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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

 

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E AS REFORMAS EDUCACIONAIS

José Eustáquio de Sene
Doutorando em Geografia Humana no Depto de Geografia da Universidade de São Paulo
eusene@uol.com.br


A sociedade do conhecimento e as reformas educacionais (Resumo)

A atual revolução tecnológica vem impondo mudanças na economia, na cultura etc. É compreensível que imponha mudanças também no sistema educacional, que, em quase todos os países, vive pressionado pela necessidade de adaptação. Nesse contexto, o conhecimento ganha cada vez mais importância, a ponto de muitos autores afirmarem que vivemos em uma sociedade do conhecimento. Não por acaso, uma das justificativas mais freqüentes para as recentes reformas educacionais, recorrentes em diversos países, é a necessidade de adaptação do sistema educativo à sociedade do conhecimento. Por isso este artigo busca compreender o significado desse conceito, estabelecendo sua genealogia e analisando-o criticamente. Enfim, vivemos numa sociedade do conhecimento ou da informação? Ou simplesmente subsistimos atônitos numa confusa sociedade de dados?

Palavras-chave: revolução tecnológica, sociedade do conhecimento, mudanças sociais, reformas educacionais.


La sociedad del conocimiento y las reformas educativas (Resumen)

La actual revolución tecnológica ha impuesto cambios en la economía, en la cultura etc. Es comprensible que imponga cambios también en el sistema educativo, que en casi todos los países vive presionado por la necesidad de adaptación. En ese contexto, el conocimiento gana cada vez más importancia, a tal punto que muchos autores han dicho que vivimos en una sociedad del conocimiento. No es por casualidad que una de las justificativas más frecuentes para las recientes reformas educativas ocurridas en diversos países es la necesidad de adaptación del sistema educacional a la sociedad del conocimiento. Por eso, este artículo busca comprender el significado de ese concepto, estableciendo su genealogía y analizándolo críticamente. En fin, ¿vivimos en una sociedad del conocimiento o de la información? ¿O simplemente subsistimos atónitos en una confusa sociedad de datos?

Palabras clave:Revolución tecnológica, sociedad del conocimiento, cambios sociales, reformas educativas.


The knowledge society and educational reforms (Abstract)

The current technological revolution has promoted economical and cultural changes, among others. It’s understandable that it also makes shifts in the educational system, which in several countries has faced a lot of pressure for adaptation. In this context, the knowledge has increased its importance – that’s why a lot of authors say that we´re living in the knowledge society. It’s not fortuity that one of the most common justifications for the latest educational reforms made in several countries is the need to adapt the educational system to the knowledge society. Therefore, this paper intends to comprehend the meaning of this concept, establishing its genealogy and critically analyzing it. At last, do we actually live in the knowledge society or in the information society? Or do we perplexingly survive in a confused data society?

Key words: technological revolution, knowledge society, social changes, educational reforms.


Estamos em meio a uma nova revolução tecnológica. Alguns pesquisadores chamam-na de informacional, outros, de técnico-científica[2], outros ainda, seguindo a tradição cronológica, de terceira revolução industrial[3]. Qualquer que seja o nome utilizado para defini-la, o fato é que essa nova revolução tecnológica vem impondo profundas mudanças nas relações sociais, na economia, na cultura, na política e no espaço geográfico. É de se esperar, portanto, que imponha mudanças também no sistema educativo, que em quase todos os países vive premido pela necessidade de adaptação.

A profusão de reformas educacionais que estão sendo discutidas e/ou implementadas em diversos países é um indício da busca de adequação da educação ao sistema econômico atual, marcado por crescente competição entre empresas, lugares e nações, na qual o conhecimento ganha cada vez maior relevância. Como afirma Gimeno Sacristán:

A relação de determinação sociedade-cultura-currículo-prática explica que a atualidade do currículo se veja estimulada nos momentos de mudanças nos sistemas educativos, como reflexo da pressão que a instituição escolar sofre desde diversas frentes, para que adapte seus conteúdos à própria evolução cultural e econômica da sociedade.[4]

Michael Apple levanta uma questão que tem tudo a ver com as transformações ocorridas na sociedade do conhecimento e suas implicações no sistema educacional e na definição do currículo: “De quem é o conhecimento de maior valor?”.[5] Com isso, lembra-nos, com Sacristán, que o currículo expressa uma relação dialética escola-sociedade, uma sociedade, em cada país, marcada por divisão de classes e por conflitos de interesse. Portanto, o currículo espelha essa realidade, não é neutro, como a perspectiva técnica tenta nos convencer.

As relações entre o processo de produção do conhecimento e a educação são evidentes. Além disso, diversos autores têm afirmado que entramos numa sociedade do conhecimento ou da informação.[6] Para compreender essas questões é importante antes elucidar alguns conceitos fundamentais, como dados, informações, conhecimentos e inteligências.

Para analisar o papel do conhecimento no mundo contemporâneo e, conseqüentemente, sua inserção nas reformas educacionais, especialmente nas curriculares, é importante verificar a mudança de sua natureza ao longo da história. Para tanto, vou apoiar-me na categoria “modos de desenvolvimento”.[7]

Dados, informações, conhecimentos...

