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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

 

REDES SOCIAIS E MIGRAÇÕES LABORAIS.
A CONSTITUIÇÃO DA REDE NIPO-BRASILEIRA EM OURINHOS (SP)
[1]

Lirian Melchior
Universidade Estadual Paulista – UNESP – Ourinhos
lirian@ourinhos.unesp.br


Redes sociais e migrações laborais. A constituição da rede nipo-brasileira em ourinhos (SP) (Resumo)

A mobilidade do trabalho, imposta pelas relações capitalistas de produção, reforçam o sentimento de pertencimento do lugar de origem, (re)criando relações identitárias nos mais variados lugares para onde se dirigem os migrantes. O processo de formação de núcleos (territórios) com características específicas de um grupo social, seja ele de origem étnica ou regional, possibilitados pelas redes sociais, conflituam com as tendências homogeneizadoras da globalização, evidenciando espaços culturais híbridos. Estudamos este fenômeno através da migração de japoneses para o Brasil – Ourinhos (SP) - e de seus descendentes para o Japão, buscando compreender as diferentes conformações territoriais e arranjos espaciais, materializados no meio urbano e concluímos que as redes sociais encontram-se subordinadas aos interesses dos agentes econômicos hegemônicos e são elementos fundamentais para a realização dos processos migratórios

Palavras-chave: Migrações; redes sociais; imigração japonesa; dekasseguis.


Social networks and labour migration: the nipo-brazilian networks formation in Ourinhos (SP) (Abstract)

The labor mobility, imposed by production capitalistic relations, reinforces the feeling of belonging to the place of origin, (re)creating identity relations in the most varied places where the migrants go to. The process of area (territory) formation with specific characteristics of a social group from ethnic or regional origins, enabled by the social nets, faces the homogenizing tendencies of globalization, highlighting hybrid cultural spaces. This phenomenon was studied based on the Japanese migration to Brazil – Ourinhos (SP) – and on their descendants to Japan, aiming to understand the different territorial conformities and spatial arrangements, materialized in the urban area, and it was concluded that the social nets find themselves subordinate to the interests of hegemonic economic agents and they are   essential elements to the accomplishment of migratory processes.

Keywords: Migrations; social networks; Japanese immigration, dekasseguis.


Acerca da mobilidade do trabalho

Procuramos analisar as migrações internacionais a partir da concepção da mobilidade do trabalho. Estas migrações assumem um caráter temporário, uma vez que o migrante se desloca por um período determinado almejando melhores rendimentos que lhes possibilite melhores condições de vida ao retornarem ao país de origem.

Desta maneira, encontramos na força de trabalho, a mercadoria que revela a possibilidade de reduzir o custo da produção – constituindo uma mercadoria que tem a virtude de transformar dinheiro em capital.

Assim, a mobilidade do trabalho representa a propriedade que todo homem possui enquanto trabalhador - ou mercadoria - de vender sua força de trabalho e se deslocar de acordo com as regras ditadas pelo capital. O trabalho é, portanto, o uso ou emprego da força de trabalho, onde ocorre a troca de uma mercadoria - força de trabalho - por outras mercadorias (produtos). Assim, perde a aparência de uma relação social para tomar a forma de uma relação de coisas, já que a força de trabalho coloca-se nas coisas, tornando-se coisas entre outras coisas, mercadoria entre mercadoria.

Encontramos na reflexão de Gaudemar (1977, p. 194) explicações às questões em pauta, conforme segue: A circulação das forças de trabalho é o momento da submissão do trabalhador às exigências do mercado, aquele em que o trabalhador, à mercê do capital e das crises periódicas, se desloca de uma esfera de atividade para outra; ou por vezes aquele em que sucede o trabalhador ser “sensível” a toda variação da sua força de trabalho e da sua atividade, que lhe deixa antever um melhor salário.

Sob o chamado imperativo do capital para mobilidade da força de trabalho, o trabalhador passa a modificar suas relações sociais, passa perder seu vínculo territorial e inicia um constante processo de adaptação que dificilmente se encerra. Desta maneira, procuramos entender os fluxos migratórios, que se caracterizam como migrações temporárias por motivo de trabalho e por remunerações que possibilitem uma vida mais digna quando retornarem ao seu país de origem.

Assim, acreditamos que a busca por melhores empregos e por melhores oportunidades de obtenção de maiores rendimentos, foi o que impulsionou a imigração dos japoneses para o Brasil no início do século XX. Com o passar dos anos e sem a possibilidade do retorno, começaram a amealhar formas de permanecer no Brasil, buscando uma maior identidade com este país. Da mesma forma, salvo o tempo decorrido das duas migrações, compreendemos o movimento dos dekasseguis, descendentes destes imigrantes, hoje se destinam ao Japão também em busca de melhores oportunidades de trabalho. Temos, portanto, dois momentos distintos historicamente, com duas construções espaciais e territoriais, as quais apresentaremos nos capítulos seguintes.

O território e a rede: concepções e análises

A análise sobre o território pode variar de acordo com concepção teórica de cada pesquisador, bem como, de sua aproximação sujeito-objeto, como podemos perceber em Raffestin (1993), Haesbaert (1997, 1999, 2004), Saquet (2001, 2007), Santos (2000, 2002), Sposito (2004), Souza (1995), porém, nos ateremos à concepção da construção do território a partir da materialização proporcionada por um determinado grupo social, proporcionando uma maior identidade entre estes. Partimos da compreensão de que o território possui características construídas pela sociedade ao longo de sua história e que estas sempre estão vinculadas às configurações de poder travadas entre os povos. Com isso, podemos vislumbrar em cada parte do planeta, vestígios, ruínas, monumentos e edificações que simbolizam uma época, uma cultura.

