IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

Turismo, HOTELARIA e imagem urbana:
a construÇÃo e o consumo de espaÇos de simulaÇÃO

 

Paulo César Xavier Pereira

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Universidade de São Paulo

pcxperei@usp.br

 

Ana Paula Garcia Spolon

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Universidade de São Paulo

anapaulas@usp.br

 




Turismo, hotelaria e imagem urbana: a construção e o consumo de espaços de simulação (Resumo)
: Na reestruturação mundial recente, fatores como a abertura dos mercados, a intensificação dos processos globais, a nova divisão do trabalho e a internacionalização da cultura tenderam a aumentar a importância dos serviços com relação às atividades industriais, associando-os ao surgimento de espaços urbanos com novas características. A partir desta contextualização, queremos discutir a consolidação do turismo no consumo e renovação de espaços urbanos, de modo a influenciar mudanças na imagem da cidade que exacerbam os espaços de simulação em metrópoles como São Paulo, que têm continuamente buscado maior inserção no cenário mundial. Preocupa-nos compreender o que acontece com a cultura urbana dessas grandes cidades, quando “o investimento em construção da imagem se torna tão importante quanto o investimento em novas fábricas e maquinário”. Pretendemos, de forma direcionada, avaliar como o turismo se transforma em ferramenta de valorização do lugar e como a hotelaria, um de seus subsegmentos, se presta à produção de um campo simbólico carregado de representações.

 

Palavras-chave: Turismo, simulacro, arquitetura, hotelaria

 




Tourism, hotel industry and urba image: the construction and the consumption of simulation spaces (Abstract):
In the current worldwide restructuring, market opening, intensification of global processes, a new division of labor and the internationalization of culture are factors that tend to increase the importance of services related to industrial activities, associating them to the rise of urban spaces with new characteristics. Using this scenario, we want to discuss the consolidation of tourism in consumption and renewal of urban spaces so that it promotes changes in the image of the city which saturate simulation spaces in huge places like Sao Paulo, which have continually searched a growing worldwide insertion. We are concerned to understand what happens with those big cities urban culture when “the investment in image building becomes as important as the investments in new plants and machinery”. We intend to, in a direct way, evaluate how tourism turns into a tool of places valuing and how the hotel industry, one of its sub segments, serves to the production of a symbolic field loaded by representations.

 

Key words: Tourism, simulacrum, architecture, hotel industry.

 

Nas cidades contemporâneas, estabeleceram-se novas relações de consumo, associadas a uma diferente compressão do binômio espaço-tempo. Essas transformações nas experiências do tempo e do espaço ocorridas ao longo do século XX, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial - referenciada por Harvey (2001:27) como “o maior evento da história da destruição criativa do capitalismo” - asseguraram o domínio de uma dinâmica de produção  baseada em novas tecnologias de comunicação e informação.

 

A hegemonia destas novas formas de produção  transformou o significado do trabalho e do cotidiano das pessoas, influenciou o redesenho de identidades sociais e modificou o conceito de tempo livre e o significado do ócio, alterando o lugar da cultura, mudando a forma de uso do espaço e configurando grandes transformações urbanas.

 

Uma análise mais cuidadosa desta cidade contemporânea (dita pós-moderna) reveladora das  conseqüências materiais e imaginárias da hegemonia do capital, revela uma nova economia, rica em símbolos - um fenômeno complexo e de amplo alcance, que altera a relação dos indivíduos com o mundo e seus vínculos com os objetos e com o espaço.

Nas grandes cidades, este movimento de reestruturação urbana e imobiliária fez emergir novos espaços, que se caracterizam por serem espaços de simulação, nos quais a imagem (a) representa o seu significado essencial, (b) carrega aspectos funcionais à reprodução do capital e (c) caracteriza o espaço como sendo diferenciado, pois que tem um caráter de simulacro, típico da virtualidade do consumo de imagens e que lhe atribui valor simbólico muitas vezes associado à valorização imobiliária.