No senso comum e, às vezes, mesmo nos meios científicos, os conceitos de dado, informação e conhecimento são utilizados imprecisamente e, muitas vezes, de forma intercambiável. Num mundo em que o conhecimento cada vez mais ganha relevo e ao mesmo tempo somos inundados por uma crescente quantidade de informação, parece que esses conceitos têm o mesmo significado. Entretanto, um breve levantamento de algumas conceituações mostra que não é bem assim. Manuel Castells, por exemplo, citando Porat, afirma que “informação são dados que foram organizados e comunicados”.[8] Bem... e o que são dados? De acordo com Simon: “Um dado é uma seqüência de símbolos, é um ente totalmente sintático, não envolve semântica como na informação. Os dados podem ser representados com sons, imagens, textos, números e estruturas.”[9] Parece evidente que para existir informação é necessário haver comunicação. Assim, podemos afirmar que a informação é o dado com algum significado, com algum sentido.

O próximo passo é a definição do conceito de conhecimento, o que, embora pareça, não é trivial. Castells, na primeira edição de A sociedade em rede[10], diz não ter nada a acrescentar à definição dada por Daniel Bell em seu famoso livro El advenimiento de la sociedad post-industrial[11]. Então, vamos ao original! O sociólogo norte-americano define o conhecimento como “un conjunto de exposiciones ordenadas de hechos e ideas, que presentan un juicio razonado o un resultado experimental, que se transmite a otros a través de algún medio de comunicación bajo una forma sistemática”.[12] Com isso, diz em seguida, busca diferenciar conhecimento de notícias e entretenimentos; de informações, eu diria.

Observe que essa definição sugere que “conhecimento” é sinônimo de “conhecimento científico”, sobretudo quando fala em “julgamento ponderado ou resultado experimental”. Em outro trecho, reforçando ainda mais essa sinonímia, Bell propõe uma definição mais restrita para fins de política social: “el conocimiento es lo que se conoce objetivamente, una propiedad intelectual, ligado a un nombre o a un grupo de nombres y certificado por el copyright o por alguna otra forma de reconocimiento social (por ejemplo, la publicación)”.[13]

Perrenoud coloca-se no extremo oposto quando afirma que conhecimentos “são representações da realidade que construímos e armazenamos ao sabor de nossa experiência e de nossa formação”.[14] Como cada um vivencia a realidade e a representa de forma particular, então, nesse caso, o conhecimento é algo pessoal, arriscaria dizer, senso comum. Uma definição meio-termo entre essas duas é dada por Johnson: “Conhecimento é aquilo que consideramos como real e verdadeiro. Pode ser tão simples e banal como dar o laço nos sapatos ou tão abstrato e complexo como a física de partículas.”[15]

A partir dessas definições é razoável inferir que conhecimento não é apenas a produção científica, gerada de acordo com os cânones acadêmicos, mas também o conhecimento tácito, senso comum, intuitivo e as experiências individuais e coletivas que movem as pessoas em seu dia-a-dia. De fato, corroborando essa conclusão, Sacristán afirma “que o conhecimento e tudo o que povoa de significados o termo teoria não pode reduzir-se ao conhecimento científico, como pretendeu o cientificismo positivista”.[16] Entretanto, creio que é responsabilidade da escola avançar do senso comum ao conhecimento que se ancora nos paradigmas da ciência, avançar do conhecimento tácito ao explícito. É interessante o ponto de vista de Lefebvre quando afirma que “o conhecimento humano progride da ignorância à ciência”.[17] E isso se dá por meio do desvendamento, do estudo, da pesquisa. Porém, numa perspectiva educacional, vale considerar o alerta:

As fronteiras entre a ciência e as outras formas de conhecimento não são tão nítidas, porque, por vezes, são maneiras heterogêneas que apresentam continuidades e interferências. As pessoas não costumam guiar sua vida pela ciência, mas por outras formas de conhecimento, e essa bagagem não pode ser depreciada quando queremos entender a educação e seus agentes.[18]

Ou seja, o aluno tem sempre uma bagagem de conhecimentos a priori, nunca parte da total ignorância. Ao mesmo tempo, matizando a afirmação de Lefebvre, mesmo com a ciência nunca deixaremos completamente a ignorância.

O filósofo francês disse também que o conhecimento é um fato, é prático, é social e tem um caráter histórico. Em seguida enuncia que: “Cada época deve esforçar-se por organizar, sistematizar numa ‘síntese’, o conjunto de conhecimento sobre a natureza. Mas nenhuma dessas sínteses pode se pretender definitiva.”[19] Com isso coloca a importante questão de que o conhecimento é movimento, é histórico.

Assim, ao tentar conceituar as palavras-chave para essa discussão, devemos ter claro que todo conceito é histórico e, conseqüentemente, dinâmico. Como o conceito é sempre uma tentativa de abstrair a realidade, de reconstruí-la no plano do pensamento, caso esta mude, aquele também deverá mudar. De fato: “todo pensamento é movimento”.[20]

O educador brasileiro Nilson Machado, numa tentativa de definir esses termos e, antes de tudo, organizar sua operacionalização, constrói o que chama de “pirâmide informacional”, como mostra a figura 1:

Figura 1
Pirâmide informacional

  Fonte: Machado, 2000, p. 65

Nessa pirâmide, os dados referem-se aos elementos qualitativos e quantitativos da realidade, podem ser acumulados e, portanto, remetem à idéia de banco. São os elementos mais disseminados na realidade, mas isoladamente não têm interesse. De fato, são as pessoas que manifestam interesse por determinados dados, são elas que lhes atribuem significado, produzindo informação a partir deles. Noutras palavras, é o sujeito que produz a informação a partir do dado. É a pergunta apropriada para o dado que permite a extração da informação pretendida. Sobre os dados, Machado argumenta que:

Seu valor informacional depende justamente da existência de pessoas interessadas, que os organizem e lhes atribuam significado, transformando-os em informação. Assim, informações já seriam dados analisados, processados, inicialmente articulados constituindo, então, um segundo nível da pirâmide informacional.[21]

Entretanto, alerta para o fato de que o simples acúmulo de informação não garante a passagem para o terceiro nível da pirâmide, não garante a produção de conhecimentos.

