IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

FRICHES INDUSTRIELLES NO EXTREMO SUL DO BRASIL:
Uma anÁlise sobre o caso da cidade do Rio Grande/RS

Solismar Fraga Martins
Núcleo de Análises Urbanas (NAU) - Departamento de Geociências
Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG
solismarfm@terra.com.br


 Friches industrielles no extremo sul do Brasil: uma análise sobre o caso da cidade de Rio Grande/RS (Resumo):

O conceito de friches industrielles vem sendo cada vez mais utilizado como forma de analisar os espaços industriais produtivos outrora e que hoje não mais desempenham tal atividade representando “vazios industriais”. Isso significa para as cidades fabris do passado ou que não mais dispõe de fábricas na sua área urbana de ocupação intensiva, uma quantidade de grandes estruturas industriais abandonadas ou com uma funcionalidade diferente daquela para o qual foi concebida. Rio Grande como cidade industrial desde o final do século XIX e com uma história econômica marcada por avanços e retrocessos em sua economia fabril, representa um espaço significativo de análise para a existência das friches industrielles.

Palavras-chave: friches industrielles - espaço urbano - espaços industriais desativados


Brownfields in the extreme Southern Brazil: an analysis about the case of the city of Rio Grande/RS (Abstract):

The concept of brownfields has been used each time more as a way to analyse the old industrial productive spaces that today do not perform such activity anymore representing some industrial emptiness. This means either a great number of large abandoned industrial plants or structures which are being used for a different purpose than the one they were planned for, in old manufacturing cities or towns that do not have factories in their urban area of intensive occupation. Rio Grande, as an industrial city since the end of the nineteenth century and with an economical history marked by advancement and retrogression in its manufacturing economy, represents a significant space for analysis about the existence of brownfields.

Key-words: brownfields – urban space - abandoned industrial space


 

O conceito de friches industrielles é utilizado para designar os espaços que outrora detinham como função uma atividade produtiva fabril e que no presente encontram-se abandonados, desocupados ou sem utilização. Ou seja, tais estruturas inseridas comumente na cidade e que perderam sua função produtiva, hoje representam espaços ociosos sem função ou com função (não industrial) aquém da estrutura ali instalada. Na Língua Portuguesa os termos que mais se aproximam são vazios e ruínas industriais, no entanto, entendemos que a manutenção da terminologia francesa é mais apropriada do que aproximações que poderiam dar uma outra conotação ao termo (MENDONÇA, 2000).

A cidade do Rio Grande representa, de forma análoga, as transformações de um espaço portuário e urbano que através da acumulação comercial derivada das atividades de importação e exportação, consegue criar um parque fabril importante em termos nacionais a partir do final do século XIX. Demarcando períodos industriais, foram sendo descobertas as resultantes espaciais, numa combinação entre periodizações particulares à cidade e os ciclos industriais nacionais, ou seja, da industrialização dispersa à industrialização restringida (MARTINS, 2004).

A introdução de parques fabris vem alterar a forma, as estruturas e as funções citadinas, (LEFEBVRE, 1974) decorrentes da introdução de uma base técnica, condição principal da produção capitalista. (QUAINI, 1979:66). O período áureo para a cidade estendeu-se de 1874, data da implantação do primeiro grande parque fabril até 1930, quando transformações na economia nacional ditaram novas mudanças locais na disputa de mercado com a economia fabril do centro do país essencialmente São Paulo. Este importante ciclo industrial conheceu seu declínio, fazendo com que a estagnação fabril de determinados setores acabasse culminando no fechamento de várias empresas industriais nas décadas de 1950 e 1960, resultado da integração da economia nacional que prejudicava diretamente o tipo de indústria que em Rio Grande havia se instalado no período da industrialização dispersa.(CANO, 1985; OLIVEIRA, 1989; e TAVARES, 1981). Isso também trouxe novas formas de ocupação espacial para a cidade, pondo fim à cidade planejada pela municipalidade sob inspiração do urbanismo francês, cedendo lugar a todo tipo de especulação fundiária sob os ditames da iniciativa privada e com participação direta das empresas fabris em crise.

