IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS, MUDANÇAS NOS PADRÕES LOCACIONAIS
E NA CONFIGURAÇÃO DA CENTRALIDADE EM CIDADES MÉDIAS.

Arthur Magon Whitacker
Grupo Acadêmico Produção do Espaço e Redefinições Regionais – GAsPERR
Universidade Estadual Paulista – Unesp – Campus de Presidente Prudente
whitacker@uol.com.br

 

Inovações tecnológicas, mudanças nos padrões locacionais e na configuração da centralidade em cidades médias (Resumo):

A reestruturação das cidades encontra determinantes interurbanos e intra-urbanos e na combinação desses níveis da realidade é passível de ser apreendida. Esse processo de compreensão permite que se questionem duas realidades complementares e distintas: a escala da rede e a escala da forma urbana. Nesse processo, colocam-se as questões sobre centralidade. A abordagem desse tema foi feita priorizando-se as atividades econômicas numa dupla relação entre localização (usos do solo) e conteúdos diferenciados das empresas, que as qualificavam em diferentes níveis de inserção local e não local e de densidade informacional.

Palavras-chave: reestruturação urbana; redes urbanas; centralidade urbana; cidades médias; densidade informacional.


 

Technological innovations, changes in locational patherns and in the centrality of med-size cities (Abstract):

The urban restructuring and the restructuring of the cities has intercity and intra-urban determinatives and by combination of those levels of reality they are possible to apprehend them. That understanding process allows questioning two complementary and different realities: the scale of the net and the scale in the urban morphology. That level of discussion was brought to the mid-size cities. In this process, centrality questions are placed. The approach of this subject was made by prioritizing the economic activities in a double relationship between location (uses of the soil) and differentiated contents of the companies that qualified them in different levels of local and non local insertion and of informational density.

Key-words: urban restructuring; urban nets; urban centrality; mid-size city; informational density. 



Apresentação

Com a elaboração do presente texto pretendemos contribuir para a análise da estruturação e reestruturação, investigando a relação entre as inovações tecnológicas (como o desenvolvimento das telecomunicações, comunicações, informática, telemática), as mudanças nos padrões locacionais das diferentes atividades econômicas e as mudanças no padrão de centralidade em cidades médias[1].

Não foi propriamente nossa preocupação desenvolvermos um debate em torno do conceito, ou termo, cidade média neste texto, mas discutirmos particularidades, generalidades e possibilidades de análise desta realidade.[2]

1 Ponto de partida

1.1 técnica, tecnologias e a constituição de centralidades

Um dos pontos nodais que desenvolveremos neste texto é que compreendemos ser possível se estabelecer análises das associações entre técnica, tecnologias e a constituição de centralidades, identificando como se dá a organização das empresas, a complexidade de seus sistemas de informação e sua inserção na estrutura da cidade, procurando identificar novos elementos definidores da centralidade e da reestruturação intra-urbana. Neste texto privilegiamos este recorte (o intra-urbano) embora a análise da rede urbana e de variadas configurações hoje possíveis e observáveis da aglomeração urbana devam ser contempladas para o entendimento da estruturação e reestruturação das e nas cidades médias – e da cidade de maneira geral.

Paralelamente, compreende-se que há articulação entre a morfologia da cidade, que denuncia processos de reestruturação e de produção de novas centralidades, e o desenho que se pode estabelecer a partir dos diversos fluxos componentes da rede urbana, o que é observável em cidades médias, tanto quanto em outras escalas e recortes empíricos. Há, porém, especificidades que estão mais a serem investigadas de que já suficientemente retratadas, não sendo possível se compreender a realidade das cidades médias partindo-se, simplesmente, de perspectivas que as concebem apenas como um “transbordamento” das metrópoles, ou, ainda, como um simples degrau na hierarquia urbana, embora se reconheça os processos de desconcentração metropolitana e de reconcentração em novas cidades, e o de centralização de esferas superiores da produção, caracterizados pela criação de novas centralidades e de um novo padrão de centralidade, no nível da rede urbana e no nível intra-urbano.

1.2 centro e centralidade

Não existe cidade sem centralidade, mas deve-se procurar compreender o conteúdo da centralidade nos diferentes momentos históricos e recortes empreendidos para sua apreensão, na perspectiva de se entender como ela se realiza no âmbito de diferentes formações socioespaciais.

