IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo - 1 de junio de 2007
Universidade Federal do Rio Grande do Sul


CONDOMÍNIOS FECHADOS NA REGIÃO SERRANA
DO ESPÍRITO SANTO, BRASIL

Carlos Teixeira de Campos Júnior
Universidade Federal do Espírito Santo
ctcampos@npd.ufes.br

Márcia Cristina Bergamim
Centro Universitário São Camilo
mcbergamim@hotmail.com



Condomínios fechados na Região Serrana do Espírito Santo, Brasil (Resumo).

Trata-se de uma pesquisa sobre a expansão recente de condomínios fechados na Região Serrana do Espírito Santo. É uma região situada próxima de Vitória, a Capital do Estado, colonizada por alemães e italianos, que vivem da agricultura familiar. Suas atividades estão ameaçadas com o novo padrão espacial imposto pelo capital na sua valorização por meio da forma imobiliária dos condomínios fechados. Alianças com associações de produtores organizados, com movimentos ambientalistas e a ampliação do debate sobre a sustentabilidade daquela região (responsável pelo abastecimento de água da Região Metropolitana da Grande Vitória) podem contribuir na colocação de limites à expansão da atividade imobiliária predatória na região.

Palavras chave: condomínios fechados, valorização do capital, área rural


Closed condominiums in the Mountainous Regions of Espírito Santo (Brazil).

This article’s issue concerns the recent growth, in number, of closed condominiums in the mountainous regions of Espírito Santo, in the southeast of Brazil. Located near Vitória, the capital of the state, this region has been colonized by Germans and Italian that make their living out of small “family agriculture”. These people’s farming has been threatened by the new spatial pattern that has been valorizing the whole area due to the current expansion of the real-state interest in building new closed condominiums in the whereabouts. Alliances has been made with the local producers' association along with environmentalists aiming to promote the increase of the debate regarding the regions’ sustenance. (The area mentioned above provides all the water consumed in the whole region of Vitória, the capital, and its neighboring cities). This debate may contribute to delimit the boundaries to the expansion of the extinctive real-stating activities in that region.

Key words: closed condominiums, real-state capital, rural area.



Limites impostos à expansão de condomínios fechados ou simplesmente medidas que levam à requalificação dos empreendimentos?

Um fenômeno novo passou a fazer parte, a partir dos últimos 10 anos, da paisagem da Região Serrana do Espírito Santo: os condomínios fechados. Medida a intensidade da sua ocorrência entre 1995 e 2004, os registros foram crescentes e ocorreram em grande quantidade, especialmente a partir do final da década de 1990. Ao todo foram implantados no período, nos quatros municípios pesquisados (Domingos Martins, Marechal Floriano, Venda Nova do Imigrante e Vargem Alta), 50 empreendimentos, que ocuparam uma área aproximada de 5 milhões de metros quadrados e resultaram na criação de 2.321 chácaras.

Portanto, algo novo tem modificado de forma intensa aquela paisagem, colocando em risco a sustentabilidade da região. As ameaças vão desde as de dimensões ambientais até as de motivação social. Percebendo a dimensão do fenômeno e a intensidade com que se manifestou, as autoridades estaduais resolveram intervir para conter o avanço indiscriminado das iniciativas.

No caso, o Ministério Público foi acionado e tomou medidas legais. O próprio poder público estadual estimulou a criação de instrumento legal específico, mais restritivo, que levou, pelo menos momentaneamente, à inibição do crescimento desenfreado dos condomínios fechados na Região Serrana do Espírito Santo.

Que medidas foram estas tomadas pelo poder público e até que ponto elas conseguem barrar todo tipo de empreendimento e colocar em questão os impactos, especialmente sociais, que este tipo de empreendimento acarreta para o desenvolvimento da região?

Este texto apóia-se em pesquisa de campo específica e, entre outras fontes, nos documentos do Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IPES). Especificamente, foram tomados dados dos documentos Macrozoneamento da Região Serrana e Análise Socioeconômica do Município de Domingos Martins: elementos para avaliação da emancipação do distrito de Aracê; ambos de 2004.

