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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

REESTRUTURA URBANA X REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE: O CASO DE SALVADOR

Janio Santos
Professor Assistente da UESB
Doutorando em Geografia pela UNESP, Campus de Presidente Prudente
Bolsista da FAPESB
janiosantos@yahoo.com.br


Reestrutura urbana x reestruturação da cidade: o caso de Salvador (Resumo)

A partir da metade do século XX, ocorreram transformações políticas e econômicas que influenciaram na urbanização de Salvador/BA. Essas mudanças provocaram alterações em sua estrutura urbana, sendo importantes: a redefinição nas relações tempo-espaço e a implantação de novos equipamentos, marcando o início do processo de reestruturação da urbana e da cidade. As bases foram engendradas pelo Estado, junto com outros agentes, e suas conseqüências revelam a constituição de uma nova feição à estrutura urbana, entendida como poli(multi)nucleada. As atuais expressões da centralidade apresentam-se diferenciadas, tanto no que diz respeito à quantidade de centros, quanto aos interesses dos grupos. Os antigos centros e sub-centros passam por um processo de mudança em suas características fundamentais. Os novos correspondem à materialidade de uma lógica urbana hodierna que impera na cidade. Face ao grau desigualdade social e à alta valorização do solo, o acesso aos espaços produzidos para o consumo traduz conflitos e interesses.

Palavras-chave: reestruturação urbana, reestruturação da cidade, centros, Salvador


The new urban structure of the city: the case of Salvador (Abstract)

After 1950 some economic and political transformations occurred, influencing in the urbanization process of the city of Salvador/BA. These changes provoked some important changes in the urban structure, such as the redefinition of the time-space relationship and the introduction of new equipments, marking the start of urban and city restructuration.  The process was produced by the State, among with other agents, and its consequences demonstrate the formation of a new characteristic of  the urban structure, understood as the multi(poly)centralité. The current centers are differentiated by the amount and by the interests of the social groups. The old centers and sub-centers had gone through a process of change in its characteristics.  The new centers are related to the materiality of the current urban logic and its influences in the city. Due to the social inequality and the high value of the urban ground, the access to market spaces translates conflicts and group interests.

Keywords: urban restructuration, restructuration of the city, centers, Salvador


No final do século XX, observamos um conjunto de transformações no processo de urbanização, que implicou em profundas mudanças na produção das cidades, isso independente dos diferentes papéis que essas desempenhavam na rede urbana, sejam elas metrópoles, cidades médias ou pequenas. Nada obstante, Salvador foi um desses espaços onde tais alterações ocorreram. Nota-se que esse fenômeno criou no espaço urbano um sistema de relações que foi capaz de redefinir a circulação de capital, pessoas e de produtos, alterando sua lógica de relações.

Salvador teve sua estrutura urbana alterada, mormente, a partir da década de 1970, bem como redefiniu seu papel e conteúdo no contexto baiano, enquanto metrópole regional, porque (re)construiu as relações desenvolvidas com as demais cidades, no nível da rede urbana, e (re)formulou suas próprias relações, no nível intra-urbano. As bases do processo de reestruturação urbana foram engendradas pelo Estado. Esse, aliás, foi o principal agente na execução das alterações mais importantes, acarretando na redefinição dos usos do solo. Todavia, não podemos esquecer de destacar que outros sujeitos também foram relevantes para que tal “projeto político” ganhasse materialidade.

Com base nesses argumentos, entendemos ser necessário analisar as conseqüências de tais modificações na lógica da centralidade urbana, em Salvador, pensando a questão da constituição de uma nova característica à estrutura urbana. O materialismo histórico dialético, à luz das contradições que são inerentes ao processo, contribuiu para desvendar a teia de relações justapostas e sobrepostas na articulação entre os centros e os sub-centros urbanos. Essas relações estão pautadas na discussão sobre as mudanças ocorridas na urbanização, que influenciaram a estruturação e reestruturação das cidades.

A Salvador contemporânea expressa um acúmulo de mudanças quantitativas e qualitativas na lógica da centralidade, que afetou suas formas e estruturas herdadas. As atuais expressões da centralidade urbana apresentam-se diferenciada, tanto no que diz respeito à quantidade de centros, quanto aos interesses aos quais estão associadas. Percebe-se que os antigos centros e sub-centros se formaram em tempos pretéritos, e vêm passando por um intenso processo de mudança em suas características fundamentais. As novas expressões da centralidade correspondem à materialidade de uma lógica política, econômica e social hodierna que passou a imperar na cidade, alterando o processo de reprodução do espaço metropolitano. Em função do grau de desigualdade social e do processo de valorização do solo urbano, o acesso aos espaços produzidos para o consumo traduz interesses e conflitos. O nexo central é a criação de uma fruição dialética entre sujeito consumidor e espaço consumível, na qual vários elementos (subjetivos, políticos e econômicos) devem ser considerados.

Reestruturação urbana x reestruturação da cidade

A reestruturação produtiva, bem como seus impactos na sociedade soteropolitana, recebeu pouca atenção dos pesquisadores, mesmo que sempre seja ressaltada sua relevância. Tais pesquisas demonstram reais transformações acarretadas pelo processo na estrutura produtiva, política e social da cidade. Entendemos que esses fatos são evidentes e que têm conseqüências no modo como o espaço urbano passou a se estruturar. Por outro lado, revelam as rupturas na economia e na política, denotando uma nova forma de pensar a sociedade, o espaço e a produção.