Para Harvey (2005:233) “o que está em jogo é o poder do capital simbólico coletivo, isto é, o poder dos marcos especiais de distinção vinculados a um lugar, dotados de um poder de atração importante em relação aos fluxos de capital de modo mais geral.”

A articulação definitiva da cidade com a dinâmica do consumo dá-se a partir da produção, pela arquitetura capturada pelo capital, de signos que traduzem a cultura urbana e proporcionam a criação de espaços que são verdadeiros simulacros. É o estabelecimento, sobre uma base material, da conexão entre a arquitetura e o projeto urbano, através da qual a “cidade, desde o ponto de vista de sua construção e de seu uso, se apresenta como aglomerado de mercadorias” (Folin, 1977:124).

Para Harvey (2001:67), quando a arquitetura e o projeto urbano da cidade unem-se à estética do pós-modernismo, cria-se um mundo de ilusões, em um processo de ruptura com a racionalidade modernista, a partir da geração de  “formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela monumentalidade tradicional”.

 

O consumo desses espaços urbanos de simulação por indivíduos – em geral moradores, mas também visitantes e turistas - torna-se uma prática e dá à cidade condições de lucrar com uma economia de signos.  O resultado é, segundo o autor, que a “metrópole pós-moderna é concebida como ‘um sistema de signos e símbolos anárquicos e arcaicos em constante e independente auto-renovação’” (Harvey, 2001:83). A produção desses símbolos e signos indica que

(...) as cidades e lugares hoje tomam muito mais cuidado para criar uma imagem positiva e de alta qualidade de si mesmos, e têm procurado uma arquitetura e formas de projeto urbano que atendam a essa necessidade. (...) Dar determinada imagem à cidade através da organização de espaços urbanos espetaculares se tornou um meio de atrair capital e pessoas (do tipo certo) num período (...) de competição interurbana e de empreendimentismo urbano intensificados (Harvey, 2001:91-92).

 

Harvey (2001:260-261) pontua que “a imagem se torna importantíssima na concorrência, não somente em torno do reconhecimento da marca, como em termos de diversas associações com esta – ‘respeitabilidade’, ‘qualidade’, ‘prestígio’, ‘confiabilidade’, ‘inovação’”. E acrescenta que em função “da capacidade de produzir imagens como mercadorias mais ou menos à vontade, é factível que a acumulação se processe, ao menos em parte, com base na pura produção e venda da imagem”.

 

Scherer (2002:92-93) também aponta que “não é de hoje que a paisagem urbanística é explorada para fins econômicos e como instrumento de venda de mercadorias de todo tipo”. Segundo a autora, “(...) as cidades são hoje mercadorias que se vendem para eventos, negócios, turismo, espetáculos de massas, etc., e aí a paisagem urbanística é uma vez mais – e talvez mais do que nunca por sua importância para o capital financeiro e não apenas para o setor de turismo – um elemento estratégico”.

 

A sociedade de consumo produz estilos baseados na mercantilização crescente de todas as esferas da vida, nas quais são criados e consumidos signos em profusão. Este processo de construção e reprodução de imagens transforma-se em uma questão importante, pois que nos leva “de modo mais explícito a considerar o papel do ‘simulacro’ no pós-modernismo”, além de mostrar “há muitos domínios (...) em que o simulacro tem papel significativo” e que possuímos a capacidade de “transformar (...) imagens em simulacros materiais na forma de ambientes, eventos e espetáculos etc. construídos” (Harvey, 2001:261).

 

A tarefa que o autor chama de forma ampla de “indústria da produção de imagens” apóia-se em inúmeros produtos, tangíveis e intangíveis, ou em “uma ampla gama de experiências simuladas ou vicárias daquilo que o mundo contém acessível a muitas pessoas. A imagem de lugares e espaços se torna tão aberta à produção e ao uso efêmero quanto qualquer outra” (Harvey, 2001:264).

