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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


Novas formas de regulaÇÃo urbana e habitacional - questÃo de polÍtica ou de polÍcia?

Maria de Fatima Cabral Marques Gomes
Escola de Serviço Social/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq e coordenadora do FACI (Núcleo de Pesquisa e Extensão Favela e Cidadania da ESS/)
cabral.gomes@pq.cnpq.br

Novas formas de regulação urbana e habitacional - questão de política ou de polícia?  (Resumo)

O processo de globalização neoliberal tem revelado sua face mais perversa nas metrópoles dos países periféricos onde se observa o agravamento da questão urbana e habitacional. Tendo em vista esse quadro, que, no Rio de Janeiro, assume algumas particularidades, pretendemos fazer uma análise dessa problemática, apontando políticas destinadas às favelas, incluindo aquelas de caráter repressivo adotadas pelo poder público.

Palavras chaves: favela, política habitacional, regulação urbana repressiva.

Abstract

  The neoliberal globalization process reveals its most perverse faces in the big cities of the Third World countries where urban and habitation problems have increased considerably. Regarding this situation, and its particularities in Rio de Janeiro, we intend to make an analyze of these issues, pointing out the State policies toward the favelas, including the repressive ones.

Key-words: favela, housing policies, repressive urban managment.

O processo de reestruturação produtiva gestado no bojo da globalização neoliberal tem contribuído para aprofundar as desigualdades sócio-espaciais nas grandes metrópoles, sobretudo nos países periféricos como é o caso do Brasil. A população urbana sofre com a falta de habitação. Aumentam os sem-tetos e as ocupações de prédios desabitados, quase sempre seguidas de despejos, crescem os assentamentos de moradias precárias muitas vezes por meio da verticalização (construção de prédios fora dos padrões permitidos), expandindo e adensando as favelas já existentes, amplia-se a especulação imobiliária desenfreada que atinge, inclusive, as áreas faveladas. Observam-se, ainda, a periurbanização acelerada, o agravamento dos problemas ambientais, bem como a proliferação de condomínios de alto luxo onde a renda e a riqueza estão concentradas, revelando uma fratura social. Os conflitos urbanos se acirram principalmente nas áreas em que as favelas fazem fronteira com os espaços residenciais mais nobres da cidade Assim, a questão habitacional se estende à política urbana. Nesse contexto, a regulação urbana, verificada nos termos das atuais políticas habitacionais é caracterizada por uma intervenção pública destinada a melhorar as condições de favelas ou de assentamentos precários, propondo-se a fornecer uma infra-estrutura adequada a estas áreas. O Programa Favela-Bairro, carro chefe da política habitacional, embora tenha como pretensão, desde o seu surgimento em 1994, atingir todas as favelas realizou intervenções de qualidade questionável em apenas 143 das mais de 750 favelas médias consolidadas (favelas com 500 a 2.500 domicílios) na cidade do Rio de Janeiro (incluindo novos assentamentos, favelas de pequeno porte e grandes favelas) (http://www.rio.rj.gov.br/habitat/favela_bairro.htm).

