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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

POLÍTICAS DE PROTEÇÃO AOS POVOS INDÍGENAS ISOLADOS NO BRASIL E NA BOLÍVIA

Maria Angela Comegna
Universidade de São Paulo
macomegna@uol.com.br

Políticas de proteção aos povos indígenas isolados no Brasil e na Bolívia (Resumo)

Os povos indígenas isolados são compostos por grupos indígenas com ausência voluntária de relações ou com pequeno contato frente às sociedades nacionais da América do Sul, representando um fenômeno social único no mundo. Estas populações têm como principais características a persistência cultural de práticas e valores, bem como a conservação de ecossistemas.  A maior parte dos povos isolados localiza-se na Bacia Amazônica, ocupando muitas vezes, áreas localizadas entre países com legislações e mecanismos de controle diferentes, demonstrando a ausência de uma política de cooperação regional eficiente em relação a estes povos. Assim, nosso objetivo principal é estabelecer uma comparação entre as normas e políticas de proteção relacionadas aos povos indígenas isolados do Brasil e da Bolívia, oferecendo elementos que possam contribuir para o estabelecimento de uma cooperação regional entre os Estados amazônicos para a proteção desses povos.

Palavras Chaves: Povos indígenas isolados, povos indígenas amazônicos, bacia amazônica, recursos naturais

Políticas de protección a los pueblos indígenas aislados en Brasil y en Bolivia (Resumen)

Los pueblos indígenas aislados son grupos en situación de aislamiento voluntario o  en contacto inicial con las sociedades nacionales de América del Sur. Representan un fenómeno social único en el mundo. Esas poblaciones tienen como principal característica la persistencia cultural de prácticas y valores así como la conservación de ecosistemas. La mayor parte de los pueblos aislados se encuentra en la cuenca amazónica, ocupando muchas veces areas ubicadas entre países con legislaciones y  mecanismos de control diferentes, lo que demuestra la ausencia de una política de cooperación regional efectiva en relación a estos pueblos. De esta manera, nuestro objetivo principal es establecer una comparación entre normas y políticas de protección relacionadas a los pueblos indígenas de Brasil y de Bolívia, que ofrezca elementos que puedan contribuir  para el establecimiento de una cooperación regional entre los Estados amazónicos para la protección de estos pueblos.

Palabras clave: Pueblos indígenas aislados, pueblos indígenas amazónicos, cuenca amazónica, recursos naturales

Protection policies by isolated indigenous people in Brazil and Bolivia (Abstract)

The isolated indigenous people are composed by groups with a few contacts with the traditional societies in South America, representing the social phenomenon in the world. This population has the principal characteristic of conserving theirs practices, issues and culture, as well as the ecosystems protection. The most isolated indigenous groups are in Amazon Basin in areas located among countries with the deferent laws and control mechanisms, showing efficientt non-polices of integration regional for this people. Then, the article, itends support comparison among the laws with the protection in Brazil and Bolivia for the indigenous isolated people, giving elements that may contribute for the support to the protection.

Key words: Isolated indigenous people, Amazonian indigenous people, Amazon basin, natural resources

Fenômeno social único no mundo, os povos indígenas isolados da América do Sul são uma realidade de todos os países da Bacia Amazônica, como o Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

A denominação de povos isolados se refere ao fenômeno dos grupos indígenas com ausência de relações frente às sociedades nacionais ou com baixas mostras de relação e contato (Toledo 2007, p. 322). Essa noção de isolamento, voluntário ou obrigatório, se relaciona com o ato de evitar a interação com agentes da civilização e das sociedades nacionais.

A decisão de isolamento desses povos é resultado dos encontros com efeitos negativos para suas sociedades, como infecções, doenças, epidemias e morte, atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam vulneráveis seus territórios e entorno natural, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua continuidade histórica.

Esse ato de vontade de isolamento também se relaciona com a experiência de um estado de autarquia social, próprio de povos amazônicos, quando a situação os leva a suprir de forma autônoma, suas necessidades sociais, materiais ou simbólicas, evitando relações sociais que poderiam desencadear tensões ou conflitos interétnicos.

Seu maior contingente populacional localiza-se na Bacia Amazônica pelo fato de que a região ficou à margem, nos séculos passados, dos surtos econômicos, fazendo com que esses povos se estabelecessem atualmente onde a atividade predatória e a espoliação permitiram (Cunha 1994, p.4).