Segundo Soja, o termo reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite uma idéia de “freada”, de ruptura, de mudança em relação a uma determinada ordem e configuração da vida social, econômica e política. “Evoca, pois uma combinação seqüencial de desmoronamento e reconstruções, de desconstrução e tentativas de reconstituição, provenientes de algumas tendências ou perturbações nos sistemas de ação e de pensamento aceitos” (Soja, 1993, p. 193).

A reestruturação não é um processo mecânico ou automático, nem tampouco seus resultados e possibilidades potenciais são predeterminados. Em sua hierarquia de manifestações, a reestruturação deve ser considerada originária e reativa a graves choques nas situações e práticas sociais preexistentes, e desencadeadora de uma intensificação de lutas competitivas pelo controle das forças que configuram a vida material. Assim, ela implica fluxo e transição, posturas ofensivas e defensivas, e uma complexa e irresoluta de continuidade e mudança (Soja, 1993, p. 194).

É comum haver uma associação entre o processo de estruturação urbana e as mudanças na estrutura produtiva pelas quais passou a sociedade, em âmbito mundial, a partir da década de 1970. Essas mudanças redefiniram, especialmente, a lógica da produção industrial, o papel do Estado na política e economia nacionais, a atuação do capital financeiro e as relações de trabalho no processo de produção (Harvey, 2004).  Os estilhaços desse fenômeno foram vistos em todas às nações, desde os países mais desenvolvidos aos mais pobres; óbvio, que com diferentes mecanismos e repercussões.

Compreende-se o processo de reestruturação produtiva como resultado e condicionante da emergência de uma nova fase no desenvolvimento do modo de produção capitalista, em escala global, analisada por Harvey (2004) e por Benko (1996), como regime de acumulação flexível, e por Soja (1993), como especialização flexível. A nova etapa do capitalismo erigiu-se com a crise no modelo fordista de produção1, desencadeada entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970, que acarretou em desestruturações econômicas, políticas e financeiras no mundo inteiro.

Segundo Harvey, em primeiro lugar, se quisermos procurar alguma coisa verdadeiramente peculiar (em oposição ao “capitalismo de sempre”) na atual situação, devemos concentrar nosso olhar nos aspectos financeiros da organização capitalista e no papel do crédito. Em segundo, se deve haver alguma estabilidade de médio prazo no atual regime de acumulação, é nos domínios das novas rodadas e formas de reparo temporal e espacial que é mais provável encontrar elementos (Harvey, 2004, p. 184).

Tanto Harvey quanto Benko, apesar de explicitarem que o atual modelo de acumulação do capitalismo não dissolveu completamente as estratégias fordistas do cerne de suas relações de produção, apontam mudanças que denotam a emergência de uma nova fase no capitalismo. O regime de acumulação flexível está centrado num modelo de acumulação do capital que se reproduz a partir de uma lógica contraditória, já que alia mecanismos de produção e reprodução flexíveis, a estratégias fordistas e, também, “não-capitalistas de produção” (Oliveira, 1989). 

As especificidades da acumulação flexível podem ser observadas a partir da análise dos mecanismos que estruturam as práticas sócio-espaciais reproduzidas no capitalismo atual, que não se reduzem à produção imediata, mas, igualmente, às demais etapas do ciclo de reprodução do capital: circulação, distribuição e consumo. Nesse sentido, Harvey (2004) destacou pontos que demonstram esse cabedal de transformações no papel do Estado, nas relações de trabalho, na introdução de novas tecnologias, no capital financeiro, na lógica da atividade industrial e nos padrões de consumo global, que, por sua vez, redefiniram o próprio sistema capitalista. Nada obstante, essas mudanças não podem ser compreendidas apenas como alterações de caráter técnico. Em verdade, percebe-se a emergência de um período único no processo de reprodução da sociedade, que, por sua vez, também redefine as instâncias da vida social.

A reestruturação produtiva provocou modificações no processo de urbanização, acarretando alterações nos papéis que as cidades desempenham na rede urbana, reestruturando a própria rede urbana, assim como no processo de estruturação urbana, já que as cidades assumiram uma nova lógica como produto e determinante do regime de acumulação flexível. Para Benko, "É igualmente notório que as grandes metrópoles são os principais nós das redes físicas e de informáticas e das redes de telecomunicação, as sedes das organizações financeiras, comerciais e industriais que se encarregam da realização e da valorização do capital. São assim os núcleos de um novo espaço de fluxos" (Benko, 1996, p. 127).

A observação do autor é essencial, pois salienta que as metrópoles passaram a gerenciar o regime de acumulação flexível, porque atraíram ainda mais para sua estrutura urbana o poder decisório sobre as esferas políticas, econômicas e financeiras. Entretanto, em âmbito mundial, devem-se ser ressaltados dois pontos importantes nesse processo: primeiro, as metrópoles apresentam conteúdos e papéis diferenciados, portanto, estruturam-se de forma também diferenciada, ainda que articuladas às transformações globais.