Assim, compreendemos o território enquanto base de realização de uma sociedade, que expressa os diferentes conflitos e jogos de poder, a relação de hegemônico e hegemonizado de um determinado grupo social. As diferentes formas de organização social se expressam materializadas no território, gerando uma maior identidade e possibilitando uma maior integração entre estes. Assim, segundo Saquet, (2007, p. 118)

O território é entendido como lugar de relações sociais, de conexões e redes; de vida, para além da produção econômica, como natureza, apropriação, mudanças, mobilidade, identidade e patrimônio cultural; como produto socioespacial e condição para habitar, viver e produzir. A identidade é compreendida para além do sentido de pertencimento a um lugar: “A identidade (...) deriva do agir coletivo dos sujeitos, como portadores de práticas e de conhecimento, construtores do território e de novas lógicas identitárias aos lugares”.

Numa perspectiva cultural e ao mesmo tempo integradora do conceito de território, tomamos como elemento de análise a relação que cada grupo social desenvolve com seu espaço vivido, identificando diferentes formas materializadas na paisagem que irão reconstituir diferentes arranjos socioespaciais.

O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes. Daí o vigor do conceito, convidando a pensar processualmente as relações estabelecidas entre o lugar, a formação socioespacial e o mundo. O território usado, visto como uma totalidade, é um campo privilegiado para a análise na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso (Santos et al., 2000, p. 12).

Entendemos, assim, que o território é um elemento construído por um grupo social e sua diferente relação com o espaço que vivencia, atribuindo, portanto, a este, características que lhes proporcionam algum tipo de pertencimento, familiaridade, identidade.

Nesta concepção, compreendemos que os diferentes movimentos migratórios são responsáveis pela construção e (re)construção de territórios, em que ocorrem buscas por uma maior identidade com os lugares de destino no processo migratório, o que vem a “facilitar” sua adaptação e onde suas raízes podem ser vislumbradas através de vestígios deixados na paisagem.

Ao partir o migrante carrega consigo parte de seu território, ou seja, a bagagem existencial que lhe foi conferida ao longo de sua vida, seus hábitos, seus costumes, sua cultura. À medida que o caráter provisório da migração começa a ser dissipado, este, ao longo da estadia no país de destino tenta recriar parte daquilo que deixou em sua terra natal.

Assim, quando certo número de migrantes se une em busca de uma mesma identidade, podemos observar a construção de territorialidades que se sobrepõem a outros territórios já historicamente definidos. Podemos refletir que no mundo globalizado, onde há a fluidez de informações e movimentos, os processos de (re)territorialização se tornam amplamente significativos.

As migrações não ocorrem sem deixar marcas, tanto nos países de atração como nos de expulsão dos migrantes. A identidade em seu sentido reterritorializador não constitui simplesmente um transplante da identidade de origem, mas um híbrido, onde a principal interferência pode ser aquela da leitura que o Outro faz do indivíduo migrante. Sayad, (2000, p. 14) afirma que assim como a ausência, a presença também tem seus próprios efeitos. Não se habita impunemente um outro país, não se vive no seio de uma outra sociedade, de uma outra economia, em um outro mundo, em suma, sem que algo permaneça desta presença, sem que se sofra mais ou menos intensa e profundamente, conforme as modalidades do contato, os domínios, as experiências e as sensibilidades individuais, por vezes, mesmo não se dando conta delas, e, outras vezes, estando plenamente consciente dos seus efeitos.

Segundo Sayad (2000), o retorno está implícito ao ato de emigrar. O migrante carrega, intrínseco a ele, a idéia da volta, de tal modo que no país de imigração o que motiva o trabalho é a volta. No entanto, o migrante, ao partir, já não é mais o mesmo, assim, como o espaço por ele deixado também se modifica. Porém, para ele, distante de sua terra natal, é necessário lembrar do seu espaço tal qual ele deixou, um espaço carregado de sentimento e de afetividade. Sendo assim, enaltece tanto seu país - sua cidade - que estes se tornam lugares idealizados, de ‘terras sacralizadas’.

Mas devido as modificações de caráter espaço-temporal, as (re)construções objetivadas na paisagem, possuem características que remontam a uma determinada época, segundo o sentimento e a lembrança do migrante. Fato este que pode ser observado nas diferentes construções que compõem as cidades brasileiras - Arquiteturas, monumentos, jardins, que constituem um determinado período histórico, que não mais identificam as paisagens dos países de onde saíram os migrantes que ajudaram a colonizar o Brasil. Mas fazem parte de uma lembrança coletiva dos inúmeros migrantes que para cá se destinaram, e envoltos ao apego com o seu lugar de origem, tentaram construir partes daquilo que, para eles, tinha um significado maior.

Assim, segundo Luchiari, (2001, p. 14) podemos identificar, nas mais diferentes paisagens urbanas, construções que recriam e relembram culturas: Em cada época, o processo social imprime materialidade ao tempo, produzindo formas/paisagens. As paisagens construídas e valorizadas da sociedade revelam sua estrutura social e conformam lugares, regiões e territórios. A paisagem é a materialidade, mas é ela que permite à sociedade a concretude de suas representações simbólicas. Por conseguinte, as mudanças morfológicas na paisagem não são inócuas e não podem ser analisadas em apartado à práticas sociais. A produção de um novo contexto material altera a forma/paisagem e introduz novos objetos, funções, valores e intencionalidades.

