IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

REDES SOCIAIS EM TERRITÓRIOS ASSISTIDOS

Luciano Antonio Furini
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente/ Bolsista CNPq
luanfugeo@hotmail.com

Eda Maria Góes
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente
edagoes@fct.unesp.br

Redes sociais em territórios assistidos (Resumo)

A territorialização das ações da assistência social por meio da formação de redes sociais de proteção integral à criança e ao adolescente no município de Presidente Prudente (SP) (localizado no Sudeste do Brasil) é algo característico. Identificamos que a produção do espaço urbano, em relação à assistência social, ocorre por meio de redes sociais temáticas com tendência à hierarquia ou autonomia. De acordo com estas tendências se consolidam políticas públicas de enfrentamento da pobreza ou da exclusão social. Contudo, a postura política dos técnicos da assistência social se mostrou fator de relevância para efetivação destas políticas públicas, diminuindo ou aumentando a abrangência e eficiência das mesmas. A baixa ocorrência de âmbitos de participação popular aponta para os limites existentes, que impedem uma eficiente cobertura social para populações empobrecidas. As redes sociais temáticas pesquisadas não alcançaram um patamar de autonomia que possibilite novas formas de enfrentamento das questões sociais no município.

Palavras chave: redes sociais; territórios; representações sociais; Presidente Prudente – SP – Brasil.


Social networks in assisted territories (Abstract)

The territorialization of the social assistance actions by means of the formation of social networks of integral protection to children and adolescents is a characteristic of the city of Presidente Prudente (SP) (located at the southeast of Brazil). It is identified that the production of urban space, in relation to the social assistance, takes place by means of thematic social networks with tendency of hierarchy or autonomy. Based on these tendencies, public politics of struggling poorness or social exclusion are consolidated. However, the politic posture of the social assistance technicians showed factor of eminence to make these public politics effective, diminishing or enlarging the inclusion and efficiency of the same. The small occurrence of compass of popular participation points to the existing limits, that obstruct a efficient social cover to the poor populations. The thematic social networks researched don’t reach a stair head of autonomy that enables new ways to struggle the social issues of the city.

Key words: social networks, territories, social representations, Presidente Prudente – SP – Brazil.

 


No período atual, o enfrentamento da pobreza por meio de políticas públicas é algo característico no Brasil. Estas políticas são implementadas em vários setores da sociedade e, em alguns casos, são multi-setoriais, vinculando o recebimento de benefícios com uma contrapartida do beneficiário, ocorrendo, assim, o acompanhamento de sua participação em programas da assistência social, saúde e ou educação.

A assistência social participa destas políticas de enfrentamento da pobreza, por meio de programas como o Bolsa Família[1], e objetiva criar uma rede de ações, equipamentos e pessoas que buscam atender algumas demandas da sociedade, em áreas e setores vulnerabilizados por processos sociais excludentes.

Este trabalho trata especificamente da assistência social em seu direcionamento ao segmento da criança e do adolescente, no município de Presidente Prudente (SP). Em relação ao Estado de São Paulo, que se localiza na região Sudeste do Brasil, a região de Presidente Prudente é uma das menos desenvolvidas economicamente no que tange ao prisma do desenvolvimento tecnológico. Possui um número reduzido de indústrias, grandes áreas de pecuária extensiva e está atrasada no estabelecimento de estruturas básicas para a implantação de sistemas informacionais mais avançados. Mesmo assim, caracteriza-se como cidade média, devido às funções intermediárias que exerce nas relações entre as cidades da rede urbana a que pertence (SPOSITO, M. E. B., 2005, p. 107). Estas funções estão relacionadas aos estabelecimentos comerciais e de serviços que se instalaram no município, com destaque para os estabelecimentos de ensino.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reconhece crianças e adolescentes[2] como sujeitos de direito em condição de desenvolvimento, os quais possuem a prioridade na formulação de políticas públicas e na destinação privilegiada de recursos (BRASIL, ECA, 2005, p. 7). Como em diversas cidades brasileiras, em Presidente Prudente (SP) existe um grande número de crianças e adolescentes atingidos pelas conseqüências da vulnerabilidade social.

No município pesquisado, a ocorrência de áreas de exclusão é elevada (Cartograma 1), o que potencializa a aplicação de políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente que são sujeitados à precarização característica destas áreas, onde a ausência ou deterioração de equipamentos e serviços públicos é comum.

