a ideia do projecto dos sistemas de suporte de vida humana, ser conduzido pela participação da comunidade urbana.

c. O espírito do lugar. O conceito é usado em muitos campos teóricos com alguma ambiguidade: cada lugar tem seu espírito ou é algo que falta à maioria dos lugares? De que se trata, precisamente? São manifestações de lugares sagrados? São campos intensos da energia? São lugares autênticos e espontâneos? Têm uma narrativa, um arquétipo fundacional? Têm uma essência de interioridade, um carácter único? Em vez da negação (não existe o espírito do lugar) podemos aceitar o que nas ideias sobre este espírito pode ser útil, não apenas para alguma finalidade operacional (a protecção, a preservação) mas para compreender a complexidade de fazer lugares.

d. As marcas de um novo conhecimento. Questionar os processos comunicativos pode levar-nos a questionar a própria natureza do conhecimento (Healey 02). Como os profissionais que actuam no design urbano trabalham entre interesses interdependentes e conflituais, com desigualdades de poder e voz dos respectivos actores, eles têm cada vez mais de ser profissionais reflexivos (Schon 91), o que significa a ponderação de perspectivas diversas no projecto e também o apelo à participação, valorizando as ideias de interacção, relações humanas...e desvalorizando o controle burocrático no governo da cidade. O Design Urbano terá de fazer recurso à lógica da maior interactividade possível entre as diferentes áreas profissionais do desenho e entre elas e os seus destinatários, procurando novos métodos, nos terrenos criativos da interdisciplinaridade.

e. Tempo extra: Convicção e boas causas para o design urbano. As boas causas das cidades e do design urbano podem ser encontradas onde as pessoas estão: Criar urbanidade nos novos territórios da cidade ampliada e articulá-los através dos sistemas metropolitanos da conexão, é criar uma escala nova de pertença, na vida urbana em expansão. É uma boa causa para o projecto urbano.

A cultura, o turismo, os desportos e outras indústrias do lazer podem ser atractivos e rentáveis, mas o projecto urbano não será conduzido para todo o sempre, apenas pelos requisitos do lazer. A verdadeira centralidade urbana depende também de lugares com condições para as actividades produtivas, de valores morais inspiradores da cultura, e da segurança na vida das cidades. É uma boa causa para o projecto urbano.

O conflito de valores e interesses, está em frente de nós, diariamente, e é expresso na infinidade de decisões, pequenas e grandes, sobre a construção do espaço no nosso tempo. Entender cada um desses conflitos requer pelo menos, uma prática reflexiva. São todas boas causas para o projecto urbano.

O projecto urbano chama-nos ao julgamento ético, e a dar vós às nossas opiniões no espaço público, em nome dos valores da interacção e da interdisciplinaridade. Trazer os valores para as decisões na vida quotidiana não é algo que exija especiais recursos, apenas reflexão e silencio.

 

Notas

[1] Se quisermos ver como na praxis do desenho da cidade se faz a transposição do pensamento paradigmático para o nível operativo, podemos tomar como caso-estudo, a fundamentação do desenho da rua nos diferentes modelos paradigmáticos.

[2] Popper, K. explica o conceito de historicismo. Além de Choay (65), ver também outras antologias destas teorias ou discursos sobre o limite da utopia urbana, nas convicções paradigmáticas em Jenks C. and Kropf, K (ed) 97 e em  Moncan, P. 03.

[3] Malcolm Miles assinala a gravidade da sua perda por acção da gentrificação nos processos de reabilitação urbana, dando como exemplo o desaparecimento dos espaços intermédios das varandas no Raval, hoje bairro de museus, galerias e livrarias, em Barcelona.

[4] Informação em www.flashmob.info

[5] Um exemplo sistematizado pode-se consultar em City Information System Warsaw - Centrum Borough Office www.msiwarszawa.com.pl

[6] A não exclusão pela comunicação interessa a pessoas com formas de comunicação diferentes: a língua (emigrantes, turistas), as tecnologias e ainda as que têm necessidades especiais: informação de locais acessíveis e com limitações; displays com informação acessível, complementaridade da informação visual, acústica, escrita e novas TIC's

[7] O projecto está documentado em Brandão P. e Remesar A. (eds.) 04.

[8] Ver referencia e enquadramento em www.art.entreprise.com/html/manifeste.htm

 

Bibliografia

Brandão, P. A cidade entre Desenhos. Lisboa: Livros Horizonte, 2006a.

Brandão, P. O arquitecto e outras imperfeições. Lisboa: Livros Horizonte, 2006b.

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CAPEL, H. La morfología de las ciudades. Vol. 1. Ciudad, cultura y paisaje Urbano. Barcelona: Serbal, 2002.

Choay F. L’Urbanisme, Utopies et Réalités. Paris: Editions du Seuil, 1965.

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Schon, D. The Reflective Practitioner. Aldershot: Ashgate, 1991.

 

Referencia bibliográfica:

BRANDÃO, Pedro. Algumas coisas de que não sabemos muito, sobre a virtude, o erro e a incerteza do desenho, na “cidade total”. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/319.htm>

 

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