IX Coloquio Internacional de Geocrítica
LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo - 1 de junio de 2007

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Meio Ambiente, Estado e Sociedade:

algumas reflexÕes sobre como minimizar o conflito

Naia Oliveira
Fundação de Economia e Estatística
Porto Alegre, RS, Brasil
naia@fee.tche.br


Meio ambiente, Estado e sociedade: algumas reflexões de como minimizar conflito

Resumo: Neste artigo apresenta-se uma reflexão que envolve questões sobre meio ambiente, Estado e sociedade. O meio ambiente é entendido como campo das inter-relações do sistema natureza e do sistema sociedade, onde o Estado, com suas políticas públicas, bem como, a sociedade civil, com as ações do movimento ambientalista, podem minimizar o conflito entre a reprodução social e a preservação dos recursos naturais. Dessa forma, busca-se colaborar na constituição de uma racionalidade ambiental orientada por uma ética do meio ambiente.

Palavras-chave: Meio ambiente, políticas ambientais, movimento ambientalista, racionalidade ambiental, ética.


Environment, State and Society: some reflections about how minimize conflicts

Abstract: This article presents a reflection about environment, society and the State. Environment is assumed as the field of interrelations of nature and society. The State, with its policies, as well as civil organizations, with the actions of the environmentalist movement, can minimize conflicts between social reproduction and preservation of natural sources. In this sense, we seek to help to constitute an environmental rationality oriented by an environmental ethics.

Key-words: Environment, environmental policies, environmentalist movement, environmental rationality, ethics.


“A verdadeira ética, a religiosidade mais profunda ocorre quando nos sentimos parte integrante deste processo único e incrivelmente misterioso que caracteriza nosso planeta; quando nos sentimos responsáveis pela continuação e desdobramento da fantástica Sinfonia da Evolução Orgânica, da qual nós, juntamente com milhões de outras espécies, somos fruto”.

 José Antônio Lutzenberger

 

A temática sócio-ambiental envolve as questões que se situam na interface do sistema natureza e sistema sociedade, onde o meio ambiente é o campo das inter-relações. Nesse contexto se coloca a noção de desenvolvimento sustentável que, surge de uma gradativa tomada de consciência da necessidade de proteger os recursos naturais, nos aponta para a possibilidade da adoção de uma racionalidade ambiental.

Frente a essa proposta de mudança, examinamos brevemente o quadro institucional brasileiro para a constituição de uma gestão pública municipal que garanta a qualidade de vida e a do meio ambiente e, ainda, como a sociedade civil, mais especificamente o movimento ambientalista, se organiza para dar respostas à crise ambiental. Nesse sentido, também apresentamos, resumidamente, alguns pontos que foram discutidos no Encontro de Trabalho, realizado nos dias 18 e 19 de fevereiro de 2006, na sede do Projeto Ambiental Gaia Village (GV), município de Garopaba - SC, com alguns representantes do Ministério do Meio Ambiente, da Secretaria de Meio Ambiente de Porto Alegre e do movimento ambientalista de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O objetivo deste encontro foi contribuir para a construção de uma sinergia entre as ações frente aos crescentes desafios da questão ambiental e das relações políticas.

Concluímos com a exposição sobre a necessidade de implantar uma ética do meio ambiente, com a finalidade de submeter a economia e a política à perspectiva ecológica, para apontar soluções ao conflito entre a reprodução da sociedade e a conservação da natureza.

Meio Ambiente: campo das inter-relações entre sociedade e natureza

A temática sócio-ambiental envolve as questões situadas na interface do que podemos considerar, conforme Zanoni e Raynaut, sistema natureza e sistema sociedade. Esta interface compreende as interações entre as atividades humanas e o meio natural, expressas pelas suas modificações, através de técnicas e práticas utilizadas pelos diferentes grupos sociais.

O sistema natureza compreende o conjunto de componentes biológicos, físicos – químicos que interagem no interior dos grandes domínios de organização biológica. Este sistema incorpora a humanidade, na perspectiva de organismo vivo, tomada individualmente ou reunida em populações. Já o sistema sociedade compreende o conjunto de elementos e de processos cuja articulação participa na organização, reprodução e evolução das relações sociais e dos fatos culturais (Zanoni; Raynaut, 1994).

