Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9796]
Nº 25, 23 de abril de 1997


RATZEL: RELEITURAS CONTEMPORÂNEAS. UMA REABILITAÇÂO?

Marcos B. De Carvalho*
(PUC/São Paulo)



Ratzel: uma revisão necessária

O lugar e a importância da obra e das idéias de Friedrich Ratzel, no desenvolvimento da institucionalidade científica, está longe de receber um tratamento de unanimidade por parte de observadores e analistas desse processo. Em especial, nas análises produzidas por geógrafos e antropólogos, interessados em recompor arqueologias de suas áreas de conhecimento, tratamentos muito distintos têm sido observados, quando se trata de aquilatar o papel desempenhado por Ratzel no desenvolvimento e na institucionalização acadêmico-científica da geografia e também da etnografia/etnologia.

Quanto ao tema, não são raras as omissões ou negligências cometidas, mas, em nossa opinião, as segundas têm se sobressaido às primeiras.

São comuns os reducionismos e simplificações do pensamento ratzeliano, que em alguns casos é resumido apenas à lembrança dos possíveis equívocos cometidos, pelo pensador alemão, ao teorizar sobre as relações homem-natureza, ou ao defender suas crenças sobre a evolução dos processos civilizatórios. No primeiro caso, Ratzel teria sido um determinista ambiental incorrigível(1) e, no segundo, um anti-evolucionista adepto de teses combatidas e desgastadas, como as do difusionismo, ou acertadamente condenadas, como as da superioridade civilizatória dos brancos caucasianos.

Certamente Ratzel não é o único caso, de fértil e importante pensador, a ter "consagrados" seus defeitos mais que suas virtudes, mas é sobre este caso que pretendemos nos debruçar. Sobretudo porque há em sua obra algumas idéias de inegável contemporaneidade, como atestam alguns dos trabalhos recentemente realizados por alguns geógrafos que, entre outras coisas, buscam recuperar parte do ainda obscuro legado ratzeliano.

Antes, no entanto, seria importante tecermos mais algumas considerações e alertas para esta espécie de revisão, que nos dispusemos a fazer, a partir da bibliografia produzida recentemente.

Pode ser que a forma como Ratzel passou a figurar na história das ciências sociais de uma maneira geral, e na geografia e antropologia em particular, reflita uma certa adesão, consciente ou inconsciente, à oficialidade histórica consagrada sobretudo pelos franceses, ingleses e norte-americanos que, com todo o direito que sempre coube aos vitoriosos, prefiriram, obviamente, atribuir aos seus pares os papéis mais destacados na paternidade da institucionalização de algumas das principais especialidades analíticas das chamadas ciências sociais. Mesmo que para isso tivessem que lançar mão de expedientes como a edição de idéias, a descontextualização, o forjamento de divergências, etc(2) .

Entre os trabalhos mais significativos, de produção recente, que apresentam alguma alusão explícita a Ratzel ou a sua obra, seja com o intuito de reafirmar críticas, desfazer equívocos, ou reabilitar o seu papel no desenvolvimento da ciência geográfica(3) , destacam-se, coincidentemente, franceses ou tributários da chamada escola francesa de geografia. Dizemos coincidentemente, pois foi nesta escola que se produziram também alguns dos seus principais detratores, cuja expressão máxima poderia ser encontrada em Lucien Febvre que, ao pretender enaltecer a proposta de fundamento geográfico elaborada por Vidal de La Balche, simplificou o pensamento ratzeliano à condição de "determinista": "Vidal de la Blache est reconnu pour avoir inauguré une longue tradition géographique fondeé sur une conception du rapport Homme-Nature que Lucien Febvre a qualifée, em 1922, de 'possibiliste'. Le possibilisme vidalien se distinguerait, selon cet historien, du prétendu déterminisme ratzélien qui limiterait les relations entre l'Home et la Nature à 'une action mécanique des facteurs naturels sur une humanité purement récepitrice" (Mercier, 1995: 215)(4) .