As políticas de proteção demonstradas pelos Estados Nacionais da América do Sul a favor dos povos isolados têm sido escassas, só muito recentemente esses povos passaram a receber reconhecimento público e tratamento formal no que tange à sua proteção, demonstrando o pouco interesse dos Estados sul-americanos em torno da questão.

Os povos ocupam muitas vezes, áreas transfronteiriças localizadas entre países, com legislações e mecanismos de controle diferentes, demonstrando a ausência de uma política de cooperação regional eficiente em relação a estes povos.

De maneira geral, a proteção dos direitos humanos que os assistem (individuais e coletivos) tem estado subordinada às visões de povos indígenas contatados (iniciativas de reconhecimento e etnodesenvolvimento, reivindicação de direitos e outros) ou ligada a interesses industriais extrativistas, o que tem levado a tornar invisível a existência dos povos indígenas isolados e de sua problemática.

Devido à necessidade de permanecer em isolamento, estas populações, a exemplo de outras populações tradicionais, têm como principais características a persistência cultural de práticas e valores que combinam o passado com o presente e o futuro (Zanirato e Ribeiro 2007), bem como a conservação de ecossistemas em risco de degradação e destruição.

Cabe mencionar que uma alta porcentagem de povos em isolamento desenvolve sua vida em ecossistemas únicos e de importância mundial. Esses povos se constituem “devido ao conhecimento acumulado através do tempo, em um dos principais atores na gestão e uso sustentável da biodiversidade” (Comegna 2006a, p. 147).

Na maioria dos casos esses ecossistemas constituem áreas protegidas, confirmando a necessidade de empreender esforços para fortalecer seus direitos em relação às estratégias nacionais e internacionais de conservação e incidir a favor de políticas e medidas de proteção.

O número estimado de grupos étnicos em isolamento na Bacia Amazônica ainda é questionável devido à escassa informação existente a respeito de sua cultura e dinâmica sócio-cultural; no entanto, um dado preliminar descreve, ao menos, uma centena de povos de diversas origens étnicas e lingüísticas em condições de isolamento: os povos indígenas isolados representariam cerca de 5000 homens e mulheres, quantidade baixa em relação à aproximadamente ao milhão de indígenas localizados na região (Toledo 2007).

Porém, apesar de sua baixa demografia, sua contribuição à conservação é imprescindível, já que com suas práticas socioculturais possibilitam a manutenção e viabilidade de importantes ecossistemas.

Assim, nosso principal objetivo neste trabalho será o de estabelecer uma análise comparativa entre as principais normas e políticas de proteção nos âmbito internacional e local, relacionadas aos povos indígenas isolados do Brasil e da Bolívia. Pretendemos, com esta análise, oferecer elementos que possam contribuir para o estabelecimento de uma cooperação regional entre os Estados amazônicos para a proteção desses povos.

Normas e políticas de proteção de âmbito internacional

O reconhecimento legal e a elaboração de mecanismos e políticas proteção não devem se limitar aos povos indígenas, devendo incluir também a proteção e a conservação dos territórios, da biodiversidade e dos recursos naturais que viabilizam a permanência, persistência cultural e histórica dos povos isolados (Rivas 2007, p. 325).

No âmbito internacional, os povos indígenas isolados encontram diversos graus de proteção por meio de convênios, tratados e declarações, como os relacionados a seguir:

A Convenção 169 da OIT é, até o momento, o instrumento internacional que representa o tratado mais avançado sobre o tema. Seus dispositivos estabelecem para os países que ratificaram, normas mínimas que visam à proteção dos grupos menos favorecidos, considerando uma igualdade de tratamento entre os povos indígenas e demais integrantes das sociedades nacionais.

Porém, ela não estabelece quem seriam os povos indígenas e tribais, pretendendo-se que os próprios povos determinem sua origem por meio da autodeterminação ou de sua identidade indígena ou tribal. A Convenção não menciona os povos isolados, mas em seu artigo 14, existe uma menção à situação dos povos nômades ou itinerantes, o caso de muitos grupos indígenas em isolamento (Organização Internacional Del Trabajo 1989).