Cartograma 1 – Presidente Prudente (SP): áreas de média e alta exclusão

Devido à complexidade de casos e a diversidade de segmentos populacionais envolvidos, a implementação e efetivação das políticas públicas ocorrem vinculadas a diversas instituições, que mantém entre si laços sociais ou conexões, de acordo com o tema[3]. No caso pesquisado, o tema é o da proteção integral à criança e ao adolescente.

A vinculação entre estas instituições se dá por meio de uma rede de contatos, na qual os diversos setores participantes ou envolvidos são acionados, de acordo com o tipo de caso que surge no espaço geográfico.

As desigualdades sociais são características socioeconômicas objetivadas no espaço geográfico brasileiro, e remetem a processos excludentes que surgem nas relações entre os âmbitos local e global, e entre as fragmentadas formas de organização social atual.

Neste contexto, o enfrentamento das questões sociais ganha novos elementos, pois, em ambientes de alto grau de desigualdade, a ocorrência de grupos de interesses – que buscam trazer para si os benefícios públicos – é muito comum. É neste sentido que as posturas dos técnicos da assistência social foram analisadas neste trabalho, quando da efetivação das políticas públicas. Aplicamos questionários, realizamos entrevista e colhemos dados em diversos núcleos, nas áreas da assistência social, saúde, educação e segurança (com ênfase no setor judiciário), que envolviam técnicos vinculados, de alguma forma, ao tema. Também realizamos dois testes: o primeiro em análise de redes sociais, para verificar os contatos e a centralidade das pessoas na atuação da rede; o segundo em representações sociais, buscando verificar as representações sociais dos técnicos no que diz respeito a conceitos comuns ao grupo, como infância e assistência social, entre outros, caracterizados na rede social temática.


Territórios assistidos

O município de Presidente Prudente (SP) possuía em 2006 uma população aproximada de 206.000[4] habitantes, dos quais, aproximadamente 15.500[5] pessoas (chefes de família, crianças e adolescentes) participaram diretamente de programas de assistência social relacionados à criança e ao adolescente, recebendo algum tipo de renda (bolsa auxílio). O número de atendimentos que envolvem atividades sem vinculação à renda, como complementação à escola, cursos profissionalizantes, combate e controle da violência, entre outros, eleva bastante essa quantidade.

Cartograma 2 – Presidente Prudente (SP): áreas atendidas por projetos da Secretaria Municipal de Assistência Social destinados às crianças e aos adolescentes.

Projeto Criança Cidadã

De acordo com o Cartograma 2 acima, estes segmentos populacionais atendidos estão localizados em áreas de média e alta exclusão. Contudo, os atendimentos não abrangem toda a cidade, existindo lacunas. Mesmo assim, observamos que uma vasta área da cidade é assistida de alguma forma por projetos sociais de assistência de iniciativa governamental e não-governamental. A lógica de implantação destes projetos não obedece a critérios rígidos de prioridade, embora, em alguns casos, se referenciem em indicadores sociais. Esta não utilização de critérios rígidos pode ter como conseqüência uma margem de abertura a conchavos políticos e favorecimento de grupos de interesses. Daí constar na recente legislação sobre a assistência social (BRASIL, PNAS, 2004, p. 42), a exigência da utilização de indicadores territorializados.

Esta vasta área urbana atendida pode ser caracterizada como a cidade assistida, configurando um território assistido. Relacionar Serviço Social com Geografia implica verificarmos como a territorialização da assistência social se manifesta e quais especificidades surgem neste processo. De certa forma, estes territórios assistidos permitem identificarmos relações de poder e questionar sobre as formas de manifestação da população frente a essa realidade: em territórios assistidos a reivindicação popular é potencializada ou dissimulada? Assim, conhecer as formas de assistência e suas conexões passa a ser central.


Redes sociais de assistência social

Em Blanes et al (1995), a rede social em micro território – relacionada ao tema da gestão participativa dos serviços de proteção e desenvolvimento integral da criança, adulto, família e comunidade – está tipificada em cinco itens:  

1- Rede Social Espontânea: envolve o núcleo familiar ampliado, grupos de vizinhança, clubes e igrejas, entre outros;

2- Redes Sócio-comunitárias: nas quais ocorre a solidariedade do compromisso e da responsabilidade compartilhada;

3- Redes Sociais Movimentalistas: são as que oxigenam todas as demais redes nascidas nas comunidades e ou sociedade;

4- Rede Privada: na qual o mercado é o agente principal e

5- Redes Setoriais Públicas: abrange as ações do Estado no tocante a obrigações e deveres nas quais, no caso brasileiro, ocorre uma organização burocrática e pouco eficaz. São ações que envolvem educação, saúde, habitação, assistência social, entre outras.