Segundo, as cidades médias e pequenas assumiram papéis importantes no processo, o que acarretou também na modificação de sua estrutura urbana2, redefinindo os usos do solo urbano, a lógica das centralidades e as relações tempo-espaço nessas cidades (Sposito, 1991; Montessoro, 1999; Whitacker, 2003; Sposito, 2004; e Silva, 2006).

Está claro que o processo de reestruturação produtiva provocou a constituição de novas relações tempo-espaço no nível intra-urbano nas metrópoles, cidades médias e cidades pequenas, o que faz entender que há um movimento específico na contemporaneidade alicerçando a reprodução da vida cotidiana.

As mudanças iniciais na estrutura urbana de várias metrópoles, todavia, ocorreram, ainda, durante o desenvolvimento do regime fordista de produção. No Brasil, tais alterações na estruturação das cidades, sobretudo, nas metrópoles, são datadas da década de 1960, por mais que o processo tenha adquirido contornos definidos, a partir da década de 1980. É por isso que Sposito observa que “há uma defasagem temporal entre a origem da ocorrência de novas dinâmicas que orientam o contínuo processo de estruturação das cidades e a efetiva redefinição de suas morfologias urbana” (Sposito, 2004, p. 384).

De acordo com a autora, é preciso levar em consideração que a reestruturação ocorre quanto há a intensidade do fenômeno e sua freqüência se torna prevalente nas lógicas que orientam o movimento de determinações socioespaciais urbanas, não necessariamente em número, mas em importância; e quando há articulação entre diferentes dinâmicas que possibilita a reorientação das lógicas, segundo as quais a estrutura urbana vai se reorganizar (Sposito, 2004, p. 384-385).

Em pesquisa anterior, observamos que Salvador, nos 30 últimos anos, sofreu profundas mudanças estruturais (principalmente econômicas e políticas) que acarretaram numa redefinição do seu papel enquanto metrópole regional, no que diz respeito à sua função de centralidade, tanto no contexto estadual, quanto no contexto intra-metropolitano (Santos, 2007). Entendemos que esses fatos são essenciais porque ajudam a explicar o processo de reestruturação urbana, que também implicou, dentro de uma lógica dialética, uma reestruturação da cidade.

O processo de reestruturação urbana e da cidade traduz as profundas transformações pelas quais as cidades, bem com a vida urbana, vêm passando nas últimas décadas. São mudanças que não estão circunscritas apenas a estrutura urbana, no sentido do conteúdo e da dinâmica que (re)produz os usos do solo na cidade, mas, acima de tudo, à teia de relações tecidas no espaço, que, paulatinamente, redefine a trama citadina. Ademais, implica entender a estrutura urbana a partir do processo histórico que a constitui e, segundo Lefebvre (1968), ele é determinado por continuidades e descontinuidades, estruturações e desestruturações, evoluções e revoluções no tempo.

Entender a estrutura urbana dentro dessa perspectiva significa compreendê-la a partir da discussão sobre a estrutur(ação) urbana e da cidade, pensando o conjunto de modificações no processo de urbanização que determina uma expressão momentânea do/no mosaico de usos do solo da cidade - a estrutura urbana. Sobre a estruturação, Sposito indica que,

O que diferente autores que têm adotado a expressão estruturação pretendem ao agregar o sufixo “cão”, parece-nos que seria garantir a passagem da idéia de que estamos falando de um processo contínuo, múltiplo e contraditório, e por essas qualidades, ele contém sua própria negação. Isso deve ser considerado, pois a estrutura urbana, como expressão momentânea do processo mais amplo de estruturação é redefinida não apenas pela expansão territorial ou pelo acréscimo de novos usos de solo, mas também por desestruturações, ou seja, pela destruição de formas urbanas, pela negação de usos de solo urbano antes existentes ou pela total ausência deles em parcelas dos espaços urbanos que, anteriormente, tiveram funções econômicas e/ou importantes papéis simbólicos (Sposito, 2004, p. 312).

Nesse sentido, entendemos como imprescindível para a análise da estrutura urbana a discussão sobre as contradições sociais. Tais contradições constituem a dialética entre estruturação e desestruturação que alicerça a produção da cidade e do urbano. Argumentamos, assim, que se faz necessário articular a investigação sobre a estrutura urbana ao conjunto das ações políticas, econômicas, sociais e culturais ocorridas na sociedade, objetivando desvelar o jogo de interesses que demarcam os conflitos de classe na cidade.

Villaça (2001) e Sposito (2004) ressaltam uma preocupação em precisar o uso das expressões estruturação urbana e estruturação da cidade, compreendendo-os como conceitos devidamente articulados, mas que, todavia, possuem características diferentes e que desempenham papéis distintos na análise. Sposito (2004) opta por abordar ambos os termos, respectivamente, como correlatos aos processos e às formas, o que corroboram sua discussão sobre os conceitos de urbanização e cidade. Contudo, a autora destaca que se deve pensar sobre essas conceituações, sem perder de vista “[...] evidentemente, que essa distinção tem a intenção, apenas, de destacar o que se toma como prevalente, em cada momento da análise, porque não há estruturação urbana sem estruturação da cidade e vice-versa” (Sposito, 2004, p. 312).