Do período fabril compreendido entre a industrialização dispersa (18741930) e a industrialização restringida (1930/1969) houve a instalação de mais de 30 empresas fabris de médio e grande porte, onde tomamos o referencial dado por Pesavento (1985) no que diz respeito ao escore para considerarmos indústria no final do século XIX e primeiras décadas do século XX que refere-se a contar somente as empresas que apresentavam mais de cem operários. Dessas somente cinco ainda mantém suas unidades produtivas fabris, sendo que quatro em área urbana e uma transferiu seu parque fabril para o Distrito Industrial da cidade que foi constituído na década de 1970 e afastando definitivamente o espaço industrial do espaço urbano.

Portanto, embora muitos desses parques industriais não existam mais, por terem sido destruídos e substituídos por outras estruturas com diversas funcionalidades (depósitos, comércio, serviços, etc.) ainda há na cidade uma significativa quantidade de estruturas industriais ociosas, próximas a área central e junto aos cursos d’água que margeiam o sítio urbano do Rio Grande, se configurando como verdadeiras friches industrielles.

A compreensão de como a cidade vai se estruturando e conformando sua paisagem a partir dos processos históricos produtivos constitui um passo primordial, no sentido de desvendar a lógica de desenvolvimento da cidade do Rio Grande, apontando alguns componentes que se generalizam por diversos pontos territoriais, motivados pelas oscilações de inserções contextuais dos diferentes períodos da economia local.

A análise das  friches industrielles  se insere na problemática das desigualdades regionais e do desenvolvimento da Metade Sul do Rio Grande do Sul, no momento que a análise das friches industrielles visa diminuir a depauperação das antigas áreas industriais inseridas em solo urbano assim como nas áreas de vizinhança.

Ao mesmo tempo representa uma nova forma de buscar a revitalização de espaços degradados em diversos planos: jurídicos, fiscais e o interesse das friches industrielles como patrimônio histórico identificando sua identidade com os grupos sociais que vivem ao seu redor. A incorporação desses espaços pela sociedade civil, fora da função produtiva industrial pode representar uma tomada de consciência a respeito de políticas de intervenção no espaço urbano, principalmente para cidades que mantém uma dinâmica urbana baixa como ocorre com a cidade do Rio Grande e outras cidades da metade sul do Rio Grande do Sul.

 

Figura 1 – Antiga indústria de pescados

Autor: Jenes Damasceno

 

As friches industrielles na cidade do Rio Grande vem sendo analisada através da identificação das antigas áreas industriais que remontam a segunda metade do Século XIX até as empresas instaladas na década de 1960. Tais medidas irão abranger a reestruturação desses espaços ociosos através da identificação e da caracterização atual, buscando identificar que novas funções poderiam ser atribuídas a cada estrutura fabril e que relação há entre cada friche e a cultura e identidade que circunvizinha tais áreas.

O papel que cada friche desempenha dentro da zona urbana no qual elas estão inseridas pode representar a relação existente entre esses espaços com a identidade local que a cerca. A análise também pode contribuir para apontar a dinâmica espacial e econômica da cidade, identificando se há uma homogeneidade espacial intra-urbana para as friches dependendo da localização das mesmas no espaço urbano.

A análise de espaços industriais ociosos surge como decorrência de um projeto de Tese de Doutorado A produção do espaço em uma cidade portuária através dos períodos de industrialização: O caso do município do Rio Grande/RS. Neste trabalho analisamos a produção espacial da cidade do Rio Grande nos seguintes períodos distintos:

a) a cidade político-militar (1737/1821);

b) a cidade comercial compacta como gênese para o desenvolvimento urbano e fabril (1822/1872);

c) a primeira fase industrial da cidade do Rio Grande (1874/1969; e,

d) a segunda fase industrial da cidade do Rio Grande (Décadas de 1970 e 1980).

