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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

 

TERRITORIALIDADES FINANCEIRAS NO BRASIL:
ANÁLISE DE UMA DÉCADA DE MUDANÇAS E PERMANÊNCIA
(1993-2003)

Ivan Jairo Junckes
Faculdade União
ivanjj@uol.com.br


Territorialidades financeiras no Brasil: Análise de uma década de mudanças e permanência (1993-2003) (Resumo)

As alterações ocorridas no sistema financeiro brasileiro entre os anos de 1993 e 2003 evidenciam um intenso rearranjo de forças entre os estratos capitalistas que tencionaram a inserção subordinada do país ao recente ciclo de liberalização mercantil, ampliando especialmente aqueles segmentos subsumidos no capital financeiro transnacionalizado. A crescente influência dos bancos no conjunto social instaura um novo regime de gestão cujas normas e instrumentos que se estabelecem sobre os conflitos sociais e sobre a ordem pública, reduzindo ou neutralizando as resistências históricas dos seus setores assalariados. Assim, os conglomerados financeiros passaram a coordenar territorialidades específicas que suplantaram os referenciais nacionais e consagraram a ordem fluida dos fluxos financeiros mundializados, gerando-se novos parâmetros para a pesquisa e análise geográfica de suas relações. A metamorfose nas relações de poder suportadas pelos financistas é, então, analisada pelo conceito de territorialidade e suas escalas utilizadas para abranger a complexidade da apropriação desigual de recursos utilizados para alcançar determinados objetivos estratégicos em determinados limites espaço-temporais. Através desses referenciais, identifica-se como os agentes da reestruturação do sistema financeiro ocorrida nos anos noventa no Brasil desenvolveram novas territorialidades resultantes de cálculos intencionais usados para influenciar, afetar ou controlar o comportamento de grupos envolvidos na disputa de recursos.

Palavras chave: território, capital bancário, elite financeira


The financial territorialities in Brazil: analysis of one decade of changes and permance  (1993-2003) (Abstract)

This text analyzes the process of redefinition of the territorialities of the banking capital during the occured financial reorganization in the Nineties in Brazil and its relative stabilization in the beginning of the first decade of Century XXI. It is verified that the new configuration of the forces of the agents of the banking capital in Brazil is fruit of the denationalization conservative who involved a billionaire public program of permissive insolvency to the banking and socialization of its damages, of refined tactical mercantile of survival developed by parcel of the banking elite in operation in the country, of the subordinate reduction of the performance of the public banks and the correspondent growth of the participation of nets global financiers in the market Brazilian.

Key words: territory, banking capital, financial elite


A liberalização mundializada da esfera financeira nos anos oitenta e noventa do Século XX provocou a superação da tradicional função dos bancos, como depositários de recursos e intermediários de empréstimos sindicalizados, e integrou, ou subordinou, grande parte dos mercados relativamente fechados às dinâmicas da financeirização mundial. Somaram-se ainda outros fatores como a concorrência de corretoras e fundos mútuos, expansão financeira de empresas produtivas e redes varejistas, novas tecnologias na gestão dos sistemas de pagamento e a generalização das inovações financeiras promovidas pelas instituições não-bancárias nos países centrais.

No Brasil, a reforma financeira dos anos noventa começou em 1985 com os entendimentos entre o governo brasileiro e o Banco Mundial. Em 1988 as regras para os negócios bancários foram liberalizadas, e foi instituído o “Banco Múltiplo” para regularizar a atuação conglomerada que a maioria instituições financeiras já haviam consolidado progressivamente com fusões e aquisições entre 1964 e 1987, preservando apenas a apresentação de contabilidades separadas. Com as novas regras, o número de bancos passou de 120, em 1987, para 243 em apenas seis anos, sustentado por pequenas distribuidoras, corretoras ou grandes grupos empresariais que se transformaram em bancos para aproveitar as oportunidades de fácil valorização e baixo risco presentes na rolagem dos títulos da dívida pública, nos ganhos inflacionários e na participação no mercado interbancário.

Esse rápido crescimento ampliou a fragilidade acumulada no sistema pelo favorecimento dos grupos financeiros ligados aos governos militares e alimentou as pressões internas e externas favoráveis à abertura do mercado de capitais para investidores estrangeiros em função do excesso de liquidez internacional.