 

A construção da imagem da cidade e a  prática de consumo de espaços de simulação, em todo o mundo, tornou-se característica de atividades econômicas pós-industriais. O turismo, uma dessas experiências simuladas, é a prática de consumo do que o espaço contém de diferente, é a apropriação das qualidades de um lugar, é a criação e a captura de valores em uma “economia de signos e espaços”.

 

Na discussão da emergência dessa economia que resulta na produção social de novos espaços, pretendemos indicar como o turismo se apropria do fenômeno de geração e captura de valores e qualidades diferenciados nos espaços das cidades contemporâneas, destacando-se nesta nova estrutura mundial de poder do capital simbólico coletivo.

 

Vamos fazer referências a algumas experiências turísticas de reconhecida importância, ocorridas em cidades de países desenvolvidos e, por último, aplicamos à discussão a experiência de produção e consumo da hotelaria como simulacro, na cidade de São Paulo, principal destino turístico do território brasileiro. 

 

1.      Turismo e imagem urbana

 

A estetização da sociedade – simulação, simulacro e competitividade global

 

Lash e Urry (apud Gobbi, 2005) apontam que “a experiência cotidiana está cada vez mais estetizada e nosso consumo cada vez mais dependente do desenho de qualquer objeto”. A apropriação do patrimônio, da arte e da cultura nas cidades, que estabelece uma relação de consumo do espaço urbano e das imagens e símbolos nele instalados, reflete de fato a estetização da sociedade e influencia a construção de uma imagem (simulacro) de cidade, permitindo que ela se coloque de maneira competitiva no cenário de um mundo globalizado.

 

Convertido em mercadoria, o espaço reproduz desejos e estimula sensibilidades individuais, criando uma nova estética, pós-moderna. Nas cidades e lugares, produz-se uma nova arquitetura e novas formas de projeto urbano – surge (Harvey, 2001:92) um “lugar abençoado por certas qualidades, (...) conseguidas com uma mistura eclética de estilos, (...) com a ornamentação e com a diversificação de superfícies (...)”.

 

A arquitetura e o projeto urbano estruturados a partir das novas formas de capitalismo tardio, constitui nas grandes cidades reconhecidos espaços de simulação, pela produção e reprodução de signos que são verdadeiros simulacros.

 

Desta forma, adquirem uma imagem e identidade de dimensões globais, que as colocam como mercadorias diferenciadas. É a materialização do novo estado de bem-estar da pós-modernidade, que, como força cultural, segundo Harvey (2001:257), promove o “retorno da estética do lugar”.

 

Esta construção repetitiva de imagens “passa a ser um aspecto vital da concorrência entre as empresas. O sucesso é tão claramente lucrativo que o investimento na construção de imagem (...) se torna tão importante quanto o investimento em novas fábricas e maquinário” (Harvey, 2001:260-261). O foco, segundo o autor, é a inovação, ou a transformação de “imagens em simulacros materiais na forma de ambientes (...) construídos”, o que mostra, segundo ele, “outra dimensão do papel mutante da espacialidade na sociedade contemporânea” (Harvey, 2001:266).

 

São inúmeros os exemplos em todo o mundo do movimento de produção de espaços de simulação. Mas os casos americanos de São Francisco, Boston e Nova York, bem como os europeus de Londres, Bilbao e Barcelona, constantemente referenciados em textos de crítica urbana e de divulgação, mostram projetos urbanos conduzidos com o fim precípuo de promover a transição de cidades industriais em cidades terciárias, a partir da criação de espaços atualizados e reformulados, recheados de signos que, dentro da trama urbana, configuram lugares de usos diversificados e com efeitos teatrais, que “transmitem sobretudo um sentido de alguma busca de um mundo de fantasia, da ‘viagem’ ilusória que nos tira da realidade corrente e nos leva à imaginação pura” (Harvey, 2001:95).

