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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

OLHARES CRUZADOS ANTROPOLOGIA E GEOGRAFIA.
ATORES, ESPAÇOS E SUSTENTABILIDADE NOS TERRITÓRIOS URBANOS

Nicolas Bautès
CRESO, Universidade de Caen

Caterine Reginensi
GRECAU, Escola de Arquitetura de Toulouse


Olhares cruzados antropologia e geografia. Atores, espaços e sustentabilidade nos territórios urbanos (Resumo)

As experiências de um geógrafo na India e no Brasil e de uma antropóloga na Guiana e no Brasil, desenvolvidas com objetos e olhares disciplinares diferentes, servirão de fio condutor a uma reflexão teórica e metodológica sobre a prática de um campo que confere uma atenção importante ao espaço, tanto como contexto de investigação quanto como recurso pelos atores investigados. De fato, trata-se de mudanças numa dupla dimensão: mudanças na capacidade dos atores, sujeitos dos seus próprios futuros, de iniciar alterações no espaço do cotidiano; assim como mudanças no contexto onde acontecem estas ações, a metrópole carioca, cujo espaço político é submetido à necessidade de gerar dinâmicas que podem ser analisadas na perspectiva da “sustentabilidade” urbana.

A observação das praticas de alguns atores, atuando entre esferas formais e informais, marcados pela mobilidade social e espacial, e por uma flexibilidade de atuação e de institucionalização, permitiu encarar uma mudança de paradigma da parte dos pesquisadores. O desafio se materializa na construção de um olhar interdisciplinar que possa posicionar estes atores, considerados como marginais pelo público, no centro da dinâmica sustentável da metrópole do Rio de Janeiro. Na construção deste olhar, entre teoria, metodologia e extensão, o papel dos itinerários individuais dos pesquisadores é determinante, assim como o foi a influência científica do núcleo de pesquisa FACI (Favela e Cidadania) da Universidade Federal do Rio de Janeiro onde estas pesquisas foram realizdas. Este núcleo de excelência desenvolve desde 2005 pesquisas empíricas e reflexões teóricas em torno destas mudanças de paradigma.

Palavras chave : espaço, território, ator, desenvolvimento urbano sustentável, Rio de Janeiro, Brasil


Crossing sights, anthropology and geography: actors, spaces and sustainability in urban areas (Abstract)

Two crossed experiences –one of a geographer in India and Brazil, another from an anthropologist in French Guyana and Brazil– are here put in perspective to initiate a theoretical and methodological reflection around the role of space in the field investigation, as a context of inquiry as much as resource mobilized by actors. In fact, this contribution deals with change in a double dimension: in the capacity of the actors, involved in individual or collective strategies to deal with their own future, to initiate alterations and in their daily space, Rio de Janeiro metropolis, whose political space is submitted to the necessity to generate dynamic that can be evaluated in the perspective of the "urban sustainability".

The observation of the practices of actors acting between formal and informal spheres, marked for their social and space mobility, and for their flexibility of performance and institutionalization, brought us to proceed to the definition of an interdisciplinary glance, this permitting to locate them in the core of the sustainable dynamics of Rio de Janeiro metropolis. In the construction of this look, between theory, methodology and extension, the role of the two individual research itineraries is central, as much as the understanding of their meeting that happened in the scope of the research group FACI (Favela and Citizenship) of the Federal University of Rio de Janeiro, as it allows us, since 2005, to develop theoretical empirical research and reflection around these changes of paradigm.

Key-words: space, territory, actors, interdisciplinary approach, urban sustainable development, Rio de Janeiro, Brazil


“Nas fases de grande mudança, o primeiro trabalho é rever o que pensamos.
Isso não significa jogar fora tudo o que fizemos, mas retomar, partindo
de como o mundo é em cada lugar. Sem isso, planejar é como um vôo cego,
com todas as suas conseqüencias” (Milton SANTOS, 2007: 104
)

O objetivo principal desta proposta é, a partir de nossos percursos respectivos de pesquisa, discutir a ação de um conjunto de atores locais que possuem a capacidade de iniciar mudanças, de mobilizar recursos e, em certos casos, de demonstrar competências na área da economia urbana.

A primeira parte apresenta itinerários, posturas metodológicas e objetos de estudo que foram desenvolvidos da seguinte maneira :

- Na cidade de Udaipur na India, onde foi desenvolvido um estudo das figuras e do papel dos atores, especificamente dos “intermediários”, num sistema econômico baseado na pratica turística e na denominada economia cultural;

- Na cidade de St-Laurent du Maroni, na Guiana Francesa, onde migrantes foram identificados como micro-empreendedores, sublinhando assim suas praticas espaciais que permitiu uma consolidação de suas redes sociais;

- Nas cidades de Belém e Rio de Janeiro, no Brasil, à partir da figura dos vendedores ambulantes nas ruas, praças e praias destas cidades, cujo comportamento econômico revela os conflitos inerentes ao uso do espaço urbano.

Estes exemplos envolvem temas e objetos similares que sublinham o papel do “ator” e das suas estratégias de mobilização de recursos, sejam sociais, espaciais, ou territoriais (Pecqueur, 2004), tendo em vista à elevação de suas condições de vida e à conquista de uma maior legitimidade face à sociedade. Apesar desta similitude se distinguem espaços sob estudo e olhares disciplinares. Queremos assim distinguir estas diferenças para que possamos enfatizá-las nas singularidades próprias de nossas respectivas disciplinas, identificando pontos de encontro e novas possibilidades de construção de um corpus teórico e metodológico comum.

