IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

RE-TERRITORIALIZAÇÃO E IDENTIDADE. O SIGNIFICADO

DOS ASSENTAMENTOS PARA A ECONOMIA DOS MUNICÍPIOS:

os casos de Hulha Negra, Aceguá e Candiota na Campanha Gaúcha (RS)

 

Rosa Maria Vieira Medeiros

Programa de Pós-graduação em Geografia

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

rmvmedeiros@yahoo.com.br

 


 

Palavras-chave: reterritorialização - identidade - asentamentos - Campanha Gaúcha.

 

Key-words: reterritorialization - identity - settlements - Campanha Gaúcha (Brazil).


 

 

A identidade é algo que se constrói através de um processo contínuo de formação sempre em busca de sua plenitude. A identidade camponesa no Brasil foi sendo construída passo a passo juntamente com a história da formação do território brasileiro. Já no século XVI muitos registros identificaram a presença de camponeses na figura do morador e do proprietário do sítio junto às áreas produtoras de cana–de-açúcar. Estes agricultores segundo Manoel Correia de Andrade[1] foram o germe do campesinato nordestino. Nesse sentido, também é importante lembrar as comunidades dos quilombos. No entanto é a partir da decisão do governo português de trazer agricultores para o Brasil que o campesinato ganha importância. Inicialmente foram os açorianos vindo para o Sul, ainda no período colonial, seguidos pelos suíços em Nova Friburgo; no governo imperial foi  a criação das colônias no Rio Grande do Sul e Santa Catarina  atraindo principalmente alemães, num primeiro momento, e italianos a seguir. Importante ressaltar que estes imigrantes vindos para o sul vieram todos na condição de proprietários da terra uma vez que o principal objetivo do governo era a ocupação do espaço.

 

No caso do Rio Grande do Sul, a política de colonização procurou ocupar os espaços, considerados vazios pelo governo. O espaço então coberto pela mata nativa foi sendo aberto e os colonos foram se instalando em lugares distantes e na maior parte das vezes ficando isolados dos centros da época. Este isolamento foi um fator que reforçou a manutenção de seus hábitos culturais até porque em decorrência da língua, a grande maioria, se organizava e se mantinha em comunidades fechadas. Por esta razão os últimos projetos de colonização organizados pelo próprio governo, tinham como critério que os mesmos deveriam ser mistos a fim de evitar a formação do que Jean Roche[2] denominou de “quistos étnicos”. Estas comunidades fechadas assim permaneceram por um período significativo uma vez que a elas era dado o direito de criarem escolas e trazerem professores de sua terra de origem, principalmente no caso dos alemães. Esta situação foi um fator impeditivo da integração dessas comunidades com as comunidades locais o que reforçava ainda mais a sua cultura e a não absorção de elementos da cultura local. Na verdade, estes colonos procuravam construir a sua identidade com este novo espaço, mas através de uma transposição de sua cultura. Esta construção, esta busca ainda não cessou se pensarmos que são os descendentes destes colonos que se organizaram, se manifestaram, construíram um movimento social através do qual buscariam o mesmo que os seus ancestrais buscaram quando decidiram vir para o Brasil: terra para trabalhar, para produzir, para viver com dignidade. Medeiros,2004 destaca que

 

Estes colonos (camponeses) lá chegaram no final do século XIX e princípio do século XX, como pioneiros desbravando terras, abrindo clareiras nas matas, sobrevivendo num mundo para muitos deles desconhecido, construíram cidades e desenvolveram regiões. Eles não desistiram quando a modernização da agricultura chegou ao Planalto Gaúcho e a soja ocupou seu espaço de sobrevivência. Procuraram novas alternativas, alguns partindo para outras áreas distantes levando sua tradição e sua experiência camponesa, outros sendo atraídos pela cidade que hoje os expulsa. Mas houve aqueles que ficaram e que  não desistiram diante da dificuldade, diante da luta pelo seu direito de ter acesso à terra. Eles se organizaram, reivindicaram, resistiram e venceram. Eles criaram o Movimento dos Agricultores Sem Terra – MST”.[3]

 

 

Campanha Gaúcha: espaço fronteiriço

 