É mister destacar que embora traçamos a evolução espacial da cidade durante esse longo período, foi precisamente o item “c”, no que se refere a gênese industrial na segunda metade do século XIX até a década de 1960, que representou o cerne principal de desenvolvimento da tese envolvendo a produção do espaço urbano através da industrialização, nas fases denominadas de Industrialização Dispersa e Industrialização Restringida (CANO, 1985). É nesse período que se constitui um parque fabril imponente para o período e que teria uma forte crise nas décadas de 1950 e 1960 com a integração da economia nacional (OLIVEIRA, 1989).  Portanto, são mais de quarenta anos que a maior parte das fábricas encerraram sua produção ocasionado verdadeiros enclaves urbanos nos espaços ocupados através das estruturas deixadas por tais indústrias.

Ao falarmos em espaço urbano, compactuamos com a idéia de Harvey (1980, p. 34), que expressa a cidade como um complexo dinâmico, onde a forma e o processo social estão sempre interagindo. Além do mais, esse autor considera que “o espaço social não é somente uma variável de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo; ela é também, variável no tempo” (HARVEY, 1993, p. 25).

O espaço industrial e sua prática irão introduzir novos conceitos e novas questões ao urbano. Ao contrário da criatividade e das diferenças surgidas em espaços pré-industriais como a Toscana e a cidade de Veneza, citadas por Lefèbvre, e vistas como resultado de processos ímpares e que delinearam aqueles espaços, haverá a partir da industrialização inovações em termos de tecnologia, mas homogêneas em termos de urbanização.

A leitura do mundo a partir do mundo industrial é a leitura feita a partir da mercadoria, do produto, tudo que eles representam e de como se engendram na sociedade e nas relações sociais. As coisas mentem e escondem relações de exploração e desumanidade que somente através de uma relação social mediatizada pela mercadoria, em que tudo se atribui valor, pode-se entender a maledicência vigente na sociedade e que não se mostra clara, mas sim opaca, disfarçada e ambivalente.

Ao dar prosseguimento ao tema, busca-se em Lefèbvre, entre outros autores, a relação entre industrialização e urbanização, já que a sociedade urbana é resultado de um duplo processo quando relaciona estes dois fatores:

Temos à nossa frente um duplo processo ou, se preferir, um processo com dois aspectos: industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção econômica e vida social. Os dois “aspectos” deste processo são conflitantes. Existe historicamente um choque violento entre a realidade urbana e a realidade industrial. Quanto à complexidade do processo, ela se revela cada vez mais difícil de ser apreendida, tanto mais que a industrialização não produz apenas empresas (operários e chefes de empresas), mas sim estabelecimentos diversos, centros bancários e financeiros,  técnicos e   políticos (LEFÈBVRE, 2001, p. 9).

O sistema capitalista na sua essência e permanência (na e para a sociedade que ele produziu) se estabelece através de milhões de fios formando uma complexa teia. Tal enredamento é responsável por sua real e palpável existência, que se concretiza através da história e onde nenhuma parte pode ser trocada por suposições artificiais sem violentar sua verdadeira essência. O resultado a que chegamos se refere a um tecido, composto com o passar do tempo pelo próprio capitalismo, resultando num modo de produção que transcende uma relação econômica, nos forçando a deduzir que um estágio de tecnologia possa revelar um modo de organização social (BRAVERMAN, 1987, p. 30). Como forma de corroborar a respeito da permanência do capitalismo há mais de cinco séculos, Lefèbvre diz que isso se deve “a sua capacidade de recriar todas as relações sociais necessárias para o modo de produção numa base contínua” (LEFÈBVRE, apud GOTTDIENER, 1993, p. 147).