A discussão sobre centralidade suscita investigações e sistematizações em várias escalas e de diferentes aportes: na escala regional com Walter Christaller figurando como um melhor exemplo; num âmbito intermediário (calcado numa noção de sistemas de cidades, mas discutido a partir da realidade metropolitana circunscrita a determinados padrões norte-americanos), tendo como maior expressão a Escola de Chicago; e no âmbito intra-urbano, desde essa mesma escola, às muitas outras leituras que a ela se contrapuseram. Não será, porém, nosso objetivo desenvolver uma revisão sobre o tema neste trabalho, mas estabelecer um balizamento inicial.

Para tanto, faz-se importante, primeiramente, estabelecer nossa concepção de centro e de subcentros, que compreendemos como uma concentração localizável e localizada na cidade, distinguindo-se entre si pela complexidade, abrangência e com a possibilidade de alguma hierarquia. Ao passo que a centralidade não se define pela localização, mas pelas articulações entre localizações, uma vez que expressa relações espaciais. A centralidade, assim compreendida, é cambiante.

Essa centralidade também não se define apenas no nível intra-urbano, mas na articulação de diferentes níveis e escalas, sobretudo quando não se restringe a elaboração do modelo teórico à concepção de hierarquia urbana tradicional, mas sim se compreende a constituição de redes num padrão não necessariamente concêntrico e que possui articulações definidas por fluxos. Portanto, não apenas a definição da centralidade no tecido urbano se dá pelos fluxos e é dinâmica, mas também a centralidade pensada na escala da rede, ambas podendo, conforme características e tempos, sobreporem-se.

Sua concepção, assim, não é una e abarca várias escalas e, sobretudo a articulação destas, através de duas argumentações básicas: a cidade se organiza articulada em redes de produção e numa relação e articulação intra-urbana e interurbana; a cidade possui estruturas morfológicas e sociológicas e, nesse sentido, a centralidade também diz respeito a um lugar com conteúdo social, carregado de símbolos e representações. A centralidade é esse processo duplo que se expressa também pela organização de vazios, de concentração e dispersão, como aponta Lefebvre (LEFEBVRE, 1983, p.46).

Compreendemos que, pela sua gênese e por sua reconstrução conceitual, as expressões concentração e desconcentração se articulam melhor com o território, assim como o termo aglomeração – de pessoas, carros e atividades. Os termos centralização e descentralização traduzem dinâmicas que concentram ou não atividades de gestão, comércio e serviços. Já “descentralizar” é tirar do centro.

Para se compreender a constituição da centralidade, são os fluxos os elementos determinantes, muito mais que a localização. Esses fluxos são incrementados pelas comunicações e telecomunicações que são traduzidas em trocas, decisões, gestão, controle e irradiação de valores. A dinâmica de concentração e dispersão cria e recria centralidades que irão ocupar e valorar diferentemente e diferencialmente territórios no tecido urbano e na dimensão da rede urbana e se traduzem em segmentação de usos e não usos e na fragmentação socioespacial.

Por isso, compreendemos o caráter processual da centralidade, em complementação ao centro, expressão territorial. Ou ainda, que a centralidade diz respeito aos “fluxos, a fluidez” e o centro é a “perenidade”, ou seja, a centralidade é expressão da dinâmica de definição/redefinição das áreas centrais e dos fluxos no interior da cidade e na escalas da rede urbana e da aglomeração urbana.

1.3 estruturação e reestruturação

Compreendemos que a reestruturação interna das cidades deva ser analisada juntamente com a reestruturação interurbana, sendo, portanto, distintas e complementares[3]. A reestruturação, nestas duas escalas e em seu embricamento, denotam as diferentes possibilidades técnicas e organizacionais e as novas necessidades e imposições da produção hegemônica. Assim, compreendemos que esta expressão possui forte determinante econômico.

Essa determinação econômica pode ser observada na estrutura da cidade e da rede urbana e na análise da estruturação da cidade e urbana, embora compreendamos que, nestes casos, possa haver dinâmicas que se interponham. Desta forma, chamamos a atenção para não se confundir a produção do espaço com a estruturação, ou a reestruturação, contidas naquele. É na produção do espaço que se encontram, também, as heterotopias. A reestruturação é, predominantemente, o processo das isotopias, utilizando-nos dos termos de Lefebvre (LEFEBVRE, 1983).