O meio ambiente é o campo das inter-relações, podendo ser caracterizado também como de conflito, entre sistema natureza e sistema sociedade. Os seres humanos e as sociedades humanas fazem parte integrante desse meio do qual são, ao mesmo tempo, os sujeitos e os objetos, os produtores e os produtos, onde alguns são mais sujeitos e produtores que outros.

Adotar este tipo de representação global implica certas condições na maneira de abordar a questão que não é nova: das relações humanidade /natureza.

A primeira condição é não se conceber um desenvolvimento das sociedades humanas em detrimento do sistema natureza. Da mesma forma, não se pretende proteger os meios naturais às custas de intoleráveis disfunções do sistema sociedade que, como vem se reproduzindo, acarreta profundas desigualdades sociais e grandes impactos ambientais.

Uma reflexão teórico-metodológica permite mostrar que a colaboração entre ciências humanas, ciências naturais e disciplinas técnicas se coloca no centro do campo de conhecimento e de ação, que se estrutura em torno da noção de meio ambiente - e mais especificamente, de desenvolvimento sustentável. Esta tal visão não pode ser imposta, ela se constrói lentamente, superando as estruturas rígidas das nossas instituições - desde as de ensino até as de governo - e os obstáculos à colaboração entre os múltiplos parceiros, convergindo para instância de enfrentamento que é a política.

Os atores originados do mundo científico e técnico deverão analisar os problemas e buscar soluções; os do aparato político-administrativo deverão ser competentes para enunciar as questões práticas e os diferentes segmentos sociais deverão formular ações e reivindicações, estabelecendo a ligação entre suas aspirações e suas necessidades imediatas, por um lado, e as imposições de longo prazo de um desenvolvimento sustentado, por outro.

 Racionalidade Ambiental

Nesse contexto geral, observa-se uma gradativa tomada de consciência, que surge da necessidade de proteger a natureza, da sensibilização crescente dos indivíduos e das populações com relação à destruição dos recursos naturais, até chegar hoje, à possibilidade da adoção de uma “racionalidade ambiental”.

Enrique Leff apresenta essa abordagem, como emergindo do “questionamento da hipereconomização do mundo, do transbordamento da racionalidade coisificadora da modernidade, dos excessos do pensamento objetivo e utilitarista” (2006, p.16). Ele ainda diz: “o que há de inédito na crise ambiental do nosso tempo é a forma e o grau em que a racionalidade da modernidade vem intervindo no mundo, socavando as bases da sustentabilidade da vida e invadindo os mundos de vida das diversas culturas que conformam a raça humana, em uma escala planetária” (2006 p.17). Faz uma analogia com Eros (pulsão pela Vida) e Tanatos (pulsão pela Morte), considerando que o patamar civilizatório em que nos encontramos está caracterizado por uma grande tensão entre essas forças, pois “se o iluminismo gerou um pensamento totalitário que terminou aninhando a pulsão da morte no corpo, nos sentimentos, nos sentidos e na razão, já a racionalidade ambiental é um pensamento que se enraíza na vida, através de uma política do ser e da diferença” (2006 p.19). Estabelece linhas teóricas motivadoras de sentimentos que mobilizam a ação solidária, o encantamento com o mundo e a erotização da vida, na construção de uma sociedade vivencial e sustentável, pensando e vivendo a alteridade, na constituição de uma política da diferença e não da desigualdade.

Quadro institucional brasileiro para gestão ambiental municipal

Enquanto a humanidade dá os primeiros passos para essa necessária mudança de paradigma, podemos pensar sobre o papel do Estado brasileiro, focando o arcabouço institucional referente às políticas públicas de meio ambiente, para verificar as condições apresentadas pelos poderes locais com o objetivo de fazer face ao planejamento, às estratégias (recursos e legislação) e às ações específicas para a gestão que garanta a qualidade ambiental e o desenvolvimento sustentável[1].