 

Nas três cidades européias, também referenciadas por Amadio (1988), há espaços e signos que são consumidos de forma ininterrupta e transformam-se em ícones propagandeados pela mídia internacional como representativos de uma forma de estética contemporânea, baseada na imagem da cidade mundial, de cultura globalizada, que merece ser visitada. Assim são, por exemplo, a Vila Olímpica de Barcelona, o Museu Guggenheim de Bilbao e a área das docas de Londres (Docklands) – lugares de simulação por excelência. Ícones urbanos internacionalmente conhecidos, tais “produtos” corroboram o defendido por Harvey (2001:266), que diz que “a produção ativa de lugares dotados de qualidades especiais” tornou-se “um importante trunfo na competição espacial entre as localidades, cidades, regiões e nações”. O turismo se vale desses espaços qualificados e, neles, instala sua dinâmica, movimentando a economia.

 

O turismo urbano e a valorização do lugar

 

O turismo exercido no espaço das cidades, que segundo Castrogiovanni (2001, p. 8) “responde ao crescente interesse pelas questões culturais e patrimoniais, como também por práticas de usos diferenciados dos setores espaciais”, é conhecido como turismo urbano. Classificado pelo autor como turismo urbano cultural, recreativo e de negócios, acontece na abrangência do tecido urbano e estabelece a cidade e os seus espaços como elementos de referência material para o turismo.

 

É uma experiência de consumo do que o espaço das cidades contém de diferente - a apropriação das qualidades de um lugar, cuja criação e a captura integra a “economia de signos e espaços”. 

 

Como espaço de simulação e carregado de simulacros, a cidade seria, então, “o lugar do olhar”. Uma escritura que, nas palavras de Wainberg (2001:12-13), pode ser vista como “uma fala a ser interpretada pelo transeunte (...), um enigma a ser desvendado pela exploração”.

 

Em sua opinião, quando uma cidade constrói (e constantemente reconstrói) uma imagem que lhe permite ser classificada como “cidade turística”, ela cria condições para que os fluxos de visitantes sejam sempre crescentes e estabelece na memória desses viajantes referências que “servem de combustível para novas levas de viajantes estimulados pelas narrativas de retorno”.

 

O turismo se apropria dos lugares, valorizando-os como um produto de consumo cuja qualidade deve ser percebida, de imediato, pelo olhar. Os espaços de simulação criados nas cidades atraem os turistas. Esses cenários imaginários e imaginados, uma vez postos nos espaços das cidades, iniciam um processo de estabelecimento de conexões entre o turista e o lugar, que culminam em uma relação de consumo. O patrimônio, a arte e a cultura são “comprados” pelo visitante do lugar, como  uma mercadoria.

 

Harvey (2001:271) aponta que os “lugares retratados de certa maneira, em particular se têm a capacidade de atrair turistas, podem começar a ‘se vestir’ segundo as prescrições das imagens-fantasia”. Também Yázigi (2002:17) lembra que as cidades “são formadas por uma profusão de formas arquitetônicas, reveladoras de história, tecnologia, virtudes estéticas e muitas outras informações que interessam tanto o estudioso quanto o amador, freqüentemente na posição de turista ou voyeur”.

 

O olhar do turista, de fato, “é direcionado para aspectos (...) que os separam da experiência de todos os dias” (Urry, 1996:18). Ao mesmo tempo, os turistas querem experimentar sensações novas e sentir-se confortáveis. Daí o conceito do não-lugar, o locus típico da pós-modernidade, segundo Augé (1994). Nas palavras de Barrera (2004:152), os não-lugares são “áreas efêmeras e enigmáticas, que crescem e se multiplicam (...), lugares de passagem, (...) impessoais, que se vinculam ao anonimato e à independência porque, aparentemente, não significam nada, ao menos para aquelas pessoas que os visitam provisoriamente”.