Assim, estas ações não têm dado conta da complexidade encontrada, observando-se, algumas vezes, a omissão do poder público ou o recurso à remoção de moradias precárias e a processos de criminalização da pobreza, no sentido de manter a ordem social. A criminalização da pobreza se realiza quando os sem-tetos são retirados de forma violenta das ruas, as favelas são sistematicamente invadidas por serem consideradas locais de violência do narcotráfico e seus moradores são removidos sob o argumento de degradação do meio ambiente e de infração de eco-limites. Verifica-se, dessa forma, um retrocesso em termos do direito à moradia e à cidade, reivindicados pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) e assegurados na Constituição de 1988. Ainda muitos avanços em termos de política urbana tenham sido corroborados pelo Estatuto da Cidade em 2001, essas conquistas entram em conflito com as orientações neoliberais dos organismos de multilaterais de financiamento que exercem uma pressão importante sobre a política urbana. Essas orientações se expressam através de Planos Estratégicos elaborados para as cidades numa perspectiva de concorrência interurbana. Tendo em vista esse quadro, que, embora não seja específico do Rio de Janeiro, aqui assume algumas particularidades, nos colocando indagações que esse trabalho pretende responder: Qual a natureza e a forma das políticas urbanas e, especialmente habitacionais na cidade do Rio de Janeiro? A intervenção pública corresponde ao discurso dos programas habitacionais? A intervenção do Estado em termos de habitação não tem significado um retorno ao enfretamento da questão social, por vezes tratada como questão de polícia?  Cabe demarcar que as análises aqui efetuadas se orientam pelo pressuposto metodológico da necessária articulação entre trabalho e formas de regulação da cidade, o que nos permite formular a hipótese de que as formas de precarização do trabalho no contexto da reestruturação produtiva encontram seu equivalente nos novos contornos da questão urbana e habitacional, conforme já havia observado Lefebvre (1999). Os dados a serem trabalhados são provenientes da literatura existente sobre o tema, documentos oficiais, de jornais e informações obtidas através de nossas pesquisas.

A política de habitação – do discurso à pratica

No Brasil a política de habitação na prática jamais se universalizou, deixando a maioria da população à mercê de sua própria sorte. Assim, a maior parte dos segmentos mais pobres da população foi ocupando “ilegalmente” os espaços vazios na cidade, formando assentamentos precários denominados favelas. No Rio de Janeiro, desde a Primeira República observou-se uma atitude repressiva por parte do poder público em relação à população favelada, tendo a política, em relação a esses espaços, oscilado entre a remoção dessa população para lugares distantes da cidade (de forma a favorecer o capital imobiliário) e a urbanização de favelas. A primeira forma de intervenção decorre, sobretudo, do fato de que a maioria das favelas cariocas situa-se nos morros e incrustada na cidade, revelando desigualdades sociais profundas no tecido urbano. As desigualdades sócio-espaciais nessa cidade caracterizam-se por um padrão singular que combina proximidade física e distância social. Este é, por exemplo, o caso do bairro de São Conrado onde se localizam condomínios de luxo como o Village e a maior favela do Rio – a Rocinha. Para o enfrentamento da questão habitacional o poder público, até a ditadura militar, não tinha uma política urbana de caráter nacional. Esta veio a se esboçar através do Banco Nacional de Habitação - BNH (GOMES, 2005) com o propósito de universalizar o direito à habitação, favorecendo principalmente as camadas da população entre 1 a 3 salários mínimos, legitimando assim o regime militar frente à população. No entanto, com o passar dos anos essa política elitizou-se (SILVA e SILVA 1989), não cumprindo seu objetivo principal. Nesse contexto, a maior parte dos recursos destinados à população de baixa renda, no Rio de Janeiro, foi destinada à remoção de favelas e a realocação de seus moradores para locais distantes do centro urbano do Rio de Janeiro.

A urbanização de favelas se afirmou na agenda pública a partir dos anos de 1980, com a mobilização e articulação de diferentes movimentos sociais cujas lutas se intensificaram no período de redemocratização com o Movimento Nacional Pela Reforma Urbana (MNRU).  Ao longo do movimento instituinte que antecedeu a Constituição de 1988 — tendo em vista a formalização de um conjunto de proposições, através de novos sujeitos políticos, com debates em torno da Reforma Urbana —, vieram à discussão a problemática urbana e a gestão democrática da cidade na agenda política do Brasil.

A regulamentação da nova legislação relativa à cidade só foi efetivada através do Estatuto da Cidade, em 2001. Essa Lei, de nº. 10.257, de 10/07/2001, institui instrumentos que possibilitam às administrações municipais um maior controle do uso e ocupação do solo urbano. No Rio de Janeiro, o Plano Diretor elaborado em 1992, sob a orientação constitucional, antecipou-se, preconizando a integração das favelas à cidade a partir de sua urbanização.