Mas, se a Ratzel lhe fosse dado um direito de resposta contra esse tipo de simplificação, provavelmente ele apontaria em muitos de seus escritos a formulação de convicções bastante diferentes dessas que se popularizaram. Seu raciocícinio sempre foi mais complexo e sofisticado que o reducionismo determinista que lhe impingiram: "L'oscura ed esagerata affermazione 'l'uomo è il prodoto dell'ambiente' vien combattuta con un'altra affermazione parimenti assoluta e di scarsa consistenza. Nè questa disputa presenterebbe speranza di concluzione se non rimanesse la fiducia che i concetti non abbiamo a cozzare cosi aspramente l'un contro l'altro come le parole" (Ratzel, 1914: 39).

Em outra obra sua, Ratzel nos fornece ainda mais elementos para aquilatarmos este seu posicionamento anti-reducionista sobre os determinismos ambientais: "La cultura es la emancipación de la naturaleza, pero no en el sentido de desprendimento completo, sino en el de su más amplia y multiple alianza (...) No podremos considerarnos enteramente indepedientes de la naturaleza, mientras más minuciosamente la explotemos y estudiemos, y sólo nos haremos independientes de algunos accidentes de su modo de ser ó de su marcha, multiplicando los puntos de alianza" (Ratzel, 1888: 3).

Como se vê há algo mais na formulação ratzeliana do que a simplificação pretendida por uma concepção determinista que, diga-se, ele não formulou(5) , ou, se se preferir, que ele jamais reduziu àquela condição estigmatizada por alguns de seus seguidores e/ou interpretadores.

Ratificando essa necessidade de rever o que o próprio Ratzel afirmou sobre as idéias que lhes são atribuidas pelas fontes secundárias, o geógrafo Andre-Louis Sanguin, em um dos textos da produção recente que examinamos -- En relisant Ratzel (Sanguin, 1990) --, chega a fazer o seguinte apelo-indagação: "Nous géographes, avons-nous permis à Friedrich Ratzel de parler en son nom propre a travers son oeuvre ou nous sommes-nous tout simplement contentés d'accepter ce que les autres disaient en son nom?" (Sanguin, 1990: 580).


Ratzel: O que há de novo para ler?

Temos consciência de que ofereceremos um panorama restrito acerca das novidades em torno das possíveis releituras e recuperacões das teses ratzelianas, pois as sistematizações disponíveis da bibliografia produzida, ainda estão muito longe de refletirem com fidelidade o conjunto da produção geográfica.

Mas, independentemente disso, interessaria-nos adotar alguma referência que nos permitisse ter algum acesso ao panorama da produção mundial em relação ao tema objeto deste ensaio. Para tanto, recorremos ao conhecido Geographical Abstracts que, com razoável fidelidade, nos oferece uma mostra significativa da produção geográfica realizada na maioria dos principais centros e instituições a ela dedicados na atualidade.

Buscamos nos Geographical Abstratcs -- tanto no Human Geography como no Physical Geography -- publicados entre 1990 e 1996, todos os trabalhos que, por quaisquer razões, fizessem menções a Ratzel, ao seu pensamento ou à sua obra(6) .

Como resultado dessa pesquisa realcionamos os seguintes trabalhos encontrados:

FLIEDNER, D. Die Entwicklung des Raumverstandnisses in der Anthropogeographie in den letzten hundert Jahren. Karlrusher Manuskripte zur Mathematischen und Theoritischen Wirtschafts -und Sozialgeographie, 1990, nº 93, 54 p.

FLIEDNER, F. Anthropogeographie, Paradigmenwechel, Kulturelle Evolution. Geographische Zeitschrift, 1992, nº 80 (1), p. 1-19.

HAGGMAN, B. Geopolitics: classical and modern. A selected bibliography and an introduction. Center for Research on Geopolitics, Helsingborg, Paper, 1988, nº 1, 8 p.

HAGGMAN, B. Rudolf Kjellen: founder of geopolitics. Center for Research on Geopolitics, Helsingborg, Paper,1988, nº 3, 14 p.

LOPRENO, D. & PASTEUR, Y. La peense ratzelienne et la question coloniale. Cahiers de Geographie du Quebec, 1994, nº 38(104), p. 151-164.

MERCIER, G. La region et l'Etat selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de La Blache. Annales de Geographie, 1995, nº 583, p. 211-235.