A rede social é caracterizada por agentes conectados por laços de proximidade socioespacial. Embora existam importantes conexões com outras escalas geográficas, o fator proximidade local delimita um patamar importante da rede social.

Em Scherer-Warren (2005, p, 30) diferenciam-se redes primárias de redes politicamente construídas. Esta diferenciação passa pela centralidade da escala geográfica ao remeter aos âmbitos de influência de uma rede social e de suas conexões externas. Para nós, a passagem da participação na rede primária para a rede politicamente construída não é simples e nem garante luta por isonomia, podendo, inclusive, ser fator de acirramento das desigualdades sociais com a consolidação de grupos de interesses em patamares políticos.

As redes sociais não se sobrepõem ao território. É discordando desta noção de sobreposição que mostramos a rede enquanto espaço geográfico influenciando na territorialização, ou seja, ela é indissociável destes, ocorrendo nas relações socioespaciais. Não há assim, sobreposição e sim espacialidade em forma de rede, ora territorializando, ora desterritorializando, ou reterritorializando.

Consideramos importante o fato de a noção de sobreposição estar adequada ao modelo atual, no qual as políticas públicas não conseguem fomentar autonomia. Mas, a concepção que vislumbra a espacialidade mostra que a existência de tendência à autonomia passa pela indissolubilidade híbrida da rede, pois, pessoas, objetos e ações formam o território enquanto espaço geográfico[6]. Em suma, a concepção de sobreposição remete a políticas estabelecidas fora do lugar, enquanto a concepção de espacialidade remete a participação em todos os processos das políticas públicas a partir do lugar objetivado por estas.

As redes sociais são formadas por seres instituídos, pública ou privadamente. A classificação proposta por Blanes et al (1995), apresentada anteriormente, pode ser resumida em redes sociais dos seres humanos instituídos em primeiro nível (de certa espontaneidade) e dos seres humanos instituídos em segundo nível (de certo constrangimento). A lógica das redes, no que diz respeito ao direcionamento das ações que ela executa e a abrangência que atinge, depende dos níveis envolvidos: primeiro nível, segundo nível, ou misto. Um tema pode ser tratado diferentemente de acordo com a escala e o nível que atinge. O tema da rede social envolve uma reconstrução territorial constante.

A rede de assistência social trata de vários problemas (rupturas familiares, drogas, carências na alimentação, educação, saúde, segurança, entre outros) para várias faixas etárias (criança, adolescente, adulto e adulto idoso), aplicáveis em diversas áreas urbanas. Deste modo, a combinação destas variáveis sociais confere uma peculiaridade, a qual denominamos de fenômeno gerador da rede social temática.

A rede social temática de proteção integral a criança e ao adolescente se caracteriza pela combinação de ações e objetos que formam um espaço geográfico único, no qual o tema é incorporado por pessoas, na relação com esses objetos e estas ações. Ocorre uma gama de procedimentos que objetivam o tema. O tema é objetivado de acordo com a visibilidade, participação, transformação, adaptação e resposta dos elementos envolvidos na rede.

A rede social temática no âmbito assistencial permite conhecer padrões territoriais. Identificada a rede social temática, pode-se identificar parte da historicidade do território, do lugar e da paisagem.


A rede social de proteção integral à criança e ao adolescente em Presidente Prudente (SP)

Neste município, esta rede social temática apresenta-se no patamar da hierarquia, no qual as pessoas que a compõem possuem vínculos hierárquicos fortes. Considerando que as ações assistenciais podem ser públicas ou privadas, ocorre certo direcionamento das ações assistenciais de iniciativa pública sobre as de iniciativa privada. O território assistido caracteriza-se por esse vínculo hierarquizado, no qual a lógica burocrática é central.

A concepção de proteção integral à criança e ao adolescente nasceu em meio à ameaça social que permeava o abandono de pessoas destas faixas etárias, ou seja, causariam ou agravariam problemas sociais caso não fossem assistidos. Assim, proteger é também se proteger destas crianças e adolescentes ameaçadores, se prevenindo de maiores problemas. Ao contrário, uma rede social autônoma poderia buscar uma transformação profunda no sentido de como as crianças e os adolescentes são vistos na sociedade.

