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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS NO BRASIL: MITIGAÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Wagner Costa Ribeiro
Departamento de Geografia e PROCAM – USP
wribeiro@usp.br

Políticas públicas ambientais no Brasil: mitigação das mudanças climáticas (Resumo)

Desde meados da década de 1980 se discutem mudanças climáticas globais na esfera internacional. Tal processo resultou na realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, realizada no Rio de Janeiro em 1992, que gerou, entre outros documentos, a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas - CMC. Passados cinco anos, houve o estabelecimento do Protocolo de Kyoto – PK - que, diferente da Convenção, estabeleceu normas mais claras sobre a redução de emissões de gases de efeito estuda e metas a serem atingidas por países que emitiram mais gases no passado, arrolados no Anexo I. O objetivo desse texto é analisar as políticas públicas federais em curso referentes à mitigação das mudanças climáticas no país. Para tal, ele está baseada em análise de documentação oficial. São analisadas políticas anteriores e posteriores à adoção da CMC no Brasil.

Palavras-chave: políticas públicas, mudanças climáticas, Brasil, Protocolo de Kyoto.

Public policy environment in Brazil: mitigation of climate change (Abstract)

Since the mid of 1980 are discussed global climate change in the international sphere. This process resulted in the achievement of the United Nations Conference for Environment and Development - UNCED, held in Rio de Janeiro in 1992, which resulted, among other documents, the Framework Convention of Climate Change - CMC. After five years, there was the establishment of the Kyoto Protocol - PK - which, unlike the Convention, set clearer standards on reducing emissions of gases effect of studying and targets to be achieved by countries which have issued more gas in the past, in the Annex I. The aim of this text is to analyze the ongoing federal public policies regarding mitigation of climate change in the country. To that end, it is based on analysis of official documentation. It analyzes policies before and after the adoption of the CMC in Brazil.

Key-words: Public policy, Climate Change, Brazil, Kyoto Protocol.

Políticas públicas são definidas aqui como as ações desencadeadas pelo Estado, no caso brasileiro, nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem coletivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e, como se verifica mais recentemente, com a iniciativa privada.

Cabe ao Estado propor ações preventivas diante de situações de risco à sociedade por meio de políticas públicas. O contratualismo gera esta expectativa, ainda mais na América Latina, marcada por práticas populistas no século XX. No caso das mudanças climáticas, é dever do Estado indicar alternativas que diminuam as conseqüências que elas trarão à população do Brasil, em especial para a mais pobre, que será mais atingida.

Porém, não resta dúvida que diversas forças sociais integram o Estado. Elas representam agentes com posições muitas vezes antagônicas. Também é preciso ter claro que as decisões acabam por privilegiar determinados setores, nem sempre voltados à maioria da população brasileira.

Analisar ações em escalas diferentes de gestão permite identificar oportunidades, prioridades e lacunas. Além disso, ela possibilita ter uma visão ampla das ações governamentais em situações distintas da realidade brasileira que, além de complexa, apresenta enorme diversidade natural, social, política e econômica que gera pressões nos diversos níveis de gestão. As forças políticas devem ser identificadas para compreender os reais objetivos das medidas aplicadas relacionadas às mudanças climáticas no Brasil.

A temática do aquecimento global ganhou corpo no mundo desde a década de 1980. Na década seguinte, surgiram convenções internacionais para regulamentar emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, apontar causas e efeitos das alterações climáticas. O Brasil teve um papel destacado nas negociações internacionais. Porém, internamente as políticas públicas relacionadas ao tema ainda deixam a desejar.

Na escala Federal houve a destacada Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, coordenada pelo Ministério de Ciência  e Tecnologia. Além disso, o Ministério do Meio Ambiente lançou um documento de avaliação das implicações das alterações climáticas para o Brasil, mas ainda não chegou a um Plano Nacional de Mudanças Globais. Na escala estadual, São Paulo merece destaque por aplicar uma política de mitigação. Apesar de apresentar resultados preliminares interessantes, carece de recursos para ganhar ema escala maior. Por sua vez, o município de São Paulo desenvolveu no último ano uma política na escala municipal que busca contribuir para a redução de emissões da maior aglomeração urbana do país.