Essas leis que ampliam o direito à cidadania são atropeladas pela orientação neoliberal que assume o Estado brasileiro a partir dos anos de 1990, visando à abertura da economia brasileira aos fluxos do processo de globalização. As conseqüências dessa abertura e da pretensa inserção competitiva do país na economia mundial foram à reorganização produtiva dos espaços e a Reforma do Estado. Os programas de habitação passam a ser orientados pelas diretrizes definidas pelos organismos multilaterais de financiamento, acordadas nas Conferências promovidas pela ONU, no caso específico da habitação, a Conferência Habitat II, em Istambul em 1996. De acordo com essas diretrizes, embora a urbanização permaneça como um objetivo central, em relação aos assentamentos precários, a maior preocupação tem sido com a eficiência administrativa e com o equilíbrio fiscal, de modo que os custos com as políticas habitacionais e urbanas vêm, gradativamente, reduzindo-se, através de um novo modelo de gestão denominado por Harvey (1996) de empresariamento urbano que tem como característica central a parceria entre o setor público e a iniciativa privada. No Rio de Janeiro, essas novas orientações são incorporadas ao aprovado em 1995, intitulado Rio Sempre Rio. Reatualizado, em 2001, com a denominação As Cidades da Cidade, o (PECRJ-II) tem como principal objetivo a concorrência interurbana (GOMES, 2006 b).

 Com relação à urbanização de favelas adota-se o modelo upgrading que consiste em melhorar a infra-estrutura existente aproveitando o esforço já realizado pelos moradores, priorizando-se a dimensão urbanística em detrimento da social, embora o discurso dos programas contemple intervenções sociais (GOMES, 2006 a). Em relação à participação dos moradores esta é instrumentalizada, fabricando-se um consenso em torno das intervenções. Verifica-se que esse tipo de política denominada por Arantes (2000) de image making, é desenvolvida em favelas visando, sobretudo, a homogeneização da cidade para torná-la mais atraente para o capital e a concorrência inter-urbana.

  Assim, apesar da lutas históricas dos trabalhadores no Brasil, não se observou a universalização dos direitos sociais, já que um conjunto importante das demandas foi garantido na forma de lei, representando significativo avanço no processo de construção da cidadania na sociedade brasileira; mas, até o momento, esses direitos de fato não têm sido garantidos à população. Em decorrência dessa nova forma de gestão urbana, temos o aprofundamento na cidade de problemas como a crescente favelização, a forte visibilidade da população de rua, o aprofundamento da miséria, bem como do problema ambiental.

Vale destacar que apesar das críticas formuladas por Harvey (op. cit) a essa nova forma de gestão urbana, este autor ressalta alguns aspectos contraditórios nessas novas intervenções urbanas. Para ele, dependendo das forças sociais de cada localidade, o empresariamento urbano produz efeitos sutis, já que pode encorajar determinados tipos de atividades e esforços que têm a maior capacidade localizada de elevar o valor das propriedades, da base tributária, da circulação local de renda e (a mais esperada das conseqüências da lista precedente) o crescimento do emprego.

No entanto, considera que, mesmo em face de um desempenho econômico baixo, investimentos nestes tipos de projeto parecem exercer uma atração tanto política como social; na realidade, a venda da cidade como um espaço para atividades depende muito da criação de um imaginário urbano atraente. A produção de tal imagem urbana tem conseqüências políticas e sociais internas: segundo Harvey, ajuda a contrapor o sentimento de alienação e anomia que já há muito tempo Simmel (1973) identificou como um aspecto problemático da vida urbana moderna.

Em relação aos programas de urbanização, como o Favela-Bairro é importante destacar que este pode trazer algumas melhorias para as condições de vida da população que pode, de diferentes maneiras, se apropriar desse tipo de intervenção tanto de forma de direta usufruindo dos parcos investimentos feitos no local ou de forma indireta quando passam a ter mais espaço tanto na mídia como na sociedade diante das ações realizadas, visando atrair o turismo como foi o caso do Morro da Providência no Centro do Rio de Janeiro.  Nesta última, a municipalidade investiu, em seu interior, com obras relativas ao Favela-Bairro e na construção do chamado Museu a Céu Aberto, e, em seu entorno, com edificação da Cidade do Samba e na Vila Olímpica.