Os demais instrumentos de proteção relacionados acima, a exemplo da Convenção 169 da OIT e igualmente importantes, pretendem estabelecer um conjunto de normas mínimas de proteção à integridade desses povos, garantido a sua sobrevivência e o direito do não contato com outros povos.

Paralelamente ao desenvolvimento de dispositivos legais internacionais de proteção aos povos indígenas isolados, vêm surgindo nos últimos vinte anos, organizações indígenas[1] e da sociedade civil que incorporaram a questão desses povos.

Dentro desse contexto, insere-se a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN)[2], organização não governamental que estabeleceu a partir do ano de 2003, durante a realização do Congresso Mundial de Parques em Durban, na África do Sul, linhas de trabalho relacionadas à proteção dos povos móveis (nômades e seminômades) e isolados na América do Sul.

Para a UICN, a importância dos povos indígenas isolados reside no reconhecimento de que eles representam a combinação da promoção dos direitos humanos, inclusive os indígenas e ambientais, com a gestão participativa de áreas de conservação, promovendo desta forma, afirmação da territorialidade dessas populações, proteção das suas vidas e a conservação de partes dos ecossistemas frágeis.

O Brasil e a proteção aos povos indígenas isolados

O Brasil é o país que apresenta as políticas de proteção aos povos indígenas isolados mais avançadas da região, além de possuir o maior número desses povos em seu território, onde existem pelo menos 30 povos, dentre os quais se destacam os Korubo, Hi-Merima, Massaco, Zo ‘é, Pipititicua, Awá, Caru, Araribóia, Kampa, Menkragnoti, Machineri, Jaminawa, Maku-Nadeb, Akurio, Jandiatuba, Piruititi, Jamamadi, famílias Kaiapó, Tupi,Waiapi-Ianeana, entre outros (Brackelaire 2006). Desses povos, dezessete estão em eminência de extinção.

A seguir (quadro 1) apresentamos a relação de povos isolados ameaçados de extinção, sua localização geográfica e a situação de risco a que estão expostos em suas terras. (CIMI, p. 187).

 

Quadro 1
 Povos indígenas isolados do Brasil ameaçados de extinção

POVOS ISOLADOS

LOCALIZAÇÃO

SITUAÇÃO DE RISCO

Isolados do rio Chandless – índios Madijá

Acre

Criação de um Parque Estadual

nas terras indígenas

Isolados do Igarapé Jacareúba/Katauxi

Amazonas

Expansão do agronegócio

Isolados do Alto rio Marmelos (provavelmente índios Tenharim)

Amazonas

Plantação de soja

Isolados do Kurekete (índios Kaxarari e Índios Suruaha)

Amazonas

Desmatamento acelerado e massacre promovido por sorveiros (coletores de látex) e mortes rituais, ocasionadas pelo desequilíbrio na estrutura social dos indígenas

Isolados do Bararati

Amazonas (município de Apuí) e Mato Grosso (município de Cotriguaçu)

Exploração madeireira, garimpeira, fazendas e projetos de colonização

Isolados do rio Pardo

Amazonas (município de Apuí) e Mato Grosso (município de Colniza)

Genocídio praticado por madeireiros, grilagem de terras

Isolados do rio Moreru/Pacutinga (índios Yakara Waktá)

Mato Grosso

Exploração madeireira, grilagem de terras, plantio de soja

Isolados Piripkura (índios Tã-Igwé)

Mato Grosso

Grilagem de terras

Isolados “Baixinhos”

Mato Grosso

Agronegócio e projetos de assentamento

Isolados do rio Tanaru (índios do Buraco)

Rondônia

Massacre praticado por fazendeiros da região

Isolados Jururei e índios Canoé e Akunsu

Rondônia

Invasão das terras por colonos e fazendeiros, massacre promovido provavelmente por pecuaristas

Isolados do rio Novo e Cachoeira do rio Pacaa  Nova

Rondônia

Garimpo

Isolados do rio Mutum/Uevae

Rondônia

Grilagem de terras públicas

Isolados do rio Formoso e Jaci-Paraná (índios Pacaa Nova e Kassupá)

Rondônia

Sem informação

Isolados do Igarapé Karipuninha

Rondônia/Amazonas

Agronegócio, hidrelétricas de Santo Antônio e Girau (rio Madeira), plantação de soja e fazendas de gado

Isolados do rio Candeias (índios Karitiana)

Rondônia

Madeireiros, glilagem de terras, garimpo

Índios Awá Guajá

Maranhão

Exploração madeireira

Índios Juma

Amazonas

Massacre promovido por castanheiros

Índios Arara (Ugorogmo)

Pará

Invasões da terra por fazendeiros e assentamento do governo na região

Fonte: CIMI, s.d. Elaboração própria.