Inserida nesse sistema, e como cidade comercial portuária durante a maior parte do século XIX, Rio Grande teve um enriquecimento rápido, ao menos por parte daqueles comerciantes que graças a esse acúmulo de capital puderam partir rumo ao desenvolvimento fabril. Assim como advém essa situação de acúmulo de renda, pode ocorrer mudança no fluxo de capital para outros circuitos. “Quando isso é feito com relação ao circuito secundário, temos a produção do ambiente construído” (GOTTDIENER, 1993, p. 102). Com isso o espaço passa a auferir transformações ao receber novas estruturas, devido à recente função que ele adquire.

Na análise de um espaço urbano durante um longo período, que abrange mais de um século, temos que ter o cuidado de não cair na armadilha da descrição positivista do espaço, mas sim ser capaz de penetrar através dessa aparência ou forma existente na cidade a fim de revelar as forças que o produzem e o produziram. Para isso, ao analisar uma cidade industrial e suas estruturas resultantes, não podemos fazer uma análise simples da relação capitalista ali presente (capital de um lado e trabalhadores do outro), devido às diversas forças econômicas existentes e atuantes naquele espaço que se imbricam entre o capital e o trabalho no passado e na atualidade.

Além do mais, ao seguir uma perspectiva marxista de análise espacial, devemos reforçar a idéia defendida por Quaini (1979, p. 35) de que no materialismo histórico a dimensão espacial não pode ser sacrificada pela dimensão temporal, já que ambas representam uma parte do original historicismo de Marx. A perspectiva marxista se interessa na análise da natureza como momento da práxis do homem, e, portanto, se essa apreciação for pega de forma abstrata em si e separada da prática humana, nada representará para o próprio homem (QUAINI, 1979, p. 45). Ainda segundo Máximo Quaini, ainda discorre  embora Marx não fosse um geógrafo, tampouco um historiador ou um sociólogo, para o marxismo, ao se analisar uma sociedade, a geografia deve ser entendida como “a história cognoscitiva e de elaboração regional da terra, em função de como veio a se organizar a sociedade”(GAMBI, apud QUAINI, 1979, p. 51).

O espaço socioeconômico concreto nos é mostrado como resposta da articulação dos espaços analisados, isto é, um resultado – um produto, portanto como realidade concreta dada irá impor um acanhamento no desenrolar das relações pessoais. “Diremos que a sociedade recria a base de um espaço concreto, sempre já dado, herdado do passado” (LIPIETZ, 1987, p. 24-25).

O espaço é acima de tudo local de ação, não somente como receptáculo onde ocorrem os eventos, mas também representa a permissão social de engajar-se nesses eventos. A inserção do Estado e da economia na espacialidade capitalista lhe tira sua função como espaço orgânico e o transforma em uma abstração, repleto de fragmentações, e, portanto, difícil de escandir. Como preenchimento a esse enleio surgem conceitos orgânicos ligados à integração espacial através de diferentes categorias parcelares: o espaço pessoal, o espaço social, o espaço global, etc. (GOTTDIENER, 1993, p. 130).

Nisso surge a contradição entre o espaço abstrato criado e o espaço social, pois se o primeiro representa a exteriorização de práticas econômicas e políticas (economia, Estado), o espaço social é visto como resultado do complexo intercâmbio entre as classes no mundo cotidiano (LEFÈBVRE, 1979 apud GOTTDIENER, 1993, p. 131).

A produção do espaço pelo viés ideológico capitalista, através da fixação cultural no crescimento econômico, descamba de forma direcionada ao tornar esse o objetivo a ser alcançado permanentemente por cada localidade. Isso invade as discussões políticas das cidades, permeando as iniciativas a serem realizadas no espaço social. Dentro dessa ideologia, o bem-estar da população está diretamente dependente da capacidade de crescimento econômico. Para Gottdiener (1993, p. 270), essa afirmativa é imprecisa, já que os benefícios desse acréscimo de capital trazem consigo a expropriação privada da riqueza, pois distribui desigualmente os lucros do desenvolvimento, mesmo tentando contrabalançar no repasse dos custos sociais ao Estado. 

Uma outra perspectiva que deve ser enunciada se refere à capacidade do sistema, e nesse caso do capitalismo monopolista industrial, em se adaptar e expropriar os benefícios existentes de forma diferenciada conforme as especificidades locais.