MERCIER, G. Le concept de proprieté dans la géographie politique de Friedrich Ratzel (1844-1904). Annales de Geographie, 1990, nº 555, p. 595-615.

MERCIER, G. La theorie geographique de la propriete et l'heritage ratzelien. Cahiers du Geographie du Quebec, 1992, nº 36 (98), p. 235-250.

MULLER, G. H. Friedrich Ratzels Rolle in der Frage der deutschen Sudpolarforschung und der Vorbereitung der deutschen Sudpolar-Expedition (1902-1903). Polarforschung, 1992-1993, nº 62 (1), p. 51-55.

SANGUIN, A. L. En relisant Ratzel. Annales de Geographie, 1990, nº 555, p. 579-594.

TEZUKA, A. Ratzel's Anthropogeographie and the Japanese geography of pre-war period. Tsukuba Studies in Human Geography, 1995, nº 19, p. 135-149.

VALLEGA, A. Esistenza e ambiente: nuovi scacchieri per il pensiero geografico. Bolletino - Societa Geografica Italiana, 1989, nº 6 (10-12), p. 523-544.

Entre estes trabalhos pudemos constatar, consultando os originais na maioria dos casos, que nem todos se dispõem a desenvolver de fato uma real recuperação do legado ratzeliano, embora os poucos que se disponham a fazê-lo, o façam de maneira significativa, seja através do desenvolvimento de polêmicas com alguns de seus pensamentos, seja através da revisão e correção daquelas interpretações simplificadas a que nos referimos há pouco.

Há trabalhos, que apesar de destacarem em seus abstracts ou na relação de palavras-chave referências explícitas a Ratzel ou a sua obra, não entram efetivamente no mérito das discussões sobre as idéias ratzelianas, limitando-se a relacionar bibliografia disponível sobre temas a que Ratzel, entre outros, também esteve afeto, como o trabalho de Haggman (Paper 1, 1988); ou então apenas fazem referências ao papel inspirador, exercido por Ratzel, no desenvolvimento das idéias de determinado pensador -- Rudolf Kjellen (Haggman, Paper 3, 1988) --, ou nos seus esforços para enviar uma expedição alemã ao Polo Sul, como o pequeno artigo de Muller (1992/93) que, diga-se de passagem foi o único encontrado nos Abstracts de Physical Geography, a partir da busca por referências a obra de Ratzel.


Demografia: entendimento equivocado da antropogeografia

Entre os trabalhos que se revelaram de menor importância para o desenvolvimento do tema objeto deste ensaio, há um, no entanto, que mereceria comentário um pouco mais cuidadoso, porque comete uma simplificação do conceito de antropogeografia, que às vezes é muito comum. Trata-se do artigo de Fliedner (1990) -- O desenvolvimento da compreensão do espaço em antropogeografia nos últimos 100 anos --, cuja menção à expressão cunhada por Ratzel -- Anthropogeographie --, se esgota no próprio título do trabalho.

Fliedner confere a essa expressão um significado particular, que se confunde com a idéia mais corrente que alguns têm daquilo a que genericamente chamam de Geografia da População. Trata-se na verdade de um pequeno livro que se propõe a examinar e comparar modelos quantitativos de geografia da população (antropogeografia?!). E assim são analisadas as sequências logarítimicas, exponenciais, probabilísticas, etc.

Trata-se, portanto, no nosso entendimento, de um novo reducionismo da proposta ratzeliana.

Como sabemos, sob a expressão antropogeografia, Ratzel abrigou a investigação de verdadeiros e minuciosos inventários analíticos, acerca das relações entre comunidades humanas e seus entornos ambientais. Gostemos ou não das suas conclusões ou das suas premissas, o fato é que a sua proposta antropogeográfica, realizada nas suas duas principais obras -- Anthropogeographie e Volkerkunde --, está muito longe de poder ser caracterizada como algo que se pareça, por mínimo que seja, com aplicações de modelos quantitativos para análises demográficas das populações.

Ratzel, no primeiro dos volumes da Anthropogeographie, -- editado em 1882 e traduzido para o italiano em 1914 com o título Geografia dell'uomo --, assim sintetizou as três principais tarefas de sua proposta: "1) descriviere e rappresantare cartograficamente quei territori dove si nota la presenza dell'uomo; 2) Come si è formata quest'area?; 3) Studio delle influenze che la natura esercita sul corpo e sullo spirito degli individui, e di qui su quelle dei popoli" (Ratzel, 1914: 75 e 76).