Neste objetivo, a segunda parte do presente texto busca expor o encontro entre estes diferentes olhares disciplinares em torno de um projeto de pesquisa comum. Este projeto, desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa brasileiro Favela e Cidadania sob a coordenação da socióloga Maria de Fátima Marques Cabral Gomes, permitiu se distanciar de uma postura disciplinar espécifica para analisar os processos sócio políticos estruturados ao redor de projetos urbanos implementados pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Em um contexto marcado pela necessidade dos atores, e pela ambição do poder municipal de respeitar as regras de boa governança, levou a Prefeitura à professar um discurso, e levar à cabo iniciativas de transformação urbana, procurando afirmar a sustentabilidade urbana.

Apoiando-se na esfera política e nas caractérísticas da elite brasileira, pretendemos demostrar que um novo paradigma da atuação urbana está se consolidando que se manifesta nas praticas dos atores situados às margens. No caso em tela, ambulantes e atores associados às favelas. Estes demonstram assim a capacidade, em um ambiente marcado pela discriminação e repressão, de mobilizar recursos, de adaptar estratégias sócio espaciais, e de multiplicar as estratégias de ação, para desencadear mudanças econômicas e sociais.

Considerando que não existe sustentabilidade sem uma atenção política especifíca à questão do desemprego e à desqualificação social - grandes problemas urbanos - tais comportamentos chamados informais podem servir de bases para novas perspectivas de desenvolvimento local.

Discutiremos a mobilização de diferentes significados e recursos relativos à sustentabilidade no contexto urbano à partir das estratégias dos diferentes atores envolvidos, das distintas escalas de ação e da diversidade dos espaços sob intervenção dos poderes públicos na cidade do Rio de Janeiro. Conjugando nossos olhares, pretendemos pensar a dinâmica do espaço urbano, ou seja, os “sistemas de atores e de ações” (Santos, 1992) que estão se reestruturando no âmbito da reflexão sobre o desenvolvimento sustentável.

Olhares antropológicos e geográficos : usos diferenciados do espaço no processo social

O ator territorializado na economia turística: olhar geográfico em Udaipur (Índia)

A reflexão que enquadra a analise dos processos turísticos e territoriais na cidade de Udaipur, na Índia, implica o tema do desenvolvimento local e do papel dos atores na construção de uma dinâmica econômica baseada no território. Esta analise, desenvolvida de 1998 a 2004 durante um doutorado de geografia, pretendeu estabelecer uma análise sobre a definição de um sistema de atores no âmbito de uma pratica turística que permite estimular, desde os anos 1960, a economia desta cidade de 490.317 habitantes (Census of Índia, 2001) do Estado do Rajasthan. Ela se focalizou igualmente nos laços que os atores, de origens sociais diferentes, mantém com o território, definido aqui tanto como conjunto de recursos materiais e imateriais.

A chamada economia turística, que contem uma forte referencia à cultura local (Scott & Power, 2004; Bautès & Valette, 2004), é um produto da ação de atores capaz de iniciar mudanças nos seus papeis no sistema social. Estes se identificam como agentes mobilizadores de recursos territoriais (Pecqueur, 1994), transformando elementos do patrimônio arquitetônico ou conhecimentos artísticos e artesanais para constituir uma oferta turística.

A observação do jogo de atores, das relações que eles tecem entre eles e das suas posições no sistema social permite identificar um processo onde a hierarquia inerente a este sistema –fundamentalmente hinduísta–, serve de base à organização do sistema econômico turístico. Enquanto geógrafo atento à dimensão social e ao papel do espaço nos processos econômicos, considerei, a partir do trabalho de Mark Granovetter (Granovetter, 1985), que um determinado sistema econômico “inscreve-se num conjunto de regras sociais, culturais e políticas que governam as formas de produção e de circulação de bens e serviços” (Granovetter, 2000: 14) ou seja, dentro de um território.

Esta posição nos conduz a observar os modos de inserção dos diferentes atores na dinâmica turístistica e territorial, ou seja, nas redes locais “de poder, riquezas e sociabilidades” (Bénei e Kennedy, 1997: 18). Os processos turísticos da cidade nos orientam a analisá-los a partir da sua inscrição na esfera social local, considerando “a autonomia relativa de certos aspectos da realidade econômica que são modelados na sociedade onde estão inseridos” (Bénei e Kennedy, 1997: 18), o que nos leva a concluir que é na combinação de realidades culturais e políticas que se define a ação econômica. Esta posição inscreve-se na linha da teoria dos distritos industriais e dos arranjos produtivos, tal como foi analisada no contexto da Índia (Cadène e Holmström, 1998).

Seguindo um ponto de analise geográfico, os atores do sistema turístico em Udaipur são estudados nos seus laços com o território, definido tanto como espaço de vida, quanto como lugar de projeção de representações e identidades que influenciam o seu comportamento e as suas decisões. Esta dimensão permite analisá-lo como um “ator territorializado”, tendo uma competência territorial (Gumuchian .et al., 2003: 33).