Sob a mesma lógica, proposta pelos organismos internacionais, que tem como princípio a parceria público/privado para o enfrentamento da questão urbana se realiza hoje o Programa de Regularização Fundiária direcionada aos assentamentos informais, com o objetivo de prover esses moradores de direitos de propriedade. Esse processo transforma os territórios da informalidade em um mercado imobiliário controlado pelo poder público, com o intuito ainda de conter o processo de densificação de favelas através de medidas de controle urbanístico. No Rio de Janeiro, está sendo implementado, desde 2004, um projeto do governo Federal denominado “Rocinha Mais Legal”, através da Fundação Bento Rubião- FBR. Este programa tem encontrado muitos obstáculos na referida favela. Entendemos que a regularização fundiária não deve ser encarada como solução para a questão urbana, mas articular-se a políticas públicas para redução das desigualdades sócio-espaciais.(GOMES, ICASURIAGA & FERNANDES, 2007).

De todo modo, insistimos em destacar as potencialidades contidas nessa nova forma de gestão urbana, já que o empresarimento urbano lida com a busca da identidade local, e como tal, abre uma gama de mecanismos para o controle social. Para Harvey (op. cit) a ideologia da localidade, de lugar da comunidade, torna-se central para a retórica política da gestão urbana que se concentra na idéia de união como defesa contra um mundo hostil e ameaçador do comércio internacional e da alta competição. Esse tipo de ação pode oferecer à população algum senso de identidade e de ligação com o lugar o que contribui para a formação de consensos, que necessariamente não são provenientes das alianças de quem domina a cidade, mas que podem levar a algum tipo de iniciativa cívica capaz de encaminhar processos de mudanças no espaço urbano citadino.

É importante ressaltar que, embora admitindo aspectos positivos relacionados às novas formas de gestão urbana, e, em especial às intervenções verificadas nas favelas cariocas, o impacto sobre a pobreza e demais déficits sociais tem sido bastante reduzido. Verifica-se assim que os segmentos mais pobres da população, situados nesses espaços, são objetos de políticas que criminalizam a pobreza, conforme veremos a seguir.

A política de Segurança Pública e a volta da remoção nas favelas do Rio – a questão urbana e habitacional é uma questão de polícia?

Remoção e criminalização da pobreza ou mesmo a omissão do poder público são os últimos recursos lançados pela prefeitura, no Rio de Janeiro, para manter a ordem social a partir dos novos contornos da questão urbana e habitacional, acirradas pelas formas de precarização do trabalho. Reforçamos aqui o pressuposto colocado inicialmente de que as políticas urbanas e habitacionais não podem ser desconectas dessa dinâmica mais ampla que afeta a cidade, mas que a ultrapassa e que precisa de novas alternativas de enfrentamento sob pena do aprofundamento das desigualdades sociais no espaço urbano. Nesse sentido, verifica-se com o aprofundamento da questão habitacional, a incapacidade do poder público, através das atuais formas de intervenção, de dar conta dessa problemática na medida em que se atêm aos seus aspectos urbanísticos, não se articulando às demais políticas urbanas, e, sobretudo, a uma política de trabalho e renda. Na realidade, essas novas formas de intervenção têm como preocupação central a venda da cidade e sua inserção na concorrência interurbana.