Cumpre ressaltar que, por políticas públicas, entende-se o conjunto de decisões inter-relacionadas, definido por atores políticos, com a finalidade de ordenamento,  regulação e  controle do bem público. Assim sendo, políticas ambientais seriam as políticas públicas responsáveis por garantir a existência de um meio ambiente de boa qualidade para todos os cidadãos do país, surgindo, desse novo enfoque de políticas ambientais, uma série de desafios sociais e técnicos (LITTLE, 2003, p.18).

Por sua vez, a temática da participação tem sido relevante no âmbito das políticas ambientais, porém salienta-se que, para ser efetiva, requer envolvimento da comunidade em todas as etapas do processo de formulação e gestão de políticas ambientais e acesso de todos à informação, além da institucionalização de mecanismos de poder sobre a tomada de decisões. Nesse sentido, um sistema de gestão ambiental implica na legitimação do processo de tomada de decisão, não se restringindo somente a uma estrutura administrativa formal (BURZTYN, 2001).

O objetivo principal da atual etapa da gestão ambiental é a criação de condições para que o processo de desenvolvimento sócio-econômico seja atingido com o mínimo de degradação ambiental. Conforme Ribeiro (2000, p.148), “trata-se de uma postura que exige articulação da gestão ambiental com a gestão sustentável de cada um dos recursos naturais - água, solo, fauna, flora, ar -, valorizando-os e evitando seu desperdício. Exige não apenas ações convencionais de controle e licenciamento ambiental, que já têm dado alguns frutos no caso dos empreendimentos de grande porte, mas também ações preventivas e a identificação precisa dos problemas tecnológicos existentes nos pequenos empreendimentos industriais, minerários, agrícolas, das soluções tecnológicas limpas já disponíveis e que precisam ser disseminadas e de programas de inovações tecnológicas para despoluir os processos de produção”.

Na esfera municipal, identificam-se instrumentos, instituições e normas legais que dão suporte à gestão ambiental.

No Brasil, o aparato institucional para dar conta da gestão do meio ambiente apresenta, como marco inicial, a promulgação da Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que institui uma política nacional ambiental, estabelecendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), o qual tem como órgão superior o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Na criação do SISNAMA, a Lei 6938/81 também dispõe sobre a articulação e responsabilidade de órgãos ambientais nos três níveis de governo.

Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, que incorporou muitas das reivindicações da sociedade civil, apresenta, no seu artigo 225, uma referência dedicada exclusivamente ao meio ambiente, declarando, pela primeira vez na história do país, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (LITTLE, 2003, p.15).

Na seqüência, em 1989, foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e, em 1990, o Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA, como parte do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA), cuja função é financiar diversos projetos ambientais com base nas solicitações procedentes das organizações governamentais e não-governamentais brasileiras.

No nível municipal, foram definidas como componentes do SISNAMA as entidades locais responsáveis pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; surgem, assim, órgãos de poder municipal, tais como Departamentos, Secretarias, Conselhos e Fundos de Meio Ambiente.

Por outro lado, o poder municipal se faz representar no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, que abarca oito representantes dos governos municipais detentores de órgão ambiental estruturado e Conselho do Meio Ambiente com caráter deliberativo, sendo um representante por grande região geográfica do país, um representante da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMA) e dois representantes de entidades municipalistas de âmbito nacional (LITTLE, 2003).

A atividade de licenciamento ambiental por parte dos municípios foi estabelecida a partir da resolução nº 237/97, do CONAMA, que apresenta as diretrizes para o exercício dessa competência, exigindo que os municípios implementem os Conselhos Municipais de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e de participação social, além de garantir profissionais habilitados nos seus quadros de servidores (LITTLE, 2003).

A Política Municipal de Meio Ambiente (PMMA) é um dos mecanismos do Poder Público local com a função de definir diretrizes e estabelecer normas, na forma de lei, que contemplem as questões ambientais locais visando regular a ação do Poder Público Municipal, conjuntamente com os cidadãos e instituições públicas e privadas, respeitadas as competências federal e estadual. Ela recomenda a instituição de um Sistema Municipal de Meio Ambiente, definindo sua estrutura e gestão e os instrumentos a serem utilizados. Similarmente à Política Nacional do Meio Ambiente, a forma de gestão da PMMA é constituída por um Conselho Municipal do Meio Ambiente, que se apresenta como órgão central/executor. Além deste, participam também alguns órgãos ou entidades da Administração Pública Municipal, assim como as fundações responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental (LITTLE, 2003).