Enquanto o conceito de dado remete a banco, à idéia de acumulação, o de informação remete a veículo, à idéia de comunicação. De fato, como já afirmou Castells, sem comunicação não há informação. Aliás, sem comunicação também não há conhecimento. Quem já não teve a oportunidade de tentar ler um livro numa língua estrangeira incompreendida sem conseguir extrair nenhuma informação nem conhecimento?

O conhecimento, o terceiro nível da pirâmide informacional proposta por Machado, remete à idéia de teoria, de compreensão. Para atingi-lo, “é fundamental a capacidade de estabelecer conexões entre elementos informacionais aparentemente desconexos, processar informações, analisá-las, relacioná-las, armazená-las, avaliá-las segundo critérios de relevância, organizá-las em sistemas”.[22] Realmente, como propõe o filósofo espanhol Antonio Marina, “conhecer é compreender, quer dizer, apreender o novo com o já conhecido”.[23] Noutras palavras, para que haja a produção do conhecimento científico, é necessário inserir as informações num arcabouço teórico que permita a compreensão da realidade. Entretanto, mesmo o conhecimento senso comum está ancorado em “teorias”, ou seja, em crenças que buscam explicar a realidade. Por isso estou plenamente de acordo com Marina quando diz: “Não é possível uma observação sem teoria, porque a quantidade de informações é demasiado grande, demasiado confusa, demasiado incompleta.”[24]

Machado, remetendo-se a Marina, afirma que o conhecimento é o meio para as pessoas realizarem seus projetos. Mais do que uma definição, é uma operacionalização do conceito de conhecimento. E falar de pessoas e de projetos significa falar de valores, o que nos remete à discussão do conceito mais complexo da pirâmide informacional, aquele que se localiza em seu topo: a inteligência. Ou melhor, as inteligências.

Inteligências

Quanto mais próximo do topo da pirâmide informacional, mais complexo vai se tornando o conceito, e menos disseminado o objeto a ser conceituado – de fato, no mundo há muito mais dados do que inteligência –, daí que este seja o conceito mais difícil de ser definido. Além disso, não há uma inteligência, mas várias.

As primeiras tentativas de definir ou, mais especificamente, mensurar a inteligência datam do início do século XX. Em 1905 o psicólogo francês Alfred Binet (1859-1911) foi instado a elaborar um teste para medir o grau de aproveitamento dos estudantes de escolas públicas francesas. Elaborou a base para os testes de QI (Quociente de Inteligência), conhecidos como Escala Simon-Binet, que depois foi aperfeiçoada e virou moda no pós-guerra, sobretudo nos Estados Unidos.

Esses testes, embora venham sendo utilizados há muitos anos, apresentam problemas, pois vêem a inteligência como uma medida unidimensional. Não por acaso Gardner afirma: “Numa visão tradicional, a inteligência é definida operacionalmente como a capacidade de responder a itens em testes de inteligência.”[25] Como contraponto a isso, já como substrato de sua teoria das inteligências múltiplas, defende que: “Uma inteligência implica a capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural.”[26] Em outro trecho afirma que a inteligência é um potencial biopsicológico; entretanto, após definir o conceito de campo[27], cujos membros legitimam ou não determinadas inteligências, destaca o aspecto cultural: “Na medida em que uma capacidade é valorizada numa cultura, ela pode contar como uma inteligência; mas na ausência desse endosso cultural ou ‘de campo’, a capacidade não seria considerada uma inteligência.”[28]

Assim, o psicólogo norte-americano propõe encarar a inteligência como um espectro de competências e desenvolve sua teoria das inteligências múltiplas. Em 1983, lançou o livro Frames of mind, cuja tradução As estruturas da mente só saiu no Brasil em 1994, ao mesmo tempo que As inteligências múltiplas, obra lançada nos Estados Unidos um ano antes. Nesses livros Gardner propõe que há sete inteligências: a lingüística, a lógico-matemática, a corporal-cinestésica, a espacial, a musical, a interpessoal e a intrapessoal.[29] Segundo ele, todas as pessoas têm essas inteligências, que funcionam de forma integrada, mas cada indivíduo, por razões genéticas e ambientais, tem maior potencial para desenvolver uma ou outra. Por conta dessa sua crença, é contrário a uma educação uniforme, defende uma escola centrada no potencial individual, com um currículo flexível que se adapte aos diferentes perfis de inteligências. No caso da manutenção do currículo uniforme, advoga que pelo menos as disciplinas não sejam ensinadas da mesma forma para todos os alunos. Ou seja, é contrário a um sistema de ensino “comprensivo”.