 

Entre os não-lugares típicos, estariam os aeroportos, os hotéis, os hospitais, os cafés, espaços nos quais as pessoas, por reconhecerem a limitação do tempo de visita, procuram desfrutar ao máximo das possibilidades por eles oferecidas. Os não-lugares são simulacros dos lugares, lugares do imaginário absoluto, espaços de simulação.

 

Nestes espaços, o turista é levado pela magia produzida pelos cenários, comporta-se passivamente e se adapta às regras de comportamento nos lugares visitados, adequa o seu olhar, incorpora uma verdadeira fuga do cotidiano ao “consumir” o produto oferecido – espaços cuja grande qualidade é exatamente sua identidade abstrata, característica maior da dimensão espaço-tempo no mundo contemporâneo.

 

A relação entre a cidade, seus cenários imaginários e a arquitetura, traduz-se então na criação de espaços de consumo em relação aos quais se vai construir uma memória afetiva. Pela arquitetura, os sonhos do turista são manipulados.

 

Elias (1989:84) destaca o despertar de arquitetos pós-modernos para projetos cujos formatos traduzem trabalhos de criação de “raízes iconográficas”. Para ele, são projetos “que deixam de ser selecionados primeiramente no eixo das possibilidades técnico-construtivas para recaírem diretamente na relação comunidade/imaginário”. O autor aponta ainda a estética do desenho urbano como “uma possibilidade, um prazer que exercita a inteligência”. Também Campos Filho (2003:89), citando Debord (1997), indica a tendência de transformação gradativa dos lugares (...) em “lugares da manifestação da sociedade do espetáculo ou da imagem”.

 

Pode-se inferir portanto que, se o espaço do turismo é em si uma mercadoria consumível, mas para além disso ainda “materializam-se neste espaço mercantilizado, segundo Rodrigues (1999:57), outras mercadorias – desde a rede de edificações necessária para acomodar os ‘turistas’ até o acesso aos ‘lugares’ privilegiados”, então é fundamental o papel dos arquitetos e planejadores urbanos na construção deste cenário pós-moderno.

 

Para Urry (1996:164), “os arquitetos e as práticas arquitetônicas são de extrema importância na constituição do olhar do turista contemporâneo”. São eles que constroem os elementos fantásticos que vão instituir a imagem e a identidade do lugar. Yázigi (2002:16) considera mesmo que “os arquitetos (...) são, conscientemente ou não, fazedores de paisagens”.

 

2.      São Paulo, hotelaria e simulação

 

Hotéis como simulacros no turismo nas grandes cidades

 

No segmento específico do turismo de negócios, existem elementos característicos, nas cidades, a partir dos quais a arquitetura da simulação é instalada, como os aeroportos, os hotéis e os restaurantes, ícones indispensáveis ao olhar do turista de negócios, partes indissociáveis da sua experiência no espaço da cidade e referências imediatas do seu comportamento durante a viagem.

 

Como visto, o processo de mercantilização das paisagens urbanas pelo turismo envolve a produção de imagens a partir das quais se vende a cidade para viajantes. Neste sentido, nas cidades, criam-se as “mercadorias urbanas” prototípicas do turismo de negócios – aeroportos, hotéis, centros de eventos, restaurantes.

 

O produto hotel, uma dessas mercadorias urbanas, é planejado para atender às necessidades de hospedagem do viajante de negócios, dentro de seu período de estada na cidade. Faz parte, portanto, da “paisagem necessária”, carregando a possibilidade travestir-se não apenas de valor cultural (como signo arquitetônico), mas também de valor econômico – pois que os meios de hospedagem constituem um negócio de natureza imobiliária, sendo portanto objetos de investimento, bem como iscas para atrair investimentos complementares para o seu entorno, tais como pontos de comércio e de serviços e melhorias de infra-estrutura.

 

Como mercadorias, os hotéis indispensáveis para a dinâmica do turismo de negócios. Como signos, servem ao projeto pós-moderno de produção de espaços diferenciados e de “produção e reprodução material da vida”, na concepção de Meneses (2002:59).