O que nos impõe o entendimento de que a cidade não é a simples materialização de um conjunto de usos do solo justapostos. Da mesma maneira, a compreensão da cidade como uma justaposição de localizações não responde à maioria das questões que colocamos. Para isso, devemos compreender a cidade como uma articulação entre localizações, sem nos esquecermos que novas localizações alteram a estrutura do restante da cidade. No nível da rede urbana, há a articulação entre as situações urbanas e a combinação das localizações e situações que implicam em transformações nos fluxos e fixos de pessoas e de mercadorias.

Esse processo de articulações dinâmicas das localizações e situações, que transforma uma ordem pré-existente, no atual estágio do capitalismo, pode ser chamado de reestruturação. Essa reestruturação se apresenta em dois níveis: na organização e reorganização dos espaços da produção e do consumo e nos símbolos, signos e sinais[4] comercializados na e pela cidade.

A reestruturação das cidades médias, nas dimensões intra-urbana e interurbana, aponta para uma configuração da centralidade, relacionada à espacialização da produção, e para um sistema mais complexo de centros, subcentros e centros especializados dentro da cidade e também em áreas externas ao tecido urbano, sua territorialidade, que podem ser ilustrados com:

a) uma centralidade múltipla (SPOSITO, 2001, p. 251-2) na medida em que não mais temos um centro único, mas uma diversificação de áreas centrais;

b) uma centralidade cambiante (WHITACKER, 1997, p. 296 e SPOSITO, 2001, p. 251-2) decorrente e incorrente dos fluxos e da fluidez destes;

c) uma centralidade complexa (SPOSITO, 2001, p. 251-2), uma vez que articula fluxos e redes em escalas complexas e complementares e as recentraliza de maneira segmentada e especializada;

d) uma centralidade polinucleada que recentraliza novas áreas centrais de maneira especializada, funcional e socioespacialmente.

2 Inovações tecnológicas, morfologia urbana e a combinação de escalas

Mudanças profundas na morfologia urbana denunciam um modelo de cidade que não é mais contíguo e concentrado e que, no nível da aparência, poderia fazer pensar num processo de urbanização homogêneo, com a diminuição de diferenças formais entre as cidades. Essa nova morfologia urbana reorganiza, de maneira aparentemente contraditória, a dispersão e a aglomeração (GOTTDIENER, 1992), numa dinâmica que cria e recria centralidades num movimento que é poli(multi)cêntrico, como apontou Lefebvre (LEFEBVRE, 1982, p. 127-8), à medida que se organiza, não apenas com muitos centros, mas também com centros de conteúdos diferenciados. Portanto, para se compreender a realidade urbana, devem-se somar aos conceitos tradicionais, conceitos específicos tais como o de rede (de intercâmbio, de comunicação):

A definição do fenômeno urbano implica considerar também as justaposições e superposições de redes, o encontro e a reunião destas redes, constituídas umas em função do território, outras em função da indústria e outras, finalmente, em função dos demais centros da malha urbana. (LEFEBVRE, 1982, p. 127-8)

No âmbito da Geografia Urbana, não se faz possível apenas o estudo da estruturação e reestruturação da cidade ou na cidade, ou apenas da organização das redes urbanas calcadas em noções de hierarquia e proximidade física. Para SASSEN, verifica-se um novo tipo de sistema urbano que opera concomitantemente em vários níveis: regional, global e transnacional: a cidade global (SASSEN, 1998).

Da mesma forma, pode-se analisar o processo de constituição de morfologias que possuem generalizações identificáveis, em várias escalas de análise. Os determinantes desse processo estão não apenas num nível intra-urbano e interurbano, como também desenvolvem nesses dois níveis suas determinações. Constituem-se e são constituídos pelos níveis local, nacional e mundial, à medida que se homogeneízam e se fragmentam, tanto o espaço, quanto o território.

A delimitação ou delimitações do centro, a configuração da morfologia urbana e a apreensão da centralidade como processo, no tecido urbano, ou no espaço da rede, nos moldes expostos acima, implicam em não defini-los apenas no nível do território: a centralidade encontra nos fluxos sua maior expressão e elemento constitutivo, daí, reafirmarmos, sua natureza cambiante.