Este processo de materialização na paisagem de algo que relembra uma dada característica cultural, em áreas de onde estas não se configuram como originárias, entendemos como uma tentativa de (re)territorialização do migrante ao seu lugar de destino, possibilitando que este usufrua de um mínimo de identidade em um território tão adverso ao seu ideário conhecido.

O migrante deixa sua vida pessoal e profissional para realizar trabalhos que exigem baixa qualificação e considerados cansativos em outros países. No entanto, a possibilidade de ganhos financeiros, em um curto período de tempo, é tentadora aos olhos do migrante, que se desfaz de algumas prioridades para garantir um futuro melhor à si e a sua família. Assim, a migração temporária é, contraditoriamente, um modo de desatar os laços da família, uma vez que o migrante precisa se afastar de sua família e, ao mesmo tempo, um modo de atar o desenvolvimento do capital à exploração mais intensiva do trabalhador que se desloca de forma a contentar as transformações capitalistas ocorridas no mercado de trabalho (Martins, 1986).

Apontamos, assim, a constante busca por uma identidade inerente ao migrante, o que se reflete na construção de territórios identitários ou étnicos em diferentes partes do mundo. Segundo Sayad (2000), estes migrantes desenvolvem uma relação nostálgica com sua terra natal, e, por mais demorada que seja esta sua migração e por mais que não ocorra um retorno, o sentimento da volta, a nostalgia da terra natal estará sempre atrelada ao migrante.

Através destas considerações, refletimos que o processo de reterritorialização se apresenta em virtude deste sentimento de afeto que o migrante carrega consigo ao se deslocar e, através de seu reconhecimento (ou não) no outro, delimita seu território evidenciando traços particulares de sua cultura original. Segundo Martins (1986), o trabalhador, migrante temporário, passa por uma socialização específica.

No lugar de origem, suas relações são baseadas na produção direta dos meios de vida, o convívio familiar, lugar de encontro com o conhecido; no lugar de destino, suas relações são mediatizadas pelo dinheiro e é por meio deste que elas adquirem um caráter social – relações desenvolvidas por meio do trabalho realizado. Em um caso, há o domínio do processo de trabalho, no outro é dominado por ele.

Compreendemos, assim, que no processo de reterritorialização, o migrante (re)cria algo particular seu, adequado ao novo território que habita, sem perder os vínculos com sua terra natal, mas possibilitando uma integração, onde a homogeneidade imposta pela globalização no que se refere ao mercado se evidencia na heterogeneidade territorial.

Todos os dekasseguis entrevistados afirmaram se apoiarem em indicações de amigos e parentes para a realização da migração, sejam estas na simples indicação da agência de turismo - que também funciona com uma rede - como arrumando emprego no Japão, colocando em contato com a empreiteira, emprestando dinheiro, ou disponibilizando sua residência até estes estarem efetivamente colocados no emprego. Na literatura como Margolis (1995), Sales (1999), Fusco (2002), Soares (2002) várias são situações apresentadas que indicam este tipo de agentes facilitadores na migração os quais formalizam uma grande rede social.

Desta forma, as redes sociais, no fenômeno migratório, funcionam enquanto um primeiro elo entre o migrante e o país de destino, onde “facilidades” são obtidas de acordo com as relações de amizade ou de parentesco, tornando-se assim, o processo de adaptação menos penoso.

As redes sociais mais importantes fundam-se em relações de parentesco, de amizade, de trabalho e na origem comum. Essas relações não são criadas pelo processo migratório, mas são adaptadas por ele e, no decorrer do tempo, são reforçadas pela experiência comum da migração. Assim, “a migração pode ser entendida como processo social, organizado por meio de redes forjadas por conexões interpessoais diárias, que caracterizam todos os grupos humanos” (Massey, 1987, p. 169 apud Soares, 2002, p. 10)

As redes, propiciadas por um conjunto de atores que, em geral, são ex-migrantes ou migrantes que se encontram no lugar de destino, facilitam na organização do deslocamento; ajudam no processo de adaptação e, em função da identidade gerada pelo contato acabam por influenciar na construção de territorialidades.

Assim, vimos a necessidade de se entender a identidade do migrante, que muitas vezes só se apresenta quando fora de seu ambiente, para reconhecer na diferença o que lhe é natural. Haesbaert (2007, p. 36), comenta que: Com relação a identidade e diferença ocorre um cruzamento ainda mais íntimo, pois não há como “identificar-se” algo sem que sua “diferenciação” (em relação ao “outro”) seja construída, a ponto de “diferenciar-se” e “identificar-se” tornarem-se completamente indissociáveis – isto demonstra, de saída, o caráter permanentemente relacional da construção identitária, sempre produzida na relação com aquele estabelecido com o seu “outro”.

O autor afirma ainda que os migrantes entrecruzam sua identidade no confronto com outras culturas e, por terem em sua bagagem uma territorialidade advinda do país de origem, tentam reproduzi-la nas áreas para onde se dirigem. O território, portanto, compõe também o ser de cada grupo social, por mais que a sua cartografia seja reticulada, sobreposta e/ou descontínua (Haesbaert, 1999, p. 186).

Assim, entendemos que estas novas territorialidades, formadas pelos grupos migrantes em questão (japoneses imigrando para o Brasil no início do Século XX e, seus descendentes, emigrando para o Japão no final do Século XX e início do Século XXI) manifestam um processo de resistência ao diferente, ao mesmo tempo, que mescla a sua identidade com a cultura do novo país, possibilitando uma maior interação entre o conhecido e o novo, ou seja, uma construção social que vai além da prática de trabalho proporcionada pelo capital, uma vivência mais tranqüila no seu cotidiano.