Associados os impactos da estabilidade monetária e das mudanças nas regras para o funcionamento do sistema bancário, especialmente a incorporação dos critérios do Acordo da Basiléia, dezenas de instituições bancárias enfrentaram problemas de enquadramento e fizeram desabar o senso comum de que o sistema bancário brasileiro era sólido, que estava preparado para a estabilização monetária e que os problemas estariam localizados prioritariamente no setor público. No segundo semestre de 1995, apresentaram-se insolventes três dos maiores bancos privados brasileiros: o Banco Econômico, o Banco Nacional e logo em seguida o Banco Bamerindus.

Pressionado pelo eminente risco sistêmico, e pelas instituições externas que exigiam a estabilização mínima do sistema para aportar no Brasil, o BACEN implantou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional – PROER com o objetivo de absorver os impactos da bandalheira bancária realizada nas décadas anteriores e, assim, sanear o sistema. Foram autorizadas linhas de crédito, incentivos fiscais e benefícios tributários e legais para as instituições que sinalizavam problemas patrimoniais ou de solvência, especialmente o Banco Nacional e o Banco Bamerindus que rapidamente se apresentaram na fila dos beneficiários e igualmente foram generosamente atendidos.

Meses após o PROER o governo instituiu também incentivos específicos para o saneamento e redução da presença do setor público estadual no meio bancário através do Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária – PROES. O total de recursos públicos envolvidos na reestruturação do setor bancário com o PROER, com o PROES e com ajustes de capitalização do Banco do Brasil comprometeu 10,83 por cento do PIB de 1996, conforme dados de Barros e Almeida Júnior (1997), correspondente a R$ 251 bilhões se considerado o PIB de R$ 2,322 trilhões em 2006 (IBGE).

O elevado volume de recursos públicos envolvidos para sanar temporariamente problemas típicos da valorização fictícia, favorecendo abertamente a riqueza financeirizada, resultou em uma nova fase de concentração e centralização do sistema financeiro brasileiro, revertendo a expansão ocorrida entre 1988 e 1994, e em novas regras exigidas para o ingresso do capital estrangeiro no setor bancário brasileiro, alterando decisivamente os territórios das instituições participantes no sistema no Brasil e as suas condições gerais para o exercício da hegemonia financeira.

O resultado geral das ações articuladas entre governo e mercado financeiro mundial foi tanto a redução e a concentração de instituições bancárias quanto a intensa expansão dos bancos sob controle estrangeiro através da participação no capital de instituições bancárias nacionais, aquisição de instituições liquidadas ou privatizadas, ampliação da rede dos bancos já estabelecidos no país e, ainda, através da aquisição ou instalação de instituições não-bancárias. Essa dinâmica é evidenciada facilmente pelas posições obtidas pelos bancos estrangeiros entre os 20 maiores conglomerados por ativos totais (quadro 1).

Quadro 1
Participação das instituições estrangeiras no ranking dos conglomerados bancários por ativos totais do SFN entre 1995 e 2002


Legenda: Banco Público, Banco Privado Controle Nacional, Banco Privado Controle Estrangeiro
Fonte: BACEN: Relatório Semestral do Mês de Dezembro de 1999 - Q 25; Relatórios Anuais 50 maiores por ativos totais, bases dez 2000, 2001, 2002.
Elaboração: autor.

O avanço dos bancos estrangeiros ocorreu em uma primeira fase quando os bancos já instalados no país ampliaram organicamente sua participação no mercado, e quando três grandes conglomerados financeiros nacionais, Bamerindus, Real e Econômico, tiveram seus controles adquiridos pelo HSBC, ABN e Bilbao Vizcaya, respectivamente. Os primeiros movimentos de aquisições reduziram a participação dos bancos privados nacionais no total de ativos do sistema de 39,0 por cento para 33,1 por cento entre 1996 e 1999. Somou-se às aquisições dos conglomerados privados a preparação dos bancos públicos, especialmente os estaduais, para a privatização e a redução de sua participação no sistema, exceto BB e CEF, de 21,9 por cento em 1995 para apenas 5,8 por cento dos ativos totais em 2002, enquanto a participação dos bancos estrangeiros passou de 8,3 por cento para 27,3 por cento nesse mesmo período.