O objetivo deste texto é analisar políticas públicas desenvolvidas no Brasil referentes às mudanças climáticas nas escalas nacional. Para tal, serão apresentadas as ações desenvolvidas na esfera Federal com vistas a identificar lacunas e acertos referentes à mitigação e adaptação às mudanças climáticas no Brasil.

Este texto está dividido em seis partes. Além dessa introdução, o leitor encontrará uma revisão sobre as negociações internacionais sobre mudanças climáticas. Depois, aspectos teóricos que remetem às escalas de análise, em duas dimensões: política e natural. A seguir, são expostas algumas políticas nacionais de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, divididas em duas partes: antes da Convenção sobre Mudanças Climáticas e depois de sua ratificação. Por fim, as considerações finais e as referências bibliográficas.

Mudanças climáticas no sistema internacional

Desde meados da década de 1980 se discutem as mudanças climáticas globais na esfera internacional. Esse processo culminou com a realização da  Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, realizada no Rio de Janeiro em 1992, que gerou, entre outros documentos, a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas - CMC. Passados cinco anos, houve o estabelecimento do Protocolo de Kyoto – PK - que, diferente da Convenção, estabeleceu normas mais claras para a redução de emissões de gases de efeito estuda e metas a serem atingidas por países que emitiram mais gases no passado, arrolados no Anexo I do PK.

Nas reuniões preparatórias para a CNUMAD, foram discutidos os primeiros estudos do International Panel of Climate Change – IPCC - sobre as mudanças climáticas. Nesses trabalhos, constatou-se, entre outros aspectos, uma elevação da temperatura média global e a alteração da dinâmica climática do planeta.

Nas reuniões da época, dois assuntos eram discutidos com maior ênfase: um, de cunho científico, tratou de mensurar até que ponto as mudanças climáticas poderiam ser causadas pelas atividades humanas; o outro, de cunho político, discutiu a possibilidade dos países  estabelecerem um índice per capita de emissão de gases estufa na atmosfera. Países liderados pela Malásia propuseram um índice, enquanto outros, liderados pelos Estados Unidos, eram contra a proposta. Eles argumentavam que não havia evidências científicas suficientes de que o aquecimento global, desencadeador das mudanças climáticas, fosse causado pelas atividades humanas, principalmente pela queima de combustíveis fósseis.

Apesar dessa controvérsia, na CNUMAD foi acordado que os países centrais deveriam diminuir a emissão de gases estufa a partir do volume informado em 1990. Entretanto, a quantidade a ser reduzida não foi estabelecida.

Depois da CNUMAD, tivemos as Conferências das Partes (COP) da Convenção de Mudanças Climáticas. A primeira foi em Berlim, em 1994, ocasião em que a Alemanha e os países insulares propuseram a redução de 20% dos índices de gás carbônico até 2005. Porém, foi acordado que os índices registrados pelo IPCC em 1990 devessem ser mantidos até o ano 2000, fato que causou uma grande insatisfação de grupos de pressão ambientalistas da sociedade civil mundial.

Dois anos mais tarde, foi realizada a segunda COP, em Genebra, sem resultados expressivos.  Mas no ano seguinte, em 1997, ocorreu em Kyoto uma das mais importantes rodadas da ordem ambiental internacional (RIBEIRO, 2001). Nessa reunião foi estabelecido o Protocolo de Kyoto, que definiu que os países citados no Anexo I/B deveriam reduzir a emissão de gases estufa numa média de 5,2% em relação aos índices registrados pelo IPCC em 1990.

As metas do PK devem ser atingidas no período entre 2008 e 2012 – chamado de primeiro período de compromisso, mas ele entrou em vigência três anos antes do previsto, em fevereiro de 2005, com a ratificação da Rússia.

Apesar de estar em vigência, já começaram as discussões sobre o que fazer após 2012. Até o momento, podem-se distinguir basicamente três propostas em relação às medidas a serem adotadas depois do término do primeiro compromisso: rever as metas do PK e incorporar países como Brasil, China e Índia entre os que devem reduzir emissões; rever as metas, porém ampliar a redução apenas entre países do Anexo I; e, retomar a CMC e, a partir dela, propor outros meios de reduzir as emissões.