E na introdução de seu Volkerkunde, cuja tradução espanhola de 1888, recebeu o título de Las Razas Humanas, anunciou: "fijaremos nuestra atención en la diversidad de desarrollo y de circunstancias [de los pueblos]; por cuya razón estudiaremos detalladamente las condiciones externas de los pueblos y procuraremos, en cuanto sea posible, hacer derivar de la marcha histórica sua actual situación. La noción geográfica (estudio de las circunstancias exteriores) y la consideración histórica (estudio del desenvolvimento) deberán, pues, marchar perfectamente unidas, pues sólo la unión de una y otra puede hacernos apreciar la materia de la manera debida" (Ratzel, 1888: 1).

Ou seja, em nenhum momento, nem no anúncio dos objetivos pretendidos para a antropogeografia, tampouco na sua consecução, Ratzel confere qualquer tratamento quantitativo à questão populacional, nem se preocupa em discutir modelos de quantificação(7) .

Sinais de abordagens quantitativas, portanto, são raros e, quando aparecem, estão sempre vinculados à obsessão do autor em estabelecer, nas cerca de 2000 páginas(8) de suas obras principais, uma "geografia das raças", ou uma "etnografia/etnologia", etc., como por exemplo nessa introdução sobre a composição populacional da India: "Los resultados del censo verificado en la India en el año 1871 indujeron á hacer una tentativa para agrupar las varias razas de la península según su importancia numérica. Así se hizo, deduciéndose de este trabajo que existen 110 millones de hombres de raza mezclada, 41 millones de mahometanos, 18 de raza primitiva y 16 de arios puros, en total de 185 millones. Esta variada clasificación demuestra cúan difícil es separar las razas en un país donde desde millares de años atrás afluyeron pueblos de tan diferentes partes, donde se mezclaron y transformaron bajo la influencia de un medio ambiente muy distinto" (Ratzel, 1889: 339)

Como se vê, para Ratzel a questão não era quantitativa, mas sim de enumeração das diferenças presentes em uma dada população. Quanto maior esse detalhamento -- "la tarea de distinguir más cuidadosamente las diferencias" (ib.) --, melhor: "Mantegazza ha distinguido indostanos de tipo ario (caucásico), malayo y semítico, mongoles, israelitas, parsis, mahometanos, entre los cuales hay turanios, y finalmente razas primitivas, y así ha ido por más recto camino, que debe parecer el mejor que pudiera adoptar cualquier etnógrafo" (ib.).


Desfazendo mitos e reativando polêmicas

Nos trabalhos restantes, a que tivemos acesso -- de Lopreno & Pasteur (1994), de Vallega (1989), de Sanguin (1990) e os três de Mercier (1990, 1992 e 1995) --, os autores, com maior ou menor intensidade, entram efetivamente no mérito das questões(9) . Alguns preocupam-se em desfazer os mitos criados em torno das possíveis divergências havidas entre a geografia alemã e a francesa, materializadas nas "contradições" das propostas geográficas de Ratzel e La Blache. Outros, reativam velhas polêmicas em torno de alguns dos principais conceitos ratzelianos.

Nos artigos de Mercier todas essas possibilidades se encontram.

Em Le concept de proprieté dans la géographie politique de Friedrich Ratzel (Mercier, 1990), apesar do título nos sugerir que a discussão girará em torno apenas de alguns conceitos específicos, embora importantes, como os relacionados à propriedade e à geografia política, no entanto grande parte do artigo dedica-se a esclarecer as intenções científicas de Ratzel e a desfazer alguns equívocos ou mitos, deliberadamente construidos por seguidores e interpretadores, sobre a visão ratzeliana das relações homem-natureza.

Mercier afirma não ignorar o forte componente naturalista agregado por Ratzel às pretensões científicas da geografia, mas considera que isto em momento algum fez com que suas análises das relações cultura-meio físico, derivassem para o determinismo reles que a crítica de Febvre e outros lhe consagrou.