A dimensão da mundialização do perfil do sistema pode ser observada pelo contraste entre a rede de agências do Banco Bamerindus em 1993 e a intensa reestruturação ocorrida após sua aquisição pelo Grupo HSBC em 1997 (figuras 2a, 2b e 3).

Figura 2a
Espacialidade das agências do Banco Bamerindus no Brasil (1993)

Figura 2b
Espacialidade das agências do Banco Bamerindus no Mundo (1993)

Figura 3
Espacialidade do grupo HSBC (2003)

Os dados comparativos do quadro a seguir entre a condição do Banco Bamerindus em 1993 e do Grupo HSBC em 2003 auxiliam na compreensão das transformações que compuseram a transição entre as duas situações (quadro 2).:

Quadro 2
Comparativo Banco Bamerindus 1993 e Grupo HSBC - 2003 – dados selecionados

 

Bamerindus Dez / 1993

Hsbc Dez / 2003

Número de  funcionários

31.325 no Brasil.

20.700 no Brasil;
218.000 no mundo.

Número de agências

1.323 agências no Brasil;
03 agências no exterior.

925 agências no Brasil;
9.781 agências em 79 países.

Demais pontos de atendimento

1.127 PAB’s no Brasil.

465 PAB’s no Brasil;
4,3 milhões de pontos de atendimento eletrônico no mundo.

Ativos totais

R$ 30.350 milhões (atualiz. IGP-DI FGV p/ dez 2002))

R$ 24.753 milh / Brasil (dez/02)Ç
R$ 2.100.814 milh / mundo*

Fonte: Relatórios da Administração Bamerindus 1993, Relatórios financeiros HSBC Group 2000 e 2003, e Relatórios do Banco Central do Brasil – BACEN.
                                * Valores obtidos em dólares americanos e convertidos para Real na cotação 1=3. Observe-se que os ativos totais do HSBC no mundo são 85 vezes superiores aos ativos totais do banco no Brasil.

O caso do banco estrangeiro de maior crescimento no mercado financeiro brasileiro nos anos noventa, por ativos totais entre os vinte maiores conglomerados, foi o Banco Santander Central Hispano – BSCH, também evidencia o dinamismo da mundialização financeira. Forçado pela concorrência interbancária no processo de unificação européia, o BSCH, após uma série de aquisições e fusões no mercado europeu, expandiu-se especialmente para a América Latina. No Brasil o BSCH adquiriu inicialmente as 42 agências do Banco Geral do Comércio em 1997 e, no ano seguinte, adquiriu as 81 agências do Banco Noroeste. Após aportes de capital e expansão de sua capilaridade para 488 unidades, o Santander alcançou 600 mil clientes e tornou-se o décimo-segundo banco entre os vinte maiores conglomerados. Em maio de 2000, o BSCH adquiriu as 274 agências do grupo financeiro Meridional-Bozano Simonsen e, em novembro do mesmo ano, pagou R$ 7,05 bilhões pelo Banco do Estado de São Paulo – Banespa, suas 590 agências no país e seus 22 mil funcionários que em poucas horas se tornaram empregados de um dos maiores conglomerados financeiros do mundo. Dessa forma, em apenas três anos, o Santander tornou-se o quinto banco no ranking por ativos totais em operação no país e contribuiu para a integração do mercado brasileiro no mundo financeiro, conforme demonstram os mapas a seguir (figuras 4a e 4b).

Figura 4a
Espacialidade das agências das instituciôes bancárias adquiridas
pelo Banco de Santander no Brasil entre 1997 e 2008

Figura 4b
Espacialidade do Banco de Santader (2003)


O crescimento dos bancos estrangeiros pode também ser percebido na participação deste segmento no patrimônio líquido da área bancária: de 7,2 por cento em 1993 para 32,9 por cento em 2002. Para que tal fenômeno se realizasse foi necessário um abrupto declínio da participação dos bancos BB e CEF neste mesmo indicador: de 43,9 por cento para 16,2 por cento no período. Ambos os movimentos de participação na área bancária podem ser observados no gráfico a seguir (figura 5)

Figura 5
Participação dos bancos por origem de capital no patrimônio da área bancária ente 1993 e 2002