Esse debate está em curso e certamente afetará as políticas públicas aplicadas no Brasil para combater as conseqüências do aquecimento global. Por isso é necessário ponderar a situação da produção econômica no mundo atual.

Não resta dúvida que a aceleração da produção contemporânea (SANTOS, 1996) impõe um ritmo nunca dantes visto ao uso dos recursos naturais. A distribuição desses recursos pelo planeta é desigual. Ela obedece a critérios de ordem natural, resultado de anos de sínteses de pressões e de alterações de temperaturas. Os processos físicos que configuraram a base material sobre a qual a sociedade contemporânea constrói a riqueza e a opulência contemporânea são anteriores à organização social e política que predomina no mundo capitalista. Eles não podem ser esquecidos na apropriação dos recursos naturais, porém, não são determinantes nesse processo.

O que tem prevalecido é a alteração da base técnica ao longo da história. A invenção do motor a explosão levou ao ápice a civilização do petróleo. Os novos arranjos técnico-científicos, mesmo quando usados como justificativa para ações indevidas relacionadas à extração de elementos da natureza (HABERMAS, 1989), engendram outras demandas de recursos naturais. O conhecimento de comunidades tradicionais e as espécies de áreas naturais protegidas, por exemplo, passam a atrair interesses diversos.

Apesar disso, o padrão de acumulação fordista não deixou de existir. A transferência de unidades produtivas para países como China, Índia e Brasil, por exemplo, alternou fluxos de matéria-prima. Eles necessitam de recursos naturais para a produção em larga escala, em especial no caso da China. Mesmo assim, países centrais mantêm fábricas em menor quantidade, o que confirma as demandas de matéria-prima em quantidade cada vez maior e a preços mais baixos, como aponta MARTINEZ-ALIER (2007). O acesso ao petróleo foi o único caso em que isso não se verificou. Os preços elevaram-se nos últimos anos, mas não evitou a eclosão de conflitos, em especial no Oriente Médio, porção da Terra em que estão importantes reservas naturais desse óleo.

Por outro lado, essa transferência da produção a países em desenvolvimento traz consigo a degradação dos recursos ambientais, resultado da poluição oriunda de processos produtivos no campo e na indústria, principalmente quando não estão enquadrados nos padrões de controle ambiental. Como reflexo disso, registra-se decréscimo na qualidade de vida da população, que se percebe exposta a situações de risco à saúde e convive com situações de vulnerabilidade socioambiental.

Tal cenário tende a se agravar com as mudanças globais. Elas vão gerar dificuldades em diversas escalas, que devem ser ponderadas quando se avaliam as conseqüências que acarretaram (RIBEIRO, 2002).

Escalas de análise

Implicações de várias ordens já são identificadas em razão das mudanças globais. O quarto relatório do IPCC, divulgado em 2007, praticamente eliminou as dúvidas sobre a relação direta entre as ações humanas e os eventos que indicam alterações substantivas na dinâmica climática da Terra.

Pode-se pensar este tema em duas escalas: política e natural. A primeira por envolver um conjunto bastante desigual de agentes, cujas responsabilidades tanto na geração do problema quanto na sua mitigação são distintas. Entretanto, ela estabelece regras, por meio de convenções internacionais, que indicam caminhos para a convivência pacífica entre países. A segunda, destaca claramente a relação entre processos que ocorrem em escala internacional e eventos extremos que alteram o padrão natural onde se manifestam.

A dimensão política

As convenções internacionais sobre ambiente têm possibilitado reunir diversos agentes para discutir problemas ambientais. Entretanto, pode-se criticá-las por deixarem as decisões apenas entre os países membros. Nesse caso caberia lembrar as críticas de ausência de democracia, como bem apontou ALTVATER (1999).

Mesmo com todas essas dificuldades, é inegável que a série de convenções que buscam regular a ação humana em escala internacional, ainda que a decisão fique a cargo dos países, é uma alternativa real para evitar confrontação. A ordem ambiental internacional (RIBEIRO, 2001) dita normas que interferem nas demais escalas. Um país membro que ratifica um acordo internacional deve rever seus instrumentos jurídicos e de ação pública internos. A legislação nacional e até mesmo regional deve ser ajustada. Nesse momento, a governança ambiental pode ser evocada nas escalas nacional e regional para permitir tais acertos.