Mencionando longos trechos das obras, especialmente o enorme Volkerkunde, Mercier fundamenta sua tese conclusiva: "L'identification de la pensée du géographe allemand au déterminisme visait non seulement à en decrire le contenu mais aussi, et peut-être surtout, à stigmatiser les erreurs qu'on pouvait y déceler" (ib.: 599).

Para Mercier, a partir da divisão formulada por Ratzel, da humanidade entre "povos naturais" e "povos culturais", as concepções "possibilistas" do geógrafo alemão são também expostas com toda a clareza, já que para ele, os graus de cultura e de civilização construiriam um homem "capable de prendre une certaine liberté par rapport aux puisances de la Nature" (ib.: 601).

Essa leitura "possibilista" (ib: 602) atinge um certo ápice, no artigo de Mercier, quando nele se introduz a discussão sobre as concepções de Estado e propriedade, que conduziram Ratzel, no fim de sua vida, à própria geografia política. Independentemente das críticas que se possa formular a tais concepções, Mercier acha importante reconhecer o fato de que Ratzel ampliou os horizontes de enfoque da geografia ao introduzir o componente político, como elemento fundamental para se pensar o espaço. Contribuindo dessa forma para rechaçar as visões restritas aos determinismos técnicos ou econômicos.

Para Mercier, bastaria esta contribuição, isto é, o fato de aduzir a dimensão política na abordagem das relacões homem-natureza, para justificar a necessidade de se retornar às formulações de Ratzel: "le retour à Ratzel ne fournit pas nécessairement de réponse mais peut cependant contribuer à la formulation de questions qui vont en ce sens" (ib.: 612).

Em um segundo artigo -- La région et l'État selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de la Blache (Mercier, 1995) --, o autor retorna ao tema, examinando basicamente as pespectivas para a análise das relações homem-natureza, propostas por La Blache e Ratzel.

A idéia comum é a de que entre estes dois grandes expoentes da pretendida institucionalidade científica da geografia, as divergências de enfoque eram muitas e irreconciliáveis. Mas, na concepção de Mercier há nesta idéia muito mais de mito do que de verdade: "Ratzel et Vidal de La Blache adhèrent à une conception générale commune selon laquelle l'influence des conditions environnementales sur l'etablissement humain est médiatisée par l'action humaine elle même. A partir de ce postulat commun, les deux auteurs vont élaborer des géographies régionales et politiques qui, sur le plan théorique, sont largement convergents" (Mercier, 1995: 220).

A partir do exame de textos originais dos dois pensadores, Mercier argumenta que a convergência entre eles se dá até nas formulacões de conceitos-chave como os de Lebensraum e Genre de vie.

Como conclusão, Mercier afirma que, portanto: "Ratzel e la Blache partagent donc une conception commune du raport Homme-Nature. Ils adhèrent d'abord tous les deux au même postulat selon lequel l'Homme, en raison des nécessités de sa propre existence physique, serait soumis à la nature" (ib: 229)

A esse tipo de conclusão, -- compartilhamento de concepções comuns entre Ratzel e La Blache --, mesmo que por diferentes razões, se soma o trabalho de Adalberto Vallega (1989) -- Esisteza e ambiente: nuovi scacchieri per il pensiero geografico.

Num ensaio voltado a discutir os novos paradigmas de que se deveria acercar o pensamento geográfico, especialmente ao desenvolver os temas relacionados ao manejo das interfaces entre sociedades humanas e seus entornos ambientais, Vallega parte de uma crítica às concepções de natureza, formuladas por Ratzel e La Blache, que ainda repercutem nas produções geográficas contemporâneas.

Nessa crítica, o autor não deixa de evidenciar as confluências entre os pensamentos daqueles personagens que a historiografia geográfica colocou em falsa oposição (Vallega, 1989: 528).