Estas novas territorialidades, portanto, só são possíveis fruto de relações travadas no ato migratório, onde o papel das redes sociais são absolutamente essenciais não só pelo contato, mas para o convívio que se exerce no país de destino, onde novos laços são formados em função de uma identidade nacional (que no caso dos japoneses pode-se dizer nacionalista), que aproximam os grupos e possibilitam então, a (re)produção de ambientes, festas, reuniões, hábitos pertencentes ao país de origem.

Entendemos, portanto, que estes são territórios híbridos, como defende Haesbaert (2004, 2007), por estarem repletos de traços culturais do país de origem, mas que se (re)constroem em novos territórios nacionais, o que proporciona portanto, algo novo, que se difere de ambos países, lembrando que estes são construídos imbuídos de uma nostalgia, de um saudosismo de algo que ficou para trás, mas que também sofreu modificações no tempo e no espaço e por isto, suas configurações existentes na memória, pertencem a um tempo pretérito, não sendo mais idênticos ao que se configura no país de origem (Sayad, 2000).

Os migrantes japoneses em Ourinhos. Territórios e territorialidades

Os migrantes desembarcavam no Porto de Santos para trabalharem nas lavouras cafeeiras do Estado de São Paulo. Assim, eram então conduzidos até a Hospedaria do Migrante na Cidade de São Paulo e, de lá, transportados às lavouras de café onde iriam trabalhar. Ressaltamos que muitos imigrantes japoneses vieram trabalhar como colonos e passavam de cinco a dez anos trabalhando neste regime para os fazendeiros. Depois de devidamente adaptados ao Brasil, rompendo/superando o desejo de retorno ao Japão, estes passaram a realizar economias que lhes proporcionassem a aquisição de terras que garantissem uma condição melhor de trabalho e de vida.

Para que a efetivação das redes sociais pudesse se concretizar, foi necessário o aporte nas redes técnicas, daí destacamos a importância que teve a Estrada de Ferro Sorocabana para efetivação da colonização de Ourinhos. Entroncamento em direção ao Oeste Paulista, segundo Monbeig (1984) os trilhos e as estradas criam as localizações favoráveis às fundações urbanas, gerando uma seleção entre os patrimônios para transformá-los em cidades.

A Estação de Ourinhos foi inaugurada no final de 1908. Já em 1926, foi construído um novo prédio, devido ao aumento do tráfego na região. A partir de 1925 passou a ser construída a estrada de ferro em direção ao Norte do Paraná. No início, chegava a Cambará e acabou por contribuir com o desenvolvimento e formação de vários municípios, entre eles, Londrina, a partir de 1929 e Maringá, desde 1947.

A Cidade de Ourinhos servia como uma área de passagem, alojamento e descanso para os pioneiros que adentravam tal região, sendo que muitas vezes, suas famílias permaneciam nesta cidade até que os chefes “desbravassem” o norte paranaense, desmatando e construindo suas casas para, enfim, levarem seus entes até as terras adquiridas. Neste sentido, Ourinhos recebeu um número significativo de famílias japonesas, que, trabalhando na cidade ou na zona rural, tiveram forte influência sobre o seu processo de formação.

Tendo em vista estas considerações, analisamos a importância destes imigrantes para o Município de Ourinhos no processo de colonização do início do Século XX e na atualidade. Segundo os dados da AECO (Associação Cultural e Esportiva de Ourinhos), cerca de 500 famílias perfazem o total da colônia nipônica em Ourinhos. Considerando que a população de Ourinhos, segundo dados do IBGE (2000), é de 93.868 habitantes e utilizando a média nacional de 3,3 pessoas por família, encontra-se um número 1.650 japoneses e descendentes em Ourinhos, o que representa um percentual de 1,75 % com relação a população total de Ourinhos, o que configura uma representatividade em todos os campos de atividades do município.

Ourinhos, que se encontra divisa do Estado, apresentou ligação importante para o desenvolvimento do Norte do Paraná; além disto, este município também teve o papel integrador entre a capital do estado e o litoral, com toda região oeste paulista, através do desenvolvimento da rede ferroviária. Podemos dizer que este apresentava uma posição estratégica no que se refere ao desenvolvimento da economia cafeeira, não só pela produção deste, devido a fertilidade de seu solo, mas também, por ter se constituído enquanto “boca de sertão”, durante alguns anos, no processo de construção da estrada de ferro, o que condicionou a chegada de muitas famílias para o município. Assim, Ourinhos passa a apresentar expressivo comércio e prestação de serviços podendo atender a demanda do Norte do Paraná e das cidades vizinhas do estado.

Concomitantemente, a partir de 1924 o processo de colonização passa a ser politicamente orientado pelo governo japonês, para estimular a emigração através de companhias de colonização, tornando estas, órgãos representativos do governo japonês, legalmente estabelecidos no Brasil, como é o caso da BRATAC – Sociedade Colonizadora do Brasil. Houve, assim, um incentivo do governo japonês que propiciou a formação de núcleos coloniais no Brasil, sendo estes providos de escolas, serviços médicos e estradas, além de equipamentos necessários à produção, assim, as sociedades colonizadoras tinham o domínio de todas as atividades dos colonos. Tal poder era fecundo e estava seguramente destinado à colocação de um povo japonês  - não sendo sem fundamento certa inquietação causada pela colonização nipônica. No momento, acentuemos que a colocação política fazia-se ao abrigo da pequena propriedade e que não poderia possibilidades de êxito sem a estrutura da empresa (Mombeig, 1984, p. 239).