Nesse sentido, é interessante articular a proposta de Sposito (2004) à de Santos (1996) utilizando a expressão estruturação urbana para identificar o conteúdo e as contradições, continuidades e descontinuidades, ações e reações associadas ao processo de urbanização. Essa estruturação urbana, entendida a partir do sistema de ações3 que garante a reprodução do espaço urbano, ao mesmo tempo em que por esse passa a ser determinada. E a expressão estruturação das cidades para identificar a materialização de tais processos, continuidades e continuidades territoriais, ações e reações, no nível intra-urbano, pensando no sistema de objetos4.

Nada obstante, percebe-se que a cidade contemporânea acentuou seu papel enquanto lócus da reprodução econômica, sem deixar de ser o espaço de reprodução da vida. Cada vez mais, os espaços na/da cidade são alterados para atender essa lógica, que não é nova, mas que apresenta uma roupagem nova, um simulacro hodierno. A produção do espaço urbano vem elevando a canalização de investimentos para sua reprodução no nível da economia, pondo em detrimento outros interesses coletivos. Isso põe no centro do debate as trilhas e os novos rumos da urbanização, os rumos da sociedade urbana, que dá notoriedade à discussão sobre o processo de reestruturação urbana, a partir das contradições entre o consumo produtivo do espaço e a produção dos espaços de consumo; sobre os conflitos e os interesses que se projetam no espaço urbano e na vida cotidiana.

Por um lado, a investigação sobre processo suscita questões sobre as alterações na divisão técnica, territorial e social do trabalho, em escalas diferentes, possibilitando repensar o conceito de centralidade e de periferia nas cidades e metrópoles atuais. Por outro, proporciona novas reflexões teóricas na Geografia, no sentido de contribuir para pensar o espaço urbano e seus usos através da apropriação (e da negação) pelos diversos segmentos da sociedade. Nesse sentido, entendemos que o conceito de reestruturação urbana, por mais que permita analisar fragmentos do processo de produção do espaço urbano, não pode prescindir a totalidade contida em sua lógica.

A discussão sobre a reestruturação adquiriu maior vigor, na análise geográfica, nas últimas décadas, em função de todas as transformações pelas quais vem passando a cidade. Todavia, como destacou Villaça (2001), nem sempre com a devida preocupação sobre as especificidades do processo nos níveis intra-urbano e interurbano. Segundo esse autor, o que comumente se chama estruturação urbana não é estruturação (ou reestruturação) urbana, mas estruturação (ou reestruturação) regional, pois não aborda o elemento urbano da estrutura regional, o processo de urbanização enquanto processo do espaço regional (Villaça, 2001, p. 19).

O que Villaça destaca é a obrigação de compreendermos as especificidades da estruturação e reestruturação urbana, diferenciando-as da estruturação e reestruturação regional. Como foi observado acima, em nossa concepção, o termo estruturação urbana está associado às contradições, continuidades e descontinuidades, ações e reações associadas ao processo de urbanização; e a estruturação da cidade à materialização de tais processos, continuidades e continuidades territoriais, ações e reações, no nível intra-urbano. Desse modo, os termos reestruturação urbana e reestruturação da cidade, respectivamente, correspondem ao urbano e à cidade.

Entretanto, a discussão sobre a reestruturação urbana e da cidade possibilita a investigação de novos elementos no conteúdo e na estrutura das metrópoles, assim como da urbanização, que, por sua vez, suscitam esclarecimentos conceituais, pois contribuem para verificar as atuais tramas de relações na cidade.

Até o início do século XX, as cidades tinham como característica essencial uma estrutura urbana “mononuclear”, que era suporte e produto da divisão social, técnica e territorial do trabalho em escalas diferentes. Como expressão dessa realidade, as relações entre o centro e a periferia constituíam-se como a base da reprodução da vida cotidiana citadina, bem como marcava a estrutura urbana desse período.

Em função das mudanças mencionadas, ocorridas no processo de urbanização, mormente, a ascensão do capital financeiro, a lógica da reprodução do consumo, inovações nos padrões tecnológicos, uma nova atuação do Estado, dentre outros aspectos, percebe-se que o conteúdo das centralidades urbanas passou por transformações que, por sua vez, influenciaram no processo de reprodução da estrutura urbana. No caso do Brasil, as áreas centrais adquiriram funções diferenciadas, face ao surgimento de novas centralidades urbanas; as metrópoles, em geral, reduziram percentualmente sua produção industrial e atenuou o crescimento populacional; e, principalmente, houve uma explosão no setor dos serviços urbanos, mormente, os associados às novas tecnologias e ao capital financeiro. Esse fenômeno, que diz respeito à reestruturação urbana e das cidades, deve ser sempre considerados de forma articulada, na medida em que são processos intrínsecos, mesmo que não ocorram, necessariamente, de modo correlato no tempo. Segundo Sposito, “a expressão ‘reestruturação’ deve ser, a nosso ver, guardada para se fazer referência aos períodos em que é amplo e profundo o conjunto de mudanças que orienta os processos de estruturação urbana e da cidade” (Sposito, 2004, p. 312).

Portanto, utilizaremos o conceito de reestruturação urbana e da cidade apenas para aqueles momentos em que ocorreu, realmente, uma inflexão no processo produção da estrutura urbana, por sua vez, determinado pela estruturação urbana e da cidade. Todavia, não significa que haja, nesse bojo, uma substituição da estruturação pela reestruturação, mas uma superposição de fatores que, atuando de modo concomitante, redefinem a lógica dos usos do solo na cidade.