Fonte: Bacen: Relatório Semestral do Mês de Junho de 1999 - Q 15; Relatório Anual de Dezembro de 2002 - Q 12
Elaboração: autor

A expansão dos bancos estrangeiros se reflete diretamente no aumento da sua participação nas operações de crédito, especialmente na rede de agências da área bancária. Enquanto os bancos públicos, exceto o Banco do Brasil, apresentaram queda de 41,2 por cento para 12,3 por cento na participação das operações de crédito realizadas na área bancária entre 1997 e 2002, os bancos estrangeiros aumentaram sua participação de 11,7 por cento para 29,9 por cento nesse mesmo período. A participação dos bancos estrangeiros na composição da rede de agências em funcionamento entre 1994 e 2002 no Brasil aumentou mais de dez vezes, tal qual demonstrado no gráfico a seguir (figura 6).

Figura 6
Participação dos bancos na rede de agências bancárias do SFN por origem de capital entre 1994 e 2002

Fonte: BACEN: Relatório Semestral do Mês de Dezembro de 1998 - Q 16; Relatório Anual de Dez. de 2000 - Q 12; Relatório Anual de Dez. de 2002 - Q 7
Elaboração: autor

 

A expectativa predominante com a chegada dos estrangeiros era, mesmo entre autores críticos da reestruturação, que aumentasse a concorrência interbancária e melhorassem as condições de crédito doméstico, especialmente desconcentrando suas condições de acesso, conforme aponta Carvalho et alii (2002). Entretanto, excetuando-se o relativo fortalecimento do setor bancário promovido pelos bancos estrangeiros através das aquisições e capitalização dos bancos nacionais com problemas de liquidez, as expectativas iniciais foram amplamente frustradas.

Diversos autores e institutos, tal qual Freitas (1999), IMF (2000), Carvalho F. (2001), Carvalho et alii (2002), Rocha (2002), Vidotto (2002), De Paula (2003), dentre outros, apresentam consenso de que a recente experiência brasileira, tal qual ocorrido em diversos países periféricos, desconstitui teses mundialmente difundidas que afirmam que as instituições estrangeiras são as mais eficientes, que estariam mais adaptadas à concorrência interbancária, que teriam métodos mais avançados de análise de riscos, que têm desenvolvido mecanismos regulatórios mais avançados e detêm melhor gerenciamento geral para desenvolvimento de tecnologia e produtos bancários voltados à universalização financeira.

Os diversos estudos investigaram os riscos, custos, competitividade sistêmica, alocação eficiente de recursos para estímulo ao crescimento econômico e melhoria nos mecanismos de supervisão bancária para afirmar que os bancos estrangeiros pouco ou nada alteraram nesses indicadores, fundamentalmente porque as instituições estrangeiras desenvolveram estratégias adaptativas à dinâmica financeira vigente no país, principalmente os ganhos fáceis com o endividamento público, com diferenciações marginais de baixo impacto.

A permanência da elite bancária nacional e os novos parâmetros da organização territorial do capital bancário no Brasil

Enquanto tentavam ampliar seu apoio político interno, entre 1997 e 2000, os maiores bancos brasileiros de varejo, especialmente o Bradesco, o Itaú e o Unibanco, reagiram agressivamente ao ingresso de capital externo no sistema, ganharam posições no mercado e desenvolveram progressivamente a associação de capital com as grandes corporações globais.

O quadro a seguir demonstra a intensidade dessa dinâmica através das alterações societárias ocorridas nos três maiores conglomerados privados do país entre 1996 e 2002 (quadro 2)

Quadro 2
Incorporações, fusões e aquisições realizadas pelos bancos Bradesco, Itaú, e Unibanco entre 1996 e 2002

Bradesco

Itaú

Unibanco

1998
Banco de Crédito Nacional S.A
Banco de Crédito Real de MG. S.A.
Banco Itabanco S.A.
BCR - Banco de Crédito Real S.A.

1999
Continental Banco S.A
Banco do Estado da Bahia S.A..

2000
Banco das Nações S.A.
Banco Boavista S.A.

2002
Banco do Estado do Amazonas S.A.
Banco Mercantil de São Paulo S.A
Banco Finasa S.A.
Banco Cidade S.A.
Potenza Leasing S.A.
Deutsche Bank Invest S.A.