A ordem ambiental internacional também pode ser compreendida na perspectiva da governança ambiental ao estimular o surgimento de redes sociais que discutem temas como proteção da diversidade biológica e do conhecimento de populações tradicionais, formas de atenuar o aquecimento global e de diminuir o buraco da camada de ozônio. Muitas dessas redes internacionais são criadas para pressionar decisões de governos e de organismos multilaterais.

Outra escala de análise centra os estudos na abertura da gestão pública à participação da sociedade civil para elaborar políticas públicas. Nesse caso é preciso considerar como a institucionalização de ações participativas permite rupturas da dinâmica predominante na gestão dos recursos naturais e verificar a dinâmica social em diversos foros já estabelecidos no Brasil, como os Comitês de Bacia Hidrográfica ou os diversos Conselhos de Meio Ambiente, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente ou o Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo. Esta metodologia também pode ser empregada para a análise, por exemplo, de Conselhos Gestores de Unidades de Conservação.

Adentrando mais no caso brasileiro, verifica-se que a participação está focada em novos foros que passaram a estabelecer a presença da sociedade civil. De luta pela democracia, como ocorreu até meados da década de 1980, a população brasileira vê-se diante de um universo de conselhos e comitês que exigem qualificação nas intervenções.

Os termos apresentados aqui deixam claro que existem relações entre diversas escalas que devem ser avaliadas para construir um sistema de gestão política dos problemas ambientais. Reconhecer essas esferas de ação política e de poder é fundamental para propor alternativas para a gestão dos recursos naturais e evitar a confrontação militar entre países ou mesmo internamente.

A dimensão natural

Se no campo da política a relação entre escalas é fundamental, o mesmo vale para a análise da dinâmica climática global. É possível que eventos em escala local, como a ocorrência de ciclones tropicais ou trovoadas, resultem de novos arranjos de processos naturais que ocorrem em escala mundial.

Entender como a dinâmica climática mundial afeta a maior ocorrência de eventos extremos é outra tarefa que se impõe. Diversos pesquisadores se dedicam a ela, reunidos no IPCC, que cada vez mais confirmam a participação humana na dinâmica climática mundial, como ocorreu com a divulgação do quarto relatório de 2007.

Portanto, a análise da dimensão natural deve ponderar a ação humana, tanto na causa do aquecimento quanto nas medidas a serem adotadas para a mitigação dos problemas decorrentes do aquecimento global. Esse aspecto da análise tem sido muito subsidiado pela produção de documentos que acabam influenciando em escala internacional. Os relatórios do IPCC, em especial a série que foi lançada em 2007, geraram uma grande quantidade de dados que permitem afirmar não apenas o aquecimento da Terra como a relevante participação humana no processo.

Um desafio que se impõe é buscar compreender como as emissões locais afetam a escala internacional. Qualificar e quantificar a contribuição por países, e no interior dos países, seria uma contribuição fundamental para entender quanto e como cada localidade afeta a escala internacional das alterações globais.

A articulação de escalas também deve ocorrer na análise da dimensão natural dos processos globais. Aferir a emissão de uma localidade e projetar sua contribuição em escala mundial permitiria estabelecer metas ainda mais precisas de redução de gases de efeito estufa.

Quantificar a redução de emissões, ou mesmo a retenção de gases de efeito estufa em uma localidade e seu papel na escala mundial também é uma tarefa relevante. Nesse caso, cada projeto isolado tem que ser analisado, o que ocorre quando ele está vinculado ao PK, que regulamenta e afere a diminuição de emissões em cada caso de modo a transformar a diminuição de gases de efeito estufa em contrapartida de países que devem reduzir suas emissões.

Políticas públicas em andamento no Brasil

Estão previstos impactos desiguais entre países. Lamentavelmente, os que sofrerão mais impactos são aqueles que não podem ser considerados os responsáveis pelo aquecimento, como os países insulares.

No caso brasileiro, projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por meio de trabalhos de pesquisadores como SALAZAR e NOBRE (2007) e DALMEIDA e MARENGO (2007), indicam que pode haver uma diminuição da área da Floresta Amazônica e também mudanças no regime de chuvas, que passariam a ocorrer em maior quantidade e de modo concentrado no Centro Sul do país.