A morfologia da cidade possui correlações com o desenho da rede urbana e não se trata de característica exclusiva do atual momento da urbanização. No nível intra-urbano, tinha-se uma cidade mononuclear, com um único centro e, na rede, tinha-se a clássica hierarquia urbana dos centros principais aos centros secundários, suas hinterlândias e assim sucessivamente.

Os fluxos intra e interurbanos possuem padrões formais semelhantes que redundam em desenhos semelhantes, pois são resultantes de um mesmo processo socioeconômico, que organiza a produção, daí a indução de formas urbanas semelhantes. Como as formas pretéritas, já há décadas, eram induzidas por um mesmo processo (o capitalismo industrial), as redes urbanas apresentavam, como as cidades, um esquema que, genericamente, podemos chamar de radiocêntrico.

Ambas possuíam a estrutura necessária para se organizar a produção e o consumo, a partir de centros de controle e irradiadores de valores, culturas, símbolos, ordens e ambas são suplantadas pela necessidade de se perpetuar essa produção, inerente a necessidade intrínsica do capitalismo superar, ainda que momentaneamente, suas crises estruturais de superprodução e de queda na taxa de lucros. Atualmente, lança-se mão da tecnologia e dela se serve e a ela induz o sistema hegemônico mundial. Isso implica em mudanças no padrão de produção, associadas às novas territorialidades.

Nesse contexto, a análise da relação entre centralidade e dispersão, ou, como apresenta Sposito, sobre centro-periferia, seria caracterizada por três dinâmicas principais.

Primeira Dinâmica

Trata-se da “dinâmica imposta pelas novas lógicas de comportamento espacial das empresas industriais.” (SPOSITO, 1999, p. 89), caracterizada a) pela maior mobilidade das plantas industriais graças à redução dos custos de transporte, o que permite que as empresas deixem os grandes centros; b) pelo aumento do consumo, o que faz com que haja um aumento do número de empresas industriais; c) pela relativização do modelo de produção local para um consumo local, migrando-se para modelos de produção para mercados distantes; d) pela diminuição de plantas industriais que “permite uma flexibilização dos usos dos espaços.” (SPOSITO, 1999, p. 89); e) pela separação territorial da gestão e da produção, desde que necessidades infra-estruturais de circulação e comunicação estejam atendidas, o que permitiria a localização não metropolitana e mesmo em áreas externas ao tecido urbano, redefinindo-se “não apenas o tecido interno das aglomerações urbanas, mas também a rede de fluxos entre aglomerações de diferentes portes.” (SPOSITO, 1999, p. 89).

Segunda dinâmica

A articulação dispersa da produção e da produção e gestão é acompanhada por concentrações com novas características:

Paralelamente aos fluxos que se estabelecem entre diferentes unidades da mesma empresa e entre empresas controladas sob o mesmo capital, observa-se um interesse de maior articulação entre as unidades de gestão de uma empresa ou grupo e outras empresas e/ou instituições, de diferentes portes, para a compra de serviços de diferentes naturezas (do desenvolvimento tecnológico à limpeza e manutenção do maquinário) (SPOSITO, 1999, p. 90)

Observa-se que essa é uma nova tendência de concentração, ao mesmo tempo em que a produção, de maneira geral, desconcentra-se ou se reconcentra em outras áreas dotadas do aparato técnico e tecnológico necessário.

A nosso ver, suas estratégias de localização se dão primordialmente pela incorporação de novas áreas ao tecido urbano ou pela localização nas franjas e periferias, notadamente em nós de circulação, muitas vezes atendendo a vários municípios.

Terceira dinâmica

Outro padrão locacional dessas atividades em cidades mais antigas e em metrópoles, diz respeito à ocupação de grandes áreas outrora destinadas a outros usos (equipamentos industriais, portos), onde a inadequação a novos usos rentáveis coloca-as a disposição, geralmente a um relativo baixo custo para o capital especulativo, mas não raro exigindo pesados investimentos públicos para sua revitalização ou readequação. Processos semelhantes são observados nos velhos centros tradicionais.

Essas três dinâmicas operam, a nosso ver, em várias escalas diferentes e, muitas vezes, só por meio da articulação entre escalas se tornam identificáveis ou desmistificáveis, o que revela a importância da compreensão dessas duas realidades para se compreender a estruturação interna das cidades. Complementarmente, devemos compreender que a relação em dimensões e níveis diferentes – na constituição da rede de cidades e entre redes, as formas de circulação materiais e os meios de transporte são complementados pelas circulações imateriais. O que implica em se compreender que ao conjunto de usos se sobreponha e se contraponha, por vezes, a dinâmica dos fluxos.