1996
Banco Planibanc S/A
Banco Francês e Brasileiro S/A

1997
Banco Banerj S.A.

1998
Banco do Estado de Minas Gerais S.A.

2000
Banco do Estado do Paraná S.A.
Banco del Paraná S.A.

2001
Banco do Estado de Goiás S.A

2002
BBA-Creditanstalt S.A / Fináustria

1996
Banco Nacional S.A

1997
Banco Fininvest S.A

1998
Banco Dibens S.A

2000
Banco Credibanco S.A

2001
Banco Bandeirantes S.A.

2002
Banco Fininvest S.A.
Banco Investcred S.A.

Fonte: Banco Central – Relatórios Anuais / mês de dezembro – Anexo 1
Elaboração: autor

O crescimento das instituições que já ocupavam as primeiras posições no ranking dos bancos na época do Plano Real é evidenciado pela elevadíssima variação dos ativos totais dos três maiores conglomerados financeiros privados de controle nacional e sua participação por ativos totais no sistema financeiro nacional entre 1996 e 2002, conforme o gráfico a seguir (figura 7)


Figura 7
Crescimento da participação dos três maiores conglomerados privados nacionais no SFN por ativos totais entre 1996 e 2002

* Soma da participação relativa das três instituições no sistema financeiro nacional.
Fonte: Relatórios do BACEN
Elaboração: autor

O intenso crescimento orgânico realizado pelos maiores grupos pode ser observado pela evidente expansão da malha de agências do Banco Itaú demonstrada nos mapas a seguir (figura 8a y 8b)

Figura 8a
Espacialidade das agências do banco Itaú no Brasil (1993)

Figura 8b
Espacialidade das agéncias do conglomerado Itaú no Brasil (2003)

Essas alterações foram determinadas pela concorrência interbancária que impulsionou os maiores bancos de controle de capital nacional para a intensificação da inovação em tecnologia bancária, para a internacionalização de suas operações e para um acentuado crescimento orgânico através da aquisição favorecida do controle dos bancos públicos que foram leiloadas pelo Banco Central ou ainda através da aquisição ou incorporação parcial daquelas instituições insolventes, ou que evitaram tal situação com a transferência do controle acionário.

Adicionalmente, os maiores conglomerados financeiros nacionais foram amplamente favorecidos pelas políticas monetárias e fiscais de estabilização monetária, especialmente os elevados juros e aumento exponencial do endividamento público assumido justamente por esses bancos, e realizaram um progressivo avanço sobre setores industriais e de serviços e sobre as demais instituições não bancárias, tal qual os fundos de investimentos e as financeiras, diversificando assim a sua base patrimonial.

Com estas estratégias de sobrevivência alguns dos maiores bancos nacionais preservaram e ampliaram sua parcela de mercado reconfigurando suas fronteiras na nova territorialidade do sistema financeiro brasileiro. Habilmente a elite bancária nacional conjugou fatores internos e externos de favorecimento político-econômico e de concorrência interbancária e integrou-se aos mercados mundiais subordinando e absorvendo parcelas do mercado interno, ao mesmo tempo em que se condicionava a predominância dos fatores da globalização financeira, especialmente o ingresso dos grandes bancos mundiais.

Assim, o capital financeiro, composto pelos grandes bancos estrangeiros e pelos sobreviventes nacionais, selecionou espaços favoráveis à sua reprodução e estabeleceu seus fluxos entre as cidades que lhes proporcionaram melhores condições de interconexão aos mecanismos globais de acumulação de riquezas. Esses movimentos implicam um novo perfil do sistema bancário brasileiro caracterizado pela concentração de capital, pela centralização da capilarização direta e pela intensificação da capilarização indireta.

A concentração de capital financeiro no período pós-Real pode ser observada tanto pela redução do número de instituições bancárias e não-bancárias no sistema financeiro entre 1993 e 2002 quanto pelo crescimento qualitativo dos bancos que ocupam o topo do ranking bancário, ou seja, a concentração como um movimento de expansão intensiva que agregou aos maiores bancos em operação os espaços deixados por aqueles que encerraram suas atividades. O resultado dessa dinâmica de concentração foi a redução de 241 para 170, menos 29,4 por cento, no número de bancos mercantis e de desenvolvimento em operação e de 824 para 519, menos 37,0 por cento, no número de bancos de investimento, corretoras, distribuidoras, financeiras, empresas de leasing, sociedade de crédito imobiliário e de poupança e empréstimos no período. A redução no número das instituições financeiras complementa-se necessariamente com a segunda face da concentração que se revela na distribuição qualitativa da participação daquelas instituições que permanecem no sistema.