Ora, quais são as medidas adotadas até o momento para evitar danos sociais e ambientais diante das projeções realizadas pelos estudiosos? No caso brasileiro, foram desenvolvidas políticas públicas antes mesmo da realização da Conferência do Rio, que resultou na Convenção sobre Mudanças Climáticas.

Políticas públicas anteriores à Convenção sobre Mudança Climática

O Brasil passou a desenvolver políticas públicas voltadas às mudanças climáticas desde meados da década de 1980. Portanto, elas não são uma novidade, embora tivessem como objetivos preliminares buscar alternativas ao petróleo e economizar energia.

Apesar disso, elas também permitiram mitigar emissões de gases de efeito estufa. Adaptação às mudanças climáticas é uma preocupação governamental recente, embora deva ser um assunto cada vez mais presente, em especial, devido às carências sociais brasileiras.

No país temos ações em curso em diversos níveis de governo. Na escala Federal, o Ministério do Meio Ambiente publicou uma avaliação de impactos das mudanças climáticas no país, mas ainda não definiu medidas claras de mitigar os efeitos do aquecimento global no país. Além disso, é sabido por meio do Inventário Nacional de Emissões que a principal fonte de emissão de CO2 no Brasil é o desmatamento da Amazônia. Os últimos anos indicam uma importante redução no desmatamento, o que indicaria que o país está contribuindo para a redução das emissões em escala global.

Até que ponto estas ações influenciam a posição do país nas rodadas de negociação do regime pós-Kyoto? O Brasil insiste em não aceitar metas para redução de emissões. Por outro lado, muito recentemente sugeriu a remuneração da manutenção de florestas e da diminuição do desmatamento. Estas propostas estão em discussão entre os países partes da CMC e do PK.

Conhecer e discutir as ações nas escalas nacional, estadual e municipal é fundamental para averiguar a internalização da CMC e do PK no Brasil. Segundo dados divulgados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, cerca de 170 projetos1 de redução de emissões de gases estufa estão em curso no país no âmbito do PK, o que indica um fluxo de recursos externos para o país que pode gerar também melhorias socioambientais na vida da população brasileira.

O estado de São Paulo desenvolveu a Política Estadual de Mudanças Climáticas, que visa estabelecer ações para minimizar os efeitos do aquecimento no estado bem como prever situações que podem afetar a população e a dinâmica econômica paulista. Já a Prefeitura de São Paulo procurou também contribuir ao lançar à discussão uma política pública baseada no estímulo ao transporte solidário e ao uso de energia alternativa em edificações, entre outras medidas.

Tais medidas registram a contribuição do Brasil para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Porém, vamos destacar a seguir as ações sugeridas até o momento pelo governo Federal.

Registram-se no país diversas iniciativas aplicadas desde a década de 1970 que podem ser relacionadas à diminuição das emissões de gases de efeito estufa. O Programa Nacional do Álcool - PROALCOOL, de 1975, é uma delas.

Na década de 1970, o Brasil era dependente da importação de petróleo e sofreu impactos profundos na atividade econômica com a majoração dos preços verificada no início daqueles anos. O PROALCOOL foi planejado para gerar energia alternativa ao petróleo. Para tal, baseou-se em uma cultura tradicional no país, a cana-de-açúcar, da qual se processa o etanol.

Diversas críticas foram apresentadas a esse modelo. A principal foi a substituição da produção alimentícia por cana-de-açúcar para gerar álcool combustível. Houve um aumento no preço dos alimentos, que depois foi absorvida. Outras graves conseqüências foram a expulsão de pequenos e médios agricultores de suas terras, já que a cana-de-açúcar deve ocupar grandes áreas para ser rentável. Além disso, em vários estados da Federação observa-se ainda hoje a monocultura canavieira em vastas áreas, representando perda de diversidade biológica e, também, de diversidade agrícola. Também se acusavam os produtores de gerar problemas ambientais, em especial pelo despejo do vinhoto, subproduto do processo de geração do álcool, em corpos d'água. Outra grave acusação é a poluição gerada pela queima da plantação após a colheita para preparar o terreno para nova safra. Diversos municípios vizinhos, outrora com ar de qualidade, passaram a enfrentar sazonalmente dificuldades decorrentes do ar contaminado por partículas em suspensão, o que agravou o quadro da saúde de idosos e crianças, principalmente.