Para Morin (1987), “a fronteira é aquilo que simultaneamente, proíbe e autoriza a passagem, aquilo que fecha e aquilo que abre”. E por essa razão, Milton Santos afirma ser a fronteira algo inacabado, pois representa momentos  de um processo (1995). Ao representar momentos, esta fronteira, seja ela política ou econômico-cultural, é a  expressão de muitos elementos simbólicos. Ela é um lugar singular onde ocorrem encontros  e desencontros; onde os diferentes se colocam frente a frente, como por exemplo, grandes proprietários de um lado e camponeses pobres de outro.  “... o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo um lugar de descoberta do outro e de desencontro.”(Martins,1997:150) Desencontro este considerado como o desencontro de temporalidades históricas. É na fronteira que se pode observar como as sociedades se formam, se desorganizam ou se reproduzem.

 

No entanto é neste lugar de descoberta, de desencontro, de criação do novo e de uma nova sociabilidade que se constituem “territórios que darão as pessoas que neles habitam a consciência de sua participação, provocando um sentimento de territorialidade, que de forma subjetiva, cria um sentimento de confraternização (Andrade, 2002:214)”.

 

A consolidação desta territorialidade provoca sem dúvida choques tanto culturais, quanto políticos, econômicos e sociais, principalmente se considerarmos toda uma modificação no uso e no valor atribuído à terra. Do ponto de vista político este choque se refletirá no processo de gestão desse território que certamente passará por modificações e que na sua forma autônoma de atuação irá expressar uma gestão socialmente justa dos recursos contidos no território.

 

É, pois no espaço fronteiriço do Rio Grande do Sul que os agricultores assentados buscam uma nova identificação, formando raízes para uma mesma identidade. Estão reunidos em torno de um sentimento comum que é a nova gestão para este que, a partir de então, é seu território. Este, aparentemente novo,  é a expressão de uma imbricada combinação de tempos históricos em processos sociais que muitas vezes recriam formas antigas de dominação onde o arcaico se revela através de uma imagem modernizada imprimida pela acumulação capitalista, racional e moderna dos centros metropolitanos do capital, naturalmente distantes da fronteira.

 

Criar uma identidade num espaço desconhecido, onde cada dia é um novo conhecer, exige desses agricultores um esforço que perpassa sua condição de camponês. Entre erros e acertos uma nova territorialidade vai sendo construída. Muitos abandonam, desistem, vão para outros lugares, mas há aqueles que ficam, resistem e começam a construir um território onde as marcas de sua história vão sendo fixadas como marcos de sua identidade.

 

Neste processo de desenraizamento e de busca de enraizamento estes agricultores assentados, na condição de migrantes, vêem suas múltiplas raízes se partirem ao perderem sua paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, de louvar a Deus[4]. Segundo Cavalcanti (2002), o desenraizamento  configura-se como o desencontro do ser naquilo que lhe é dado tradicionalmente como substancial para pertencer a um grupo social. Por outro lado o enraizamento, considerado como uma das mais difíceis necessidades do ser humano a ser definida, é ao mesmo tempo a mais importante e a mais desconhecida. Cada “indivíduo tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência  de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” ( Weil, 1979, p.137). Mas, além disso, os indivíduos encontram  também dentro de sua própria cultura, espaços diferenciados aos quais se articulam, constroem e reconstroem referências de uma forma permanente tanto para si como para o outro.

 

O encontro com uma nova realidade certamente provocará uma desterritorialização dos processos simbólicos, quebrando muitas vezes as coleções organizadas pelos sistemas culturais com novas ressignificações e redimensionamento dos objetos, coisas e comportamentos e isso tudo, certamente, imbricado de conflitos. Ao partir, este agricultor sem terra saiu de um universo que recebeu como herança ao nascer e que agora vai se confrontar com o que é lhe dado neste momento. O que ocorre aqui é um duplo processo inserido neste ato de sair e de chegar, pois, ao mesmo tempo em que expressa as ilusões daqueles que saem, expressa também o sofrimento daqueles que atravessam a fronteira do desconhecido. É partir de então que uma nova necessidade se impõe, ou seja, que é preciso mudar o modo de ver o mundo interno e o  mundo externo dando espaço para o surgimento de novos valores que lhe orientarão e lhe permitirão organizar-se no novo ambiente. Neste preciso momento é fundamental contar com a cooperação de amigos, parentes o que lhes dará uma segurança para viver como grupo em terra desconhecida. O viver em grupo lhes permitirá assim um enraizamento não tão doloroso quanto foi o desenraizamento e assim a construção da sua identidade com o novo.O pequeno produtor familiar vem se re-territorializando na Campanha Gaúcha, através de novas formas produtivas-econômicas-sociais implantadas provocando transformações no território.