 É sob essa última perspectiva, através de um olhar constantemente renovado de criminalização da pobreza, que os gestores da cidade reivindicarão a distância e a segurança necessárias frente aos seus pobres para que as condições que a tornam uma cidade competitiva não sejam ameaçadas. Vários episódios são reveladores dessa questão no Rio de Janeiro. Sobretudo a partir dos Jogos Pan- Americanos de 2007, verifica-se inúmeras operações das forças de segurança policial nas favelas. Talvez a mais exemplar dessas seja aquela que ocorreu nesse período no Complexo do Alemão, às vésperas da realização dos referidos jogos. Essas operações continuam a ocorrer com a mesma intensidade acompanhada de protestos por parte dos moradores. Conforme noticiou o Jornal o Globo (07/03/2008), na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, com cartazes, panos pretos e muitos pedidos de justiça, moradores voltaram a fechar as ruas numa manifestação contra a morte da camareira Michel da Silva Lima, de 27 anos. A morte dessa camareira deveu-se aos policiais que entraram na favela atirando indiscriminadamente na população. Não é raro haver vítimas inocentes durante os confrontos entre policiais e traficantes em favelas. Essas operações são realizadas com a justificativa de exterminar o tráfico de drogas nas favelas, já que estas são consideradas como o espaço do crime organizado na cidade. Por outro lado, essas ações são muitas vezes legitimadas pela população local que vive sob o controle dos traficantes e milícias, conforme revela a pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social a pedido da Central Única de Favelas (CUFA) sobre a ação repressiva do Estado em favelas. Segundo essa pesquisa, 60,5% dos moradores de comunidades pobres são contra a legalização das drogas, 47,9% aprovam o uso do caveirão, o polêmico blindado da polícia, e 48,9% são a favor da participação das forças armadas na repressão ao tráfico. Na realidade esses dados mostram que os moradores de favelas querem uma ação mais enérgica contra a violência nesses espaços, já que admitem (70%) que vivem sob o controle do tráfico ou de milícias. Vale ressaltar que esses dados podem estar subestimados considerando o medo de represália que essa população tem de falar de violência no interior das favelas (Jornal O Globo, 23/ 03/2008). A contradição verificada entre aqueles que protestam contra a violência policial e aqueles que apóiam a repressão ao tráfico de drogas nos parece apenas aparente uma vez que entendemos que os moradores das favelas que vivem sob o jugo dos traficantes de milícias desejam a presença do Estado, condenando apenas a sua ação meramente repressiva e indiscriminada.

A criminalização e a repressão contra as populações mais pobres habitantes em favelas realizam-se ainda pela remoção de moradores que constantemente adensam as favelas existentes e/ou se instalam em “áreas de proteção ambiental” ou de risco. A partir de uma campanha realizada, desde 2005, pelo o jornal o Globo, com uma série de reportagens com o título Ilegal. E daí?,  O aumento do número de favelas e seu adensamento, em áreas de proteção ambiental, passou a ser sistematicamente denunciado, levando o poder público a tomar medidas coercitivas, contribuindo para o agravamento da problemática habitacional na cidade. Outro argumento importante para a repressão em relação ao crescimento das favelas tem sido a especulação imobiliária. Esta, segundo denúncia do jornal O Globo (24/12/2007), tem ocorrido, sobretudo nas favelas mais consolidadas como Rocinha e Rio das Pedras em que estão sendo feitos investimentos imobiliários que implicam em uma verticalização dos espaços residenciais. Em matéria denominada Favela agora é caso de Polícia, ainda parte do segmento Ilegal. E Daí? o jornal O Globo (22/12/2007) revela claramente o lado puramente repressivo da política de habitação em relação aos segmentos mais pobres da população. Segundo essa matéria, a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) abriu um inquérito para investigar a existência de casas em áreas de proteção ambiental. Segundo o poder público, trata-se de uma política pública para conter a degradação ambiental. Tal política, no entanto, não se faz acompanhar alternativas de moradia para a população que se instala nesses locais.