Dentre estes problemas, apenas o destino do vinhoto foi solucionado. Ele passou a ser queimado pelas usinas para gerar energia elétrica que passou a ser utilizada na unidade de produção, além de permitir a venda do excedente ao mercado de eletricidade do país, como já ocorre em diversas usinas localizadas no Estado de São Paulo. Segundo informa a Comunicação Nacional do Brasil para a Secretaria Geral da Conferência de Mudanças Climáticas, cerca de 93% (MCT, 2004:176) do vinhoto é aproveitado para gerar energia eletromecânica e térmica que passam a fazer parte da produção, o que diminui a necessidade do emprego do petróleo ou mesmo de outras fontes de geração de energia elétrica para produzir combustível. Esse mesmo documento afirma que com uma tonelada de cana-de-açúcar é possível gerar até 50 kWh por meio da co-geração (MCT, 2004:176).

Além disso, podem-se registrar algumas vantagens na utilização do álcool produzido de cana-de-açúcar. Por ser uma cultura renovável é possível conhecer o ciclo de vida da cana-de-açúcar para planejar a produção do álcool e diminuir a dependência de um produto não renovável, o petróleo. Outra vantagem decorre da menor quantidade de emissão de gases de efeito estufa pelos motores movidos a etanol, que melhora a qualidade do ar dos grandes centros urbanos e contribui para diminuir as emissões na escala planetária.

Outra experiência anterior à Convenção sobre Mudança Climática é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - PROCEL, criado em 1985 por meio de uma ação entre dois ministérios: de Minas e Energia e de Indústria e Comércio. As metas iniciais estavam voltadas ao setor elétrico e visavam diminuir a perda de energia na transmissão e no próprio processo de geração.

Depois, em 1994, ele foi ampliado e passou a promover ações, em especial junto ao setor produtivo, que otimizassem o uso da energia mas também agregou outras, voltadas ao consumidor, como, por exemplo, a obrigatoriedade da etiqueta do consumo de energia em eletrodomésticos. A intenção era informar ao comprador as características do produto de modo a despertar nele o desejo de adquirir os mais econômicos do ponto de vista energético.

Outro setor afetado pelo PROCEL foi o da administração pública, que foi destacada em duas frentes. A primeira, por meio da introdução de políticas de redução do consumo de prédios públicos. A outra, pela promoção do uso de fontes de iluminação pública mais eficientes que usam menos energia elétrica. Essa segunda frente mobilizou prefeitos e técnicos do poder municipal para sensibilizá-los a trocar os sistemas de iluminação pública, que no Brasil é atribuição municipal.

O Programa Nacional de Racionalização do Uso de Derivados do Petróleo – CONPET, é de 1991 e foi criado para reduzir a demanda por petróleo. Ele consistiu em traçar metas de diminuição da dependência do Brasil desse recurso não renovável e propôs ações para economia e maior eficiência de motores a diesel, dado que no país o transporte rodoviário predomina tanto para carga quanto para passageiros.

Como se pode ver, antes da CMC o país já havia implementado políticas públicas em escala Federal para diminuir as emissões de gases estufa por razões econômicas, já que elas tinham como meta diminuir a importação de petróleo. Essas práticas foram usadas para apontar ações mitigadoras do país no cenário internacional depois da assinatura da Convenção, em 1992, ratificada pelo país em 1994. Porém, a grande novidade seria lançada já no século XXI. Trata-se do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, que trataremos a seguir.

Política pós-Convenção sobre Mudanças Climáticas - o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB, foi criado em 2005, por meio da Lei 11097, de 13 de janeiro de 2005. Seu principal objetivo é introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira de acordo com o seguinte cronograma: 2%, depois de três anos da publicação da Lei 11097, e de 5%, oito anos após a divulgação da Lei. Registre-se que esses percentuais são obrigatórios, apesar  da primeira meta ainda não ter sido aferida até o momento.