Contudo, a territorialização da proteção integral não é somente negativa, pois, a visibilidade hierarquizada pode conferir elementos importantes para a sociedade organizar-se ao redor do tema. Em alguns casos, tal visibilidade pode agir negativamente ao sugerir que a questão está sendo enfrentada plenamente, quando apenas se esboça um trabalho. O caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é exemplar no município, pois atende apenas crianças e adolescentes que trabalham recolhendo resíduos sólidos no lixão da cidade, negligenciando o restante da cidade, embora, para todos os efeitos, o município apresenta o programa como implantado. A visibilidade provoca eficiência e maior abrangência das políticas públicas, ela não é a propaganda do realizado e sim, combustível da sinergia ao projetar os diversos trabalhos e direcionamentos para a sociedade de forma transparente.

No município existem os atendimentos assistenciais instalados nas áreas consideradas de exclusão e os atendimentos instalados em áreas consideradas de inclusão, mas voltados às pessoas das áreas de exclusão. Os trabalhos mais próximos às pessoas (instalados nas áreas de exclusão) são os do setor da assistência social e educação, os mais distantes (instalados nas áreas de inclusão) são os do setor jurídico e saúde, com algumas exceções.

O setor jurídico é considerado o mais atuante em relação aos trabalhos direcionados à proteção integral à criança e ao adolescente. Quando efetuamos a análise de redes sociais, junto a um grupo de assistentes sociais de diversos setores ligados à proteção integral a criança e ao adolescente, a promotoria e o Juizado da Infância e Juventude do município foram identificados como os órgãos centrais neste tema. A particularidade desta centralidade pode estar relacionada ao caráter jurídico que envolve as ações relacionadas ao tema, ou seja, qual setor poderia ter maior influência na questão que não aquele que possui poderes para interpretar as leis e decretar o cumpra-se?

O poder desta tomada de decisão parece permear a questão no município. Proteger a criança e ao adolescente passa assim pelo crivo judiciário, sob os riscos de se agir fora da lei, podendo inibir algumas iniciativas de caráter autônomo. No entanto, isso não desqualifica outras iniciativas pessoais para além de funções profissionais, como as do promotor e alguns técnicos locais, os quais articulam a questão de forma integrada, para além de suas competências profissionais.

Ao pesquisarmos a proteção integral à criança e ao adolescente em Presidente Prudente (SP), notamos que, na escala local, os canais que permitem a permeabilidade do Estado são ocupados por redes sociais hierárquicas que, muitas vezes, inviabilizam o acesso à participação popular, ao invés de viabilizar. Essa limitação remete ao modo como o Estado é representado, aos limites burocráticos e ao vetor hierárquico, cujos fluxos de comando advindos das instâncias superiores se sobrepõem às iniciativas de participação. Resta aos funcionários e membros de conselhos e comissões, a possibilidade de superação destes limites, já que, a execução de políticas, nos âmbitos público e privado, depende também, e em grande parte, da postura dos técnicos envolvidos para além da burocracia estatal, como mostra Marques (2003).

Por que não surgem iniciativas de âmbitos onde não exista hierarquia governamental, as quais busquem articular a participação dos diversos setores da sociedade em prol do tema?

Para além desta problemática, podemos questionar o próprio direcionamento específico em relação ao recorte temático. Cabe perguntar: priorizar áreas, segmentos populacionais ou faixas sociais empobrecidas com políticas públicas, é eficiente? Ou é eficaz concentrar os esforços do enfrentamento destas questões em outros tipos de ações voltadas ao cerne dos processos sociais excludentes?

Para Santos B. S. (2002), é impossível uma política social emancipatória dentro do contexto neoliberal, ao que Demo (2003) se contrapõe, remetendo ao contexto do sistema capitalista como um todo: “sem perder a noção de alternativa, é mister sobreviver em contexto não alternativo. Caso contrário nos entregaríamos ao imobilismo da crítica que só critica, sem qualquer contraproposta” (DEMO, 2003, p. 112, grifos do autor). Para este autor, a recusa em se propor políticas sociais emancipatórias, enquanto não se superar o capitalismo, é benéfica ao mesmo.

Em Presidente Prudente (SP),  encontramos técnicos com posturas diferenciadas em meio aos graus de hierarquia que os envolvem. Embora ocorram participações em comissões, conselhos e outros órgãos abertos à participação da sociedade, de forma obrigatória (cada segmento é obrigado, por exemplo, a indicar representantes para o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), vários técnicos acabam por se envolver com atividades que vão além de suas atribuições profissionais. Isto mostra que os limites da hierarquia podem ser ultrapassados pela lógica das redes sociais.