Esta atitude não só proporciona a vinda de novos imigrantes para o Brasil, como possibilitou que os japoneses que aqui residiam se tornassem proprietários de terras em áreas a serem desbravadas. Tal fato possibilitou suas saídas das fazendas de café, pois perceberam que nestas, não conseguiriam enriquecimento rápido devido à intensa exploração que sofriam dos fazendeiros.

Desta maneira, ser sitiante era o sonho de todos os imigrantes japoneses, para que pudessem retomar sua liberdade e terem maior disposição ao trabalho, possibilitando que pudessem juntar recursos que fossem suficientes para seu retorno ao Japão, mesmo que a permanência tenha se prolongado por décadas ou pela vida inteira. Porém, com as respectivas mudanças conjunturais entre Brasil e Japão, os fluxos migratórios passaram a ter outros significados, sendo que houve a realização da “migração definitiva” dos japoneses para o Brasil e a recente formação da migração dos dekasseguis no fim do Século XX e início do XXI.

Somado a estas condições anteriormente mencionadas, os núcleos coloniais japoneses se formaram uma nova territorialidade construída a partir da cultura trazida na bagagem dos migrantes. Assim, nos itens que se seguem, apresentamos como estes núcleos foram se configurando em diferentes municípios do Estado de São Paulo e, em especial em Ourinhos, explorando como esta cultura se materializa e se expressa neste território, (re)criando e (re)territorializando-se. 

Assim, quando certo número de famílias se concentrava numa determinada área, configurava-se uma colônia, que era uma reprodução da estrutura comunitária rural japonesa. Estas tinham como objetivo estreitar as relações entre os patrícios e cuidar de assuntos de interesse coletivo. Assim, segundo Saito (1973, p. 206):  [...] em todos os núcleos onde os imigrados japoneses tiveram vida grupal houve, em seu processo de reorganização social, a reconstituição em maior ou menor escala, da estrutura comunitária da sociedade de origem. Quando a BRATAC e outras empresas de colonização se propuseram a criar núcleos coloniais, os planos tiveram por base a reprodução, possivelmente fiel, da estrutura de mura. Não carecia de ser esse tipo de colonização planejada. Todas as vezes que os imigrados formaram núcleos voluntários designaram a localidade de colônia e trataram de reproduzir as formas associativas de mura, como sejam a associação japonesa, associação de moços e moças, a escola e outras.

Com isso, formaram-se as associações que tinham como objetivo facilitar as relações com o “mundo de fora”, o que significava que esta tinha como base a ação coletiva, não só das relações de produção, como também, o controle social interno (Saito, 1973). Quantidade considerável de imigrantes japoneses era atraída para estes núcleos devido à proximidade com pessoas da mesma etnia. Muitas vezes, estas associações atingiam um grau de complexidade em suas relações comerciais, que passaram a se constituir em cooperativas agrícolas, assim, em Ourinhos, tivemos a formação da Cooperativa Agrícola de Ourinhos, fundada em 1940, através de um grupo de pequenos produtores rurais japoneses que residiam no Bairro da Sobra. A cooperativa foi formada com 180 associados, localizados, principalmente, nos bairros rurais do Município de Ourinhos e, em seu período áureo contou com 1.200 associados de Ourinhos e região. Conseguimos entender que os objetivos expressos no Estatuto da Cooperativa levam a uma organização que beneficia os membros da colônia japonesa, pois visam a união dos agricultores buscando melhores rendimentos na venda do produto. A Cooperativa Agrícola de Ourinhos, exerce o papel de uma rede social, onde o interesse comum é manifestado em torno de uma identidade étnica que visa o desenvolvimento econômico da colônia japonesa. Nesse sentido, a rede nipo-brasileira com ação em Ourinhos, tornou-se mais complexa, adquiriu uma materialidade pela cooperativa e conseguiu, ampliar seus contatos, que já operavam em rede pelas associações culturais e esportivas, sendo que tornou-se empresarial. Tal fato mostra a maturidade e grau de integração entre os imigrantes japoneses em Ourinhos

O Município de Ourinhos foi fundado em 13 de dezembro de 1918 e, em 1928, já existiam várias Associações Japonesas – Kaikan – nos bairros da cidade, evidenciando a numerosa presença dos nipônicos no município. Estas reforçavam as características identitárias deste grupo em seu contato com os demais grupos sociais pertencentes ao município, ou seja, estes bairros, formados essencialmente por imigrantes japoneses passaram a reforçar as práticas culturais que existiam no Japão, cercando-se de todos os mecanismos necessários para a manutenção das tradições japonesas moldados a nova realidade que se apresentava.

À medida que os japoneses e seus descentes iniciam o abandono da área rural em direção à cidade, seja para exercerem outras atividades (principalmente relacionadas ao comércio), ou para garantir estudos aos filhos, estas associações rurais começam a perder sua força e a colônia japonesa passa a organizar, mais ativamente, a associação da cidade, concentrando enfim, todos os grupos em uma só entidade. Estas festividades, promovidas pela AECO (Associação Cultural e Esportiva de Ourinhos), não só evidenciam uma forma de manter a cultura a japonesa, como também de exteriorizar tradições que só existiriam no Japão, trazendo ao público brasileiro uma parte de seus valores. Podemos entender ainda, que por mais que tenha se passado quase um século da Primeira Imigração de Japoneses para o Brasil (junho de 1908), estas festividades realizadas pela colônia, sejam elas abertas ao público ou restritas à comunidade, evidenciam ainda certa resistência ao processo de aculturação, mantido muitas vezes pelos isseis, mas que em tempos de globalização, onde a homogeneidade aparece quase que de forma impositiva, as novas gerações aprenderam a valorizar e também fazerem parte e, em muitos casos, trazendo amigos não nikkeis a participarem destas confraternizações, possibilitando uma maior integração entre as diferentes culturas existentes no Brasil