 

Campanha Gaúcha: espaço de disputa

 

O território é, pois analisado através do embate entre duas forças (latifundiários e assentados) que disputam através do discurso, da política, dos costumes, dos hábitos, dos símbolos, mas principalmente através da viabilidade de suas formas produtivas uma certa porção territorial que em última instância reverte-se em sinônimo de poder. RAFFESTIN (1993:43) coloca que:

 

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo pela representação), o ator ‘territorializa’ o espaço. [...] o território nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder.

 

Segundo HAESBAERT uma análise parcial do território “[...] está fadada a compreender apenas uma parte dos complexos meandros do poder  [...] território deve ser visto na perspectiva de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer, dependendo do grupo ou da classe social a que nos estivermos nos referindo, afetiva”.( 1997:41)

 

Dessa forma “[...] o território é ao mesmo tempo um recurso ou um instrumento de poder e um valor, valor este que vai além do simples valor de uso ou de troca, estendendo-se pela valorização simbólica, identitário-existencial.” (HAESBAERT, 2001:1771)

 

O processo de desterritorialização nega a fixação do grupo social, da população, do indivíduo a uma base física além de fazer com que percam ou pelo menos deixem adormecidos seus costumes, suas relações interpessoais, seu cotidiano. Perde-se a identidade territorial existente, partindo do pressuposto que “toda a identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma noção de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social.” (HAESBAERT, 1999:172)

 

De certa forma, o processo de desterritorialização apresenta um viés econômico muito forte à medida que nega a reprodução de um determinado grupo em uma porção específica do território, fazendo com que ocorra seu deslocamento e a tentativa de re-territorialização (econômica, política, social, cultural) em outro lugar. Em ambos os processos (desterritoriazação/re-territorialização), forças sociais, econômicas, políticas atuam como elementos de manutenção, expulsão ou atração (quando no processo de re-territorialização) de grupos envolvidos.

 

A partir destes processos é possível verificar como os pequenos produtores familiares foram, em um primeiro momento desterritorializados, e em um segundo re-territorializados em um espaço do Rio Grande do Sul onde ainda se configura como domínio da pecuária/latifúndio.

 

Os assentamentos da campanha buscam a volta ao processo produtivo do qual foram excluídos. Procuram uma nova forma de produzir e de organização no campo, de se relacionar com o ambiente, de resgatar conhecimentos esquecidos e de retomar através da produção, da cultura e da organização político-econômico-social de seu território uma autonomia que lhes foi “tirada”. O processo de re-territorialização em um espaço estranho ao individuo por si só já é carregado de uma série de dificuldades tanto econômicas, quanto pessoais e emocionais. Isto porque, o processo de desterritorialização é marcado como uma etapa muito penosa na vida do agricultor sem terra; é o momento em que o agricultor é expropriado não só de seus bens materiais, mas de toda uma identidade construída a partir do trabalho com a terra, que na maioria dos casos era a única por eles conhecida. Neste momento sua identidade territorial sofre um grande impacto, chegando a certos casos a ocasionar o abandono da luta e a volta a “seu lugar de origem”. Os conflitos com o poder local nos primeiros momentos de vida dos assentamentos contribuem para o agravamento das dificuldades impostas aos agricultores assentados.

 

Os assentamentos realizados na região da campanha gaúcha (mais especificamente os realizados na regional de Bagé), no final da década de 1980 e início da década de 1990, apresentaram uma série de dificuldades econômicas, estruturais, locacionais e políticas transformadas em motivo de lutas e reivindicações, que contribuíram de certa forma para o atraso no seu desenvolvimento. A falta de apoio por parte do governo Estadual e Federal, foi um dos principais obstáculos para  desenvolver esses assentamentos uma vez que não foram liberados recursos para a alimentação, auxílio moradia, obras públicas, e obras de infra-estrutura.