Do mesmo modo que o processo de estruturação, a reestruturação urbana e da cidade diz respeito às ações e aos sujeitos que redefinem a forma como os solos urbanos passam a ser utilizados, visando atender a uma nova lógica. Todavia, tais mudanças são tão profundas que implicam numa redefinição, também, do modo como estava organizada a estrutura urbana.

A reestruturação urbana e da cidade ocorre sempre como produto de tensões entre Estado, proprietários fundiários, promotores imobiliários, demais classes capitalistas e a sociedade como um todo. Nesse contexto, a discussão sobre a propriedade privada é, também, essencial, do mesmo modo que os conflitos que determinam à apropriação e os usos do solo urbano, na medida em que condicionam o acesso de cada indivíduo aos “pedaços” da cidade.

Reestruturação urbana e da cidade: pensando o caso de Salvador

Primeira capital da colônia portuguesa na América, Salvador foi efetivamente fundada em 1549, já erigida à categoria de cidade (Vasconcelos, 2002). Durante todo o período do Brasil-Colônia, entre 1500 e 1822, desempenhou papéis importantes no processo de desenvolvimento da colonização, principalmente aqueles voltados para as questões administrativas, de gestão do território e de escoamento regional, em destaque, da produção açucareira e fumageira. São essas funções, aliás, os fatores econômicos mais importantes que influenciaram no processo de urbanização da cidade na época. A partir do século XIX, ocorreram transformações políticas e econômicas que impactaram de forma determinante na urbanização de Salvador. Essas mudanças provocaram alterações em sua estrutura urbana, sendo mais importantes: a redefinição nas relações tempo-espaço na/da cidade e a implantação de novos equipamentos urbanos, mormente, no Centro.

Um momento de forte estagnação econômica, todavia, marcou Salvador no início do século XX. Esse período perdurou até a década de 1940, quando mudanças nas estruturas produtivas redefiniram os caminhos que a urbanização tomou, alterando a estrutura urbana. Atualmente, a cidade é um dos principais centros urbanos do país, constituindo-se como uma importante metrópole regional, fornecedora de bens e serviços, tanto para sua hinterlândia, quanto para outras áreas da Região Nordeste.

É complicado estabelecer um marco inicial para datar o processo de reestruturação da metrópole soteropolitana, na medida em que uma miríade de ações e interesses, em tempos diferentes, convergiu para alterar a estrutura urbana metropolitana, dando-lhe a configuração atual. De qualquer modo, é relevante apontar as principais ações e sujeitos, bem como os períodos mais densos, que contribuíram para que o processo se efetivasse, na medida em que torna possível desvelar os fatores que deram suporte a um novo movimento de estruturação urbana de Salvador.

As bases do processo de reestruturação urbana foram engendradas pela atuação do Estado, ainda na década de 1940. Esse, aliás, foi o principal agente na execução das alterações mais importantes no espaço urbano, acarretando na redefinição dos usos do solo na cidade. Em verdade, foi uma atuação diferenciada entre os poderes federal, estadual e municipal que desencadeou tais mudanças. Apesar de apontarmos o Estado como o principal agente que influenciou no processo de reestruturação da cidade de Salvador, através dos seus instrumentos normativos e jurídicos, não se pode esquecer de destacar que outros sujeitos foram, igualmente, fundamentais, possibilitando sua efetivação

Os impactos provocados pela reestruturação urbana em Salvador alteraram a dinâmica da cidade, sobremaneira, as suas relações tempo-espaço no nível intra-urbano. Seu primeiro traço revela-se pela constituição inconteste de uma nova característica à estrutura urbana da metrópole. Assim sendo, mesmo reconhecendo a validade de outras definições para essa feição nova do espaço urbano, que, teoricamente, objetivam captar a forma contemporânea que as cidades vêm apresentando, vamos optar por entendê-la como uma cidade poli(multi)nucleada.

A Salvador poli(multi)nucleada expressa um acúmulo de mudanças quantitativas e qualitativas na lógica da centralidade intra-urbana, que afetaram a velha cidade, suas formas e estruturas herdadas. Essas últimas, por sua vez, são construtos originários de tempos e temporalidades distintas. De qualquer forma, o processo convergiu para a produção de uma estrutura urbana contemporânea que corrobora à lógica da reprodução da cidade para o negócio.

As expressões da centralidade urbana em Salvador que, em nossa concepção, possuem maior importância na oferta de comércio e serviços, na atualidade, são sistematizadas em dois grupos: as “antigas”, porque se formaram em tempos pretéritos do processo de produção do espaço na metrópole, apresentando um conjunto arquitetônico e uma distribuição da malha viária correspondentes a esses referidos tempos; e as novas expressões, constituindo-se na materialidade de uma hodierna lógica política, econômica e social que passou a imperar na cidade, alterando o processo de reprodução do espaço metropolitano.