O crescimento dos condomínios fechados ocorreu em vários municípios da Região Serrana, como poderá ser constatado a seguir. Contudo, para as referências deste texto, foram tomados apenas os indicadores relativos ao município de Domingos Martins. Este município é a amostra mais significativa do processo que deu lugar ao fenômeno dos condomínios fechados na Região Serrana do Espírito Santo.


A Região Serrana

A Região Serrana do Espírito Santo é composta por 11 municípios: Afonso Cláudio, Alfredo Chaves, Castelo, Conceição do Castelo, Domingos Martins, Marechal Floriano, Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Vargem Alta e Venda Nova do Imigrante, conforme pode ser visto na Figura 1. “É importante ressaltar que esses municípios não são os mesmos considerados dentro da divisão regional formal do estado. A área estudada abrange municípios pertencentes a diversas microrregiões administrativas: Metrópole Expandida Sul, Sudoeste Serrana, Central Serrana e Pólo Cachoeiro” (Macrozoneamento, 2004, p. 4).

 

Figura 1. Municípios que compõem a Região Serrana.
Fonte: IPES, 2004.


Esses municípios foram importantes na ocupação do interior e para a formação da diversidade cultural do Espírito Santo. O imigrante europeu –italiano e alemão–, ocupando o interior, difundiu a agricultura familiar baseada no café, que até hoje tem forte presença na região.

A ocupação do interior iniciou-se no século XIX, com os imigrantes subindo os rios. Quando estes se encachoeiravam, às suas margens formaram povoados, que mais tarde se transformaram em cidades-portos fluviais para servir ao escoamento da produção agrícola que se desenvolveu em seguida.

Primeiramente os imigrantes subiram o rio Santa Maria e fundaram, em 1847, Santa Leopoldina. Em seguida, também os alemães e seus descendentes, acompanhando as margens do rio Jucu, fundaram Santa Isabel, hoje distrito localizado nas imediações da sede do município de Domingos Martins. Na década de 1870 os italianos alcançaram Alfredo Chaves pelo rio Benevente, partindo de Anchieta, povoado litorâneo às margens do referido rio.

Dessas localidades os imigrantes espalharam-se pelo território, fundando o que seria atualmente os demais municípios que compõem a Região Serrana. O relevo e as condições climáticas, bem como o solo, definiram naquele tempo o percurso do deslocamento dos imigrantes no território, que seguiram os afluentes dos maiores rios, nesse caso, deslocando-se para o sentido norte ou sul.

Quando os imigrantes se dirigiam para o interior (sentido oeste) encontravam maiores altitudes e relevo mais acidentado, eram as terras frias, inaptas para o café. Por conseqüência, essas terras tiveram sua ocupação retardada, porque na época não havia mercado para os gêneros que mais tarde irão cultivar naquelas áreas. De certa forma, explica-se a importância que possui hoje a agricultura familiar de olericultura na região, cultivada nas terras frias, responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana da Grande Vitória, vindo a somar-se à cultura café, que já estava sendo cultivada.

Essa região, portanto, onde se verifica forte presença, em nossos dias, da agricultura familiar, região responsável pela mais rica representação étnica que forma a população do Espírito Santo, de fundamental importância no provimento de alimentos que abastecem a Região Metropolitana da Grande Vitória (esta reúne 46% da população do Estado), vem passando por mudanças que comprometem sua reprodução.

Refletindo essa forma de apropriação territorial, o espaço rural dos municípios em questão destaca-se atualmente, em sua maioria, pela predominância da agricultura familiar (INCRA/FAO, 2000) e por uma boa distribuição fundiária. Os índices de gini da terra atingidos pelos municípios destacam-se entre os menores do Espírito Santo[1] (Bergamim, 2004). Em contrapartida, nesses municípios, percebe-se uma certa desestruturação da agricultura familiar.  Reconhecida pela superioridade competitiva em obter rendimento físicos, quando comparada a agricultura patronal ( FAO/INCRA1995), a agricultura familiar desses municípios ocupa um percentual de área superior ao percentual do valor bruto da produção agrícola (INCRA/FAO, 2000). Em outras palavras, a produção agrícola  da agricultura familiar não é correspondente a área que ocupa, o que a torna menos competitiva relativamente à agricultura patronal.