O ator territorializado opera assim “dentro de sistemas de ação concretos, evolutivos e permeáveis um pelo outro, que permitem construir a decisão e transformar coletivamente os objetos espaciais […]. (Ele) negocia continuamente o seu lugar nos jogos de poder que suscitam interações eficientes, situadas estas espacialmente e temporalmente. […] O território é a condição primeira de realização destas interações.”, (Gumuchian .et al., 2003: 34). Ele apresenta uma mudança mais ou menos voluntária, mais ou menos radical, visível no espaço e identificável nas relações sociais e nos modos individuais ou coletivos de identificação a uma coletividade.

Esta postura analítica e teórica permitiu construir uma tipologia de atores turísticos em Udaipur, tendo como foco as redes sociais e a lógica espacial que caracterizam o sistema econômico local. Dentro deste sistema complexo, destaquei mais precisamente o papel de alguns atores, chamados intermediários, a partir de uma observação de campo, realizada através de um questionário (250 pessoas) e de uma serie de entrevista semi-diretivas que permitiram destacar os principais elementos mobilizados no processo econômico e a importância diferenciada da origem social, sobretudo as questões da casta e da família. Os intermediários têm o papel primordial de agentes de relação dos atores entre eles, sejam empreendedores ou turistas. Definidos por suas posições no espaço urbano – situados em lugares estratégicos de chegada e nos itinerários turísticos - e por suas funções de negociadores nas trocas e transações com os outros, estes atores constituem a chave do sistema turístico local. Dois tipos podem ser identificados, cada um descrevendo uma diversidade de casos específicos:

1. Os intermediários formais, guias de turismo oficiais, locais ou exteriores à cidade de Udaipur. Organizam itinerários turísticos, seguindo os turistas nos seus circuitos. Eles têm um papel importante. No entanto, não são incontornáveis.

2. Os intermediários informais. Eles organizam redes mobilizando uma grande diversidade de atores, empreendedores turísticos com os quais eles negociam comissões nas vendas, e com os moradores, cuja participação na economia turística é pontual, solicitada e revelada no quadro de trocas de serviços. O conhecimento do mercado lhes permite de tirar vantagens de uma posição indefinida a priori no sistema econômico. Eles se caracterizam por sua independência, que permite responder rapidamente aos pedidos os mais específicos, apesar de exercerem um papel que deve ser repetidamente negociado e que é mantido, sobretudo, por relações pessoais, arranjos e afinidades com outros atores, sejam estes empreendedores ou turistas.

Tal como em outras cidades da Índia, estes intermediários se distinguem pela afirmação da capacidade de serem especialistas da organização e do uso de redes. Eles definem também uma forma de organização econômica especifica, caracterizada por uma maior flexibilidade, e por um maior senso das oportunidades de enriquecimento, o que os define comme atores-empreendedores. Os seus percursos no empreendimento turístico se realizam geralmente sem mobilização de capital social especifico, mas com recurso aos potenciais provocados pela localização central que eles exercem no turismo. Em certos lugares da cidade, a mobilidade é utilizada como uma estratégia de aproximação com o mercado. Trata-se de um saber espacial que revela estratégias de uso do espaço econômico, e do espaço publico, utilizado como modo de expressão de estratégias de legitimimação, de prestigio e de emancipação social.

Sem constituir uma comunidade, definida por um conjunto de indivíduos compartilhando ambições comuns, estes intermediários exprimem relações de trabalho que integram uma diversidade e uma complexidade de relações sociais. Eles enfatizam a expressão de um laço afetivo no ato de produção. Neste processo que aparece como uma constante destes atores, o saber essencial, aquele que determina claramente os sucessos comerciais, é o conhecimento circular. E, de uma certa forma, a afirmação do poder nômade sobre o poder sedentário que se manifesta pelo conhecimento dos caminhos que atraem homens e riquezas, é o poder de ser ignorante ou de contornar tudo que faz fronteira […]”, (Tarrius, 1997: 102).

É com estas conclusões, tendo analisado de maneira especifica este tipo de perfil social e espacial, que entramos em outro mundo de pesquisa – o Brasil - através de outro itinerário de pesquisa marcado sobretudo por um olhar antropológico.

O território-ciculatorio nas estratégias residenciais e de trocas. Olhar antropológico em St Laurent du Maroni, Belem (Guiana francesa e Brasil) 1993 à 2002

O ponto de partida do meu trabalho de pesquisa, enquanto antropóloga, na Guiana francesa, foi a análise das estratégias residenciais e de trocas (materiais e símbolicas) que as populações compartilham, deslocando-se permanentemente, nesta região. O conjunto de trocas insere-se tanto nos espaços da moradia, como nas beiras dos rios: na parte Oeste, o rio Maroni (fronteira com o Suriname) e, na parte Este, o rio Oiapoque, fronteira com o Brasil (Estado do Amapá). Uma primeira pesquisa de campo (1995-1998) construiu-se na parte Oeste da Guiana. Mais tarde, dei prosseguimento ao trabalho no período de 1999 até 2002, observando trocas e estratégias na parte fronteiriça com o Brasil (Amapá e Belém do Pará).