Finalmente, a inteligência pode ser encarada como a interação entre projetos e valores, como propõe Marina:

Inteligência é, evidentemente, a capacidade de resolver equações diferenciais, mas acima de tudo é a aptidão para organizar comportamentos, descobrir valores, inventar projetos e mantê-los, ser capaz de libertar-se do determinismo da situação, solucionar problemas, analisá-los.[30]

Por isso Machado afirma que a inteligência está associada às pessoas, remete à idéia de projetos: “Em uma palavra, a inteligência encontra-se diretamente associada à capacidade de ter projetos; a partir deles, dados, informações, conhecimentos são mobilizados ou produzidos.”[31]

Por enquanto, cabe destacar que o que de fato interessa, o fim a ser atingido, é a realização dos projetos das pessoas e também da comunidade em que vivem. Evidentemente, tais projetos devem estar ancorados em um conjunto de valores socialmente acordados. Sendo assim, os dados, as informações e especialmente os conhecimentos passam a ser meios para a realização dos projetos pessoais e/ou coletivos. Ou seja, estão a serviço da inteligência humana, que é plural e não pode ser encerrada num teste de papel e lápis. Por mais que vejamos sua associação com coisas – prédios inteligentes[32], linhas aéreas inteligentes[33], inteligência artificial etc. –, a inteligência é um atributo essencialmente humano. Assim, só pode ser associada às pessoas.

André Gorz vai além. Numa formulação polêmica afirma que o conhecimento não pertence às pessoas, apenas a inteligência, a imaginação e o saber; juntos, constituem o “capital humano”. Para ele:

Os conhecimentos, com efeito, são fundamentalmente diferentes dos saberes e da inteligência. Eles se referem aos conteúdos formalizados, objetivados, que, por definição, não podem pertencer às pessoas. Conhecer as regras gramaticais é uma coisa; saber falar uma língua é outra, fundamentalmente diferente. Para saber falar, é preciso abandonar completamente a relação cognitiva com a língua. O saber é feito de experiências e de práticas tornadas evidências intuitivas, hábitos; e a inteligência cobre todo o leque das capacidades que vão do julgamento e do discernimento à abertura de espírito, à aptidão de assimilar novos conhecimentos e de combiná-los com os saberes.[34]

Então, pode-se dizer que o saber é um saber-fazer, é prático. Sabemos algo quando já esquecemos como o aprendemos. Nesse sentido, é possível saber falar uma língua sem conhecê-la, ou seja, sem conhecer suas regras gramaticais, que é um conhecimento codificado. O saber está mais ligado ao dia-a-dia, à vida cotidiana, é uma capacidade prática que não implica necessariamente o domínio de conhecimentos formalizáveis.

Os conhecimentos formalizados, codificados, por outro lado, estão em tese disponíveis a todos. Entretanto, uma pessoa que busca acumular conhecimentos sem projetos, sem valores, sem pensar na emancipação humana, pode conhecer e até desenvolver saberes, mas dificilmente poderá ser considerada uma pessoa inteligente. Na História há vários exemplos de pessoas que mobilizaram conhecimentos e saberes para objetivos pouco nobres, desprovidos de valores éticos, humanitários.

Isso coloca uma questão fundamental para a educação: a definição e a operacionalização do conceito de inteligência de forma plural e includente abre grandes possibilidades para a produção do conhecimento, sua democratização e mobilização, enfim, para a emancipação do ser humano.

O advento da sociedade do conhecimento

Informação e conhecimento sempre fizeram parte da qualquer sociedade ou sistema econômico, em qualquer momento da História. Por isso, em princípio, designações como era ou sociedade da informação, sociedade ou economia do conhecimento não seriam apropriadas para apreender a especificidade do momento presente, do atual período histórico. Como nos alerta Postman: “Nada pode ser mais enganador do que a afirmação de que a tecnologia do computador introduziu a era da informação.”[35] Para ele, foi a prensa tipográfica de Gutenberg que iniciou a era da informação no início do século XVI. Assim, embora a produção de informação tenha sido ampliada exponencialmente pelo computador, ela é anterior a ele.

Castells chama a atenção para isso na primeira edição de Sociedade em rede, o primeiro volume da trilogia A era da informação: economia, sociedade e cultura. Na tentativa de apreender as especificidades do momento presente, propõe denominá-lo “era informacional” ou “sociedade informacional”.[36] Apesar disso, mantém “era da informação” no título da coleção com a justificativa de que títulos são dispositivos que devem ser suficientemente claros e abrangentes para chamar a atenção do leitor para o tema tratado. Argumenta que todos fazem uma idéia do que seria “era da informação”.

De fato, como mostra o quadro 1, em textos e documentos disponíveis em português na internet, o termo “era da informação” é bem mais utilizado do que “era informacional”, o mesmo ocorre com os termos correspondentes em espanhol e em inglês. Entretanto, o termo mais utilizado na rede, em português, é “sociedade da informação”, em espanhol, “sociedad de la información” e, em inglês, “information society”. A quantidade de ocorrências na internet expressa a maior ou menor utilização de um termo. Independentemente de sua precisão, é uma busca de operacionalização conceitual e pode ser um indício de qual conceito será dominante.

A propósito, Nilson Machado questiona a precisão conceitual do debate atual quando, de forma irônica, dispara: “Às vezes, a sociedade em que vivemos é rotulada de ‘sociedade do conhecimento’; outras vezes, de ‘sociedade da informação’. Mas, em grande medida, ela não passa de uma ‘sociedade dos bancos de dados’.”[37] Já André Gorz vai ao extremo oposto e propõe denominá-la “sociedade da inteligência”[38], porque, para ele, é a inteligência que de fato conta.