Para além da dinâmica característica de cada grupo de interesse envolvido no tema, a sinergia é alimentada por vetores que podem ultrapassar estes interesses.

Mas as representações sociais identificadas nos grupos, mostram perfis relacionados ao espaço geográfico que estes vivenciam. É óbvio que a influência simultânea entre representações sociais e espaço geográfico é de difícil apreensão, contudo as representações sociais apontam tendências importantes. Identificamos que a formação de uma rede social temática com tendência à autonomia está potencializada. Porém, mesmo que pareça simples, esta afirmação confere importância à ação dos técnicos envolvidos com o tema, apesar de vivenciarem ambientes hierárquicos.


Considerações Finais

Identificamos uma importante relação entre a teoria das representações sociais e a análise das redes sociais, que implica na consideração de que as redes sociais temáticas constituem a objetivação das representações sociais no espaço geográfico, em que os setores e pessoas são agregados por temas e os vínculos, fortes ou fracos, podem ocorrer de acordo com o campo representacional das representações sociais relativas ao tema.

O vínculo entre redes e representações, no âmbito da proteção integral da criança e do adolescente, permite conhecer a gênese das redes sociais e, consequentemente, identificar o ímpeto da rede, se ela se direciona a hierarquia ou se possui tendência à autonomia. A separação entre redes hierarquizadas e redes com tendência à autonomia abrange as matrizes epistemológicas dos grupos sociais envolvidos, matrizes essas que geram saberes e contra-saberes[7], e são geradas de acordo com variáveis como memória coletiva, conhecimento científico disseminado e período vivido.

De acordo com os resultados obtidos, podemos dizer, que, se em Presidente Prudente (SP) existe uma rede social temática hierárquica em relação à proteção integral a criança e ao adolescente, ainda não existe uma rede social temática com tendência a autonomia[8]. As redes sociais temáticas hierárquicas apresentam vínculos por atendimento ou por recursos e os encaminhamentos e contatos são limitados por atendimentos padronizados, segundo as possibilidades orçamentárias e burocráticas e não segundo as necessidades gerais de eliminação das desigualdades sociais. Já as redes sociais temáticas com tendência à autonomia, redefinem as lógicas hierárquicas, ao propiciar a visibilidade temática no âmbito da participação ampla da sociedade e apresentam vínculos por demanda geral, buscando a prevenção antes que a necessidade se efetive. Ações preventivas e amplas podem ser internalizadas por qualquer ponto da rede. Contudo, é possível identificar alguns espaços potenciais em que a tendência a autonomia pode ser ao menos refletida. Saber se influências externas a rede podem dinamizar estes espaços, ampliando-os, não foi ainda possível.

De qualquer modo, se o canal de influência existir, tão possível quanto dinamizar uma rede social temática, será também sua desarticulação. Pensamos existir um patamar de organização na rede social temática que, após ser atingido, confere tal visibilidade ao tema e as ações dos envolvidos, que inviabiliza posturas negligentes e omissas. A partir daí a tendência a autonomia prevaleceria até o esgotamento do tema.

Um agravante desta questão é que em Presidente Prudente (SP), a lacuna relativa à proteção integral – a inexistência de órgãos participativos de iniciativa não governamental – não é visualizada por vários segmentos que tratam da questão. Essa não visualização é devida às representações sociais formadas e aos limites da hierarquia das políticas atuais, em que carências de conexões para além das instâncias formais, de participações não hierarquizadas e de mudanças estruturais, se somam aos excessos de ações institucionalizadas, de gastos-meios, e de conformismo político e com as políticas. Essas considerações permanecerão se as tendências que identificamos até o momento se consolidarem.

Assim, a objetivação da proteção integral à criança e ao adolescente no âmbito da assistência social, de que tratamos, mostra barreiras estruturais e simbólicas para mudanças na lógica hierárquica. Supõe reconhecer que o âmbito hierárquico é impossibilitado de proteger integralmente a criança e o adolescente, devido a incoerências, tais como as relacionadas à prática de renomear antigas formas de ações assistências com títulos modernos. Assim o usuário passa a ser cidadão, o núcleo de atendimento passa a ser um centro de referência, e uma creche para adultos passa a ser um projeto social alternativo, continuando os mesmos padrões de atendimento anteriores. A desatenção informal, em alguns casos, passa a ser uma desatenção formalizada, em que o fato de existirem projetos torna-se a garantia da existência de políticas sociais que enfrentam o problema.