As estratégias de deslocamento, na Guiana apareceram como recursos: das aldeias do rio Maroni, ao habitat espontâneo a St-Laurent du Maroni até o realojamento em um habitat planejado em St-Laurent ou à cidade de Kourou, as populações organizam-se através das suas redes relacionais e desenvolvem uma micro atividade econômica nesses espaços. Espaços urbanos localizados freqüentemente mal articulados à cidade, ou localizados nos interstícios da cidade colonial, são os espaços "visíveis" destas trocas informais.

A minha preocupação vai associar a noção de “territórios circulatórios” (Tarrius, 1993) e, à de redes sociais (Granovetter, 1973). Estas últimas, de certa forma, participam de um processo de socialização à vida urbana. Neste sentido, pude perceber que as populações instauram estratégias para ter acesso à cidade: “querem a cidade” (Reginensi, 1996)

Tentei construir uma abordagem da pesquisa que não se situasse sobre os processos urbanos em sim, mas sobre o trabalho próprio do antropólogo no meio urbano (Agier, 1999: 35). Por isso, escolhi um foco microsocial da realidade urbana associado a um diálogo interdisciplinar, para desenvolver um trabalho de campo constituído de informações recolhidas no âmbito de relações de “face à face”. Durante meu primeiro período de trabalho de campo na Guiana Francesa, em 1995, dediquei minha atenção, sobre populações chamadas os “africanos” da Guiana[1], oriundas de fluxos migratórios. Entre os indivíduos que, na década dos 1970, começaram a ocupar as beiras do Rio Maroni na procura de melhores condições de vida, alguns se envolvem em atividades de comércio, na feira de St Laurent, nos espaços da moradia, ou nas estradas da vizinhança. A guerra civil em Suriname no ano 1986 provocou a chegada de um fluxo migratório importante até duplicar em uma noite só a população da cidade de St Laurent du Maroni.

Foi nesta época que começei a observar o processo de acesso à moradia, através da informalidade (o que no Brasil se chamaria de ocupações informais/invasões) e, nos programas planejados pelo Governo francês. Minha participação na vida destes indivíduos e nas suas atividades de comércio levou-me a visitar outros lugares na cidade de St Laurent tais como: o mercado de frutas e verduras ou as entradas dos assentamentos onde se colocam vários vendedores ou ainda em outras cidades da Guiana e, sobretudo Kourou. Isso porque trabalhei as redes de relações que se estendiam consideravelmente para além das comunidades estudadas. Interessei-me também por pessoas e instituições que se interrelacionavam com estes comerciantes. Esta primeira pesquisa e outras que se seguiram na Guiana e no Brasil (Reginensi, 2002, 2005) mostraram toda importância da relação dos indivíduos com a fronteira, não só na sua dimensão física, mas também na sua dimensão simbólica.

Assim, diferentes tipos de vendedores, mesmo em situações diferentes, têm em comum a relação vivida com a fronteira, no sentido que coloca Boaventura de Sousa Santos quando escreve que “viver na fronteira é viver em suspensão” (2001, p.347). Isto significa que os indivíduos não se fixam em um lugar mesmo se o desejam, se apresentando no mesmo tempo “daqui e dalí”, viajando sem parar de um lado para o outro da fronteira, ativando a rede no lugar de origem (no Suriname ou no Brasil no caso dos nossos entrevistados), mas também nos espaços urbanos de acolhida. A relação com a fronteira sugere também uma luta e uma negociação permanente com as formas de autoridade para preservar o seu lugar[2].

Estas pesquisas nas cidades amazônicas permitiram a elaboração de uma tipologia das economias informais observadas que propor uma reflexão sobre o nível e a natureza do laço social mobilizado, o que supõe que todos os tipos identificados podem em um momento ou outro se sobrepor. Pode-se dizer que durante as suas existências, os indivíduos podem passar de um modo econômico para um outro ou às vezes, se implicar simultâneamente em três tipos identificados:

- Uma economia familiar: consiste na auto-produção e no auto-consumo (dos produtos da roça como a mandioca, as frutas e os legumes), mas também da capacidade em mobilizar os laços familiares com uso comercial. A família substitui a empresa. Este tipo de economia se refere aos Negros da Guiana francesa e, sobretudo, aos Hmongs, população vinda do Laos que cultiva a terra em dois lugares da Guiana: Cacao, próximo de Caiena e Javouhey, perto de Saint Laurent. São os principais produtores de frutas e de legumes que vendem nos mercados de Caiena, Kouru e Saint Laurent. Em Belém, são cultivados produtos encontrados em diversas feiras, em particular, no Ver o Peso.

- Uma economia de sobrevivência: permite que cada indivíduo encontre os seus próprios meios de sobrevivência e o mínimo necessário para as trocas. Esta forma de economia informal é muito próxima das economias de sobrevivência africanas em uma sociedade do tipo pós-colonial. A preocupação dos indivíduos, principalmente das mulheres, é a falta de dinheiro. Uma entrevistada, mascate do mercado de Saint Laurent, declarou: estou cansada de ir buscar dinheiro com as minhas filhas para dar comida para a família! É nesta economia de sobrevivência que se encontram os wakaman[3] ou o comerciante do bairro (o qual, atrás da sua loja, pode ter uma garagem mecânica ou estocar mercadorias adquiridas mais ou menos legalmente). Atividades, novos trabalhos, “bicos”, “jobs” como se diz correntemente na Guiana, “biscate” em Belém, permitem aumentar os ganhos, obter rapidamente um complemento financeiro indispensável em um contexto de crise.