Quadro 1
Resultados da busca de termos na opção “a web” do Google, em 12/3/2008

Termos pesquisados[39]

Português

Espanhol

Inglês

“Sociedade da informação”

344.000

3.700.000

3.780.000

“Sociedade do conhecimento”

236.000

507.000

634.000

“Sociedade da inteligência”

6.330

80.700

47.700

“Sociedade informacional”

6.680

14.100

22.300

“Era da informação”

295.000

293.000

116.000

“Era do conhecimento”

176.000

113.000

57.700

“Era informacional”

2.530[40]

2.530

2.160

“Economia do conhecimento”

84.800

314.000

1.190.000

“Economia da informação”

52.800

228.000

955.000

“Economia informacional”

1.980[41]

6.250

9.810

Fonte: Google Brasil. [On-line]. São Paulo: Google Brasil Internet Ltda, 2008. <http://www.google.com.br>. [12 de março de 2008].

Buscando dar uma explicação historicamente conseqüente para a mudança no papel da informação e do conhecimento, Castells utiliza a categoria “modo de desenvolvimento”. De acordo com o sociólogo espanhol “os modos de desenvolvimento são os procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o produto, em última análise, determinando o nível e a qualidade do excedente”.[42] Assim, a história humana foi marcada por diferentes modos de desenvolvimento: o agrário, o industrial e o informacional. O que os diferencia é basicamente o fator de produção mais importante, o que está atrelado ao grau de desenvolvimento tecnológico vigente em cada um deles e ao nível de produtividade.

No modo de desenvolvimento agrário, vigente desde o neolítico, o fator de produção mais importante era a terra. O trabalhador atuava sobre ela com o objetivo de produzir os meios de subsistência, como os alimentos. Por séculos, diferenças de produtividade estiveram mais ligadas à variabilidade de fertilidade natural dos solos do que aos avanços tecnológicos.

Com o advento das revoluções industriais, a humanidade adentrou no modo de desenvolvimento industrial. A partir da era industrial, os fatores de produção mais importantes passaram a ser as matérias-primas e as fontes de energia. Da perspectiva da Geografia houve uma crescente tecnificação do território, uma enorme expansão do que Milton Santos chama de meio técnico[43]. A partir daí, todas as sociedades industrializadas passaram gradativamente a funcionar segundo a lógica do industrialismo: a produção e circulação de bens maquinofaturados; a agricultura, com a crescente mecanização; e até a cultura, como nos mostraram Adorno e Horkheimer ao criarem o conceito de “indústria cultural”.[44]

Segundo a caracterização de Castells, hoje estaríamos vivendo em pleno modo de desenvolvimento informacional. Deixamos de ser agrários e industriais? A terra, as matérias-primas e as fontes de energia deixaram de ser importantes? Nem é preciso dizer que continuamos a nos alimentar, logo nossa espécie continua sendo agrária. A quantidade crescente de produtos maquinofaturados disponíveis também não deixa dúvidas de que continuamos sendo industriais. O que ocorre é que, como aconteceu antes com o industrialismo, a lógica do informacionalismo comanda todos os setores das sociedades contemporâneas, pelo menos das tecnologicamente mais avançadas.

Com o termo “informacional”, Castells busca apreender o fato de que o conhecimento transformou-se no principal fator de produção no mundo atual. Em suas palavras:

No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de informação e de comunicação de símbolos. Na verdade, conhecimentos e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade.[45]

Embora as idéias defendidas por Castells tenham tido grande divulgação e aceitação, elas não são originais. O pioneiro nessa senda analítica, como vimos, foi Bell, em The coming of the post-industrial society. Nesse livro, em que criou o termo “sociedade do conhecimento”, já afirmava que a economia estava saindo de uma era industrial, na qual a maioria das pessoas estava envolvida na produção de coisas, para uma era pós-industrial, na qual o trabalho estava cada vez mais envolvido com a produção de conhecimentos. De acordo com ele:

La sociedad industrial se caracteriza por la coordinación de máquinas y hombres para la producción de bienes. La sociedad post-industrial se organiza en torno al conocimiento para lograr el control social y la dirección de la innovación y el cambio, y esto a su vez da lugar a nuevas relaciones sociales y nuevas estructuras que tienen que ser dirigidas políticamente.[46]

Depois da constatação quanto à mudança do papel do conhecimento, Bell afirma quase a mesma coisa que Castells afirmara acima: “Ahora bien, el conocimiento ha sido siempre necesario para el funcionamiento de cualquier sociedad. Lo que caracteriza a la sociedad post-industrial es el cambio en el carácter del conocimiento mismo.”[47]

Outro autor que também defendeu essas idéias antes do sociólogo espanhol foi o economista antimarxista norte-americano Peter Drucker:

O recurso econômico básico – “os meios de produção”, para usar uma expressão dos economistas – não é mais o capital, nem os recursos naturais (a “terra” dos economistas), nem a “mão-de-obra”. Ele é e será o conhecimento. As atividades centrais de criação de riqueza não serão nem a alocação de capital para usos produtivos, nem a “mão-de-obra” – os dois pólos da teoria econômica dos séculos dezenove e vinte, quer ela seja clássica, marxista, keynesiana ou neoclássica. Hoje o valor é criado pela “produtividade” e pela “inovação”, que são aplicações do conhecimento ao trabalho.[48]

Drucker defende que nos primórdios da industrialização o conhecimento era aplicado às ferramentas, aos processos e aos produtos, o que caracterizou a Revolução Industrial. Em sua segunda fase, iniciada no final do século XIX e culminando com a Segunda Guerra, o conhecimento passou a ser aplicado ao trabalho, caracterizando o que chama de “Revolução da Produtividade”, que alçou os trabalhadores à condição de classe média e freou “a guerra de classes e o comunismo”. Para ele, atualmente estamos vivendo uma “Revolução Gerencial”: “Hoje em dia, o conhecimento está sendo aplicado ao próprio conhecimento. [...] O conhecimento está rapidamente se transformando no único fator de produção, deixando de lado capital e mão-de-obra.”[49] Embora exagere quando diz que o conhecimento será o “único” fator de produção, são palavras muito semelhantes às proferidas por Castells. Apesar de seu otimismo de futurologista, afirma ser temerário chamar o mundo em que vivemos de “sociedade do conhecimento”: “Pode ser prematuro (e certamente presunçoso) chamar nossa sociedade de ‘sociedade do conhecimento’; por enquanto, temos somente uma economia do conhecimento.”[50] Nesse ponto, estou de pleno acordo com ele.