Como maneira de viabilizar, financeiramente, a PMMA, os municípios têm a prerrogativa de criar o seu Fundo Municipal de Meio Ambiente (FMMA), para onde são canalizados recursos advindos de multas, penalidades, doações ou por dotação orçamentária e cujo objetivo é financiar programas, projetos e ações de iniciativas públicas e privadas. A PMMA inclui também instrumentos de planejamento, como o Plano Plurianual de Ação, o Plano Diretor Municipal, com as inovações do Estatuto da Cidade, o Código de Posturas, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do solo, entre outros, os instrumentos de controle e monitoramento, tais como fiscalização, banco de dados, licenciamento, e os de viabilização econômica como a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA (LITTLE, 2003).

Nesse ponto, podemos nos perguntar qual a situação real dos municípios brasileiros quanto à implantação de políticas de gestão ambiental. Há uma constatação geral, por parte dos pesquisadores, sobre a deficiência da maior parte dos nossos municípios.

A finalidade central da gestão ambiental é garantir a qualidade de vida e a do meio ambiente, atendendo ao interesse público. No Brasil, a primeira fase enfatizou o combate à degradação dos recursos naturais e, no período recente, tem buscado gradualmente fomentar o desenvolvimento sustentável. O atual momento exige mudança de postura nos órgãos e agências ambientais, bem como nos tipos de relacionamento dessas entidades com as empresas e com a sociedade civil em geral, (RIBEIRO, 2000).

A ação municipal na área ambiental é respaldada por legislação nacional como vimos e por um grande conjunto de acordos e tratados internacionais, tais como a Agenda 21 e a Agenda Habitat, entre outros, que enfatizam a importância da gestão local e a participação popular, reconhecendo que, como nível de governo mais próximo à população, os municípios desempenham um papel essencial no processo de desenvolvimento sustentável.

Contudo, a gestão ambiental no nível municipal apresenta muitos problemas. Entre eles, pode-se apontar a necessidade de ampliar e qualificar a estrutura administrativa local, buscando-se superar a deficiência da maior parte dos municípios brasileiros para concretização de políticas de meio ambiente (LITTLE, 2003). Assim, como Philip Jr. et al. (1999) acrescentam, as municipalidades no Brasil tratam a questão ambiental de maneira compartimentada e/ou generalizada, o que revela dificuldades principalmente no que diz respeito à articulação política e no encaminhamento de reivindicações e de ações comuns junto às diversas instâncias do Poder Público. Uma estratégia viável para responder a esse problema configura-se no estabelecimento de parcerias e de associações entre os municípios, visando troca de experiências e intercâmbio de idéias, no sentido de oferecer instrumentos e condições para a proposição de ações na área ambiental.

Dentre os atores mais ativos na arena de conflitos ambientais destaca-se o Ministério Público. Eles podem abrir ações civis públicas e encaminhar à justiça inquéritos contra o governo (RIBEIRO, 2000).

Cabe ressaltar a importância da participação popular na gestão ambiental, mesmo de forma indireta. Ela pode se dar tanto nos Conselhos do Meio Ambiente, quanto nas audiências públicas ou ainda em outras instâncias de mobilização da sociedade. Assim, é importante lançarmos nosso olhar para como a sociedade civil vem se organizando ou pode se organizar para dar respostas à questão ambiental.

Breve história do movimento ambientalista brasileiro

O movimento ambientalista brasileiro se desenvolveu quase paralelamente ao do “Primeiro Mundo”, embora numa escala muito menor. Conforme Viola (1987), esse iniciou em 1974, com o processo de abertura política, frente ao conseqüente afrouxamento dos controles estatais sobre a organização da sociedade civil. Constata-se que o Brasil é o país da América Latina em que os movimentos ambientalistas são os mais antigos e relevantes.