 

Esses povos encontram-se indiretamente protegidos pela Constituição federal de 1998. A Constituição reconhece a organização social e cultural e as diferenças culturais dos povos indígenas, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade, colocando como dever do Estado a sua proteção (art.231) e defesa dos seus direitos (art.232). O artigo 22 estabelece que, compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas. O artigo 49 disciplina em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos, a pesquisa e a lavra de riquezas minerais. No art. 129, está disposto que é função institucional do Ministério Público, defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas, no art.210, está o direito ao ensino fundamental nas línguas maternas das comunidades indígenas e no art.67, fica estipulada a demarcação de terras indígenas em cinco anos (Presidência da República 1988).

O órgão responsável pela proteção aos povos indígenas isolados é a Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII), vinculado à Fundação Nacional do Índio (FUNAI)[3], criado no ano de 1967 e tendo por referência a Constituição de 1998.

Segundo a FUNAI, são considerados índios isolados aqueles grupos que não estabeleceram contato permanente com a população nacional, diferenciando-se das sociedades indígenas já contatadas. Atualmente, o CGII dispõe de 46 informações sobre a possível existência de índios isolados no território nacional, sendo que a grande maioria localiza-se na Amazônia Legal.

A partir do ano 2000, a FUNAI estabeleceu oito diretrizes para nortear a política de proteção e tratamento aos povos indígenas isolados, que basicamente tem por objetivo principal a garantia da plena liberdade a esses povos, inclusive o a não obrigatoriedade do contato.

Essas diretrizes também indicaram programas destinados à localização desses povos, visando à manutenção de seus territórios, riquezas naturais e saúde e cultura. Além disso, ficou determinada a proibição de quaisquer atividades econômicas ou comerciais no interior das áreas por eles ocupadas.

Por fim, as diretrizes ainda determinam que a formulação da política para os povos isolados e sua execução, independentemente de sua fonte de recursos, será elaborada e regulamentada pela própria FUNAI, conforme a Ordenança n.281/PRES de 20 abr. 2000 (Dos Santos e Méndez  2007, p. 209).

A execução da política de localização, vigilância e proteção aos indígenas isolados é realizada por equipes denominadas de Frentes de Proteção Etno-ambiental (Ordenança no. 290 de 20 abr. 2000).

Essas frentes, que só estabelecem contato com os povos isolados nos casos estritamente necessários, são dotadas de recursos financeiros realocados da FUNAI. No entanto, esses recursos tem sido insuficientes para atender às demandas de atividades necessárias à proteção a esses povos.

Enquanto isso, além da falta de informação segura sobre as áreas ocupadas pelos povos, rapidamente suas terras são ocupadas de forma irregular e suas riquezas saqueadas.

Cabe ainda ressaltar que a demarcação de terras indígenas pelo governo brasileiro, constitui um avanço da política brasileira no reconhecimento dos direitos dos primeiros povos que habitaram o país (Medeiros e Garay 2006).

A política de demarcação de terras indígenas se tornou efetiva a partir da década de 1970, com a instituição da FUNAI (1967) e do Estatuto do Índio (1973), que lançou as bases para as que as demarcações de Terras Indígenas fossem realizadas.

Embora as terras indígenas não fossem consideradas durante muito tempo, como áreas protegidas, elas representaram uma importante iniciativa de conservação e uso da biodiversidade pelas populações autóctones (Medeiros e Garay 2006). O próprio Estatuto do Índio estabelece que sejam preservadas as reservas de flora e fauna e as belezas naturais dos Parques Indígenas.

As terras indígenas brasileiras e a sua integração à política nacional de gestão de áreas protegidas foram reforçadas a partir da década de 1990, com o Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras, o PPG7, possibilitando o reconhecimento e demarcação de terras indígenas na região amazônica (Mello 2006).