3 As cidades médias

No âmbito dos esforços de se trazer à discussão a temática da centralidade nas cidades médias e de sua articulação com as redes, verifica-se que tal processo assume nuanças diversas, mas já não se pode falar num único centro para elas, como nos fazem crer os diversos momentos e análises, que demonstram a existência e manutenção de um centro tradicional que tem suas ocupações e usos se transformando e, sobretudo, a existência de desdobramentos desse centro tradicional que encontram determinantes além do nível intra-urbano.

Em diferentes concepções e menções ao centro urbano há, quase que automaticamente, uma identificação com convergência e/ou divergência. Ou seja, o centro organiza os deslocamentos e é ponto de articulação entre seus usos e os demais espaços da cidade. Os movimentos dos veículos e das pessoas convergem para ele, em determinados momentos do dia, e de lá partem, ordenando um movimento pendular que dota essa área de conteúdos diferentes no decorrer de um único dia e lhe dá uma dupla característica de integração e dispersão.

Essa identificação é reforçada pelo desenho do plano viário, que tanto pode determinar a localização do centro, quanto ser por ele influenciado, numa relação dialética. O duplo movimento de atração e dispersão se materializa através desse plano, tendo no trânsito de pedestres e de veículos (coletivos e individuais) sua identificação mais direta, e, num nível menos evidente, por meio dos fluxos imateriais de informações, como poderemos verificar adiante.

3.1 Estruturação, reestruturação e centralidade em cidades médias: algumas constatações e possibilidades de metodologias de investigação.

O centro urbano desempenha papel principal decorrente da concentração de atividades, pessoas e fluxos dos mais diversos e, também, da dispersão e da irradiação que a partir dele se realiza. Esse processo compreende tanto a estruturação dos espaços de produção, quanto dos espaços de troca e engloba, também, portanto, a apropriação e o uso.

Para a análise da reestruturação, entendemos, como já anunciado, a necessidade de privilégio da dimensão econômica. Nesse sentido, importante indicador se constitui a dinâmica de localização e as relações econômicas estabelecidas pelas e entre as diferentes firmas. Intentando desenvolver estudos sobre as cidades médias que dêem conta de sua reestruturação e da necessidade de se materializar pesquisas que procurassem materializar as relações entre morfologia e entre os níveis intra-urbano e interurbano, propusemos alguns elementos para a investigação empírica, que apresentamos a seguir.

A abordagem do tema foi feita priorizando-se as atividades econômicas numa dupla relação entre localização (usos do solo) e conteúdos diferenciados das empresas, que as qualificavam em diferentes níveis de densidade informacional. Propomos como um indicador de tal densidade a utilização (ou não) de informática e teleinformática, mas também pelas modalidades de utilização, podendo-se acrescentar o tipo de comunicação e telecomunicação. Seria possível, assim, verificar-se tanto a tecnologia utilizada na empresa como a tecnologia utilizada entre a empresa e suas relações externas, o que permitiria inferir a relação em rede dessas empresas e de se compreender a centralidade também como uma expressão desse nível de articulação.

O índice que propomos, em pesquisas empíricas já empreendidas, é composto pelos seguintes indicadores: utilização de microcomputadores para vendas e e-commerce; utilização de microcomputadores para outros usos; existência de página própria na internet; utilização de microcomputadores para gestão e controles; existência de endereço eletrônico (e-mail); utilização de microcomputadores para comunicação com outras empresas; utilização de microcomputadores para comunicação interna e entre estabelecimentos da empresa; utilização de microcomputadores para compras e contatos com fornecedores; existência de microcomputadores conectados à internet; existência de microcomputadores conectados em rede interna; existência de microcomputadores conectados em rede externa.

Na Figura 1 abaixo, trazemos uma representação do índice de densidade informacional das empresas de são José do Rio Preto, cidade média de cerca de 400.000, localizada na porção Noroeste do Estado de São Paulo.

Ao se compará-la com a Figura 2 a seguir, notam-se as diferenças nos padrões de distribuição das atividades. Esta última ainda reproduz um modelo concêntrico.