André Gorz também encara o conhecimento como a principal força produtiva do sistema econômico atual e também fala em “economia do conhecimento” em vez de “sociedade do conhecimento”.

Se não for uma metáfora, a expressão “economia do conhecimento” significa transtornos importantes para o sistema econômico. Ela indica que o conhecimento se tornou a principal força produtiva, e que, conseqüentemente, os produtos da atividade social não são mais, principalmente, produtos do trabalho cristalizado, mas sim do conhecimento cristalizado. Indica também que o valor de troca das mercadorias, sejam ou não materiais, não mais é determinado em última análise pela quantidade de trabalho social geral que elas contém, mas, principalmente, pelo seu conteúdo de conhecimentos, informações, de inteligências gerais.[51]

Com isso põe em cheque a histórica noção de mais-valia[52], já que cada vez mais o que valoriza as mercadorias é o conhecimento e não o trabalho. Entretanto, não desprezemos tão prontamente o trabalho.

Formulações como as que pregam que “o conhecimento age sobre o próprio conhecimento” ou que “o conhecimento substitui a mão-de-obra” também podem ser situadas como exemplos de reificação, de fetichismo. Tais afirmações mascaram o fato de que o conhecimento não tem vida própria e, mais ainda, de que só pode se manifestar na pessoa, no sujeito, no trabalhador. Não é por acaso que o capital exige cada vez mais qualificação da mão-de-obra e que os trabalhadores mais bem preparados sejam tão valorizados no mercado laboral. Isso tem implicações importantes para a educação e está na base de todos os discursos reformistas. A propósito, é interessante o paralelo que se pode estabelecer entre o problema da distribuição, de que fala Enguita no trecho a seguir, e os “modos de desenvolvimento” propostos por Castells. No modo de desenvolvimento informacional o problema crucial é o da distribuição do conhecimento:

En una economía agraria, de hogares en gran medida autosuficientes, el problema distributivo era ante todo, aunque no sólo, el de la distribución de la tierra (y el gran ideal de justicia: la tierra para el que la trabaja); en una economía industrial, cuyo nervio y paradigma es la fábrica, el problema es la distribución de la propiedad del capital (y, el ideal, da socialización de los medios de producción); en una economía post-industrial, de la información, el problema es la distribución del conocimiento (y, el ideal, la igualdad o las oportunidades educativas para todos).[53]

Dessas afirmações pode-se depreender que a chamada sociedade do conhecimento é marcada pela crescente instrumentalização desse importante ativo pelo capital e isso fica mais evidente quando se fala em “economia do conhecimento”. Como nos lembra Gorz, isso teve início já final do século XIX, na Alemanha, quando Karl Duisberg, por volta de 1880, pela primeira vez industrializou o trabalho de pesquisa na indústria química Bayer.[54] No laboratório, a produção de conhecimento foi submetida à mesma lógica da divisão e hierarquização do trabalho existente na indústria. Hoje em dia, isso foi levado às últimas conseqüências nos Estados Unidos, o país líder em termos tecnológicos. Talvez por isso o uso do termo “economia do conhecimento” é bem maior em inglês do que em português e em espanhol.

Nos primórdios dessa instrumentalização, o conhecimento em si não era valor de troca, mas as mercadorias, os produtos químicos que o incorporavam e que ele valorizava, sim. De lá para cá isso tomou um vulto enorme e hoje em dia o conhecimento em si tem se transformado no principal fator de produção, na principal fonte de valor e de lucro. Como diz Hargreaves:

Uma economia do conhecimento não funciona a partir da força das máquinas, mas a partir da força do cérebro, do poder de pensar, aprender e inovar. As economias industriais precisam de trabalhadores para as máquinas; a economia do conhecimento precisa de trabalhadores para o conhecimento.[55]

O conhecimento como valor de troca em si tem uma peculiaridade: sua raridade tem de ser definida artificialmente, daí as restrições de circulação estabelecidas por patentes, direitos autorais, licenças etc. Isso vale especialmente para produtos que, como os programas de computadores, custam muito para serem desenvolvidos e muito pouco para serem reproduzidos. A pirataria é uma tentativa de burlar isso.

O conhecimento é responsável pela valorização dos produtos, dos processos produtivos, dos serviços e também do território, constituindo o que Milton Santos chama de meio técnico-científico-informacional[56], a base territorial da sociedade do conhecimento.

O conjunto da humanidade é cada vez mais industrial, é crescente a oferta de bens de consumo, e a agricultura bate recordes de produtividade. O que mudou hoje é que, como vimos, a agricultura e a indústria funcionam sob a lógica do informacionalismo. O modo de desenvolvimento informacional, na proposição de Castells, encampou os setores que eram típicos dos modos de desenvolvimento precedentes.