 Por outro lado, os segmentos da população, objeto das remoções, se articularam em torno da Frente Estadual Contra a Remoção e pela Moradia Digna.  É sabido que o Rio de Janeiro possui um dos eco-sistemas mais ricos no Brasil, formado de montanhas, rios e florestas e que esta riqueza deve ser preservada. No entanto, o que tem acontecido é que a ocupação desses espaços, muitas vezes considerados de risco, para fins de moradia pelos pobres decorre da precarização do trabalho e aumento do desemprego, bem como por falta de uma política habitacional. Além disso, por trás das remoções e despejos temos os interesses do capital imobiliário. Segundo o presidente da FAFERJ (Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro), em depoimento realizado durante o “Colóquio Internacional Pobreza, Políticas Urbanas e Trabalho Social” na Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, em 2008, desde 1993, isso já vem ocorrendo. Exemplificou o fato citando o caso de uma pequena comunidade de pescadores que morava há 70 anos, em Marapendi que possuía 4 casas. Com o argumento que aquele assentamento estava degradando o meio ambiente, cada morador de um barraco recebeu uma pequena indenização com um valor tão irrisório que apenas dava para comprar outro barraco em uma favela com uma infra-estrutura mais precária.  Para surpresa dos antigos moradores removidos desse local, menos de um ano depois, toda a área verde que circundava aquelas habitações foi derrubada (cerca de 4 hectares de eucalipto) para a construção de um dos maiores shopping centers da Barra da Tijuca – o Downtown. O presidente da FAFERJ entende que falta uma política habitacional que abarque os segmentos mais pobres da população e defende que esses moradores em áreas de risco devam ser levados para um lugar mais digno, com condições reais para habitar. Para ele, não adianta oferecer uma moradia sem que esse benefício seja acompanhado de outros que assegurem a permanência da população no local. Além disso, para evitar a degradação do meio ambiente é necessário um compromisso com as populações que habitam esses locais.

Embora as remoções de moradias faveladas, em áreas de proteção ambiental, sejam feitas com o argumento de proteção do meio ambiente e, portanto, em benéfico de toda a população, na verdade, o poder público age dessa forma por pressão das classes mais abastadas que residem nas proximidades dessas favelas. Essa pressão dos bairros nobres em relação crescimento/ adensamento das favelas, sobretudo aquelas situadas em seu entorno, é de tal forma que os moradores desses bairros ameaçaram depositar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em juízo, alegando que estão sob a violência decorrente do tráfico de drogas nas favelas próximas. Argumentam, ao mesmo tempo, que esses moradores degradam o meio ambiente, resultando em uma desvalorização de seus imóveis sem que a municipalidade tome as providências necessárias para deter esse processo, conforme foi noticiado pelo jornal O Globo (13/012/2007).

Essa política repressiva em relação aos segmentos da população que sofrem por falta de moradias dignas alcançou ainda as ocupações de prédios vazios no centro urbano, conforme ocorreu no prédio de número 45 da Rua Senador Dantas, no Centro do Rio, onde cerca de 150 famílias sem-teto, ligadas ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia, foram despejadas por homens do 13º BPM. Neste caso, o despejo se apóia juridicamente em ações de reintegração de posse.

 Existe hoje, no Rio de Janeiro, uma luta organizada pelo direito à habitação que tenta remediar as desigualdades na divisão do espaço urbano, através da ocupação de prédios públicos abandonados no sentido de reverter essas edificações em locais de moradia popular, oferecendo soluções temporárias à escassez de residências. Tais ocupações têm chamado a atenção da sociedade sobre a questão do direito à moradia, garantido constitucionalmente, na medida em que tais ocupações tornam visíveis as condições de vida de determinados segmentos da população, pressionando o Estado para oferecer soluções a esses problemas. A partir da resistência desses ocupantes, alguns grupos têm permanecido no local, como é o caso do Quilombo das Guerreiras, situado em uma construção abandonada sem luz ou água, em propriedade da companhia Docas do Rio, tomada por cerca de 60 pessoas, do edifício nº 110 da Rua Barão de São Félix, que se transformou na ocupação Chiquinha Gonzaga; e do prédio nº 53 da Avenida Venezuela, ocupação denominada de Zumbi dos Palmares.
Segundo os participantes da ocupação Chiquinha Gonzaga, no centro do Rio de Janeiro, há projetos de novas ocupações em andamento, pois, enquanto existir o problema de moradia em nosso país, sempre haverá pessoas organizando novas ocupações. A Central de Movimentos Populares no Rio de Janeiro e a Frente de Luta Popular apóiam essa luta (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/01/303898.shtml > 20/03/2008)