Outro indicador significativo da concentração bancária no sistema financeiro é a alteração de 82,64 por cento para 96,22 por cento do total de agências do sistema bancário concentrado entre os 20 maiores conglomerados entre 1994 e 2002, respectivamente. Enquanto o número total de agências no sistema permaneceu relativamente estável, de 17.400 passou para 17.049, o aumento entre os 20 maiores conglomerados foi de 2.024 agências, passando de 14.381 para 16.405, demonstrado no gráfico a seguir (figura 9)

Figura 9
Participação dos 20 maiores conglomerados bancários no total de agências do SFN entre 1994 e 2002


Fonte: BACEN: Relatório Semestral do Mês de Dezembro de 1998 – Q 10; Relatório Semestral do Mês de Dezembro de 1999 - Q 10; Relatório Anual de Dezembro de 2000 - Quadro 10; Relatório Anual de Dezembro de 2002 - Q 6.
Elaboração: autor

 

Além da concentração de capital e da centralização das agências em um número cada vez menor de bancos, outro resultado expressivo e complementar das alterações ocorridas no sistema financeiro no período pós-Real foi a intensificação da metropolização da rede de agências bancárias do sistema, especialmente em São Paulo, como pode ser percebido, além das figuras 10a e 10b referentes à rede de agências do Banco Itaú, e também nos mapas referentes à rede de agências do maior banco comercial de varejo em atuação no Brasil, o Banco Bradesco (figuras 10a e 10b).

Figura 10a
Espacialidade das agéncias do Banco Bradesco no Brasil (1993)

Figura 10b
Espacialidade das agéncias de conglomerado Bradesco no Brasil (2003)

 

Conforme evidenciado nos mapas anteriores, o Banco Bradesco e o Banco Itaú apresentam intensa expansão nas regiões metropolitanas e também aumentam as suas redes de agências nas demais regiões devido à intensa aquisição de outras instituições nos anos noventa. Entretanto essa dinâmica não corresponde ao conjunto do sistema que apresenta retração da capilarização direta e concentração de unidades centrais, ampliando assim a metropolização já observada nos maiores conglomerados. Em dezembro de 2002, 88 por cento do total das instituições financeiras estavam sediadas nas regiões sul e sudeste, e somente a região metropolitana de São Paulo respondia por 80 por cento das sedes dos conglomerados privados incluídos entre as 50 maiores instituições por ativos totais em operação no país. Essa centralização da direção corporativa financeira é reforçada pelo crescimento do número total de agências no Estado de São Paulo, de tal forma que a sua participação no total de agências do país no sistema passa de 28,8 por cento para 32,6 por cento no período, especialmente na capital, contrastando com o decréscimo generalizado nas demais regiões, especialmente no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste cuja participação somada dessas regiões caiu de 28,7 por cento para 24,8 por cento no total do sistema. Tal centralização pode ser observada no gráfico a seguir (figura 11).

Figura 11
Distribuição de agências no SFN por região geográfica e sua variação relativa no total de agências no país entre 1994 e 2003

Fonte Bacen / Relatório semestral dez 1998 - Q11 e Q3 da Atualização mensal de dados – dezembro de 2003.
Elaboração: autor

A queda no número e na participação no total de agências, especialmente das regiões nordeste e centro-oeste, poderia ser compensada pela ampliação do número de unidades bancárias avançadas, Posto de Atendimento Bancário – PAB ou Posto Avançado de Atendimento – PAA; entretanto o número de PAB’s e PAA’s foi reduzido em todas as regiões, passando de 10.125 para 7.321 pontos no país entre dezembro de 1994 e 2004.

Contrastando com a acentuada redução da capilarização bancária direta na maioria das regiões geográficas do país e a conseqüente redução do trabalho bancário nessas áreas, observam-se dois movimentos de capilarização bancária indireta nos últimos anos com o estabelecimento dos correspondentes bancários e das sociedades cooperativas e associações de microcrédito.