O fenômeno dos condomínios fechados na Região Serrana

Os levantamentos indicativos da amplitude da expansão imobiliária na região referem-se aos empreendimentos localizados nos municípios de Domingos Martins, Marechal Floriano, Venda Nova do Imigrante e Vargem Alta, “[...] por serem territórios que vêm sofrendo processos acelerados de transformação, com impactos substanciais, que estão afetando a sustentabilidade da região”. Contudo, para o entendimento do processo imobiliário, o município de Domingos Martins foi escolhido como referência para a pesquisa de campo e as análises qualitativas.

No entanto, o que mais chama atenção no estudo do IPES (Macrozoneamento..., 2004, p. 79) é que 94% dos 50 empreendimentos implantados nos 4 municípios citados entre 1995 e 2004, isto é 47 loteamentos, estão situados fora dos respectivos perímetros urbanos municipais. São, portanto, empreendimentos ilegais, destinados a fins urbanos mas implantados em área rural. Muitos foram autorizados pelo poder público municipal, mas não se encontram registrados nos respectivos cartórios de imóveis. Outros foram implantados sem aprovação municipal e, por conseqüência, não estão registrados em cartório. São empreendimentos clandestinos.

A quase totalidade dos loteamentos não cumpriu a legislação pertinente ao parcelamento do solo, a Lei nº 6766/79. Não destinaram áreas para uso público nem cumpriram com o que reza a lei sobre construção das obras de infra-estrutura. Apresentaram rede de energia elétrica, mas não disponibilizaram rede de água, tampouco construíram esgotamento sanitário nem tornaram viável o escoamento de águas pluviais. As vias de circulação encontravam-se pessimamente pavimentadas.

As alternativas de solução propostas para o uso da água vêm da utilização de nascentes, e o esgotamento sanitário é resolvido por iniciativas individuais, tomadas com a construção de fossas sépticas. Tanto uma alternativa quanto a outra se constituem em ameaças à sustentabilidade da região.

Não há abundância de água na região. Os mananciais não são caudalosos e têm grande importância para o abastecimento da Região Metropolitana da Grande Vitória e para a atividade agrícola. Para garantir o consumo de água, os moradores desses empreendimentos tendem a concorrer com a população da região metropolitana e com as atividades de irrigação nas áreas agrícolas. E, como não há fiscalização por parte do poder público sobre os empreendimentos, acredita-se que as soluções individuais pelo uso das fossas sépticas inclinam-se a promover contaminação dos veios d’água e dos lençóis freáticos.

Por se tratar de região com relevo acidentado, os empreendimentos estão implantados em terrenos com declividade muito acentuada. Comprometem as condições ambientais do lugar, porque a camada de solo é pouco espessa e apresenta riscos de deslizamentos, ameaçando a vida das pessoas.

Apesar de tudo, a maior parte dos loteamentos encontra-se hoje aprovada pelas respectivas prefeituras municipais e registrada nos cartórios de imóveis. No município de Venda Nova do Imigrante, por exemplo, do total dos 12 loteamentos implantados, somente 2 estão registrados no cartório de imóveis. Nos outros municípios a situação é inversa. No município de Marechal Floriano todos os 19 loteamentos encontram-se registrados. Em Domingos Martins apenas 3 dos 19 empreendimentos não foram registrados em cartório, mas obtiveram aprovação da prefeitura municipal.

Como tudo acontece? O poder público se omite. Não monitora os empreendimentos. Não verifica o cumprimento da legislação federal. Não aplica penalidades nem denuncia à autoridade policial o crime contra a administração pública. Os empreendimentos se efetivam “[...] não apenas por ocupações espontâneas, mas, também, por empreendimentos no meio rural, aprovados e mesmo registrados, sem observância das normas urbanas vigentes” (IPES, Macrozoneamento..., 2004, p. 87). Com o passar do tempo, o próprio poder público municipal encaminha à Câmara projeto convalidando a situação ilegal. Dá início à “regularização” sem responsabilizar os infratores responsáveis.