Considerações Finais

Apesar da existência de programas habitacionais no Rio de Janeiro, é visível que a questão urbana em tempos de globalização neoliberal passa a ser enfrentada muito mais como uma questão de polícia. As transformações no mundo do trabalho que implicam no desemprego, subemprego e no agravamento das condições de vida da população têm redimensionado a problemática urbana, verificando-se um crescimento sem paralelo das ocupações de prédios vazios, do crescimento e adensamento das favelas, bem como através do aumento da população de rua. Nesse contexto, a remoção de favelas (integral ou parcial) para solucionar a desordem urbana é justificada com o argumento pela “desobediência” dos moradores de favelas aos eco-limites. Sendo assim, dissemina-se uma visão elitista e segregadora, permeada por interesses econômicos e políticos. Fica cada vez mais claro que a repressão e a violência são estratégias limitadas para o enfrentamento da questão urbana.

Nesse sentido, foi lançado no final de 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, abarcando obras de infra-estrutura em favelas. No Rio de Janeiro, foram contempladas as favelas da Rocinha, as do Complexo do Alemão e a de Manguinhos que têm se destacado pela violência nos noticiários nacionais. Na Rocinha está prevista a construção de uma passarela sobre a Lagoa-Barra, o complexo esportivo e unidades habitacionais que devem ser concluídas neste ano. Em Manguinhos, uma Unidade de Pronto-Atendimento e uma escola de ensino médio também serão inauguradas. Já no Complexo do Alemão novas unidades habitacionais serão concluídas nos próximos meses. Os investimentos - que incluem construção de 4.822 habitações novas, seis escolas e três unidades de atendimento médico - totalizam R$ 1,14 bilhão. Isto significa R$ 4.384 por morador dessas comunidades. (Jornal O Globo 07/03/2008)

Entendemos que a expansão de favelas e de outras formas de habitação precária só podem ser combatidas com investimentos em moradias populares subsidiadas e investimentos expressivos em políticas urbanas que se articulem à política habitacional, bem como através de uma política econômica capaz de redistribuir a renda e a riqueza que se apresentam de forma extremamente concentrada no Brasil, o que se reflete no espaço urbano.

Referências Bibliográficas

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GOMES, M. F. C. M. “Habitação Questão Social - Análise do caso brasileiro”. Scripta Nova. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, Vol. IX, núm. 194 (26), 1 de agosto de 2005 <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-117.htm>.(10 de fevereiro de 2008) ISSN: 1138-9788.

____”Política de Habitação e Sustentabilidade Urbana” In: GOMES, M.F.C.& PELEGRINO, A.I.C. (orgs.) Política de Habitação Popular e Trabalho Social . Rio de Janeiro: D P& A, 2006,a.

_____“Tendências do planejamento e da gestão das cidades na era da globalização: breves considerações sobre as experiências de Barcelona e do Rio de Janeiro”. In: SER SOCIAL: Revista do Programa de Pós-Graduação em Política Social/ Universidade de Brasília. Depto. De Serviço Social- vol. 1. N.1.  Brasília, 2006b.

____ICASURIAGA & FERNANDES. “A Questão da Regularização Fundiária: análise da experi6encia na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro”.In: LIMA, A, J. (org) .  Cidades Brasileiras: atores, processos e gestão pública.Belo Horizonte; Autêntica, 2007.

HARVEY, D. “Do gerenciamento ao empresariamento urbano: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio”. Espaços e Debates, Revista de Estudos Regionais e Urbanos, n.26, n.39, p. 46 a 84, 1996

 LEFEBVRE, H.. A Cidade do Capital. Rio de Janeiro: DP& A, 1999

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Sites consultados

http://www.rio.rj.gov.br/habitat/favela_bairro.htm>. (15 de março de 2008)

(http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/01/303898.shtml > 20/ 03/20078)

Jornal consultado

O Globo (13/012/2007), (22/12/2007), (24/12/2007), (07/03/2008),(23/03/2008).

Referencia bibliográfica:
GOMES, Maria de Fatima Cabral Marques . Novas formas de regulação urbana e habitacional- questão de política ou de policía. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008.<http://www.ub.es/geocrit/-xcol/51.htm>

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