 

As más condições das estradas fizeram com que o MST, em 1993, juntamente com os agricultores assentados, ocupassem o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) de Bagé por dois dias. Logo após houve manifestações em frente ao Centro Administrativo de Bagé e a ocupação da BR 392 no trecho que liga Hulha Negra a Pelotas.

 

Essas manifestações permitiram a liberação de R$ 100.000,00 do INCRA para obras na estrada que ligava os assentamentos a sede do município de Hulha Negra. Em 1997 foram destinados mais R$ 300.000,00 para a manutenção da estrada. Importante salientar que estas reivindicações por obras, nos assentamentos de Hulha Negra, se tornaram bandeiras de lutas para toda a região.

 

Com o impasse criado entre o governo Estadual e Federal as dificuldades se acentuaram nos assentamentos da regional de Bagé. A não liberação das verbas destinadas a implantação dos assentamentos fez com que os agricultores assentados transformassem a questão da produção em um ponto de extrema importância, tanto no que se refere a sua reprodução imediata, como no que se refere à questão política. A viabilização econômica sem o auxilio do governo viria a demonstrar a força do pequeno produtor frente às dificuldades que lhes são impostas.

 

Mesmo sem o auxílio dos órgãos competentes os assentamentos de Hulha Negra começaram a produzir alimentos para a subsistência e para o comércio. Os pequenos produtores em um período de tempo curto demonstraram através do aumento da produção e da produtividade a sua importância para a região.

 

Portanto a implementação de novas estruturas tanto na área rural como na urbana devem muito ao processo reivindicatório e ao espírito cooperativista que vinham se desenvolvendo dentro dos assentamentos.Os assentamentos na campanha gaúcha surgem em um lugar onde o latifúndio pecuarista detinha a primazia territorial e política, por este motivo sofrem uma pressão muito grande nos períodos iniciais a sua implantação. A nova forma de produção preconizada coloca em cheque o poder dos latifundiários pecuaristas da região, que cada vez mais se organizam para deter a territorialização dos assentamentos no que seria o lugar do latifúndio pecuarista na região.

 

A implantação e desenvolvimento de assentamentos na campanha gaúcha, mais especificamente no município de Hulha Negra, não sucumbem aos esforços feitos pelos latifundiários locais para o seu fracasso, ao contrário utilizam-se das dificuldades impostas para reforçar os seus objetivos e suas reivindicações frente a sociedade.

 

Com isto demonstram que a forma de produzir baseada no minifúndio é viável e desenvolve-se satisfatoriamente em períodos de conflitos. Isto é colocado porque a pequena propriedade é vista como frágil frente aos inúmeros problemas ligados à produção no campo, ao seu desenvolvimento em um lugar onde conflitos políticos são somados a dificuldades no setor produtivo. Dessa forma se derruba o mito da fragilidade da pequena propriedade.

 

Além da superação das dificuldades impostas pelo latifúndio, os pequenos produtores assentados na campanha através de sua organização no setor político e econômico implantam na região uma nova forma de produzir baseada na agroecologia e na preservação do meio ambiente local, fazendo assim com que os pequenos produtores assentados da região aos poucos se desliguem da forma tradicional de produzir (uso de agrotóxicos, maquinário pesado etc.) que em muitos casos foi o fator que os inviabilizou anteriormente.

 

A forma de desenvolvimento no campo proposta pelo MST mostra-se como uma alternativa viável a re-territorialização daqueles que desterritorializados buscaram novas formas para se enraizarem à terra.  São novos territórios virtualmente mais abertos e multiculturais, proporcionando assim maior liberdade de opções e de manifestações de   pluridentidades. 

 

Percebemos um processo de readaptação dos assentados em função de seu novo espaço, com outro clima, no qual muitos não mantiveram o mesmo cultivo ou as  mesmas técnicas. Houve aumento no número de assentamentos, de famílias e de área destinada aos assentamentos, pois o Estado, através da implantação de um Programa de Reforma Agrária, dinamizou esse espaço pelo desenvolvimento de uma economia baseada na agricultura familiar.