O PNPB apresenta metas paralelas que merecem ser analisadas. Uma delas, de caráter social. A outra, geográfica. Nas palavras do governo, esses aspectos estão assim expressos:

A área plantada necessária para atender ao percentual de mistura de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo é estimada em 1,5 milhão de hectares, o que equivale a 1% dos 150 milhões de hectares plantados e disponíveis para agricultura no Brasil. Este número não inclui as regiões ocupadas por pastagens e florestas. As regras permitem a produção a partir de diferentes oleaginosas e rotas tecnológicas, possibilitando a participação do agronegócio e da agricultura familiar. O cultivo de matérias-primas e a produção industrial de biodiesel, ou seja, a cadeia produtiva do biodiesel, tem grande potencial de geração de empregos, promovendo, dessa forma, a inclusão social, especialmente quando se considera o amplo potencial produtivo da agricultura familiar. No Semi-Árido brasileiro e na região Norte, a inclusão social é ainda mais premente. No Semi-Árido, por exemplo, a renda anual líquida de uma família a partir do cultivo de cinco hectares com mamona e uma produção média entre 700 e 1,2 mil quilos por hectare, pode variar entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil. Além disso, a área pode ser consorciada com outras culturas, como o feijão e o milho (www.biodiesel.gov.br, acessado em 20 de março de 2008).

Para o governo Federal é possível conciliar a produção energética com a alimentar, sem utilizar novas áreas para a agricultura. Esse modelo de geração de energia levará o país a uma posição muito singular entre os demais do mundo.

Atualmente o Brasil possui um sistema de geração de energia que combinou características geográficas, como a disponibilidade pluviométrica e ocorrência de rios, para instalar unidades geradoras em diversos pontos do território nacional. Entretanto, este sistema gerou diversos impactos socioambientais.

Os principais efeitos negativos da instalação de hidrelétricas de grande potência no Brasil decorreram da necessidade de ocupar vastas áreas para a formação dos lagos que acumulam água para posterior aproveitamento hidrelétrico. Como nem sempre a cobertura vegetal foi retirada, comprovada em escândalos do passado, houve uma perda da qualidade da água dos reservatórios, sem esquecer da perda de biodiversidade causada pelo desmatamento.

Além disso, muita gente teve que ser deslocada de seu local de moradia para dar lugar à água. O resultado foi um contingente populacional expressivo que, somado aos trabalhadores que perderam seus postos de trabalho após a conclusão da obra, constituíram o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, importante organização social que promove resistência a novos projetos de hidroelétricas no país, além de reivindicar ações para abrigar os trabalhadores que perderam suas terras bem como os operários que perderam postos de trabalho após o final das obras.

A necessidade de rever o modelo de geração energética do país é premente. Há quem vislumbre nela novas oportunidades empresariais, exportação de tecnologias e de produtos.

Muitos acreditam que o país é uma potência ambiental dada a grande oferta de insolação, terra e água em nosso território. Eles, mesmo sem o saber, retomam um velho mito que assola o país ao caracterizá-lo por fatores naturais, uma ideologia geográfica, nos termos cunhado por Moraes (1989). Foi assim no passado, por exemplo, com a descoberta das reservas de minério de ferro em Carajás.

Um novo modelo de produção de biodiesel e de álcool pode representar a inclusão social de parte oprimida da população brasileira. Para tal, basta aproveitar ainda melhor as características físicas do Brasil e introduzir práticas agrícolas e produtos adequados às condições pluviais e de solo das regiões brasileiras de modo a criar atividade no campo. Trata-se de levar em conta a geografia  do país, que considera também as dimensões sociais e não apenas seus aspectos naturais.

Por que teríamos que esmagar o mesmo tipo de grão em todo o país para produzir biodiesel? Por que teríamos que impor um padrão de agricultura em um país com as dimensões do Brasil? A quem interessaria produzir apenas um tipo de grão? Quais implicações teriam para a segurança energética ao adotarmos uma única espécie em nosso vasto território?

A produção de biodiesel pode representar uma oportunidade de inclusão social no país e uma resposta para várias destas perguntas. Para atingir esse objetivo é preciso estimular o desenvolvimento de pesquisas para aproveitamento de espécies nativas que possam ser transformadas em óleo combustível. Em paralelo, tais tecnologias devem considerar a geração de atividade no campo ou até mesmo a reparação de dívidas sociais com quem perdeu terras em troca do conforto energético de citadinos.