- Uma economia internacionalizada internacional baseada em redes familiais e sociais: trata-se de um tipo de comércio fundado nos laços sociais, éticos e familiais, funcionando nos mundos das diásporas. Encontrei verdadeiros empreendedores sem empresas, com grandes redes expancionistas ou pequenas famílias restritas no círculo do parente próximo (Peraldi, 2001: 16). É o caso de certos Negros que desenvolvem atividades na Guiana francesa, no Suriname e, além, em Miami ou na Europa (Amsterdam), ou das redes de ambulantes em Belém.

Mudança de paradigma e leitura antropológica de experiências de comércio de rua no Rio de Janeiro

Nos anos 2000/2001, a participação na rede internacional de pesquisadores PRISMA (Processus d’identification socio spatiale dans les métropoles des Amériques) coordenada pelo geógrafo Jérôme Monnet enriqueceu minha abordagem da cidade: em primeiro lugar, contribuiu para inscrever a mobilidade no centro das minhas preocupações e, permitindo um enriquecimento do meu paradigma de pesquisa, aguçando minha descrição e análise do processo no qual os vendedores envolvam-se. Por outro lado, o olhar cruzado do antropólogo/sociólogo/geógrafo e, uma metodologia comparativa para pesquisa na cidade, tanto na dimensão social como na dimensão espacial, permitiu abrir novas pistas para aprofundar a compreensão da complexidade dos espaços urbanos. Assim, não se tratava mais de focalizar a analise sobre o indivíduo, mas de observar de uma maneira mais detalhada os diferentes papéis que o sujeito vai desempenhar na interação.

Esta mudança foi da maior importância, em 2002, quando fui convidada a participar de uma pesquisa internacional comparativa no grupo de pesquisa “Núcleo de Pesquisa Favela e Cidadania” (Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Riode Janeiro), coordenado pela professora Fatima Gomes, participante da rede PRISMA. O objetivo da pesquisa era de entender como e em que as práticas de mobilidades do cotidiano, nos condomínios fechados e nas favelas, participam de movimentos de homogeneização ou de heterogeneização social no espaço urbano.

Este trabalho de campo foi revisitado com as minhas colegas brasileiras numa publicação mais recente (Cabral Gomes, Pelegrino, Lima & Reginensi, 2006). Este novo campo de pesquisa, numa metrópole (por conseguinte em uma nova escala) construiu também o meu percurso mais recente neste 5 últimos anos, na pesquisa urbana. Estas trocas repetidas levaram-me a integrar duas equipas de pesquisa : a do GRECAU na Escola de arquitetura de Toulouse e a do LISST/CIEU (Centro Pluridisciplinar de Estudos Urbanos) à Universidade de Toulouse o Mirail. A minha problemática centrou-se em torno do tema do comércio ambulante em Rio de Janeiro de Janeiro, observando várias experiências urbanas, o cotidiano dos vendedores em diferentes lugares da metrópole carioca, as interações com os clientes, os recursos, as redes mobilizadas e o conflito pelo uso dos espaços colectivos, numa perpectiva de desenvolvimento urbano sustentável.

Trabalhar sobre o desenvolvimento sustentável no contexto urbano precisa uma dupla reflexão, semântica e metodológica, para explicitar e precisar o uso desta expressão no contexto da cidade. Enfrentando dificuldades de usar um conceito cujo percurso teórico é obstruído por uma freqüente instrumentalização política, consideramos que esta dificuldade permite questionar a pertinência do olhar disciplinar, e estimulá-lo a se abrir à realidade complexa dos processos sócio espaciais.

Foi neste âmbito teórico, que estruturou o quadro de uma pesquisa de campo com 101 vendedores ambulantes no Rio de Janeiro (Gomes & Reginensi, 2007), que o olhar antropológico foi colocado em perspectiva numa analisa transversal envolvendo uma dimensão geográfica, permitida através do encontro com Nicolas Bautès.

O olhar cruzado e a reflexão crítica sobre as mudanças nos projetos urbanos na metrópole carioca

As mudanças ocorridas nos últimos 30 anos, no contexto das grandes metrópoles, acabaram tendo impactos na estrutura sócio-econômica, na organização das relações de trabalho, no mercado imobiliário, bem como na própria natureza da produção social e do consumo de bens e serviços (Soja, 1993). Além disso, estas mudanças têm influenciado aspectos culturais, simbólicos, no olhar de cada citadino. Seja qual fora a dimensão abordada, a vida urbana e os processos que ela engendra exigem, hoje mais do que nunca, uma interlocução entre vários campos e discussões das Ciências Humanas e Sociais.

Nossa participação no grupo de pesquisa FACI (Favela e Cidadania), foi uma oportunidade para desenvolver pesquisas que integram esta preocupação pela interdisciplinaridade e pela comparação em termos de pesquisa. E, poderíamos ir além: o objetivo do grupo, não é de definir um objeto comum de investigação, mas de chegar à uma definição deste objeto de pesquisa que poderia ser entendido e compartilhado pelos participantes do núcleo. Assim, foram escolhidos dois objetos a ser considerados e trabalhados no campo: o território considerado como um espaço definido em referência a um grupo de atores e, os sujeitos (atores sociais) que vivem neste espaço, apropriam-se dele, inventando novos territórios urbanos. Também consideramos importante refletir sobre a relação que se estabelece entre o território e os seus atores, isso permitindo colocar ao centro das nossas preocupações a dimensão social da sustentabilidade.