As particularidades de um espaço não ficam descoladas do todo, apenas irão apresentar uma história com particularidades específicas conforme os ritmos peculiares através de rupturas e desenvolvimento contínuos em que cada época irá deixando seus registros. “O modo e o grau de independência de cada tempo e de cada história, são, pois, determinados com precisão pelo modo e o grau de dependência de cada nível no conjunto nas articulações” (ALTHUSSER, apud LIPIETZ, 1987, p. 22).

No caso da cidade do Rio Grande, a existência de um grande número de vazios industriais ou de friches industrielles suscita o interesse em desenvolver tal conceito, embora importado da França, onde tanto nesse país como outros países da própria Europa apresentam diversos exemplares de áreas industriais abandonadas, o que os ingleses também chamarão de brownfields.

O termo friche no sentido vazio aparece primeiramente no trabalho do geógrafo francês Jean Labasse (1966). Segundo a definição do Service Technique de l’Urbanisme, o conceito friches industrielles é utilizado comumente para designar um espaço construído ou não, desocupado ou muito sem utilização; antes ocupado por atividades industriais ou outras atividades ligadas à indústria (MENDONÇA, 2000). Tal terminologia se fez necessária na França a fim de buscar alternativas para cidades que se desindustrializaram e que necessitavam revitalizar suas economias.

Um outra característica que é marcante quanto ao conceito de friches refere-se a sua não homogeneidade tanto em relação a causa do declínio produtivo como em relação as possibilidades de revitalização de cada caso. Os referenciais quanto ao conceito de friches industrielles são recentes mesmo no exterior, datando a partir de 1970 para países da Europa e Estados Unidos. No Brasil o conceito ainda é mais recente e está em construção, já que para os países do Terceiro Mundo tais áreas comumente são demolidas ou viram ruínas, devido as políticas de preservação de patrimônio histórico serem recentes e também devido as tipificações específicas que apresentam os espaços industriais.

É interessante destacar que para haver friches industrielles, a categoria de análise espacial denominada de estrutura deve ainda se manter concebida, mesmo de forma precária ou em ruínas. Na verdade o que não existe mais é a função produtiva fabril daquele espaço, o que justifica a existência de uma friche. Há outros condicionantes também que impedem a reativação daquele espaço industrial que vai além da relação de mercado. Envolve também questões legais, já que hoje não é permitida a implantação de determinados tipos de indústrias no espaço urbano em que há ocupação intensiva, algo inexistente até a metade do século XX. Questões ambientais estão presentes  também como medidas impeditivas para implantação de espaços fabris nesses velhos espaços. Outra questão não menos relevante se deve ao custo do valor do terreno, comumente mais caro e melhor localizado em relação a infra-estrutura urbana existente na cidade do que aquelas área que o poder público municipal direciona para novas indústrias através dos Distritos Industriais.

Além dos aspectos jurídicos e aspectos fiscais, devido a este ser normalmente mais caro em temos de impostos, as questões sociais de entorno também representam um fator importante, pois a vizinhança de uma fábrica abandonada não vê de forma positiva esse espaço. Isso se deve ao acúmulo de lixo que muitas vezes representa, assim como o alojamento de transeuntes urbanos, que por falta de assistência e amparo social do Estado e da sociedade, passam a se abrigar nestes espaços. A ligação do desamparo social com marginalidade, tráfico de drogas e roubos sempre está relacionado, seja na vida real, seja no imaginário da população urbana. Por isso, tais aspectos de degradação humana encontram muitas vezes um local para se reproduzir além dos espaços públicos normalmente ocupados para esses fins, como ruas e praças públicas.