A busca de fontes de energia alternativas, como o biodiesel ou mesmo o álcool, não pode incorrer em erros do passado. Não devemos repetir os grandes empreendimentos, que deixaram um passivo ambiental e social extremamente danoso ao país e que afetaram a imagem internacional do Brasil.

Naquela época vivíamos em plena ditadura militar. Os rumos autoritários permitiram também a imposição de um padrão técnico discutível do ponto de vista socioambiental. O mesmo não pode ocorrer em um país democrático. O Brasil potência dos militares pode se tornar uma potência socioambiental, desde que se tenha vontade política.

Outro aspecto importante do PNPB foi a instituição do selo Combustível Social. Trata-se de uma marca associada ao produto desde que sejam comprovadas a adoção de medidas sociais e ambientais adequadas. Conforme explicita o governo nos termos abaixo, terão direito ao selo os empreendedores que

Comprem matéria-prima da agricultura familiar em percentual mínimo de:

50% região Nordeste e Semi-árido;
10% região Norte e Centro Oeste e,
30% região Sudeste e Sul.

Façam contratos negociados com os agricultores familiares, constando, pelo menos:

O prazo contratual;
O valor de compra e critérios de reajuste do preço contratado;
As condições de entrega da matéria-prima;
As salvaguardas de cada parte e,
Identificação e concordância de uma representação dos agricultores que participou das negociações.

Assegurem assistência e capacitação técnica aos agricultores familiares (www.mda.gov.br, acessado em 20 de março de 2008).

A associação entre demandas sociais e ambientais pode ser considerada um acerto, ao menos enquanto projeto. Resta saber se ela será efetivamente aplicada ou se veremos a predominância de um padrão de geração de biodiesel, baseado na grande produção monocultora, tal qual verificou-se com o PROALCOOL.

Considerações finais

O Brasil desenvolveu políticas públicas, nos termos definidos no início desse texto, voltadas à mitigação de emissões de gases de efeito estufa muito antes da implementação da CMC. Entretanto, quando foram formuladas, elas não tinham esse objetivo traçado. Tanto o PROALCOOL, quanto o PROCEL ou mesmo o CONPET, tiveram suas metas definidas pela necessidade em diminuir a dependência do petróleo, na época importado em larga escala pelo país, além de reduzir o consumo energético.

A introdução do PNPB pode ser uma alternativa mais condizente aos termos socioambientais que se verificam necessários no mundo contemporâneo. Conciliar produção de energia por meio de fontes mais limpas, que emitam menos gases de efeito estufa com a geração de riqueza no campo pode trazer vantagens sociais e ambientais relevantes.

Entre as sociais, o PNPB reconhece o papel destacado de pequenos e médios agricultores no processo produtivo, o que pode gerar riqueza no campo e desestimular a migração às cidades, que se verifica ainda em larga escala no Brasil, ainda que em um modelo distinto das décadas anteriores, já que agora os maiores centros de atração populacional são as metrópoles regionais, como Fortaleza, Salvador e Recife.

Na perspectiva ambiental, trata-se de buscar uma alternativa renovável que nos livraria do uso do petróleo. Além disso, diminui bastante a emissão de gases de efeito estufa.

Porém, a meta inicial já não foi atingida. Por isso é preciso ser realista para interpretar projetos socioambientais novos em curso no Brasil. Isso não representa pessimismo. Ao contrário, indica claramente que persistem os interesses seculares de donos de terras, focados em atividades agrícolas monocultoras desenvolvidas em latifúndios no país.

 

Notas

[1] www.mct.gov.br/clima, acessado em 20 de março de 2008.

 

Referências bibliográficas

ALTVATER, E. Restructuring the Space of Democracy. Ambiente e Sociedade, No 3 e 4, pp. 5-27, 1999.

DALMEIDA, C. ; VOROSMARTY, Charles ; MARENGO J. A. ; HURTT, George ; DINGMAN, Lawrence ; KEIM, Barry . International Journal of Climatology. The effects of deforestation on the hydrological cycle in Amazonia: a review on scale and resolution, v. 27, p. 633-647, 2007.

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Referencia bibliográfica:
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