Figura 1
Processo de territorialização

Fuente: Di Méo, 1998

Este processo revela, como menciona-o Di Méo (1998: 278), a “reciprocidade do social e do espacial constitutivos do território, e que supõe práticas, representações, e aprendizagens coletivas”. Assim, analisar a política urbana no Rio de Janeiro e a dinâmica de atores em presença consiste, em primeiro lugar, definir um conjunto de questionamentos sobre os objetivos seguidos pelos atores, os procedimentos das iniciativas desenvolvidas, os instrumentos mobilizados; em segundo lugar, precisa contextualizar, ou seja, analisar as iniciativas individuais e coletivas observadas como processos incluídos em estratégias flutuantes, isso permitindo identificar dinâmicas mais complexas como o desfasamento eventual entre objectivos afirmados e resultados certamente atingidos, ou ainda efeitos imprevistos, se não perversos, que frequentemente tornam visível o sentido real de uma política.

Através da pesquisa comparativa “La petite fabrique locale du développement durable», partimos do princípio de que a pesquisa sobre esse tema deveria levar em conta a mobilização dos atores da cena local, de recursos intelectuais, financeiros, materiais.

A analise da questão da sustentabilidade urbana possibilitada pela nossa participação na pesquisa internacional, já mencionada- mostrou que a noção deveria antes ser examinada como o lugar e como plataforma de construção de sentidos. Este posicionamento nos permitiu organizar a pesquisa coletiva sobre as dinâmicas de mobilizações locais e sobre dispositivos específicos como as Agendas 21 ou, no caso da pesquisa no Rio de Janeiro, o Plano Estratégico. Além disso, a noção de desenvolvimento urbano sustentável revela contradições, desafios, bem como posturas múltiplas de números atores. Considerando isso, está envolvendo três dimensões (Brodhag: 2003): temporal (o curto e o longo prazo), espacial (entre local e global), e sistêmica (complexidade de problemas e jogos de atores se confrontam em permanência).

Partimos da hipótese que todos os caminhos que levam ao desenvolvimento sustentável passam sistematicamente em quatro registros fundamentais:

1) A eficácia econômica

2) A equidade social

3) A exigência democrática

4) A sustentabilidade ecológica

Em cada uma das situações estudadas emergem interpretações originais, assim como modos de conciliação específicos entre seus princípios, que induzem a uma hierarquização de objetivos, às vezes mesmo a ocultação de algumas dimensões. É a compreensão de filtros locais que nos permite a análise dos programas de desenvolvimento sustentável. Temos a preocupação, numa ótica comparativa, de confrontar essas diferentes orientações, articulando especificidades de configurações de atores enquanto levar em conta os efeitos do contexto.

Gostaríamos indicar que esta escolha, nos estudos de casos no Rio de Janeiro, foi baseada na analise do cenário urbano que favorece interações entre atores envolvidos, e que torna tanto lugar de aprendizagem bem como provoca mudança na forma de pensar a cidade e na maneira de atuar : “Estes atores não têm uma identidade positiva e sustentável. A transformação desta vai junto com a das causas que defendem, faz-se em função dos contextos de interações onde se comprometem (Cefaï e Trom, 2001).

Contextualização, projetos escolhidos, espaços e atores envolvidos

Na perspectiva de estudar o processo em torno do desenvolvimento urbano sustentável no espaço carioca a equipe de pesquisa do FACI, adotou como procedimento uma análise crítica do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ)[4] e estudo de três projetos implementados pela municipalidade. Através da identificação de estratégias e de conflitos de atores que se estruturam em torno desse projeto é apreender a complexidade inerente à cidade sustentável, ao mesmo tempo no nível programático e à escala de indivíduos e de grupos.

Através do exemplo de Barcelona que foi totalmente reformulada para sediar os jogos Olímpicos de 1992, visa-se transformar o Rio de Janeiro numa cidade global, competitiva, flexível. Esta proposta pode ser lida, a partir do início da década de 1990, no conjunto das diferentes políticas urbanas tais como: o projetos Rio cidade, o Favela Bairro, o projeto de revitalização da Zona Portuária e, mais recentemente, as intervenções realizadas para os jogos Pan-americanos (Reginensi, 2008). O estudo da “fábrica” de desenvolvimento urbano sustentável se apóia em três projetos desenvolvidos pela municipalidade do Rio de Janeiro, engajando uma série de atores, sem entretanto implicar em outras esferas do poder local, como, por exemplo, a Câmara Municipal. Entre os atores, responsáveis pela formulação do Plano Estratégico, identificamos, inicialmente da nossa pesquisa quatro grandes grupos de atores (pré-categorias de atores) políticos,econômicos, associativos e usuários dos locais) e quatro perguntas principais: Quem atua? Em quais condições? De acordo com quais formas de legitimidade? De acordo com qual estratégia?