Por outro lado, há as friches que ainda mantém precariamente sua forma industrial, embora não esteja em total abandono, recebendo uma nova função comercial ou de serviços, embora bastante aquém da infra-estrutura existente. Em outros casos o espaço é vigiado contra possíveis ocupantes, mesmo não mantendo nenhuma atividade naquele espaço, serve como verdadeiros enclaves urbanos a espera de uma valorização no futuro que dê aos proprietários do terreno alguma lucratividade, se enquadrando perfeitamente na acumulação rentista da terra urbana, tão comum para locais que apresentam uma dinâmica urbana lenta, como é o caso da cidade do Rio Grande.

A figura a seguir demonstra um desses casos, em que a antiga fábrica Rheingantz de tecidos de algodão e de lã, desativada há algum tempo mantém-se vigiada para que não ocorra depredação do patrimônio ainda existente. São 43.000 m² de área construída dentro de uma área de 143.000 m² em plena área urbana da cidade do Rio Grande.

Figura 2 – Parque da antiga Fábrica Rheingantz, Rio Grande/RS

Autor: em pesquisa.

 

Portanto, as friches industrielles trazem para a cidade efeitos de degradação urbana, sejam eles de ordem visual, de ordem espacial, de ordem econômica e de ordem social.

Os efeitos de ordem visual estão diretamente ligados à degradação do espaço, ou seja, grandes áreas sem função que acabam trazendo conseqüências para aquela área da cidade em termos espacial e econômica, devido a desvalorização dos terrenos ou imóveis contíguos ou mesmo próxima a cada friche. Os efeitos de ordem social estão imbricados aos anteriores, já que como já mencionado anteriormente tais áreas são vistas como receptivas para atração de marginais, traficantes e outros problemas sociais.

Portanto, é mister entender o que representa uma friche industrielle no espaço urbano, pois embora represente e seja vista como problema, na verdade são resquícios de um outro período histórico e representam em muitos casos um patrimônio histórico a ser preservado. Para isso devemos encontrar outras funções para estes espaços, pois se há impedimento para que retomem sua atividade anterior, devemos ser criativos e participativos como sociedade civil buscando uma nova atividade que venha beneficiar aquela área circunvizinha sem descaracterizá-la, dar-lhe uma nova função sem precisar destruir toda a estrutura existente como já ocorreu em outras antigas indústrias da cidade do Rio Grande.

Tais áreas podem abrigar áreas residenciais, áreas que alojem outros equipamentos urbanos ligados ao lazer assim como espaços verdes e que sirvam como receptáculo para eventos culturais.

Não necessariamente cada friche deva ser cambiada para um shopping center como ocorre em outras cidades com dinâmicas urbanas mais céleres, até porque deve estar sempre presente na concepção de uma nova função para uma friche industrielle o envolvimento das populações vizinhas.

Isso representa não somente uma valorização do espaço de uso para população, mas também dar à cidade novas funções que aproximem mais as pessoas e façam com que a vivência urbana tome as ruas novamente, algo que tem andado no esquecimento nos últimos tempos, quando a rua é vista mais como lugar de passagem do que de encontro.


Referências Bibliográficas

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no Século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil (1930-1970). São Paulo: Globo, 1985.

GOTTDIENER, Mark. A produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1984.

HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec,1980.

_____. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Hucitec, 1993.

LABASSE, Jean. L’organisation de L’espace: Éléments de Géographie Voluntaire. p 457, 458. Hermann, Paris, 1966

LEFÈBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris: Antrophos, 1974.

_____. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG/Humanitas. 2002.

LIPIETZ, Alain. O capital e seu espaço. São Paulo: Nobel, 1987.

MARTINS, Solismar Fraga. A produção do espaço em uma cidade portuária através dos períodos de industrialização: o caso do município do Rio Grande – RS. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2004 (Tese – Doutorado em Geografia).

MENDONÇA, Adalton da Motta. Vazios e ruínas industriais. Ensaio sobre friches urbaines. Arquitextos. Texto Especial no. 083, julho/2001. Vitruvius - Portal de Arquitetura. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp083.asp.

OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História da indústria sul-rio-grandense. Porto Alegre: Riocell, 1985.

QUAINI, Máximo. Marxismo e geografia. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.


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