Desta maneira, entendemos que ao transfigurarem parte de sua cultura para o território brasileiro, os imigrantes japoneses marcam na paisagem e no cotidiano sua cultura e seus costumes. Assim, estamos diante de uma nova manifestação de territorialidade, onde os símbolos culturais não compõem características originais, mas sim, foram construídos para expressar uma nova identidade. Assim, entendemos que a rede é a mediação da relação do migrante com a sociedade de adoção, em que a trajetória migratória dos imigrantes japoneses para o Brasil, compreende os diferentes processos de valorização de uma identidade de um grupo social de configuração étnica que através de sua dimensão simbólica, implica na formação de novas territorialidades, o que conduz a preservação de seus hábitos e culturas.

Os dekasseguis brasileiros. Rede, território e territorialidades

As transformações que ocorreram no plano internacional não excluíram o Brasil, que apresentou uma modificação bastante significativa a partir dos anos de 1960, sendo que o processo de internacionalização da economia, impulsionado no governo de Juscelino Kubitschek, representou um aumento significativo no processo de industrialização no Brasil, sobretudo, com a localização de empresas multinacionais, que entraram no país exigindo a implantação de uma série de infra-estruturas de suporte para suas unidades de produção.

No final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, em que o governo brasileiro vendia a imagem de “economia milagrosa” o capitalismo internacional estava caminhando para uma severa crise, que seria deflagrada em 1973. A esta crise internacional somaram-se os efeitos da alta demasiada dos preços do petróleo e uma dificuldade na obtenção desta fonte imprescindível das unidades de produção industrial. Uma das saídas para resolver o problema da crise estrutural do capitalismo, foi o resgate do montante de capital que havia sido emprestado, com a cobrança exorbitante de juros e multas. Este comprometimento da economia brasileira teve sérias conseqüências sociais, pois causou retrações no consumo e na produção, produzindo uma onda de desemprego e uma redução de poder aquisitivo, que levou ao aparecimento de algumas facetas perversas da introdução do Brasil no capitalismo internacional.

Após os anos de 1990, o país ingressa na onda neoliberal e estes quadros sociais tendem a se agravar, pois as políticas recessivas que passaram a ser implementadas pelos governos seguintes diminuíram o poder aquisitivo da população, conseqüentemente, reduzindo seu padrão de vida. A abertura econômica e a introdução de políticas neoliberais foram iniciadas no governo de Fernando Collor, recebendo uma continuidade nos demais mandatos seguintes de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, e, em alguns aspectos, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De modo que, há no país, atualmente, uma forte recessão econômica que impede o desenvolvimento e destrói o poder aquisitivo do brasileiro, isto aliado a um forte percentual de desemprego.

As políticas implementadas pelo governo Lula, desde 2003, mostram uma continuidade a essa tendência, porém, foram realizadas algumas políticas que marcam certa diferença, quais sejam: -políticas sociais que possibilitaram alavancar o consumo para as camadas de baixo poder aquisitivo, representando em algumas áreas mais pobres do país, fonte significativa dos recursos disponíveis que movimentam a economia local; -investimentos em setores educacionais e de infra-estrutura, numa tentativa de reverter o quadro de sucateamento dos últimos anos; -política externa com manutenção de tradicionais relações econômicas com Estados Unidos e Europa, porém, com atenção especial às relações com países do “Sul”, sobretudo, do Mercosul, China, Índia e países da África. Estes pontos mostram que, mesmo com a economia ortodoxa praticada pelo Banco Central do Brasil, que mantêm o pagamento elevado de juros da dívida externa, juros exorbitantes e política não favorável de cotação do dólar, o país mostra uma nova orientação econômica no início do Século XXI, ainda que tímida.

Portanto, foram criadas condições que favoreceram o descontentamento da população brasileira e permitiu colocar os trabalhadores brasileiros à disposição da demanda de mão-de-obra do capital internacional, desenvolvendo a possibilidade da mobilidade da força de trabalho. De acordo com a conjuntura econômica japonesa, havia uma necessidade de absorção de trabalhadores para fazer trabalhos de ordem braçal – não especializada – o que veio a estimular a saída de trabalhadores descendentes de japoneses para o Japão, uma vez que a lei de Imigração Japonesa, só permitia que os nikkeis realizassem esta migração, acreditando que a estes seria mais fácil a adaptação ao sistema de trabalho japonês.

Há, portanto, uma migração de trabalhadores que buscam o ganho significativamente elevado, por um período de tempo, com o objetivo de retornarem ao Brasil com uma quantia que lhes proporcionem viver com melhor padrão de vida neste país. Os nikkeis entrevistados afirmam que buscam se tornarem proprietários de um estabelecimento, constituido com o dinheiro economizado no Japão, ou mesmo continuando como empregados, mas com casa própria, carro e boas condições financeiras para se manter no Brasil.