O pesquisador citado acima apresenta no seu estudo “O Movimento Ecológico no Brasil” três períodos na história do movimento brasileiro. De 1974 até 1981, chama de fase ambientalista, caracterizada pela existência de dois movimentos paralelos autoidentificados como apolíticos, ou seja, os movimentos que tratam de denunciar a degradação ambiental nas cidades e as comunidades alternativas rurais. Já a segunda fase, chamada de transição, que vai de 1982 até 1985, identificada pela confluência parcial e politização explícita progressiva dos dois movimentos acima assinalados, além de uma grande expansão quantitativa e qualitativa de ambos. A partir de 1986, reconhece uma terceira fase, caracterizada pela opção ecopolítica, quando a grande maioria do movimento ecológico passa a se reconhecer como político e decide participar ativamente na arena parlamentar.

É importante ressaltar que, em 1971, um grupo de combativos pioneiros liderados pelo engenheiro agrônomo José Antônio Lutzenberger funda em Porto Alegre a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), que se constitui na primeira associação ambientalista no Brasil e na América latina. A Agapan tinha como objetivos: defesa da fauna e flora; combate ao uso exagerado dos meios mecânicos contra o solo; a poluição causada pelas indústrias e veículos; combate ao uso indiscriminado de inseticidas, fungicidas e herbicidas; combate à poluição dos cursos d’água pelos resíduos industriais e domiciliares não tratados; combate às destruições desnecessárias de belezas paisagísticas; luta pela garantia à vida para a humanidade frente à destruição, promovendo a ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo uma nova moral ecológica.

A partir de 1979, o debate cultural brasileiro ganha amplitude com a entrada de alguns esquerdistas voltados do exílio, como Fernando Gabeira, que cria um clima social muito mais favorável para as atividades do movimento ambientalista.

Com relação à ecologia política e os movimentos ambientalistas, Leff (2006) constata que a destruição ecológica e a degradação ambiental, ao lado da marginalização social e da crescente pobreza geradas pela racionalização econômica do mundo - pelas ineficazes políticas assistencialistas do Estado e pelas políticas neoliberais de ajuste - estão impulsionando a construção de identidades coletivas e manifestações de solidariedade inéditas, gerando novas formas de organização social para enfrentar a crise ambiental, questionando, ao mesmo tempo, a centralidade do poder e o autoritarismo do Estado.

No final da década de 90, no Brasil, essas organizações não governamentais passaram a se constituir e se institucionalizar no âmbito do Terceiro Setor, inclusive com legislação própria. Podemos dizer, de acordo com Mance (2000), que esse setor se situa entre o Estado e o mercado, não é público nem privado, incorpora um leque de entidades das mais heterogêneas e de diversos tipos, com as mais diferentes práticas: geração de emprego e renda, serviços comunitários de saúde, e assistência social, atendimento de crianças e idosos marginalizados, auxílio a populações carentes e discriminadas, ações culturais-educativas, lutas pelos direitos humanos, bem como, atividades de proteção do meio ambiente.

A questão da responsabilidade socioambiental é fundamental, porque é base do Terceiro Setor, constituindo-se num conceito novo que substitui a idéia convencional de filantropia, indo mais além da idéia de generosidade, de uma noção de compartilhar com aqueles que necessitam mais, com aqueles que estão marginalizados. Traz a idéia de solidariedade que é diferente no sentido de que a sociedade se vê constituída de partes e estas estão interligadas; ao estarem interligadas uns têm responsabilidade com relação aos outros, fazendo parte de um mesmo todo, integrando todas as manifestações de vida.  Reconhece que se a sociedade estiver muito fragmentada, não se desenvolve, aporta a noção de coesão social.

É importante ressaltar que existem várias agências financiadoras internacionais ligadas a igrejas, sindicatos e outras instituições sociais que buscam beneficiar o conjunto da comunidade, porém muitas dessas organizações não governamentais (ONGs) receptoras, caracterizáveis como entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, não praticam a colaboração solidária, situando-se no patamar exclusivamente assistencialista, sem aportar conteúdo para construção de cidadania e de um mundo mais justo, solidário e saudável. Além disso, o crescimento dessa esfera, na qual se confere um caráter solidário a atividades econômicas, políticas, culturais, sociais e ambientais não devem perder de vista a obrigatoriedade do Estado na garantia e implementação das políticas públicas voltadas ao atendimento dos interesses gerais da sociedade.