A expansão de condomínios fechados tem se mostrado mais grave no município de Domingos Martins. Foi o município que primeiro abrigou os sítios de recreio de moradores da capital. Situado a uma distância aproximada de 60 km de Vitória, constituiu-se numa opção, ainda na década de 1970, para o lazer de final de semana dos moradores da capital.

Com clima agradável em meio a uma natureza exuberante, região montanhosa, apresentando situação distinta da monotonia das planícies, cercada por belos monumentos naturais, como Pedra Azul e Forno Grande, este no município de Castelo, a região de Domingos Martins despertava o interesse dos moradores de Vitória nos anos 1970, sem que ali se tivesse consolidado o mercado imobiliário.

Há um loteamento, nessa década, pioneiro, o Parque das Hortências, que foi a primeira experiência de estabelecimento de chácaras de lazer. Esse loteamento, no entanto, demorou a despertar o interesse dos moradores de Vitória. O mercado imobiliário só começou a se consolidar na região a partir do final da década de 1990, quando cresceram os investimentos em hotéis e propalou-se que a região abrigava em sítios de recreio a maior parte do PIB capixaba e reunia ilustres personagens da sociedade brasileira: Eliezer Batista, ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce e ex-ministro, Roberto Marinho, o empresário Lorentz, principal acionista da Aracruz Celulose, a apresentadora de televisão Xuxa, dentre outros. Em meio às campanhas de publicidade sobre a região cunhou-se a máxima de que Domingos Martins possui o terceiro melhor clima do mundo.

O auge de toda essa situação pode ser constatado nos dados da pesquisa do IPES (Macrozoneamento..., 2004, p. 82). Na chamada Rota do Lagarto[2], no entorno do monumento natural Pedra Azul, constatou-se a existência de “[...] 1.288 lotes disponibilizados na área rural de Aracê, que corresponde a 6 vezes a área já consolidada do núcleo urbano de Pedra Azul (Aracê) estimado em 246 habitações”. (Veja na Figura 2, anexo, o maciço da Pedra Azul e o Forno Grande, que são hoje lugares disputados pelo mercado imobiliário).

O extraordinário crescimento imobiliário da região, e verificado sem a observância dos mínimos critérios da lei, levou o governo estadual a se preocupar com a situação. Tal preocupação demandou estudos sobre a região, que levaram à constatação de uma situação alarmante. Tão logo se comprovaram as suspeitas a respeito das irregularidades e se deu conta da dimensão como vinham acontecendo, o Ministério Público foi acionado para coibir os abusos. Resultado: “O Ministério Público, de acordo com matérias veiculadas nos jornais locais, passou a acompanhar a aprovação municipal dos loteamentos, tendo em vista as várias irregularidades constatadas” (Bertocchi, 2006, p. 106).

A Assembléia Legislativa também se manifestou diante dos fatos, com a criação da Lei nº 4.943/04. Esta lei estabelece áreas prioritárias na região e passou a demandar outros critérios para o processo de parcelamento do solo, dentre os quais exigiu os seguintes procedimentos: a expedição, pelo Estado, através do órgão florestal competente, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF), de laudo técnico e a emissão, pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo (IEMA), do licenciamento ambiental; a determinação de pedido de vistas obrigatória dada pelo cartório de registro de imóveis ao representante do Ministério Público estadual nos processos de registros de loteamentos; a destinação mínima de 30% da área do loteamento para equipamentos públicos (Bertocchi, 2006, p. 106), dentre outras medidas. Esta última já faz parte também da exigência da Lei federal nº 6766/79.

Houve, como conseqüência, substancial redução de loteamentos na região. Contudo, percebe-se que não ocorreu debate sobre os impactos ambientais e especificamente sociais advindo dos loteamentos. Foram tomadas medidas apenas para que se cumprisse minimamente a lei.

O que são os loteamentos fechados? Quais são seus impactos? E que possibilidades se têm de construir outras formas de expansão urbana na Região Serrana do Espírito Santo?