A Bolívia e os povos indígenas isolados

A Bolívia ocupa o terceiro lugar com relação ao número de povos em isolamento, depois do Brasil e do Peru.

A proteção a esses povos passou a ser especialmente considerada pelo atual governo da Bolívia e pelos projetos e ações da organização indígena nacional, CIDOB, iniciando-se o processo de elaboração de uma política eficiente de proteção.

Esses povos encontram-se diretamente protegidos pela Constituição de 1994, que em seus artigos 1o e 171o, “fica disposta a natureza multiétnica e pluricultural da Bolívia, bem como o reconhecimento da identidade, valores, costumes e instituições dos povos indígenas e originários” (Comegna 2006b, p. 118).

No país, o número de povos isolados é indeterminado, embora se identifique, pelo menos, cinco grupos étnicos: Toromona, Nahua, Mbya-Yuki, Ayoreo e Pacahuara, estando esses últimos localizados no Departamento de Pando e na fronteira entre a Bolívia e o Brasil (Brackelaire 2006). A seguir (quadro 2), apresentamos os principais povos indígenas isolados da Bolívia e sua localização por Departamentos.

 

Quadro 2
Localização dos povos indígenas isolados da Bolívia por Departamento

POVOS ISOLADOS

DEPARTAMENTOS

Ayoreo (Parque nacional Kaa Iya)

Chaco boliviano

Mbya-Yuki (Terra Yuki e rio Usurinta)

Santa Cruz

Yurakaré

Santa Cruz e Beni

Pacahuara (Terra Chacobo)

Norte do Pando e fronteira entre o Brasil e a Bolívia

Araona (Terra Araona)

Norte de La Paz

Toromona (Parque Nacional Madidi)

Norte de La Paz

Nahua (Parque nacional Madidi)

Norte de La Paz

Esse Ejja

Norte de La Paz e fronteira entre a Bolívia e o Peru

Fonte: Brackelaire, 2006. Elaboração própria.

 

As famílias isoladas (nucleares ou extensas) desses grupos poderiam alcançar o número de 20, embora esse dado seja preliminar. Essas famílias continuam sob um sistema de organização social e econômica baseada no nomadismo.

A maior parte desses povos isolados amazônicos localiza-se nos Departamentos de Beni e Pando. Esses povos também foram alijados de seus territórios e enfrentaram ao longo da história, conflitos sistemáticos com madeireiros, castanheiros, seringueiros e criadores de gado: “alguns foram utilizados como mão-de-obra forçada, outros reduzidos em assentamentos urbanos uma vez que perderam suas terras, outros confinados nas áreas marginais dos que foram seus territórios marginais” (Nassar 2007, p. 286).

Além disso, outro fator que denuncia a vulnerabilidade atual desses povos advém do fato de que há a predominância de homens entre sua população, pondo em risco suas possibilidades de reprodução biológica.

Nenhum dos povos indígenas isolados do país mantém suas características originais, como as tribos virgens de contato. Seu isolamento é explicável pelas lutas e conflitos que tiveram que enfrentar ao longo de sua história, afetando dramaticamente suas instituições e sua forma de vida sendo, portanto, pouco provável que ainda exista um grupo que não tenha sofrido influências diretas ou indiretas da sociedade nacional.

Assim, apesar da necessidade urgente de políticas específicas que garantam a sobrevivência desses povos, a informação existente sobre eles é ainda muito incipiente. Com exceção dos Toromona, os grupos em isolamento voluntário são parcelas de povos já contatados que optaram por esta condição de vida. Como explica Nassar, esses grupos

“correm o risco de serem contatados por membros de seus próprios povos que se encontram em contato intermitente ou permanente com a sociedade nacional, expondo-se a enfermidades, entre outras conseqüências, para as quais não tem defesas. Por isso, a proteção de seu direito ao isolamento significa também um trabalho com cada um dos povos a que pertencem e que possuem outro tipo de organização social derivada de certo grau de integração social. As organizações desses povos serão então protagonistas privilegiados na proteção dos grupos isolados” (Nassar 2007, p. 289).