Cabe considerar que no contexto do Terceiro Setor surgiu um amplo conjunto de fóruns e articulações variadas que conectam organizações e entidades constituindo redes, desde articulações de atividades de financiamento, produção e comércio, a redes de intelectuais, de movimentos sociais e ambientais que utilizam as infovias para desenvolverem formas de conexão e de ação conjunta. Assim, o movimento solidário vem extrapolando os limites locais e regionais, superando barreiras geográfico-políticas, internacionalizando ações por um desenvolvimento ecologicamente sustentável. O grande desafio é superar a falta, ao conjunto dessas organizações e atividades, de uma estratégia orgânica que articule a todas para fazer brotar uma ordem mundial solidária.

Concomitante, a essa consolidação de estruturas organizacionais de nível local e internacional, verifica-se a necessidade do movimento ecológico desenvolver uma penetração mais ampla nas classes populares, bem como colocar-se como interlocutor legítimo no debate sobre o desenvolvimento da sociedade brasileira. Trata-se de um grande desafio, dado o discurso economicista convencional de quase todas as lideranças expressivas do país. Porém, é possível detectar uma onda otimista se levarmos em consideração a existência de uma dinâmica mundial em que as posições ecologistas estão ganhando legitimidade e espaço na opinião pública e nos setores médios.

Sinergia entre as ações governamentais e o movimento ambientalista

As ações governamentais e as do movimento ambiental, no contexto brasileiro, apresentam o potencial de orientarem-se na perspectiva de minimizar o conflito entre a reprodução social e a preservação da natureza. Nesse sentido relatamos alguns pontos, selecionados como principais, discutidos no encontro ocorrido em janeiro de 2006, em Garopaba, com alguns representantes do setor governamental e do movimento ambientalista, com objetivo de ampliar a sinergia das ações desses setores.

Foi enfatizada a necessidade da realização de uma reflexão critica das ações, tanto no nível dos órgãos ambientais como do movimento, para se inserirem com maturidade na tarefa de elaboração de uma agenda de desenvolvimento nacional, construindo um pensamento estratégico que supere a visão redutivista de crescimento econômico, propondo um projeto orientado pela noção de sustentabilidade. O enfrentamento de interesses para traçar uma agenda desse perfil significa ter uma visão de país. No Brasil, esse desafio é difícil, entre outros motivos, porque foi abandonada a idéia de pensar estratégias a médio e longo prazo e, também, porque o pensamento econômico monetarista tem hegemonia política. Além disso, o setor ambiental, como um todo, não é propositivo, restringindo-se a área da denúncia, necessitando, inclusive, estabelecer um planejamento de ações conjuntas.

Uma outra questão apontada pelo grupo de trabalho diz respeito à questão do planejamento. Em todos níveis de governo foi observada falta de integração e isolamento entre as ações dos diferentes órgãos. Como exemplo foi citado o caso dos alimentos orgânicos que exigiria do Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura, no mínimo, um diálogo. Quanto aos projetos ambientais, foi ressaltada a necessidade de que esses não sofram descontinuidade na mudança dos governos, considerando que demandam uma continuidade pluri-anual. Assim urge criar mecanismos que vinculem estes à obrigatoriedade de execução, sob pena de responsabilidade administrativa. Já a atividade de licenciamento, para que ocorra com mais consistência, deve ser desenvolvida no contexto de um planejamento, sustentada por um sistema de informação que permita transparência dos processos, com informações adequadas e acessíveis. Também foi sugerido capacitar em quantidade e qualidade a atual estrutura administrativa da gestão ambiental federal, enfrentando definitivamente o problema da incapacidade de resistência do IBAMA a quaisquer tipos de pressões econômicas. Foi demandada uma maior descentralização, no sentido de que os municípios tenham um protagonismo maior, pois é onde a relação governo-sociedade assume vínculos mais íntimos.