Perspectiva de leitura dos loteamentos fechados da Região Serrana

Os loteamentos fechados ou condomínios fechados são formas que o capital encontrou de se valorizar por meio de empreendimentos rentistas. A maior parte da remuneração do capital provém, nesses casos, de uma renda imobiliária paga por toda a sociedade[3]. Assim, a valorização não é originária do trabalho de construção do loteamento, mesmo que deste possa advir algum tipo de valorização. Provém da produção pretérita do lugar transformado em espaço e das novas raridades[4]. A produção pretérita é uma produção social, e as ditas novas raridades são bens da natureza, portanto não criados pelo homem, que possuem finitude. A particularidade desse processo de valorização está na apropriação privada da produção social, historicamente criada pelo homem, que transforma a natureza em espaço, e na apropriação, igualmente privada, dos bens da natureza, hoje escassos.

Os loteamentos fechados criados em Domingos Martins nada mais são do que parcelamentos da terra rural em lotes para o uso urbano, com a finalidade de auferir renda. Há um conjunto de atrativos no lugar que proporcionaram as iniciativas dos incorporadores. A facilidade de acesso foi criada pela construção da BR-262 e pelas melhorias realizadas nessa via e nas vicinais. As próprias características da vida urbana, insegura, favoreceram os empreendimentos em Domingos Martins.

Ao contrário da abundância verificada no passado, a natureza nas cidades está escassa e rara. Domingos Martins reflete o contrário da aridez urbana. A natureza ali é pujante e rica de monumentos naturais. O clima é agradável e o ar não é afetado pela poluição urbana. A insolação não é obstaculizada pelas edificações verticais. Tudo, enfim, concorre para que se possa vender um outro estilo de vida. E há indicações que demonstram que isso existe.

O ar, a água, a insolação, a Pedra Azul, a mata nativa, a Rota do Lagarto, o clima, o relevo acidentado, a vizinhança “ilustre”, tudo vai num único pacote junto com a chácara, mesmo que de fato somente alguns desses predicados estejam realmente acessíveis. Importa, contudo, compreender a lógica imobiliária dos empreendimentos e o que ela ocasiona no lugar.

A expansão desses condomínios está inserida também em uma nova lógica de reprodução do capital: a revalorização do rural. Os principais atributos difundidos como propaganda da região, são atributos intrínsecos ao espaço rural. O ar puro, a tranqüilidade, o relevo montanhoso, cuja expressão maior traduz-se no monumento natural “Pedra Azul” são consumidos pelos moradores dos condomínios fechados. O capital apropria-se desses atributos e confere ao espaço rural uma nova função: o consumo da vida rural. O rural deixa, então, de ser o lócus exclusivo da produção e passa também a ser consumido pelos condôminos de fins de semana.

A terra muda (mesmo que substantivamente nada disso ocorra), deixa de funcionar como meio de produção agrícola e passa a ser condição de produção para loteamentos. Nesse sentido concorre e inibe a atividade agrícola. A terra para finalidade imobiliária urbana realiza no mercado maior preço do que a terra agrícola. Resultado: a agricultura familiar destinada ao abastecimento alimentar e a cultura do imigrante, que vive dessa atividade, estão sob ameaça por parte dos loteamentos fechados.

Uma das conseqüências da expansão dos condomínios é a contribuição para o crescimento de ocupações rurais não agrícolas. No caso em questão as novas ocupações que emergem no rural são os empregos domésticos (caseiros, empregadas domésticas, faxineiras, entre outros). Outra conseqüência está relacionada a influencia dos citadinos na sociabilidade do habitante da zona rural.

As comunidades de que faz parte o agricultor, construídas por vínculos de vizinhança e ajuda mútua, permeadas pela solidariedade entre os pares, correm risco. Os espaços rurais transpostos com facilidade a pé estão recebendo muros, que criam, além de uma outra paisagem, dois mundos separados: o de fora e o de dentro das “fortificações”.

Salta aos olhos, ainda, a forma como ocorre a privatização dos espaços destinados ao uso público nos loteamentos fechados, pois a legislação referente ao assunto, a Lei nº 6766/79, não acolhe esse procedimento. Realiza-se o loteamento e, por intermédio de subterfúgios, transforma-se o loteamento em condomínio fechado.

Reza a lei dos loteamentos que, além de todas aquelas exigências anteriormente mencionadas e não cumpridas em Domingos Martins, como destinação de área para uso público, construção de infra-estrutura, etc., as áreas de uso público destinam-se ao livre acesso não só dos moradores dos loteamentos, mas de qualquer cidadão. As vias internas estariam, por conseguinte, sujeitas às determinações do Código Brasileiro de Trânsito, dentre outros aspectos.