Figura 1 – São José do Rio Preto/SP: índice informacional das empresas (2002)


Figura 2 – São José do Rio Preto: distribuição das atividades (2000)


Paralelamente à análise do Índice de Densidade Informacional das empresas e seus desdobramentos analíticos, consideramos relevante a distribuição de linhas telefônicas, um componente mais “arcaico” na constituição das redes de comunicação.

A decomposição do índice de densidade informacional em seus vários elementos permite que se observe uma acentuação de padrões locacionais que dará conteúdo diferente às várias centralidades que se formam na cidade.

Quando observamos a configuração dos diferentes conteúdos das empresas, sob a ótica da densidade informacional, verificamos um desenho que em nada lembra um modelo concêntrico, característica essa, por sua vez, presente ao se observar a composição de indicadores baseados em linhas telefônicas, um componente mais banal, como pudemos verificar em pesquisa de campo.

Seria, assim, possível se juntar elementos à discussão de duas idéias significativas no processo de reestruturação e nas relações entre as escalas intra-urbana e interurbana: 1) a existência de um circuito inferior e de um circuito superior da economia urbana (SANTOS, 1979), que se materializariam nas firmas com grande e pequeno índice de densidade informacional e que tenderiam a se localizar no centro tradicional (aquelas firmas com menor índice) e nas novas centralidades (as firmas com alto índice de densidade informacional); 2) os conceitos de alcance espacial mínimo e alcance espacial máximo das atividades econômicas, para se discutir a rede urbana (CHRISTALLER, 1966).

A análise geral de usos do solo em pesquisa de campo empreendida em São José do Rio Preto e em outras pesquisas em curso[5] indica que há uma distribuição de atividades não residenciais com configuração claramente concêntrica, a partir dos setores que compõem o centro tradicional.

Percebe-se que, quantitativamente, a concentração de atividades econômicas no centro tradicional é grande e relevante, porém, no conjunto apresentado de concentrações relativas (advindas da decomposição do índice de densidade informacional e de sua representação), que permite uma análise qualitativa do padrão de distribuição de usos do solo, as diversas centralidades se evidenciam.

A representação do índice de densidade informacional ilustra uma média, daí sua concentração ser relativa e, no plano territorial, apresentar áreas com um tipo de uso que a diferencia das demais pelo fenômeno que está sendo observado. Essa concentração espacializada denota um padrão diferenciado de centralidade, não computada pela quantidade de atividades, mas pela concentração de características que, qualitativamente, irão dotar novas áreas da cidade de novos conteúdos. Outro aspecto a ser ressaltado é que essa concentração só se manifesta nos fluxos entre essas empresas e outras escalas.

Embora essa conexão pudesse, em tese, dar-se a partir de qualquer ponto da cidade, as empresas com os maiores índices apresentam uma distribuição própria, a partir de eixos viários municipais de relevância, ou na confluência desses com rodovias que cruzam as cidades. O que pode ser um elemento a confirmar nossa impressão de que a mudança no conteúdo dos centros tradicionais não se dá apenas porque esse centro se encontra saturado, mas também porque se procuram espaços exclusivos.

A concentração relativa demonstra que os maiores índices de densidade informacional das empresas, grosso modo, sobrepõem-se aos entroncamentos dos eixos das rodovias que compõem a rede viária do entorno das cidades e em seus eixos viários principais, como verificamos em São José do Rio Preto-SP estudando a densidade informacional das empresas localizadas às margens das Rodovias Federal BR – 153 e Estadual Washington Luiz (importantes rodovias que circundam a cidade) e destas com as Avenidas Juscelino Kubtischek de Oliveira, José Munia e suas depositárias, Avenidas Bady Bassit e Alberto Andaló (que compõem os eixos viários principais de São José do Rio Preto SP).

A existência de dois padrões constantes nas empresas comerciais (um de alto índice de densidade informacional e outro de baixo índice) indica que essas empresas também têm diferenças quanto ao padrão de distribuição locacional, com empresas comerciais mais simples e menos organizadas num extremo e que, primordialmente ocuparam o centro tradicional e áreas menos nobres de expansão comercial. Esse quadro que se desenha tem sua tônica na análise qualitativa das informações (índice de densidade informacional), mais que na quantitativa (localização dos usos do solo).

Os novos conteúdos que caracterizarão o que é central, com a complexidão de dinâmicas de reestruturação da cidade e na cidade, podem estar “deslocados” em relação ao centro tradicional. O processo que cria novas centralidades muda o conteúdo do centro, ao mesmo tempo em que não o reproduz tal como já constituído, mas de forma especializada. Esse processo não causa uma anulação da centralidade, mas a reconfigura no âmbito do tecido urbano.