No estudo dos projetos mencionados, voltamos a discutir e reconfigurar o papel destes grupos de atores, tento sido introduzida a referência ao território que estes atores mobilizam no cotidiano e, por fim, as modalidades de relação e de participação deles no projeto.

Os projetos escolhidos para estudo concernentes aos seguintes espaços:

1. A Orla de Copacabana, recentemente objeto de um estudo de um projeto de reabilitação que consiste, em sua fase atual, reordenar os quiosques de venda de comidas e bebidas. Esta iniciativa coloca em evidência ao mesmo tempo os desafios econômicos e simbólicos deste espaço em torno do qual convergem fluxos de turistas e habitantes e as estratégias inerentes à sua valorização.

2. A favela da Rocinha, que dispõe hoje de um estatuto de Região administrativa da cidade, mas cujo solo permanece ilegal na maior parte de seus espaços. Desde alguns anos, a Rocinha é submetida a uma reflexão de envergadura tendo em vista sua reabilitação. Outra intervenção que engaja um vasto projeto urbanístico ainda por vir,  envolve uma empresa contratada pelo Estado,  visando regularizar o solo urbano, através da atribuição de títulos de propriedade a seus ocupantes. Este processo de regularização fundiária é uma etapa determinante para a integração desse espaço à dinâmica da cidade dita “formal”.

3. A favela Morro da Providência, objeto de um programa de urbanização, Favela-Bairro, terminado em 2000 e, desde 2003, de uma iniciativa municipal visando a sua valorização para fins turísticos, estruturada em torno da implementação de um “museu a céu aberto”. Este é constituído por um itinerário no seio da favela, passando por antigas habitações protegidas a título de patrimônio nacional. Esse tipo de intervenção é inédita com relação ao tratamento dado a favelas pelo poder público, enfatizando o potencial econômico inerente à sua valorização turística e cultural.

Procedimentos metodológicos

Para o desenvolvimento da pesquisa utilizamos os seguintes procedimentos metodológicos

1. Aprofundamento teórico e análise relativa aos temas objeto de nosso estudo: cidade e globalização, política urbana, revitalização urbana, empresariamento urbano, luta simbólica.

2. Levantamento de matérias em jornais de maior circulação na cidade (O Globo e Jornal do Brasil) relacionadas ao nosso objeto de estudo;

3. Observação de campo e construção de uma etnografia do lugar (principalmente em Copacabana)

4. Aplicação de instrumentos de coleta de dados, durante um mês, em cada local (abril,agosto e, setembro de 2006): foi aplicado um questionário,aos modradores das favelas e, adaptado a três tipos de atores na Orla de Copacabana: Os trabalhadores na Orla (ou seja quiosqueiros, barraqueiros e vendedores ambulantes), moradores dos bairros de Leme e Copacabana, freqüentadores ocasionais (moradores de outros bairro no Rio de Janeiro) e turistas.- A partir de uma amostra aleatória-

No total foram aplicados 113 questionários na Orla, 100 questionários com os moradores do Bairro Barcellos na Rocinha e, 80 questionários com habitantes no Morro da Providência.

Os questiónarios foram centrados em torno do indivíduo, de seu percurso profisional e residencial e nas suas representações tanto do local como do projeto.

Completamos a pesquisa de campo com entrevistas semi-estruturadas:

As entrevistas foram estruturadas contemplando sete dimensões em cada um dos projetos estudados:

1. Dimensão política do projeto, de maneira a identificar a função, o papel que representa o poder local e, identificar os laços com outros níveis de poder, identificar a opinião do entrevistado em relação aos projetos

2. A dimensão institucional, de maneira a reconstituir a cronologia dos projetos e identificar as novas estruturas criadas ou não pelos projetos e entender como se avaliam os projetos

3. A dimensão simbólica, tentando abordar a questão da renovação dos lugares, da imagem, do desenvolvimento de novas atividades

4. A dimensão arquitetônica, urbanística e jurídica em cada projeto, buscando identificar impactos e, possiveís rupturas no espaço urbano do bairro e da cidade

5. A dimensão econômica financeira, para conhecer os custos dos investimentos e as instituções que financiam ou que incentivam os projetos e observar as possibilidades de geração de trabalho e renda pela população dos locais.

6. A dimensão sócio-ambiental, em termos de proteção do ambiente e também de retorno social

7. A dimensão da participação, para investigar como foram criadas ou não as condições para desenvolver um processo participativo: circulação de informações sobre o projeto, modalidades de participação dos sujeitos envolvidos.

Principais comentários sobre os resultados

Cada um desses projetos, considerando seu domínio de intervenção, conta com a participação de empresas privadas em parceria com a municipalidade e de organizações não-governamentais (ONGs), que acompanham e se responsabilizam pelo projeto com representantes da sociedade civil. Estes atores freqüentemente tomam posições contrárias às iniciativas municipais.

 Os atores usuários têm um conhecimento do local e uma verdadeira preocupação para melhorar as suas condições de moradia e/ou de trabalho. Apesar de serem constrangidos por uma ampla variedade de riscos, estes indíviduos agem. Concordamos assim com Amartya Sen (2000) quando este afirma que a abordagem das capacidades dos sujeitos é fundamental na pespectiva de um desenvolvimento urbano sustentável.