A importância das redes sociais no cotidiano dos dekasseguis. A decisão de migrar e a permanência no Japão

Sabemos que os deslocamentos populacionais resultam de uma confluência de fatores sócio-políticos e econômicos dos países que recrutam e que expulsam os trabalhadores, conforme já apresentado nos capítulos anteriores. O ato de migrar não é, portanto, fruto de uma decisão individual.  Para a efetivação do processo migratório, além de questões conjunturais, relações internacionais e uma gama de aspectos legais, jurídicos, políticos e administrativos, percebemos que faz-se imprescindível, o estabecimento das redes que se formam para o recrutamento, encaminhamento, treinamento e apoio dos migrantes. Nestas, percebemos o surgimentos dos intermediários, responsávies pelo contato entre o trabalhador migrante e a empreiteira no Japão, os quais são as agências de turismo formais que vendem as passagens aéreas e os agenciadores que ganham uma comissão ao enviar os dekasseguis para o Japão. Assim, estes agentes surgem para auxiliar na organização da documentação do migrante e fazer o contato com as empreiteiras de acordo com o perfil de cada nikkei interessado na viagem. Assim, esta estrutura de agenciamento de trabalho termina por organizar um território em rede, que orienta as ações de um grupo social e que possui gestão sobre atividades que remontam a grandes somas de dinheiro.

A formação de novas territorialidades no Japão.

Partindo das considerações sobre a intensa mobilidade de trabalhadores brasileiros ao Japão, iniciada em fins dos anos de 1980, refletimos sobre a influência dos brasileiros que os dekasseguis vêem sobre a sociedade japonesa com o passar dos anos. Ressaltamos que apesar do fluxo ter diminuído nos últimos anos, a emigração de brasileiros para o Japão ainda é bastante significativa, sendo que, redes sociais foram criadas tanto no Brasil como no Japão, garantindo a plena realização do processo em terra estrangeira.

Percebemos que o fluxo migratório para o Japão é bastante expressivo, sendo que em 2006, mais de 312.979 brasileiros estavam no Japão. Este fato começa a gerar novas organizações de redes sociais que visam dar perpetuação ao processo estrutura e conforto emocional ao migrante, se realizando em diferentes maneiras. No que se refere aos costumes brasileiros no Japão, uma rede de comércios e prestações de serviços passa a se consolidar como negócios de brasileiros para brasileiros, possibilitando que os nikkeis, que se encontram no Japão, tenham acesso a produtos que consumiam no Brasil, variando de alimentação, vestuário, decoração, cosméticos etc. Estes estabelecimentos, criados necessariamente para atender o público nipo-brasileiro que se encontra no Japão, demonstra a formação de novas territorialidades que resgatem os costumes que estas pessoas tinham no Brasil, impondo a sua marca em solo japonês.

Além destes, ainda na tentativa de dirimir as saudades do Brasil, uma imprensa voltada para os nipo-brasileiros começa a surgir, são jornais e revistas escritos na língua portuguesa, além da TV via satélite, que traz toda a programação brasileira para os migrantes. Com isso, existe todo um aparato de infra-estrutura para dar subsídios a estes brasileiros que se encontram no Japão.

No Japão não importa a região de origem do território brasileiro, não importam a religião ou a qual associação nipônica pertenciam, ou os laços afetivos e culturais que tinham, o que importa é o encontro com pessoas que falam a mesma língua e possuem hábitos de lazer, de vestuário e de alimentação semelhantes. É nesta identificação que Sales (1999) aborda como um novo grupo étnico que se forma, ou seja, nas adversidades encontradas no Japão, o nikkei se une enquanto brasileiro e não importa a semelhança física com os japoneses ou herança cultural japonesa, influência de seus ancestrais; no Japão, os nikkeis são brasileiros e resgatam o que há de mais típico do país. Oliveira, (1999, p. 294), ressalta que nos detalhes mais inusitados do cotidiano, permanece sempre a sensação de ser “um peixe fora d’água”, pois os comportamentos culturais destas pessoas divergem substancialmente dos padrões japoneses. Nos aspectos básicos do dia-a-dia, seus hábitos são essencialmente brasileiros, fato que é facilmente notificado em contraste com o padrão cultural japonês. Alimentação, vestuário, higiene do corpo, regras de disciplina, relacionamentos pessoais, hábitos cotidianos os mais variados. Em todos estes aspectos, o que se percebe é a marca da presença brasileira.

Assim, passa a ser construído um território do dekassegui brasileiro sobre o território político-administrativo japonês, assumindo formas, características e usos tipicamente brasileiros, sendo estes nitidamente visíveis em bairros freqüentados predominantemente por brasileiros, como na cidade de Hamamatsu e em algumas edificações externalizam na paisagem, as referências ao Brasil, como supermercados, bancos etc. Além disto, podemos verificar esta territorialidade no que se refere ao próprio corpo do migrante, onde por mais que haja o fenótipo semelhante, eles se reconhecem entre si e sabem diferenciar brasileiros de japoneses, sendo que o inverso também ocorre, ou seja, são facilmente identificados pelos japoneses como brasileiros.

Esta marca deixada pelos dekasseguis brasileiros no Japão faz referência ao que haesbaert (1999, 2004, 2007) chama de territórios identitários onde o processo de (des)territorialização gerado em função de motivos já elencados anteriormente, leva a formação de novas territorialidades, sem portanto perder as suas origens, porém, as (re)constroem em novas áreas.

Assim, os territórios que se formam na mobilidade e na busca pelo natural no sentido do reconhecimento, do pertencimento; é um território carregado de valores afetivos - ainda que sejam lugares de consumo, criados com objetivos estritamente capitalistas, as relações que ali se manifestam são relações que refletem as dificuldades vivenciadas pelo migrante, as quais denunciam a exploração que inviabiliza a vida sedentária e lhe impõe a vida nômade que desmoraliza e empobrece sua vida social. (martins, 1988, p. 6).