Enquanto as duas precedentes foram revoluções de energia – a primeira movida a carvão, a segunda a petróleo e a eletricidade –, a terceira revolução industrial, a atual, é movida a conhecimento. Não que a energia tenha deixado de ser importante. Um computador, produto informacional por excelência, não funciona sem eletricidade, mas essa fonte de energia é originária da segunda revolução industrial. Não há uma fonte de energia nova que movimente a terceira revolução industrial; a base energética atual vem das duas anteriores, sobretudo da segunda. Mas, sem dúvida, o conhecimento é, para o bem e para o mal, o grande motor da era informacional. Assim, concordo inteiramente com Hargreaves quando diz que “uma economia do conhecimento não funciona a partir da força das máquinas, mas a partir da força do cérebro”.[57]

A sociedade do conhecimento e as reformas educacionais

A informação e o conhecimento se transformaram numa questão estratégica no mundo de hoje. O conhecimento é o principal ativo da sociedade informacional e por isso é motivo de embates na definição de quais conteúdos culturais serão ensinados nas escolas, donde emerge a importância do currículo. Isso, entretanto, não é novidade. Neil Postman afirma que em 1480, antes da explosão da informação pós-Gutenberg, havia 34 escolas em toda a Inglaterra e por volta de 1660 já havia 444.[58] Credita esse crescimento, entre outros fatores, especialmente à necessidade de dar respostas às ansiedades e confusões causadas pela informação desenfreada:

A invenção do que é chamado de currículo foi o passo lógico para organizar, limitar e discriminar as fontes de informação disponível. As escolas tornaram-se as primeiras burocracias seculares da tecnocracia, estruturas para legitimar algumas partes do fluxo de informações e para desacreditar outras.[59]

Esse papel do currículo não mudou hoje em dia; ao contrário, só se acentuou. Ao elaborar a resposta para a pergunta “de quem é o conhecimento de maior valor?”, Michael Apple chama a atenção para o fato de que há “uma imensa pressão para que o sistema educacional de muitos países torne os objetivos da área de negócios e da indústria seus próprios objetivos fundamentais ou únicos”.[60] Gaudêncio Frigotto, no prefácio do livro A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?, depois de criticar a adoção da perspectiva da pedagogia das competências na reforma do ensino médio brasileiro, afirma:

Cada indivíduo terá de agora em diante, então, de adquirir um banco ou pacote de competências desejadas pelos homens de negócio no mercado empresarial, permanentemente renováveis, cuja certificação lhe promete empregabilidade.[61]

Enfim, esses autores nos alertam para a crescente instrumentalização do currículo escolar pelo sistema produtivo. Sacristán nos lembra que o currículo é uma opção cultural, é cultura-conteúdo do sistema educativo. Ele define o currículo como “o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada”.[62]

Assim, podemos encarar as reformas curriculares como projetos eminentemente ideológicos[63] que têm por objetivo referendar determinados conhecimentos (e não outros) no sistema educativo, visando a estabelecer relações de poder na sociedade informacional. Para Apple, a educação “deve ser vista como uma seleção e organização de todo o conhecimento social disponível em uma determinada época”.[64] Depois de afirmar isso, chama a atenção para o fato de que o conhecimento curricular não é neutro. Aqui comete um pequeno deslize lógico: se o currículo é uma seleção de conhecimentos, logo não pode ser de “todo” o conhecimento social disponível: há inclusões e exclusões. A questão é: o que entra e o que não entra? Voltamos para a questão do conhecimento de maior valor, da qual se desdobra uma outra: “maior valor” para quem? O que nos remete de novo para o currículo como uma seleção cultural – e ideológica – de conhecimentos. Em outras palavras, o currículo nunca é neutro.

Aqui o conceito de comunidade epistêmica[65] pode ser útil para estabelecer a relação entre poder e conhecimento, para compreender como é feita a seleção dos aspectos da cultura que entrarão currículo. Esse conceito permite compreender as influências exercidas sobre o Estado por grupos de especialistas, não apenas cientistas, mas também políticos, empresários, banqueiros etc.

O que distingue as comunidades epistêmicas de outros agentes sociais é o fato de serem constituídas por uma rede de profissionais com perícia e competência reconhecidas em um domínio particular, ao mesmo tempo que reivindicam uma autoridade política relevante em função do domínio que exercem em sua área específica de conhecimento.[66]

Uma comunidade epistêmica pode ter uma influência internacional, como, por exemplo, a equipe que elaborou o Relatório para a Unesco[67], ou nacional, como é o caso dos elaboradores dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM)[68].

Karsten Krüger, ao discutir o conceito de “sociedade do conhecimento”, após argumentar que se trata de um termo com grande destaque na discussão atual das ciências sociais e na política européia, afirma:

Se trata de un concepto que aparentemente resume las transformaciones sociales que se están produciendo en la sociedad moderna y sirve para el análisis de estas transformaciones. Al mismo tiempo, ofrece una visión del futuro para guiar normativamente las acciones políticas.[69]

De fato, a lei que orienta a atual reforma espanhola – Ley Orgánica de Educación (LOE) – menciona em seu preâmbulo a necessidade de adequação para se viver na nova “sociedad del conocimiento”.[70] O PCNEM brasileiro fala em adaptação às mudanças provocadas pela “revolução da informática”[71], variante pouco usada para revolução da informação ou sociedade da informação.

Ou seja, as comunidades epistêmicas encarregadas de elaborar os documentos das reformas educacionais em cada país, para justificá-las, lançam mão do conceito de “sociedade do conhecimento”. Esse conceito apreende muito da mudança social e de suas novas demandas, mas também tem muito de prescrição ideológica.