Mas a representação invertida, segundo a qual tudo relacionado à assistência social é incoerente, se mostra equivocada e pode sufocar iniciativas promissoras em relação a mudanças e aumento gradativo da participação popular. Além do que, alguns tipos de ações podem até ser menos intensas, caso as desigualdades forem suprimidas, mas não serão extintas, devido aos aspectos imprevisíveis existentes e ao grau de individualismo presente na sociedade.

De outro modo, a matriz discursiva em que se apóiam os direitos sociais apresenta equívocos identificáveis, como os relativos ao desconhecimento do grau exato de proteção a um segmento da sociedade sem considerar os resultados desse procedimento em diferentes situações. É nesse sentido que abordamos a temática da infância, procurando mostrar que a historicidade pode afetar essa classificação, enquanto fase constitutiva do ser humano. A dificuldade entre reconhecer se a proteção deve ser direcionada a criança e ao adolescente (pontual) ou a infância e a adolescência (ampla) parece relevante ao conhecermos a vulnerabilidade das bases que sustentam uma estrutura tão ampla como a da proteção integral a criança e ao adolescente.

Evidenciamos que a epistemologia lança um questionamento sobre a elaboração de políticas públicas em meio às relações entre Estado, mercado e sociedade como um todo, um questionamento que indaga sobre a forma da apresentação dos saberes e sua utilização. Assim, não se trata de dizer que a ideologia concentra idéias que manipulam e penetram nas formas sociais, mas sim, mostrar que os saberes contidos no conhecimento são utilizados de forma invertida, e que o estudo das representações sociais nos mostra como essas inversões são construídas socialmente.

No período atual, as novas tecnologias configuram um espaço de comunicação social, cuja potencialidade de desenraizamento característica, confere novos significados às fronteiras socioespaciais, o que dificulta o enfrentamento das questões sociais por atingirem níveis crescentes de complexidade. As redes sociais temáticas são âmbitos possíveis de enfrentamento desta complexidade quando direcionadas, enquanto tendência à autonomia, devido à forma diferenciada de organização e participação que implicam.

Desse modo, diferentemente de algumas abordagens que questionam o componente geográfico das redes sociais, mostramos que as redes sociais são caracteristicamente geográficas e revelam, entre outros, um aspecto inseparável do espaço geográfico, a produção do espaço no conjunto indissociável entre representações sociais, lugar, território e paisagem. Espaço caracterizado não por molduras espaciais, mas por meio das relações socioespaciais que tangenciam pessoas, objetos, áreas e ações, gerando significados sociais.

Nos territórios assistidos, além das influências características da rede social temática de âmbito técnico, como o caso pesquisado neste trabalho, ocorrem influências de outras redes sociais, formando um contexto que também pode tornar mais ou menos eficientes os trabalhos da rede social temática.

A reprodução do espaço urbano está fortemente influenciada por redes sociais temáticas do âmbito assistencial. O fato de a assistência social ter se tornado uma regra no município aponta para dois sentidos. No primeiro, temos a concepção da ampliação da cobertura assistencial no âmbito da transferência de renda, o que pode contribuir para fatores como a diminuição da migração forçada e o fracasso escolar, problemas que estão na base de vários casos de vulnerabilidade extrema do Brasil; no segundo sentido, pode-se questionar se o modo de atuação da assistência social está projetado para transformar territórios assistidos em âmbitos de gestação da autonomia, ou se apenas cultiva a reprodução da assistência?



Referências Bibliográficas

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Notas:

[1]  O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa brasileiro de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00) (valores em 2006), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004. e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. O PBF integra o programa FOME ZERO, que visa assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome.

[2]  O ECA classifica como criança a pessoa até doze anos incompletos de idade e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

[3] O tema corresponde ao eixo central da problematização em relação ao fenômeno social. 

[4] População estimada para o ano de 2006. No censo 2000, a quantidade de pessoas residentes no município era de 189.186 hab. (CENSO, 2000).

[5] Fonte: Secretaria Municipal de Assistência Social de Presidente Prudente (SP).

[6] Para Santos (1999), o espaço geográfico é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações.

[7] Para Santos B. S., (2003, p. 104) “É preciso, contra o saber, criar saberes e, contra os saberes, contra-saberes”. Em Guareschi (2001, p. 153) encontramos referência a esta noção de contra-saberes.

[8] Um esforço no sentido de apresentar possíveis lacunas do problema levantado pode ser útil para desarticular concepções fechadas, que limitam a abordagem aos saberes atingidos, impossibilitando avanços na questão.


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