São “antigas” expressões da centralidade urbana de Salvador: o Centro (tradicional) e os sub-centros da Calçada e Liberdade, que correspondem aos centros comerciais e de serviços mais velhos. Nessas áreas, as estruturas herdadas, quando não foram substituídas por um padrão arquitetônico atual, tiveram suas formas e funções adaptadas às exigências comerciais e de serviços do setor terciário contemporâneo. A Calçada e Liberdade foram os primeiros sub-centros a se consolidarem em Salvador, se formando ainda nas décadas de 1940 e 1950. Enquanto que a estação ferroviária, por um lado, e o fato de ser um entroncamento entre a área de Itapagipe e o Centro tradicional, por outro, a nosso ver, influenciou na constituição da Calçada como um sub-centro da “velha” Salvador; o alto contingente populacional residente na Liberdade, bairro maciçamente negro, foi o responsável por sua consolidação.

São as “novas” expressões da centralidade urbana de Salvador os núcleos que, nas últimas três décadas, sobrelevaram seu papel na oferta de bens e serviços à população, constituindo-se como centros ou sub-centros importantes para a cidade. Dentre esses, temos como principal o novo Centro formado no Vale do Camurugipe, importante área de negócios, comércio e serviços, influenciada, principalmente, pelo Shopping Iguatemi e pelo recém-inaugurado Salvador Shopping.

Como Salvador é marcada por uma intensa desigualdade entre as classes sociais, suas novas expressões da centralidade urbana reproduzem tal lógica, materializando-se seja em áreas ocupadas pelas camadas mais altas da sociedade, seja em áreas ocupadas pelas camadas mais populares. No que tange as primeiras, são exemplos dessas expressões da nova centralidade os sub-centros da Barra, da Av. Manuel Dias da Silva e do Itaigara. Enquanto o primeiro consolidou-se, recentemente, em uma área de ocupação mais antiga, os bairros da Barra e Chame-Chame, ocupados por classes média e alta; os dois seguintes consolidaram-se nas áreas de ocupação mais recente, últimos 30 anos, espaços privilegiados por políticas públicas de implantação de infra-estrutura e valorização fundiária, apropriados, conseqüentemente, pela “elite” soteropolitana. Os demais sub-centros foram consolidados em áreas de habitação popular da cidade, como resultado do crescimento populacional e da expansão do tecido urbano metropolitano. Correspondem a esses as áreas terciárias de Itapuã, São Cristóvão e Paripe, localizadas próximas ao perímetro urbano.

Além dos centros e sub-centros supramencionados, cuja característica principal é a oferta diversificada de bens e serviços, são áreas centrais importantes que exprimem e reproduzem às referidas mudanças na estrutura urbana metropolitana, os eixos de especialização localizados nas Avenidas Vasco da Gama, Mario Leal Filho (Bonocô), San Martim e Barros Reis, bem como o Centro Administrativo.

As mencionadas avenidas são consideradas eixos especializados, porque ofertam, majoritariamente, um determinado tipo de produto e/ou serviço, geralmente atendendo consumidores de vários bairros da cidade. Tais áreas não podem ser classificadas como centros ou sub-centros, por um lado, em função da baixa diversidade de serviços e produtos, e, por outro, pela alta amplitude de consumidores que alcançam em relação a Salvador. Por sua vez, o Centro Administrativo da Bahia (CAB) merece destaque porque corresponde à área para onde foram des(re)centralizadas, ainda na década de 1970, a maior parte das atividades administrativas do Estado da Bahia, tendo repercussão no papel que o Centro tradicional exercia como lócus do poder estadual. Ademais, o CAB está localizado numa das áreas de maior investimento do setor imobiliário na cidade, Av. Luiz Viana Filho, também conhecida como Av. Paralela.

Os impactos da cidade poli(multi)nucleada

A cidade poli(multi)nucleada, ao mesmo tempo em que é produzida por uma nova lógica que está assentada na reprodução do espaço para novas formas de consumo e para o ditames do capital financeiro, aliado ao imobiliário, ao comercial e ao industrial,  reproduz essa mesma lógica, na medida em que é condição para a processo de reprodução dessa fase da sociedade capitalista. Uma hodierna lógica de acumulação do capital que, fundamentada na expansão do setor terciário e da terciarização da sociedade, e propondo novos mecanismos de exploração do trabalho, em detrimento da reprodução da sociedade industrial, contraditoriamente, nega a sociedade do trabalho, recriando os mecanismos da segregação sócio-espacial.

As repercussões na estrutura urbana de Salvador podem ser verificadas em três planos: as modificações na dinâmica e no conteúdo do Centro tradicional, as transformações no conteúdo dos antigos sub-centros, e o surgimento de novos sub-centros e a formação de novas expressões da centralidade na cidade.

Com o processo de reestruturação urbana em Salvador, o Centro (tradicional) ganhou novos significados, mormente, face à alteração das formas e das funções que essas desempenhavam na estrutura urbana. A transferência de grande parte das atividades políticas do Estado, de uma pequena parte das atividades políticas do município e a des(re)centralização de algumas atividades financeiras para outras áreas centrais incidiu diretamente no papel que este Centro desempenhava como “coração do poder” da metrópole, do mesmo modo que atou seu conteúdo simbólico.

No plano do capital imobiliário, o Centro (tradicional) passou, paulatinamente, a perder investimentos em comparação com outras áreas de Salvador, direcionadas à especulação imobiliária. No plano do capital comercial, percebe-se que ele ainda permanece como um grande provedor, em quantidade, de serviços e atividades comerciais, em função do alto número de estabelecimentos cuja variedade de produtos é ampla. Outrossim, a oferta do comércio de varejo e do mercado informal também se desenvolve de modo significativo.