 

É dentro dessa luta pela conquista do espaço social e do território, através da organização dos movimentos sociais, de seus sujeitos, de suas contradições e perspectivas,  que convém considerar a dimensão de poder que se faz presente tanto no espaço local quanto no  global. A paisagem será dessa forma o cenário revelador das relações sociais e de inter-relação existente entre as mesmas, bem como do desenvolvimento do processo de produção para o atendimento das necessidades de consumo da sociedade.

 

O território gaúcho se reconfigura, a paisagem da campanha gaúcha vai sofrendo transformações. Hoje, a concentração de assentamentos nos municípios que constituem a Metade Sul (fig. 1 e fig. 2)  é o agente de toda esta reconfiguração territorial através do desenvolvimento da agricultura familiar, da diversificação da produção, do adensamento populacional, da dinamização do comércio local, além da necessidade de uma nova infraestutura com  abertura de novos caminhos, com a instalação de escolas e de postos de saúde.

 

É a região de domínio do latifúndio passando por um processo de transformação, onde a pecuária cede seu espaço para atividades agrícolas intensivas muitas delas voltadas para a agroecologia. É uma nova alternativa de produção que começa a se desenvolver atendendo a uma demanda significativa de consumidores ecológicos, ao mesmo tempo em que traz consigo toda uma preocupação no sentido de produzir sem impactar o meio ambiente. É a busca por uma nova dinâmica para uma região  historicamente diferenciada no espaço sul-rio-grandense. É a agricultura familiar se re-territorializando, trazendo consigo novas formas, novas identidades, novas configurações para a paisagem bucólica da campanha gaúcha.

 

As novas ações do governo do Estado do Rio Grande do Sul deram uma nova configuração ao espaço gaúcho, uma nova organização. Estas ações refletem um novo processo de territorialização que se dá através da reterritorialização daqueles que sem perder a identidade com o seu espaço de origem, buscam uma nova integração ao espaço a eles destinado, dando a esse espaço, portanto, um novo significado. Observamos a re-territorialização através da permanência de sua identidade com suas origens através de um ressignificado dado ao seu novo espaço, expresso na diversidade da produção, nas sementes agro-ecológicas e na nova dinâmica implementada no comércio local.

 

O caso de Hulha Negra, Candiota e Aceguá

 

A partir dos mapas temáticos observou-se que determinados municípios destacaram-se nesta concentração de assentamentos, principalmente aqueles localizados na área fronteiriça do estado. Por essa razão os municípios de Hulha Negra, Aceguá  e Candiota (figura 1), foram analisados mais detalhadamente.

 

O município de Hulha Negra foi criado em 1992, emancipado do município de Bagé. Contava com uma população de 5 359 habitantes em 2000 e a estimativa para 2006 é de 3 876 habitantes, sendo um pouco mais de 50% fixada na área rural, com base no Censo de 2000.  Possuía, em 2003, 25 assentamentos com 1 016 famílias, sendo que 10 deles foram instalados antes da data de sua emancipação. Se considerarmos uma média de três pessoas por família em Hulha Negra, poderemos afirmar que a sua população rural é constituída exclusivamente por assentados. Por essa razão, a presença da participação da produção familiar no município é significativa sendo que 50% de sua produção é oriunda desta atividade. No entanto, não é a propriedade familiar que ocupa a maior área do município ficando com apenas 32% da área total do município. Em contra partida as grandes propriedades ocupam


 

Figura 1 - Concentração dos assentamentos no Rio Grande do Sul com destaque para os municípios de Hulha Negra, Candiota e Aceguá.

 

63% da área total do município sem que, no entanto, tenham uma contribuição na produção municipal proporcional à área que ocupam. Sua produção corresponde a 39% da produção do município.

 

É possível afirmar que a instalação dos assentamentos em Hulha Negra promoveu mudanças na economia do município, na organização do seu espaço rural e conseqüentemente no perfil de sua população uma vez que são 1016 famílias ali assentadas (quadro.1).