 

Também Carlos (1999:26) destaca que a “indústria do turismo transforma tudo o que toca em artificial, cria um mundo fictício e mistificado de lazer, ilusório, onde o espaço se transforma em cenário para o ‘espetáculo’ (...)” e lembra que o espaço produzido para o turismo é mesmo um cenário, onde tudo parece controlado e tudo é bonito, limpo e atraente. Cita o fato de os hotéis, sempre impecáveis como em um filme, serem as grandes estrelas de um espetáculo diário, reproduzido como  perfeito simulacro.

 

Da mesma forma, Ferrara (2002:76) aponta o hotel como um dos lugares memoráveis dentro do circuito das viagens, classificando-o como lugar de fetiche e mitificação, no qual se vive “uma realidade de superabundância de imagens tão totais e envolventes que o turista se expõe a elas sem dar-se conta de que constroem a realidade com nova naturalidade igualmente cotidiana, mas irreal” (ECO, 1993 apud FERRARA, 2002:76).

 

Na forma, o hotel reproduz a falsificação, em especial nas grandes cidades, nas quais é parte de um cenário de fantasia. Ambientes internos e externos reproduzem a sensação de simulacro, criando a “arquitetura de exceção”.

 

A hotelaria paulistana e a busca da diferença: o Hotel Unique

 

Spolon (2006:103) aponta um movimento, iniciado na década de 1990, de renovação estética dos meios de hospedagem paulistanos, dentro de uma tendência da própria cidade de “adaptar-se às novas exigências dos espaços globais, ou globalizados”. A autora afirma que “desde então, um dos ramos que mais se desenvolveu na cidade, do ponto de vista estético e urbanístico, foi o hoteleiro”, setor em que “a partir de 1994, passou-se a registrar a presença de profissionais de renome da arquitetura, do design de interiores e de mobiliário e do paisagismo” e conclui dizendo que “a nova estética dos produtos hoteleiros paulistanos reflete a adequação da atividade aos novos moldes característicos da indústria globalizada, que se reveste de padrões culturais internacionais e busca a diferenciação por meio de detalhes, nos espaços urbanos”.

 

A arquitetura do Hotel Unique, aberto em 2002 e projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake (auxiliado pelos arquitetos Alfred Talaat, Félix Araújo, Nancy Marques, Marcelo Jordão e Rubens Scuoppo), com arquitetura de interiores de João Armentano e paisagismo de Gilberto Elkis, apresentou à cidade de São Paulo uma forma nova e inusitada de projeto hoteleiro, cujas características valorizam a relação do lugar com o olhar e colaboram para a criação de uma imagem urbana renovada e de forte apelo simbólico.

 

 

   

 

Figura 1 (a, b e c) – Vistas do edifício e interiores do Hotel Unique, em São Paulo

Fonte: Fotos de Nelson Kon, disponíveis em <http://www.vitruvius.com.br/institucional/inst109/inst109.asp>. [24/03/2007].

 

De fato, dentro da defesa da tese de que o turismo (e também a hotelaria) é eficiente na criação de um campo simbólico e na constituição de signos urbanos que se traduzem em representações de uma realidade simulada, tem-se que o Hotel Unique, como mercadoria urbana, caracteriza-se como um verdadeiro simulacro, um “lugar de fetiche e mitificação”, onde o turista de negócios vive sua própria fantasia.

 

Para além disso, sua forma inusitada e surpreendente estabelece com o espaço urbano uma comunicação eficiente e harmônica, a despeito de diferente dos diálogos estabelecidos até então entre os hotéis e a cidade de São Paulo.

 

Neste sentido, parece claro que existe um campo de trabalho vasto a ser explorado, relacionado ao reconhecimento do turismo como uma ferramenta de valorização do lugar e como um instrumento capaz de promover a renovação de espaços urbanos, de modo a influenciar mudanças significativas na imagem das cidades, colaborando para sua maior inserção no cenário mundial.

 


 

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