Todavia, o Centro (tradicional) também acompanhou as mudanças, no plano comercial, assentadas no modelo ideológico de modernização, que assolam a cidade de Salvador. Visando se tornar mais competitivo, atraiu investimentos para a construção de dois shopping-centers, a partir da década de 1980: o Shopping Piedade, em 1985, e o Shopping Center Lapa, em 1996, que alteraram a dinâmica comercial e de serviços no local. Por outro lado, as camadas abastadas da sociedade soteropolitana passaram a atenuar sua presença, enquanto consumidora, no Centro, priorizando outras áreas modernizadas e que contêm maior status quo, geralmente, localizadas em novas áreas centrais. Nessa ótica, o processo de reestruturação urbana emerge como movimento de reprodução da segregação e da fragmentação da cidade, na medida em que reproduz espaços de consumo voltados para determinadas camadas sociais.

O Centro (tradicional) ainda prevalece como o grande concentrador da oferta de trabalho, pelo menos em quantidade, se comparado a outras áreas da cidade, entretanto, composto por postos menos especializados, o que incide em menor remuneração para os trabalhadores, sendo palco privilegiado do mercado informal.

Uma conseqüência evidente de mudanças, no que diz respeito à oferta de lazer, ocorreu com os cinemas. O Centro (tradicional) concentrava, até a década de 1980, a maior parte dos cinemas de Salvador. Entretanto, com processo de transformações nesse setor, a partir da década de 1990, a maioria dos cinemas localizados nessa área foi fechada, ganhando novas funções urbanas. Atualmente, excetuando-se os que estão localizados nos shoppings, os cinemas que perduram nas áreas centrais de Salvador tiveram que passar por uma mudança no conteúdo do serviço oferecido, especializando-se determinados linhas temáticas e voltando-se para um público mais específico.

Além das mudanças no papel do Centro (tradicional) de Salvador, a reestruturação do espaço urbano impôs uma nova lógica na centralidade urbana e provocou o surgimento de novas áreas com papel de satisfazer os novos desejos e necessidades criadas para a população. A materialidade desse processo evidencia-se pela formação de um novo centro, o Vale do Camurugipe, e pela explosão de vários sub-centros, com conteúdo e papéis diferenciados.

O Vale do Camurugipe, reconhecido como “um novo centro” da cidade, começou a ser arquitetado, urdido, a partir da década de 1970, com importantes obras de infra-estrutura local. A oferta de novos serviços pelo poder público, como a implantação do Detran, em 1973, e do novo Terminal Rodoviário de Salvador, em 1974, contribuíram para fortalecer a centralidade. Em 1975, foi o Shopping Center Iguatemi, segundo do país e que teve grande impacto no local, e o Hipermercado de Salvador, em 1980. Além desses, paulatinamente, passaram a serem incorporadas à área uma gama de atividades comerciais e de serviços que foram impulsionadas e, concomitantemente, reforçavam o caráter central do lugar. Ademais, contínuas obras de melhorias nas décadas de 1990 e no período atual, mormente, a conclusão do terminal intra-urbano de ônibus coletivo e sucessivos viadutos de articulação, exprimem-se como formas de valorização, influenciando e sendo influenciadas a/pela reprodução do poder que a área exerce sobre a cidade enquanto uma expressão da centralidade urbana.

Além da implantação de grandes estabelecimentos de comerciais, como o Makro Atacadista S.A., década de 1990, o GBarbosa, em 2000 e, do Sam’s Club, em 2006, como culminância do processo, foram concluídas as obras de ampliação do Shopping Iguatemi e inaugurado, em 2007, o Shopping Salvador.

Alias, o movimento de implantação dos shoppings em Salvador, iniciado pelo Shopping Center Iguatemi, introduziu uma nova fase no processo de reprodução dos espaços de consumo na cidade, já que materializou-se em diversos bairros, constituindo uma nova ideologia para a população. Como condição e produto desse processo, novos sub-centros foram formados, se espraiando tanto nos arredores das áreas centrais, como nas partes pobres e ricas da periferia urbana. Desse modo, durante toda a década de 1980 e 1990, o que se observou foi uma proliferação de shoppings na cidade, tendo destaque o Shopping Center Igaigara, em 1980, o Shopping Barra, em 1987, e o Aeroclub Plaza Show, em 1999.

Alguns pequenos “shoppings”, tanto da parte pobre da periferia de Salvador, quanto das áreas mais elitizadas, passam por sérias dificuldades financeiras, por diversos motivos, seja porque não têm condições de disputar com os grandes empreendimentos mencionados, seja porque não têm apoio nem interesse por parte do poder público. No caso da periferia pobre, esse fato convergiu para o fechamento de alguns empreendimentos, como o caso do Bonfim Center, inaugurado em 1996, e declinando no final da década de 1990. No caso da parte nobre, como o Aeroclube Plaza Show, estratégias públicas e privadas são arquitetadas na tentativa de assegurar a continuidade do estabelecimento, que ainda constitui-se como um entrave comercial na cidade.