Percebemos também que a questão da participação tem um papel relevante nos discursos de todos os atores envolvidos, mas que, em todos os casos estudados, a participação, como processo, contempla várias etapas (Estivill,e ali,2006), e possui uma grande dificuldade para se estruturar. Por exemplo: existem muitos suportes de informação que apresentam os projetos, mas a maioria dos sujeitos interessados afirma desconhecer os projetos ou se sentem excluidos quando tentam participar dos projetos.

Para dar continuidade a nossa pesquisa, parece-nos importante repensar a participação como um processo que necessita de uma fase prévia de abordagem que está completamente ausente dos projetos estudados. Esta fase de preparação consiste em fixar os objetivos, estruturar um quadro de referência, abrir um espaço de difusão e compartilhamento da informação, identificar as competências dos envolvidos, incluindo os dos moradores/usuários. Essa fase visa definir de forma coerente os diferentes papéis, colaborando na preparação da avaliação.

Segundo nossos colegas brasileiros, não é suficiente participar, mas é necessário qualificar os indivíduos para esse processo. Dessa forma, as informações sobre a cidade e o debate sobre a mesma tornam-se constituintes dos direitos do cidadão (Saiwa, 1996).

Conclusão: alguns elementos para a discussão

Através das reflexões teóricas e dos exemplos de pesquisas empíricas aqui apresentadas, gostaríamos de levantar uma discussão acerca das questões que, ao pensar a cidade em processo de mudança e em termo de sustentabilidade, não podem ser negligenciadas.

A primeira idéia é evidenciar as diferenças de nossa abordagem, ou seja, trabalhar os limites da interdisciplinaridade. E preciso desconstruir, em uma fase de reflexão prévia à pesquisa, a rigidez dos diferentes conceitos presentes em cada disciplina. Foi assim particularmente discutido as noções de espaço e de território, bem como a de atores. Em uma perspectiva metodológica, foi colocada a questão da diversidade das escalas envolvidas nos processos analisados, que revelam uma multiplicidade de referências e de relações sociais e de laços ao espaço, definido este como um local especifico, isto é, um elemento de referencia mais ampla, seja econômica, política, ou sensível. Concordamos assim com a definição do território como espaço vivido pelos atores (Santos, 2000), tendo como ponto de enfoque o território, os sujeitos ou as interações, mas considerando sobretudo que os grupos humanos só existem como atores sociais numa tensão permanente e com vários constrangimentos que pesam sobre eles. Estes atores, através de múltiplos esforços, tentam construir coerentemente suas ações. Trata-se de uma análise compreensiva dos comportamentos dos atores que a partir de estratégias diferentes envolvem necessariamente o aspecto territorial. As formas que estas estratégias são mediatizadas ou se materializam na cidade permitem posicionar precisamente o lugar do espaço no processo social.

A segunda idéia é identificar os limites das intervenções urbanas e consequentemente da sustentabilidade. Esta não pode ser considerada como uma noção abstrata, mas como condição complexa do desenvolvimento territorial. Trata-se assim de um objetivo mais amplo que consiste, na base do trabalho de campo realizado, de prosseguir e compartilhar a presente reflexão para se poder entender melhor tanto os processos urbanos contemporâneos quanto as maneiras como as ciências sociais podem responder ao desafio teórico e metodológico imposto pelo paradigma da sustentabilidade.

Notas

[1] Bushinengue ou Negros são de origem africana, antigos escravos que fugiram das plantações da Guiana holandesa antes da abolição da escravatura e se dispersaram sobre o território das Guianas. Eles são compostos de várias etnias: os Bonis, os Djukas , os Saramakas e, os Paramaca.

[2] Observei este fenômeno em de Saint Laurent du Maroni, em Belém, em Recife e,em pesquisas mais recentes, no Rio de Janeiro: os vendedores ambulantes devem lutar com os poderes públiocs para preservar o lugar na rua, atingir uma legitimidade como comerciante de rua.

[3] O wakaman é um jovem, de 15 a 30 anos de origem crioula, negro, índigena ou brasileiro que evolui na região de Saint Laurent, mas também em outras cidades da Guiana, do Suriname e do Brasil. Reconhecem-se através de sinais, da linguagem, mas também através das roupas: tênis de marca Nike), bonés, camisetas, calças, bijouterias de ouro. Escutam um estilo de música: reggae, ragga rap. As atividades deles concentram-se no setor urbano, Não possuem carteiras de identidade, seja qual for a nacionalidade deles. Sabem quem repara um motor de carro, quem fabrica um barco ou onde encontrar as mercadorias as mais diversas: álcool, cigarros, e outros objetos possíveis de serem revendidos. Trabalham em função das oportunidades e estabelecem redes de contato. (trabalho de campo em 1997/1998)

[4] A prefeitura do Rio de Janeiro inicia, em 1993, uma corrida para abrigar os Jogos Olímpicos de 2004, que finalmente não se realizaram na cidade. Inúmeros projetos urbanísticos foram priorizados para este fim, culminando no Plano Estratégico da cidade do Rio de Janeiro (PCRJ-I chamado “Rio sempre Rio”). Em 2001, este plano foi revisado, dando origem ao PCRJ-II “ As cidades da Cidade”. <http:// http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico%20consultado%20setembro%20de%202007>.[Acessado no mês de setembro/2007].

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