O processo de transformação do centro e de constituição de novas centralidades guarda especificidades que se evidenciam na convivência de vários padrões de ocupação e de várias morfologias. Uma vez que a centralidade se articula à divisão técnica e social do trabalho, os centros (no nível da forma urbana) e essa centralidade (enquanto processo) refletem, também, uma articulação desses com o modo de produção.

Se a técnica e a tecnologia presentes, não apenas em infra-estrutura, compõem um diferencial do espaço, a ponto de Santos compreender um “meio técnico-científico informacional” (SANTOS, 1996), poderíamos identificar a constituição das centralidades criadas a partir dessas dinâmicas não apenas pela presença de conteúdo técnico/tecnológico em termos infra-estruturais, mas também pela presença desse conteúdo nas empresas, como verificado em Santos, acima apresentado, em Castells (CASTELLS, 1999) e em Castells & Hall (CASTELLS & HALL, 1994).

À guisa de conclusão

As discussões acerca da subversão da forma tradicional de rede urbana para uma forma de “redes de redes” e as considerações sobre a articulação de escalas para compreender a reestruturação urbana encontram possibilidades de investigação ao se tentar compreender as articulações das diferentes firmas com realidades não locais e sua distribuição na cidade, verificando-se seu papel na constituição de novas centralidades. O índice de densidade informacional tem esse objetivo, principalmente ao permitir uma diferenciação das firmas com maior conteúdo tecnológico, utilizado em diversas categorias. A observação do fenômeno retratado permite que se distingam centralidades com conteúdos diferentes e diferentemente datadas.

Embora se trate de exemplos específicos, fruto de trabalho de campo, ficam patentes as possibilidades de análise da reestruturação urbana e de se identificar novos elementos definidores da centralidade nas cidades médias, que caminham de modelos concêntricos e radiocêntricos, para padrões policêntricos.

Com essas preocupações procuramos compreender dinâmicas que possam ser generalizadas ao se analisar as cidades médias. Intentamos, contudo, não verter essa generalização para um modelo, risco sempre presente na proposição de uma metodologia de pesquisa.

Tais dinâmicas apontam para a possibilidade de que nas cidades médias:

a) sejam múltiplas as centralidades que se expressam pelos eixos de desdobramentos, pelas novas áreas contíguas ou não ao centro tradicional e pela própria mudança de conteúdo deste, como procuramos demonstrar – sobretudo tendo como elemento explicativo eleito o uso do solo e as dinâmicas e conteúdos das empresas;

b) sejam também cambiantes, à medida que sua concentração não se dá apenas nos usos, mas nos fluxos (concernentes às relações das empresas com outras escalas e ao seu conteúdo informacional);

c) apresentem-se, ainda, como complexas, pois possuem especializações funcionais e socioeconômicas que, por vezes, só se materializam na articulação de diferentes níveis e escalas;

d) como decorrência, tem-se a centralidade polinucleada, que se complementa e se constitui no processo de desagregação e recentralização do centro tradicional, tanto no nível de seu conteúdo pré-existente quanto na mudança quantitativa e qualitativa de sua capacidade de atração de novos usos e ocupações.

Há, ainda, uma série de considerações e possibilidades de investigação que são postas à discussão, lembrando a proposta explicitada no início deste texto de se lançar questão ao debate.

Assim, sintetizando pontos eleitos para novas pesquisas e desafios, destacamos os seguintes:

I

As atividades comerciais estão constituindo novas centralidades em áreas profundamente marcadas por eixos viários de várias escalas, com duas características básicas: a localização nos eixos rodoviários e a localização nos eixos viários intra-urbanos, geralmente com conexão entre si. Isso denota algumas dinâmicas possíveis: uma cidade que organiza seu consumo em função dos deslocamentos das pessoas pelos automóveis, ao mesmo tempo em que os deslocamentos são possíveis e necessários tanto pelos eixos como pelas distinções no plano do território da cidade dos espaços distintos e diferenciados e diferentes e segmentados.