A Bolívia ainda não estabeleceu políticas públicas nacionais eficientes direcionadas à sua proteção, mas percebe-se que a proteção dos povos indígenas isolados no país pressupõe um amplo acordo entre as partes envolvidas, além da formulação de planos de gestão territorial indígena.

A exceção que pode ser destacada é que, em 15 de agosto de 2006, o governo boliviano promulgou a Resolução Administrativa no 48/2006, através do Servicio Nacional de Áreas Protegidas (SERNAP), a entidade que administra os parques nacionais do país, declarando o território onde habita o povo Toromona, como "Zona Intangible y de Protección Integral de Reserva Absoluta".

Presume-se que os atuais Toromonas sejam os herdeiros dos povos Toromonas históricos que enfrentaram os conquistadores espanhóis durante o século XVI, provenientes de Cuzco (Cingolani 2006).

O território declarado Reserva Absoluta se encontra dentro do Parque Madidi, uma área protegida de aproximadamente 19 000 Km2, e se constitui em um dos reservatórios de biodiversidade mais importantes do Planeta, além de incluir todo o curso do rio Colorado, as nascentes e parte do curso do rio Heath, além da quase totalidade dos cursos dos rios Eanjewa e Enatawa.

O território também se limita com o Peru, demonstrando assim a necessidade absoluta do estabelecimento de uma cooperação regional entre os Estados amazônicos para a proteção desses povos.

 A Reserva Absoluta é caracterizada pela existência de uma floresta tropical úmida, um dos ecossistemas considerados como prioridade global para a manutenção e conservação, devido aos recursos naturais que encerra. Por isso, a Resolução no48 proíbe todas as atividades de prospecção, exploração e extração de quaisquer recursos naturais. Essa foi a primeira norma explícita criada na Bolívia a favor dos povos indígenas isolados.

As bases jurídicas da Resolução foram fundamentadas na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da OIT das Nações Unidas, da qual a Bolívia é signatária.

Reflexões finais

Nos últimos anos a questão indígena tem despertado a atenção do Brasil e demais países amazônicos, em vista da crescente importância da Floresta Amazônica como um dos últimos redutos naturais do Planeta.

Atuais vítimas do processo de globalização, os povos indígenas isolados passam a ser vistos por muitos como uma barreira para a expansão do capital e da cultura globalizada.

Assim, diante dos contextos de vulnerabilidade que ameaçam esses povos, fica claro que devem ser tomadas medidas, tanto imediatas quanto estruturantes, por parte dos Estados, dirigidas à proteção dos seus direitos.

Esse enfoque se complementa com a conservação da biodiversidade, dada a sua vinculação com a proteção dos territórios, ecossistemas e recursos naturais. Em termos políticos a proposta se enquadra na construção de sociedades democráticas multiculturais que possibilitem a coexistência harmoniosa entre culturas diferentes, num contexto de participação, eqüidade e transparência.

Entre as ações urgentes, destaca-se a necessidade de divulgação junto à opinião pública, da situação em que se encontram esses povos, denunciando assim, situações de risco iminente a que essas populações estão expostas.

Percebe-se também que a cooperação entre os países da Bacia Amazônica que abrigam a maioria desses povos, é um processo complexo e difícil, porém necessário para proteger os seus direitos, principalmente daqueles localizados nas fronteiras dos países.

Por isso, é preciso estreitar a cooperação internacional relacionada ao tema e trabalhar para o estabelecimento de instrumentos institucionais legítimos capazes de garantir os seus direitos.

O eixo dessa política é claramente a consolidação territorial e a adoção de medidas específicas para cada povo e região em que serão aplicadas.

Isso significa que os processos de gestão territorial em curso devem considerar o critério de proteção das áreas em que se localizam os povos indígenas isolados.

 

Notas

[1] Como exemplos de organizações indígenas que vêm atuando em prol desses povos podemos citar a Confederación de Pueblos Indígenas de Bolívia – CIDOB, disponível em <http://www.cidob-bo.org> e a Coordinadora de las organizaciones indígenas de la cuenca amazônica - COICA, disponível em <http://www.coica.org>. [20 de março de 2008].

[2] UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza. Disponível em <http;//www.iucn.org> . [24 de janeiro de 2008].

[3] FUNAI– Fundação Nacional do Índio. Disponível em <http://www.funai.gov.br>. [22 de janeiro de 2008].

 

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