 

Quadro 1: Número de assentamentos e famílias por município na Regional de Bagé

Bagé

1

80

Aceguá (município criado em 2001)

1

113

Candiota

23

666

Hulha Negra

28

1016

Total

53

1875

Fonte: MST

 

O município de Candiota que também foi criado em 1992, emancipado a partir do município de Bagé e de Pinheiro Machado, apresenta uma população de 8 065 habitantes, sendo que 62% na área rural e 38% na área urbana. Possui atualmente 23 assentamentos onde estão assentadas 666 famílias. Deste total, 6 assentamentos foram instalados ainda antes da sua emancipação. Se considerarmos uma média de cinco pessoas para cada família é possível afirmar que cerca de 60% da população rural de Candiota está localizada nos assentamentos. No entanto, neste município não se observa uma situação semelhante à de Hulha Negra, pois a participação patronal, tanto em termos de área (80%) quanto em termos de produção (75%) é superior à familiar (11% e 15% respectivamente), apesar da importância da participação da produção familiar no contexto municipal. O município de Candiota tem também como fator importante na sua economia, a extração de carvão e a produção de energia termoelétrica.

 

Estes dois municípios têm entre suas atividades econômicas o desenvolvimento da pecuária bovina extensiva, muitas vezes associada à produção de arroz. No entanto em Hulha Negra as 1016 famílias assentadas estão em sua maioria ligadas a cooperativas, como a Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados (COOPERAL) [5] que tem um total de 1300 famílias associadas em toda a Regional de Bagé. São 700 famílias que se dedicam à produção de sementes agroecológicas Bionatur.

 

A Cooperal foi fundada em 12 de julho de 1992, com o objetivo de ser a ferramenta de organização para os agricultores assentados desenvolverem sua produção e criar alternativas para a pequena propriedade familiar. Através da luta pela terra e organizados no MST, os assentados conquistaram desde 1989 em torno de 18.000 ha. nos municípios de Hulha Negra e Candiota, resgatando a cidadania de 700 famílias. Após, enfrentaram outros desafios como, a conquista da estrada, energia elétrica, assistência técnica e alguns recursos. Priorizaram a identificação das matrizes produtivas da região e a construção de um plano de desenvolvimento sustentável, que permitisse a produção da economia dos assentados. Com o lançamento das sementes agroecológicas BIONATUR, consolidaram mais uma conquista fundamental para o sucesso do desenvolvimento da Cooperativa e seus associados, produzindo de forma totalmente sustentável, preservando a saúde e a economia dos produtores e consumidores. Entenderam ser esta uma função estratégica da Reforma Agrária, construindo novas referências na área da produção, indústria e comércio, possibilitando que os agricultores realmente sejam donos do que produzem e os consumidores saibam e discutam sobre o que estão consumindo.

 

O terceiro município da Regional de Bagé, objeto desta pesquisa, é Aceguá, emancipado de Bagé em janeiro de 2001. O fato de ser um município muito novo faz com que ainda não haja registro de dados estatísticos e de informações. Apenas sua população total, que é de 3297 habitantes, é informada pelo IBGE. No entanto este município conta com um assentamento constituído por 113 famílias ali instaladas desde 1997.

 

Considerações ainda sem finalizar

 

Os três municípios objeto desta pesquisa tiveram sua paisagem transformada a partir da instalação dos assentamentos, mas o  é necessário destacar que a economia local sofreu uma importante modificação, dinamizando o comércio, os serviços, as políticas pública a partir das demandas destes novos cidadãos re-territorializados.

 

O trabalho de campo realizado já permitiu identificar o envolvimento do poder público municipal em relação às demandas dos assentamentos, em relação a sua inserção no contexto político e econômico local.   Identificar estas mudanças é o objetivo a que se propõe esta pesquisa na sua continuidade.

 

 


Notas:

 

[1] ANDRADE, Manoel Correia. A questão do território no Brasil. São Paulo-Recife, IPESP/Hucitec, 1995.

[2] ROCHE, Jean. A colonização alemã no Rio Grande do Sul.

[3] MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. O Rio Grande do Sul e a busca pela Reforma Agrária. In  Rio Grande do Sul –Paisagens e territórios em transformação.Porto Alegre, Ed. UFRGS, 2004.

[4] BOSI,1983.

 

 

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www.alternet.com.br/bionatur/


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