Através dos correspondentes bancários, os grandes bancos, principalmente o Bradesco e a Caixa Econômica Federal, desenvolveram mecanismos indiretos para atingir estratos sociais de baixa renda, especialmente nas regiões norte e nordeste. Trata-se de um prestador de serviços com ampla capilarização, como os correios ou as casas lotéricas, contratado ou conveniado com uma instituição bancária, que a partir de 1999 se tornou um recurso de competitividade importante para ampliação de escala e redução de custos de serviços pouco lucrativos para a estrutura dos bancos, especialmente a transferência de trabalho, pois tais unidades iniciam os processos de abertura de contas e empréstimos, realizam análise cadastral, efetuam recebimentos e pagamentos diversos, executam a cobrança de títulos e processam os dados referentes às operações contratadas. A conveniência dessa modalidade de atendimento pode ser dimensionada pelo amplo e rápido crescimento dos correspondentes bancários em todas as regiões do país, passando de números residuais no ano de 2000 para 30.112 pontos em 2005.

O segundo fator de compensação do refluxo da capilarização bancária direta é o crescimento inovador das cooperativas de crédito e sociedades de microcrédito que em números de estabelecimentos passaram de 877 em dezembro 1993 para 1454 dez anos após, permanecendo relativamente estável até dezembro de 2006.

Sem vínculo direto com os grandes conglomerados bancários, as cooperativas inicialmente operavam com sérias limitações legais e se estabeleceram nos espaços deixados pelos bancos que encerram suas atividades em pequenos municípios considerados pouco rentáveis. Contudo nos últimos anos, notadamente a partir de 1999, essas entidades alcançaram escala e conquistaram apoio político para forçar o BACEN a desenvolver esforços para melhorar o tratamento desse segmento. Embora o crescimento numérico do segmento cooperativo seja expressivo, sua participação no total de operações de crédito do sistema ainda é bastante reduzida, representando em dezembro de 2004 apenas 2,30 por cento do total, mesmo tendo expressivo crescimento em relação a dezembro de 1998 quando essa participação era de 0,93 por cento.

Organizadas em grandes redes de compartilhamento de recursos, as quase 600 novas cooperativas constituem uma experiência que contraria as regras de concentração e centralização do capital entre os grandes conglomerados bancários sediados especialmente em São Paulo. Contudo a intensificação da espacialidade das unidades bancárias em torno de regiões metropolitanas evidencia a seleção de espaços e a constituição de cidades informacionais impulsionada pelas grandes corporações.

Tal estratégia territorial atende a necessidades de composição de centros de serviços que suportem o dinamismo dos nós das redes de fluxos voltadas às conexões dedicadas com clientes prioritários para a acumulação de capital. Os espaços não atendidos por essa primeira linha de ação são integrados através de mecanismos de atendimento secundário, tais quais os recursos de capilarização indireta do sistema bancário implementados no Brasil na última década.


Conclusão

A partir da desnacionalização conservadora ocorrida nos anos noventa no Brasil promoveu-se a realocação de referenciais territoriais nacionais para o âmbito corporativo globalizado e sua sujeição aos ditames verticalizados da mundialização financeira. A reestruturação financeira evidencia que as combinações das políticas liberalizantes para produzir taxas e cifras de lucro financeiro têm desregulamentado mercados, intensificado exponencialmente a especulação e instaurado urgências políticas que mobilizam recursos em escala global para preservar as condições de acumulação de um reduzido grupo de gestores financistas.

Cumprindo a função de coordenar a ideologia e as práticas liberalizantes essa reorganização de capitais recondicionou globalmente as relações bancárias brasileiras, intensificou a concorrência interbancária e remodelou os territórios das frações financistas dominantes afetando diretamente as condições gerais de vida tanto dos trabalhadores integrados ao núcleo dinâmico dessa financeirização mundial quanto dos alocados em posições marginais ou mesmo desfiliados do processo produtivo.

Assim o dinheiro e as finanças desconstituem os referenciais territoriais e as materialidades aos quais serviam de representação, tornam-se globais e cibernéticos e resignificam o poder da corrupção constante das regras, tornando-se a própria regra da efemeridade dos contratos e do dilaceramento das forças dispostas nas lutas sociais.


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Referencia bibliográfica

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