Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9796] 
Nº 170, 26 de septiembre de 1999 

BONIFACE, Pascal (org.). Géopolitique du Football. Bruxelles: Éditions Complexe, 1998. 147 p.

Gilmar Mascarenhas de Jesus



"Pode parecer à primeira vista incongruente que um centro de pesquisa especializado em questões estratégicas se interesse pelo futebol. Se parece natural que o IRIS (Institut de Relations Internationales et Stratégiques)  se ocupe da proliferação nuclear, da ampliação da OTAN ou da crise  financeira da Ásia, soa bem estranho que consagre um livro aos esportes".

É assim, tocando diretamente na inquietação de todos que descobrem este  livro, que Pascal Boniface, diretor do conceituado e supracitado IRIS,  inicia o artigo que abre a coletânea de 16 trabalhos da qual é o  organizador. Trata-se, certamente, de um passo importante no sentido da  superação do forte preconceito ainda reinante na academia em relação ao  futebol.

Boniface justifica tal investida insólita de forma simples: o futebol  tornou-se um importante elemento constitutivo das relações
internacionais,  que já não podem ser resumidas às questões diplomáticas entre Estados. E o  autor vai além, ao demarcar sua interessante hipótese central: considerando-se que na nova ordem as guerras tendem a se dar na escala intra-estatal (e não mais somente na tradicional forma "entre Estados"), Boniface pergunta até que ponto não seria o futebol a última arena relevante de afrontamento direto entre países rivais, ao colocar em duelo ("simulacros de combate") tensões preexistentes, sublimando assim o conflito entre Estados.

Para sustentar tal hipótese e abordar outros aspectos geopolíticos do futebol contemporâneo, Boniface nos traz valiosas informações que bem poderiam compor um programa de geografia regional para o ensino médio e superior. Por exemplo, em relação à Copa de 2002, a primeira na história com sede bi-nacional, o autor relata a disputa entre Japão e Coréia do Sul  pelo direito de sediar tal evento como oportunidade para o Japão de firmar-se como liderança regional (será afinal a primeira Copa a se realizar na Ásia, e para os japoneses não importa que o futebol não seja um esporte tradicional no país). Para os sul-coreanos (em meio à forte crise econômica), representa a possibilidade de contestar a cisão com a Coréia do Norte. É neste sentido que João Havelange, presidente da FIFA (Fédération Internationale de Football Association) até junho/98, propôs uma selação coreana unificada em 2002.

O futebol aparece claramente como "espelho do mundo" (expressão utilizada pelo autor), de forma que pode ser explorado como recurso interessante no ensino de geografia. Ao tratar por exemplo da fragmentação da Iugoslávia, lembra o autor que a primeira manifestação aberta de retomada do conflito servo-croata se deu nos estádios de futebol, em 1990. Quanto aos  povos Estados Independentes do Leste Europeu, sua primeira atitude foi recorrer à FIFA para obter filiação, antes mesmo de dirigir-se à ONU para o reconhecimento oficial. A FIFA, aliás, congrega um número maior de países que a ONU, o que revela o inconteste caráter mundializado deste esporte.

Os demais 15 artigos aparecem agrupados em quatro eixos temáticos: 1) "a importância do futebol para os países"; 2) "articulações econômicas e diplomáticas do futebol"; 3) "o lugar do futebol e dos futebolistas no mundo contemporâneo" e, por fim, 4) "existe uma visão política do futebol?". Alguns artigos merecem destaque: Albretch Sonntag ( O futebol, imagem da nação) explora a força identitária do futebol, tomando a seleção nacional como forte expressão da coesão imaginária das nações. O autor toca ainda nos estereótipos nacionais que são reavivados também através das seleções de futebol: a Alemanha (com seu futebol-força) é o "tanque", enquanto o futebol brasileiro aparece como magia e samba, para citar
apenas dois exemplos. O tema é também tratado pelo etnólogo Christian Bromberger (O futebol, fenômeno de representação coletiva), que vê tal esporte como "amplificador de paixões nacionais".

Nos demais artigos o futebol é tratado sob diversos outros ângulos, alguns menos relacionados à geografia (a história desta poderosa indústria mundial de lucros; relações com religião e diplomacia; a função social do futebol, o papel deste na UNESCO, etc). Infelizmente, entretanto, nem todos alcançam a mesma qualidade. A coletânea tem valor por seu caráter
multidisciplinar, mas peca ao optar por reunir importantes personalidades com pouco a acrescentar ao debate, seja pela ausência de pesquisas, seja pelo comprometimento de seus cargos (diretores de clubes, de emissoras de tv e de jornais, altos funcionários em ministérios de esportes, e até mesmo um inspetor geral de polícia). O melhor exemplo deste segmento é o artigo do presidente da Confederação Africana de Futebol, Issa Hayatou, que procura enfatizar (e possivelmente superdimensionar) o papel deste esporte na resolução de tensões tribais intra-nacionais, em discurso que nos parece  tendencioso.

Lamentamos também a ausência de geógrafos franceses das universidades de Bordeaux e Besançon, que sabemos desenvolver pesquisas no ramo.

Apesar de tudo, a coletânea em questão nos parece valiosa, por reunir informações e reflexões em torno de um tema cuja importância no mundo contemporâneo não condiz com seu estado de relativo abandono na vida acadêmica. E também por abordar algumas dimensões do futebol diretamente relacionadas ao campo de preocupações da geografia, ciência que muito tema contribuir no entendimento deste fenômeno mundial de largo alcance.
 

©Copyright Glimar Mascarenhas de Jesus  1999
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