Preocupado com os rumos que ainda são imprimidos na análise geográfica e com as concepções teóricas que lhe dão suporte, Vallega prossegue nesse desvendamento das afinidades de pensamento entre os dois "polos" das nossas matrizes: "Le metodologie dell'analisi geografica e le descrizioni del territorio che ne conseguono, sono il frutto dell'esigenza di concepire il comportamento umano in modo più (Ratzel) o meno (Vidal de la Blache) deterministico, ma ambedue gli atteggiamenti scientifici partono dal presupposto che, in ogni caso, la natura sia una macchina banale. In ambedue le ottiche l'ambiente fisico -- oggi si direbbe l'ecosistema -- è considerato come una sorta di organismo, che fornisce sempre le stesse risposte agli stessi stimoli. É una macchina prevedibile..." (ib.: 528)


A recuperação crítica

Vallega, como se vê, já adentra em um terreno que poderíamos chamar de recuperação crítica do legado ratzeliano, da mesma maneira que o fazem outros autores, incluindo o já mencionado Mercier, em um terceiro artigo intitulado La théorie géographique de la propriété et l'héritage ratzélien (1992), e o artigo de Lopreno & Pasteur -- La pensée ratzélienne et la question coloniale (1994).

Nesses dois artigos, as críticas são contundentes, mas variáveis quanto à sua fundamentação.

Mercier, embora, em nossa opinião, tenha lido com excessiva literalidade as metáforas orgânicas utilizadas por Ratzel, é cuidadoso e critica sobretudo a concepção ratzeliana de justificar construtos sociais e políticos, como a propriedade e o Estado, a partir de uma perspectiva naturalizante, que os colocaria como consequência natural dos processos civilizatórios: "[p/ Ratzel] la définition de la propriété est dérivée de la prémisse de l'existence de l'individu, entité qui précéderait tout corps politique et qui selon une 'loi de la nature' serait obligée de pourvoir à sa propre conservation. Cette nécessité naturelle, révélée par une raison tout aussi naturelle, pousserait ensuite les individus à coopérer et à se regrouper politiquement" (Mercier, 1992: 237).

Será a partir dessa premissa -- "a necessidade natural do indivíduo de apropriar-se e associar-se, para sua defesa e conservação" --, que Ratzel construirá aquela que ficou conhecida como sua "concepção biogeográfica" do Estado.

Na construção dessa concepção, no entanto, o próprio Ratzel admite ter partido das analogias e imagens comumente empregadas, "por aqueles que não estão preocupados com justificativas profundas" (Ratzel, 1988: 11), para se referir aos movimentos dos homens na superfície da Terra, tais como: "mer de peuples", "flux de peuplement", "îlot politique", "isthme politique", etc. (Ib.)

Tais imagens são obviamente emprestadas dos termos usualmente aplicados na descrição das dinâmicas físico-biológicas. E o seu caráter metafórico, quando da aplicação à dinâmica humana, não deixa de ser sugerido por Ratzel: "Ces analogies occupent une place éminente en biogéographie, oú elles cessent d'être de pures images: il existe, pour la biogéographie, des espaces vitaux, des îlots de vie etc., et selon elle l'Etat des hommes est, lui aussi, une forme de propagation de la vie à la surface de la terre. Il est exposé aux mêmes influences que toute vie. Les lois particulières de propagation de la vie humaine sur la terre déterminent également l'émergence de leurs Etats" (Ib.: 11)

Metáfora, ou não, o fato é que para Mercier tais analogias são extremamente inadequadas, pois impediriam o entendimento das reais razões que conduziram à constituição do Estado ou à adoção do modelo de propriedade que lhe dá suporte.

Mercier argumenta que nem o Estado e nem a propriedade, podem ser justificados a partir de "necessidades naturais de possessão" ou por um "processo natural de agregação: "la proprieté repose plutôt sur un discours qui, faisant loi, érige, par une mise en ordre politique des sujets, du temps et de l'espace, une finalité de la non-possession et du non-usage (...) et l'État ne découle pas d'un processus d'agrégation d'individus mais de la constitution de sujets à travers la sujétion à une parole" (Mercier, 1992: 244 e 246).

Embora as críticas de Mercier devam ser consideradas, no que diz respeito aos processos geradores da construção do Estado e do estabelecimento da propriedade, cabe a reflexão sobre até que ponto elas não padecem também, afora o exagero de uma leitura literal que já apontamos, de uma certa descontextualização e incompreensão do objetivo central da proposta de Ratzel.