 

Notas

[1] Castells, 1999; Lojkine, 1995.

[2] Santos, 1996.

[3] Kumar, 1997.

[4] Sacristán, 2000, p. 20.

[5] Apple, 2006, p. 21.

[6] Bell, 2006; Castells, 1999; Drucker, 1997; Gorz, 2005; Hargreaves, 2004.

[7] Castells, 1999.

[8] Porat, 1977, p. 2 apud Castells, 1999, p. 45.

[9] Simon, 1999, p. 17.

[10] Castells, 1999, p. 45.

[11] Do original em inglês The coming of the post-industrial society, publicado em 1973.

[12] Bell, 2006, p. 206.

[13] Bell, 2006, p. 207, grifo do autor.

[14] Perrenoud, 1999, p. 7, grifo do autor.

[15] Johnson, 1997, p. 48.

[16] Sacristán, 1999, p. 58, grifo do autor.

[17] Lefebvre, 1991, p. 67.

[18] Sacristán, 1999, p. 59.

[19] Lefebvre, 1991, p. 67.

[20] Lefebvre, 1991, p. 90.

[21] Machado, 2000, p. 66.

[22] Machado, 2000, p. 67-68.

[23] Marina, 1995, p. 40.

[24] Marina, 1995, p. 40.

[25] Gardner, 1995, p. 21.

[26] Gardner, 1995, p. 21.

[27] Para a definição do conceito de “campo” antes é preciso definir o que é “domínio”. Gardner define “o domínio como a disciplina ou ofício praticados numa sociedade; e o campo, o conjunto de instituições e juízes que determinam quais são os produtos dentro de um domínio que merecem mérito”. (1995, p. 39, grifo do autor).

[28] Gardner, 1995, p. 53.

[29] Mais tarde ele passa a considerar a possibilidade de haver mais uma ou duas inteligências: a naturalista e a existencial (Gardner, 2006).

[30] Marina, 1995, p. 14.

[31] Machado, 2000, p. 68.

[32] Na Torre Mayor, na cidade do México, considerado um dos primeiros “edifícios inteligentes” do país, nas informações sobre o sistema anti-sismo consta que “o edifício sabe quando vai haver um terremoto”. Esse é um bom exemplo de reificação que atribui vida própria e, portanto, inteligência ao prédio, obscurecendo o fato de que ele é uma coisa, uma construção humana.

[33] Esse é o slogan de uma companhia aérea brasileira – GOL Transportes Aéreos S.A. –, também um exemplo de reificação da inteligência.

[34] Gorz, 2005, p. 16-17.

[35] Postman, 1994, p. 70.

[36] Castells, 1999.

[37] Machado, 2004, p. 123. Na pesquisa feita no Google Brasil em 12/3/2008: “sociedade de dados” obteve 97.200 resultados; “sociedad de datos”, 187.000; e “data society”, 21.900.

[38] Gorz, 2005.

[39] Os termos correlatos pesquisados em espanhol e inglês foram, respectivamente: “Sociedad de la información”, “Information society”; “Sociedad del conocimiento”, “Knowledge society”; “Sociedad de la inteligencia”, “Intelligence society”; “Sociedad informacional”, “Informational society”; “Era de la información”, “Information era”; “Era del conocimiento”, “Knowledge era”; “Era informacional”, “Informational era”; “Economía del conocimiento”, “Knowledge economy”; “Economía de la información”, “Information economy”; “Economía informacional”, “Informational economy”.

[40] A pesquisa em “páginas em português” do Google Brasil obteve 1.220 resultados; em “páginas en español” do Google España, 1.130.

[41] A pesquisa em “páginas em português” do Google Brasil obteve 1.760 resultados, em “páginas en español” do Google España, 13.800.

[42] Castells, 1999, p. 34.

[43] Santos, 1996.

[44] Adorno e Horkheimer, 1985.

[45] Castells,1999, p. 35.

[46] Bell, 2006, p. 34.

[47] Bell, 2006, p. 34.

[48] Drucker, 1997, p. XVI, grifo do autor.

[49] Drucker, 1997, p. 4, grifo do autor.

[50] Drucker, 1997, p. 4

[51] Gorz, 2005, p. 29.

[52] Conceito central da economia política marxista, define o valor do trabalho não pago ao operário e apropriado pelo capitalista. Para Marx: “A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da proporção existente entre a parte da jornada que o operário tem que trabalhar para reproduzir o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista.” (1978, p. 83, grifo do autor).

[53] Enguita, 2006, p. 89.

[54] Gorz, 2005.

[55] Hargreaves, 2004, p. 34.

[56] Santos, 1996.

[57] Hargreaves, 2004, p. 34.

[58] Postman, 1994.

[59] Postman, 1994, p. 71.

[60] Apple, 2006, p. 21. Aqui, evidentemente, ele está pensando em valor no sentido econômico.

[61] Ramos, 2002, p. 16.

[62] Sacristán, 2000, p. 34.

[63] Ideologia aqui é definida como a busca de atribuição de sentido a formas simbólicas na criação e sustentação de relações de dominação (Thompson, 2000).

[64] Apple, 2006, p. 50.

[65] Lopes, 2006.

[66] Antoniades, 2003 apud Lopes, 2006. p. 145.

[67] Delors, 2001.

[68] Brasil, 2002.

[69] Krüger, 2006.

[70] España, 2006.

[71] Brasil, 2002.

 

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