Analisando-se as áreas onde esses shopping-centers foram implantados, diferente do Vale do Camurugipe, que atrai um público consumidor de todas as partes da cidade, constituindo-se, portanto, como um “novo centro” em Salvador, esses outros shoppings localizados nas áreas mais elitizadas, junto com os equipamentos comerciais e de serviços que a eles se adicionaram, formam novos sub-centros urbanos, cujo caráter é diferenciado dos velhos sub-centros, principalmente, no tocante a estratificação social e ao papel que desempenham para as áreas para as quais destinam a oferta de comércio e serviços.

Além desses, atualmente estão em processo ou projeto de implantação os Shoppings Paralela, no local homônimo, uma área de notável especulação imobiliária e valorização; e o Megacenter, próximo à Rótula do Abacaxi, projetado para ser inaugurado em 2010, que prevê a criação de um novo bairro na cidade, já que é projetado para concomitantemente implantar 24 edifícios residenciais e 05 comerciais no entorno, compondo um mega-elemento na estrutura urbana de Salvador.

Os velhos sub-centros urbanos da parte pobre da periferia, como o da Calçada e o da Liberdade, passam por um duplo processo de transformação e permanência (VASCONCELOS, 2002). Por um lado, mudam seu conteúdo, na medida em que passaram a incorporar serviços que se des(re)centralizaram do centro (serviços bancários, lojas de departamento, serviços administrativos, etc.) ou foram implantados nesses locais, visando atender a essa camada mais pobre da população de Salvador; por outro, mantêm a especificidade de constituírem-se como sub-centros urbanos.

Considerações finais

Esta é a nova face da estrutura urbana de Salvador, um alicerce do (alicerçado pelo) fenômeno da reestruturação urbana e da cidade, que marca de forma flagrante a contradição entre o velho e o novo, entre o moderno e o atraso, entre os espaços de consumo e o consumo dos espaços. Constitui-se como uma metrópole regional poli(multi)nucleada, já que sua estrutura urbana revela-se com uma teia de relações entre áreas centrais e não-centrais espraiadas por todo o tecido urbano.

No plano de vida cotidiana, esta nova fase da urbanização de Salvador cria e recria, destrói e reconstrói as relações entre os citadinos, sem deixar de reproduzir a segregação e a fragmentação social no espaço intra-urbano, tanto na escala das micro-estruturas, como o shoppings, como das macro-estruturas, como os bairros. Isso, aliás, é uma marca da maioria das grandes cidades capitalistas.

O debate sobre o processo de reestruturação urbana em Salvador suscitou questões importantes que envolvem as mudanças no uso residencial da cidade; dentre essas, são mais significativas: a expansão no número de condomínios fechados e Aphaville, as novas áreas de ocupações das classes sociais, as alterações no crédito habitacional, criação de novos desejos na moradia etc. Tal discussão possui elementos que apresentam uma miríade de vieses e “nós” de complexidade, também envolvendo uma relação entre consumo do espaço e produção do espaço de consumo.

O consumo espaço urbano e a produção dos espaços de consumo constituem processos que envolvem uma relação dialética e complexa porque articulam, no caso soteropolitano, diferentes sujeitos e conflitos de interesses que são traduzidos materialmente no espaço. Pensando no caso específico das atividades comerciais e de serviços, essa relação enlaça o acesso ao solo urbano pelos pequenos, médios e grandes empresários, que objetivam produzir o espaço urbano como meio promotor de um retorno lucrativo aos seus investimentos.

A cidade torna-se, assim, palco de conflitos de interesses pelo acesso àqueles espaços que, hipoteticamente, possuem a capacidade de proporcionar maior rentabilidade aos negócios. Cada atividade que se instala objetiva criar condições ideais, independente da área onde se localiza, no intuito de atrair consumidores potenciais para adquirir seus produtos, com a aquiescência do Estado, um mediador central do processo, porque esse ajusta, constantemente, seus interesses aos interesses dos grupos dominantes.

No caso de Salvador, tanto em função do elevado grau de desigualdade social, quanto do significativo processo de valorização pelo qual o solo urbano passou nas últimas décadas, o acesso àqueles espaços, pensados e produzidos para o consumo e para a oferta de bens e serviços, traduz tais interesses e conflitos, nos quais a Prefeitura Municipal de Salvador e o Governo do Estado da Bahia, ao longo dos anos, vêm tendo atuação premente, interferindo no sentido de criar alicerces que garantam o privilégio de alguns em detrimento de outros.

As obras de infra-estrutura e os construtos técnicos implantados na cidade, por um lado, e as alterações nos instrumentos normativos e legais que, teoricamente, deveriam proporcionar o uso racional e coletivo do espaço urbano no intuito de possibilitar condições de igualdade no acesso a terra, em verdade, recriam a “nova” Salvador, reproduzindo uma lógica na qual a cidade é produzida, essencialmente, para o negócio. Essa é a (i)lógica que vem imperando na urbe e a questão habitacional também faz parte desse negócio - dessa (i)lógica.

No caso das áreas comerciais e de serviços em Salvador, quando pensamos a produção desses espaços para o consumo, bem como o seu consumo produtivo, percebe-se que o seu nexo central é a criação de uma fruição dialética entre sujeito consumidor e espaço consumível, na qual vários elementos (ideológicos, políticos, estruturais e econômicos) devem ser considerados.

Notas

1. Benko (1996), Harvey (2004), Nobre (2000) e Botelho (2000).

2. Santos (2008).

3. Santos (1996).

4. Idem.

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