Aprovado e feito o loteamento, seus proprietários, em assembléia, por meio de artifícios legais, deixados por brecha na legislação e “autorizados” pela prefeitura, transformam o loteamento em condomínio e tudo passa a funcionar de conformidade com a Lei nº 4.504/64, que disciplina os condomínios. Em razão das mudanças, esses proprietários passam a poder fechar os loteamentos, pautando-se na lei dos condomínios e tendo a conivência da administração municipal, mesmo que para chegarem a esse status tenham usado recursos duvidosos perante a lei[5].

A transformação dos loteamentos em condomínios fechados é propalada como medida capaz de garantir segurança ao morador, funcionando esse tipo de empreendimento como alternativa à insegurança que a vida urbana hoje apresenta. Contudo, além das dúvidas que pairam sobre a real eficácia desse modelo em termos de segurança, vale os seguintes questionamentos: não se estaria com esses loteamentos construindo cidades privadas? São, então, estas as cidades desejadas?


A requalificação dos empreendimentos

Não se viu nenhuma iniciativa com as medidas fiscalizadoras do Ministério Público e a postura legisladora da Assembléia Legislativa Estadual, por meio da criação da Lei 4.943/04, que dissessem respeito aos impactos dos loteamentos fechados. Exigiu-se o cumprimento da lei. Iniciativa importante, contudo, de limitada abrangência.

Até que ponto as medidas tomadas estariam colocando em questão os impactos advindos dos condomínios fechados? Ou as medidas em curso estariam elevando o nível das disputas pelo território da Região Serrana?

Como foi dito anteriormente, procura-se garantir o simples cumprimento da lei. Nesse aspecto, presume-se que esteja ocorrendo uma maior seletividade dos empreendimentos. O cumprimento da legislação requer investimentos maiores, que não estão acessíveis à maioria dos empreendimentos hoje implantados na região. Não se tem notícia, até então, de que exista, com exceção de um, empreendimentos de fora na região. Consta que são iniciativas locais e de associação, em certos casos, local com empresários da capital.

O que tudo isso pode indicar? O crescimento descontrolado dos empreendimentos imobiliários na região, como foi constatado, ameaça pôr termo às amenidades do lugar; conseqüentemente tende a reduzir as potencialidades para outros empreendimentos de maior vulto. Em outras palavras, tal como se verifica nos loteamentos fechados, há grande risco de que tais empreendimentos desvalorizem a terra.

Nesse sentido, a prudência das iniciativas sugere que as medidas funcionaram como mecanismos de proteção ao patrimônio pelo critério da seletividade. Somente os grandes empreendimentos, mais caros, terão lugar na região. Com isso, selecionam-se, através da renda, os futuros moradores dos condomínios. Amplia-se a elitização do lugar e proporcionam-se perspectivas de elevada remuneração do capital.

Acontece, por conseqüência, que as disputas pelo território vão ocorrer num patamar mais elevado de interesse e nem sempre de fácil interlocução. Os atores sociais desse processo podem estar muito distantes do Espírito Santo. Com isso, medidas restritivas que coloquem em questão a própria lógica imobiliária predatória dos condomínios fechados terão de enfrentar outra arena de disputa, com menos chance de obterem êxito.

Dito isso, tem-se certa anatomia do processo, para que se possam pensar alternativas que inibam ou administrem melhor os empreendimentos imobiliários.

Na qualidade de região atrativa ao capital imobiliário de fora, a Região Serrana precisa apresentar-se, noutra perspectiva, com predicados diferenciados, por meio de seus valores singulares, de forma que atraia também outros interessados externos, contudo, mais comprometidos com as questões ambientais e sociais. É importante, nesse caso, a construção de laços de cooperação dos imigrantes e seus descendentes com grupos ambientalistas em seus países de origem, para que estes também possam auxiliar na defesa da cultura local ameaçada. A Igreja Luterana pode se constituir, por conta da sua capilaridade na região, em importante elo entre os imigrantes locais e os ambientalistas do exterior.