Considerações finais

Apresentamos, neste trabalho, a tese de que as redes sociais, formadas a partir da mobilidade do trabalho, possibilitam a constituição de uma identidade étnica que se transfigura para o espaço através da formação de diferentes territorialidades. Estas resgatam particulares nostálgicas do grupo social migrante e recriam territorialidades múltiplas ou híbridas no território de destino do migrante.

Assim, com a massificação dos fluxos migratórios as redes sociais tornam-se elementos indispensáveis nos diferentes momentos do processo migratório, em ambos territórios. Porém, com o aumento do tempo de permanência dos trabalhadores nesta nova terra, pelos motivos anteriomente elencados, levam a formação de uma nova identidade étnica a qual se expressa nas diferentes territorialidades apresentadas.

Assim, os fluxos por mais que representem uma (des)territorialização, implicam numa (re)territorialização que se manifesta no movimento de idas e vindas de migrantes que se reconhecem nestes territórios identitários, marca de uma sociedade comum. Assim, a territorialidade expressa um momento histórico vivenciado por uma dada sociedade, a partir da dificuldade de adaptação desta no novo país, sendo esta identificada através de monumentos, edificações, língua, comida, vestuário etc. Manifesta, então, um coletivo que, mesmo numa condição de temporalidade, não abondona seus valores, sua cultura, seu território, criando espaços híbridos, onde as pessoas desenvolvem vínculos identitários com ambos países (haesbaert, 2007, saquet, 2007). O aumento das migrações pode levar tanto a uma proliferação de micro-espaços de identidade, segregados/segregadores, quanto a um entrecruzamento de traços culturais que produzem espaços efetivamente híbridos, virtuais articuladores de novas e mais abertas identificações territoriais – ou, o que talvez seja mais comum, produzir um amálgama em que convivem e se articulam estas duas formas de territorialidade (haesbaert, 2007, p. 49)

Assim, as redes vêm a contribuir com esta nova forma de organização social, ou seja, são territorialiddaes criadas a partir de conexões entre os sujeitos migrantes. A mobilidade pelo trabalho resulta de condições precárias de vivência ou anseios por maior poder de consumo no país de origem. Estas características, encontradas no decorrer do trabalho, puderam ser comprovadas a partir do contato com as famílias de imigrantes japoneses, bem como com os dekasseguis retornados do Japão.

Com isso, identificamos quatro tipos de redes sociais importantes para a efetivação do processo migratório em questão, tanto na migração Japão-Brasil, quanto na migração Brasil-Japão, sendo:

a. diplomacia internacional (consulados, leis etc) que buscam solucionar problemas de ordem jurídico-política, bem como dar assistência em caso de problemas de saúde, no emprego ou problemas econômicos.

b. econômica-empresarial, constituindo uma rede consolidada com diferentes nós localizados em áreas distintas dos territórios, que se realizam em agências de empregos e empreiteiras, que possibilitam as relações entre o trabalhador e o empregador. Investimentos em publicidades e marketing, tanto na busca por imigrantes japoneses na procura de mão-de-obra para o trabalho na lavoura cafeeira – início do Século XX; quanto na propaganda feita aos dekasseguis para o trabalho em emrpesas japonesas – Final do Século XX e início do Século XXI.

c. Familiar e de amizades. Identificados no momento da imigração de japoneses através dos núcleos coloniais e, no caso dos dekasseguis, na indicação de agências ou de empreiteiras, ou mesmo na intermediação direta (no caso dos ex-migrantes) com a empreiteira ou a empresa para o trabalho diretamente no Japão.

d. Sociedade civil organizada. Que se divide em duas: -associações de melhoria das condições de vida e apoio dos migrantes e associações esportivas e culturais. Nesta visualizamos que no Brasil, como os imigrantes japoneses perceberam que não poderiam mais retornar ao Japão, iniciaram a migração de suas festas, como chama martins (1986). Assim, a festa migrou com a formação de entidades esportivas e culturais que produzem festas de yakissoba, undokai, karaokês e demais festas para as famílias associadas, jogos de gateball, baseboll etc. No entanto, como são poucos os brasileiros que pensam em permancer no Japão, este tipo de associação ainda é muito incipiente, o que mostra qeu a festa não migrou e, portanto, sofrem na condição de migrantes a solidão e a saudade de sua terra de origem. Então, no Japão, a maneira de organização mais comum são as associações de ajuda mútua para resolver problemas enfrentados pelos dekasseguis, as escolas com sistema de ensino brasileiro e as igrejas que reúnem grupos através da religiosidade do migrante.

Assim, essas redes, encontradas no decorrer do trabalho, contribuíram para formação ou resgate da identidade de pessoas que, fruto das determinações capitalistas, tiveram de deixar seus lares em busca de melhores possibilidades, fomentando mercados em formação com venda de sua mão-de-obra. Porém, mesmo sendo um movimento imposto pela conjuntura econômica, que muitila laços sociais e afetivos, novos grupos se formam e passam a construir identidades a partir das novas vivências, somando esforços para que possam minimizar o sofrimento e a angústia sentida durante o tempo de permanência no outro país. Assim, criam novas estruturas, vivenciam novas experiências e possibilitam não só amenizar as dificuldades entre os diversos grupos que transfiguram no tempo e no espaço migratório, mas também mostram ao outro - sociedade do país receptor - qual é a sua identidade através de sua cultura e impõem o seu território.

Assim, refletimos que as redes sociais, formadas a partir das migrações laborais, implicam na formação de territórios identitários, os quais resultam de um hibridismo de informações, caracterizando múltiplas territorialidades materializadas no meio urbano e construídas socialmente.

 

Notas

[1]Este texto trata-se de um recorte da tese de doutorado desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia na UNESP de Presidente Prudente, sob orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

 

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