II

Em um segundo grupo de dinâmicas já datadas, podemos levantar elementos que nos levam a crer que as diferenciações intraurbana e interurbana e do campo e da cidade encontram também respostas no processo de estruturação pretérita, tanto da cidade, quanto da rede urbana, no sentido de deter usos e ocupações que há muito se desenvolveram.

Esses eixos são também um dos elementos que permitem a análise da cidade no plano da rede e na articulação da escala intra-urbana e interurbana. Pois na escala da rede, podem aparecer mais claramente os papéis desses eixos e as articulações das atividades que aí se localizam com outras esferas. Há, assim, uma articulação, tanto no nível das dinâmicas aparentes, quanto daquelas não evidentes (os usos do solo e as relações deles com escalas e dimensões variadas, por exemplo), dos níveis intra e interurbano.

III

Esses níveis e redes permitem-nos levar elementos à discussão das cidades médias. Pela localização absoluta de uma cidade na rede de modelo hierárquico, nem sempre é possível se inferir uma série de relações: o modelo pré-estabelecido de rede hierárquica não abarca as relações entre os mercados consumidores, os capitais das empresas e seu nível de organização presente nas cidades médias.

IV

Nas cidades médias, há que se verificar seu “lugar” na rede, sua conjunção na “rede de redes”. Numa primeira análise, as cidades médias parecem compor um espaço de ação de empresas que deixam a metrópole (como muitas pesquisas já procuraram evidenciar), ao mesmo tempo em que são sede de empresas que não passaram em etapa anterior pela metrópole, mas se organizam em redes.  Outra dinâmica seria de empresas locais com mercados locais, elemento bastante pesquisado em estudos de caso, que merecem ser revisitados.

 

Referências Bibliográficas

CASTELLS, M. & HALL, P. Las tecnópolis del mundo. La formación de los complejos industrials del siglo XXI. Madrid: Alianza Editorial, 1994.

CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. A sociedade em rede. (volume I). São Paulo: Paz e Terra, 1999

Christaller, W. Central Places in Southern Germany. New Jersey, Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.

GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1992.

LEFEBVRE, H. La revolución urbana. Madrid: Alianza, 1983.

SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996.

SANTOS, M. O espaço dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.

SASSEN, S. As cidades na economia mundial. São Paulo: Studio Nobel, 1998.

SPOSITO, M. E. B. A urbanização da sociedade: reflexões para um debate sobre as novas formas espaciais. In: DAMIANI, A. L., CARLOS, A. F. A. & SEABRA, O. C. L. O espaço no fim do século: a nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999.

SPOSITO, M. E. B. Novas formas comerciais e redefinição da centralidade intra-urbana. In.: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.) Textos e contextos para a leitura geográfica de uma cidade média. Presidente Prudente: PPGG/FCT/UNESP/GAsPERR, 2001.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo. Presidente Prudente: Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2004 (Tese de Livre Docência).

WHITACKER, A. M. A produção do espaço urbano em Presidente Prudente: uma discussão sobre a centralidade urbana. (mestrado em geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, 1997.

WHITACKER, A. M. Reestruturação urbana e centralidade em São Jose do Rio Preto - SP. (doutorado em geografia) Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, 2003.




[1] Pesquisa realizada no âmbito do projeto temático, financiado pela FAPESP: “O mapa da indústria no início do século XXI. Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo”, coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito e desenvolvida pela UNESP, USP, UFPR e UNIOESTE.

[2] Parte substancial da discussão aqui apresentada se origina de nossa tese de doutoramento, referenciada no final desse texto.

[3] Maria Encarnação Beltrão Sposito apresenta em sua tese de livre docência uma importante contribuição à definição dos termos estruturação da cidade e estruturação urbana. Suas considerações foram importante referencial para nossa compreensão e utilização destes termos. Cf. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no Estado de São Paulo.

[4] Segundo Lefebvre, passamos, paulatinamente, de uma produção de símbolos para uma produção de signos, que vão sendo, por sua vez, suplantados por sinais. O sinal e o sistema de sinais fornecem um modelo cômodo de manipulação, uma vez que não são produzidos/apropriados coletivamente como os símbolos, como se pode observar em sua obra La revolución urbana.

[5] No caso de São José do Rio Preto, desenvolvemos tese de doutoramento, referenciada na bibliografia deste texto. Além desta, estão em desenvolvimento várias pesquisas, sobre cidades médias e pequenas, com nossa orientação, que se propõem a exploração deste tema.


Retornar a Programa de las Sesiones