A questão ambiental precisa estar na pauta da defesa da integridade da Região Serrana. Os mananciais estão ameaçados. Não serão suficientes para atender aos novos moradores da região, servir à irrigação da atividade agrícola e abastecer a RMGV. Nesse sentido, o debate não pode ficar restrito à própria região, mas precisa ser estendido para a RMGV. Da mesma forma, as questões relativas ao abastecimento alimentar deverão fazer parte das discussões em defesa da agricultura familiar de alimentos nas regiões abastecidas por aquela produção.

A expansão da lógica imobiliária dos condomínios fechados estaria na contramão das políticas públicas que zelam por conter os fluxos migratórios para as cidades. E, por fim, condomínios fechados criam outras formas de cidade, cidades privadas, que estariam negando as atuais cidades.

Essas alternativas de cidades privadas não se caracterizariam como modelos que se viabilizam por conta da falência das nossas cidades e da impotência das administrações públicas de darem soluções para problemas que hoje se apresentam nas cidades? E a questão, então, não passaria por administrar melhor as cidades que temos, como solução para reduzir as pressões pelas alternativas de cidades privadas?


N
otas


[1] De acordo com Hoffman (1998) o Espírito Santo apresenta o segundo melhor índice de Gini do país.

[2] Rota do Lagarto é um caminho que vai para o município de Vargem Alta e contorna Pedra Azul, um maciço de gnaisse, que possui a coloração azulada e apresenta em uma de suas partes a forma de um lagarto.

[3] Leia, a respeito de renda imobiliária, Pereira, 1984.

[4] Sugere-se a leitura de A construção da cidade, Campos Jr., 2002, pois faz referência ao conceito de novas raridades inicialmente tratado por Lefebvre, 1968.

[5] Os condomínios fechados diferem radicalmente dos loteamentos. No caso dos primeiros os pretendentes de uma unidade em condomínio fechado precisariam se reunir e comprar uma área; construir e destinar as respectivas frações ideais de uso comum. Situação diferente é a do loteamento. O incorporador vende os lotes. Não existem áreas comuns, nem fração ideal, e o fechamento da área do loteamento é proibido.


Bibliografia

BERGAMIM, M. C. Agricultura familiar no Espírito Santo: constituição, modernização e reprodução socioeconômica. Uberlândia, 2004. Dissertação (Mestrado em Geografia), Instituto de Geografia, UFU, Uberlândia, 2004.

BERTOCCHI, Letícia Pitanga. Forma de valorização do capital por meio dos loteamentos fechados no município de Domingos Martins (ES). Dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFES. Vitória, 2006.

CAMPOS JR., Carlos Teixeira de. A construção da cidade. Vitória: Flor e Cultura, 2002.

CAMPOS JR., Carlos Teixeira de. A diferença como alternativa para administrar conflito nas cidades. Geografares. v.1, n.1. Vitória, jun., 2000.

FAO/INCRA. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Projeto UTF/FAO/036/BRA. Brasília, 2000.

HIDALGO, Rodrigo. De los pequeños condomínios a la ciudad vallada: las urbanizaciones cerradas y la nueva geografía social en Santiago de Chile (1990-2000). EURE (Santiago), DEC. 2004, v. 30, n. 91, p. 29-52.

INSTITUTO DE APOIO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO JONES DOS SANTOS NEVES. Análise socioeconômica do Município de Domingos Martins: elementos para avaliação da emancipação de Aracê. Vitória, 2004.

SANTOS NEVES. Macrozoneamento da Região Serrana. Vitória, 2004.

ROITMAN, Sonia. Barrios cerrados y segregación social urbana. Scripta Nova. Revista electronica de geografia e ciências sociais. Barcelona: Universidade de Barcelona, 1 de agosto de 2003, v. 7, n. 146 (118).

VIDAL-KOPPMANN, Sonia. Segregación residencial y apropriación del espacio: la migración hacia las urbanizaciones cerradas del área metropolitana de Buenos Aires (Argentina). <http://www.ub.es/geocrit/sn-94-70.htm. Acesso em 2/04/2005>.


Anexo

Figura 2. Maciço pedra azul e forno grande.


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