Com relação à sociedade organizada no movimento ambientalista, foi salientado que além de criar ONGs, redes de infovia, desenvolver estudos e instrumentos para denúncia, deve conquistar mandatos políticos, cargos chaves no governo, buscando assim uma prática dentro da máquina do Estado; bem como participar do processo decisório das políticas públicas na área, via fortificação dos Conselhos de Meio Ambiente em todos os níveis de governo. Foi constatado que, tanto o governo como a sociedade em geral, demandam dos ambientalistas uma atuação no sentido de apresentar soluções a todo tipo de problemas e que há um grande desconhecimento por parte da população da legislação ambiental.

Finalmente, selecionamos a questão da comunicação que foi salientada pela sua importância, já que muitas iniciativas locais no país não ganham divulgação, pois a mídia de comunicação de massa não contempla com profundidade a área ambiental. Além disso é necessário ampliar a situação de “ecologista falando para ecologista”. É pertinente usar melhor os meios de comunicação para divulgar e educar os indivíduos. No que diz respeito à educação, o grupo em consenso concluiu que as Universidades não estão formando pensamento crítico.

Considerações Finais

Como considerações finais, podemos dizer que tanto as ações do governo, bem como as do movimento ambientalista brasileiro necessitam uma rearticulação no sentido de aportarem condições de minimizar o conflito que se dá entre a reprodução social e a preservação da natureza.

A percepção de que toda problemática socioambiental desemboca inevitavelmente na ética, reconhece que uma ética do meio ambiente deveria submeter a economia e a política à perspectiva ecológica, com a adoção de um modelo de desenvolvimento orientado pela noção de sustentabilidade, constituindo uma racionalidade ambiental.

A superação de uma racionalidade coisificadora remete à redescoberta de valores éticos, tais como os de cooperação, respeito, responsabilidade, simplicidade e outros a serem empregados nas práticas cotidianas.  Conforme Henrique Leff, a ética ambiental rompe os esquemas de racionalidade convencional fundados na verdade objetiva e abre perspectivas a uma nova racionalidade na qual o valor da vida se reencontra com o pensamento e a razão integra-se com o sentido da existência ( Leff, 2006, p.271).

A crise ambiental contemporânea nos mostra os limites da racionalidade econômica, como também a crise do Estado como regulador e mobiliza a sociedade civil a agir na busca de novos princípios para redirecionar o processo civilizatório, fundamentando-o na sustentabilidade. Assim observamos um movimento global que articula diferentes grupos sociais e ambientais, tendo por demandas participação social, recuperação de estilos tradicionais de vida, defesa dos direitos étnicos, culturais, ambientais e coletivos, reivindica também o patrimônio ancestral dos recursos naturais, isto tudo pode levar a construção de uma nova sociedade. São experiências locais e discussões difusas que vão desde cooperativas de auto-gestão, ecovilas, até universidades livres, que a partir do ano 2001 têm nos encontros do Fórum Social Mundial oportunidade de trocar experiências e buscar conjuntamente se fortalecer. Esses novos valores, interesses, práticas e idéias não constituem, até então, uma visão homogênea de mundo, expressando concretamente uma ética ambiental, porém estão abrindo espaços e criando impasses políticos que apontam para a urgência da mudança que envolve a incorporação de princípios ecológicos nas atividades produtivas, nos processos sociais e ações políticas, constituindo o que Leff chama de “atos de racionalidade ambiental” (Leff, 2006, p. 459).

 

Referências:

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CAMARGO, Ana Luiza de Brasil. Desenvolvimento sustentável: Dimensões e desafios. Campinas, SP: Papirus, 2003.

LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro,:Civilização Brasileira, 2006.

LITTLE, Paul E. (org.). Políticas Ambientais no Brasil: análises e experiências. Brasília: Ed. Peirópolis SP, IIE, 2003.

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RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar: Pensando o ambiente humano. Belo Horizonte: Rona, 2000.

VIOLA, Eduardo. O Movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. In: PÁDUA, José Augusto (org), Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ, 1987.

VIEIRA, Paulo Freire; Ribeiro, Maurício Andrés (orgs). Ecologia Humana, Ética e Educação: a mensagem de Pierre Dansereau. Porto Alegre: Palloti; Florianópolis: Aped, 1999.

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Notas:

[1] A reflexão sobre o aparato institucional brasileiro para gestão ambiental esta sendo desenvolvida na FEE, junto com a colega Clitia Helena Martins.


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