Cremos que tal proposta voltava-se, sobretudo, à construção de uma formulação científica para as ciências humanas, segundo os estímulos, as possibilidades e as determinações da época -- final do século XIX. Portanto, uma crítica que se pretendesse mais contextualizada, deveria considerar e questionar também os próprios fundamentos do "determinismo científico" (Schaefer, 1988), que, na sua busca por "leis de valor universal" (ib.), sugeriria, para as ciências humanas, o viés naturalizante, eivado daquelas metáforas emprestadas do mundo físico e biológico, pois isto, aparentemente, aproximariam as humanidades dos chamados procedimentos científicos, ou seja, daqueles que já haviam alcançado sucesso entre as ciências naturais.

O próprio Mercier não deixa de reconhecer esta questão, da intencionalidade científica de Ratzel, embora o faça apenas no final de seu artigo: "On peut voir là une critique radicale de la geographie ratzélienne. Ce n'est pourtant pas le cas. Au contraire, il faudrait plutôt y voir une sorte d'hommage. En effet, si nous avons pris la liberté de critiquer Ratzel, c'est que lui-même a eu l'élégance de nous l'accorder en revendiquant pour la discipline un statut scientifique et théorique. Ceci impliquait, selon lui, une démarche critique quant aux fondements de la géographie. Or à cet égard, nous n'avons fait que suivre son exemple" (Mercier, 1992: 246).


A insistência da crítica descuidada

Alguns outros possíveis aspectos críticos, em relação à obra de Ratzel, são retomados também no artigo de Lopreno & Pasteur (1994).

Preocupados em discutir o conteúdo expansionista e colonialista, que estaria, segundo os autores, presente na obra de Ratzel, não são poupadas as críticas aos pressupostos e às formulações do pensador alemão.

Os pressupostos apontados são aqueles já conhecidos: "naturalização", "busca por leis gerais" (ib: 157), etc. Ratzel, segundo os autores, teria se inspirado diretamente nas formulações de conhecidos darwinistas sociais, como Haeckel, Spencer e Peschel para adotar a idéia de "continuidade entre fenômenos naturais e sociais" (ib.: 157).

Já em seus primeiros livros, argumentam os autores, Ratzel formularia a questão central de toda sua obra: "comment bâtir la politique, la morale, les fondements du droit en correspondence avec les lois de la nature?" (ib.: 158).

Mas, para Lopreno & Pasteur, essa questão central não teria o sentido do desafio investigativo, equivocado ou não, a que se impusera Ratzel, mas apenas traduzia o objetivo de cumprir o papel de ponto de partida para o desenvolvimento de uma vasta obra, cuja intencionalidade vinculava-se claramente e desde o início, à construção de argumentos "científicos" para as atitudes da burguesia alemã e de seu Estado.

Assim, não são poupadas as críticas às conhecidas concepções ratzelianas como a de "Estado biogeográfico", "Lebensraum", "povos naturais e civilizados", num artigo que termina por concluir pela visão explicitamente imperialista, colonialista e racista da obra de Ratzel. Uma obra, alertam os autores, sobretudo perigosa: "Elle devient nolens volens un instrument redoutable aux mains de certains nationalistes ultra-réactionnaires, l'allemand avant tout, mais aussi l'italien et l'espagnol" (ib.: 162 -163).

Há, em nossa opinião, um evidente exagero de interpretação cometido pelos autores. No afã de defender idéias justas -- anti-racistas e anti-imperialistas --, Lopreno & Pasteur se utilizaram da obra de Ratzel para recuperar algumas das possíveis matrizes teóricas de muitas dessas condenáveis idéias. Mas, para isso tiveram que apontar intencionalidades que, no nosso entendimento, são bastante discutíveis, sobretudo quando se referem ao conjunto da obra produzida pelo pensador alemão.

Acreditamos que há muita diferença entre as intencionalidades do projeto científico formulado por Ratzel, ambientado, como já frisamos, num contexto de século XIX pós-darwinista, e outras intencionalidades -- político-ideológicas --, que se lhe tentam atribuir.

Mas para a percepção dessas diferenças, há que se ser mais cuidadoso com a consideraração dos contextos e das ambientações, que estimularam as formulações, alvo do nosso exame atual. De preferência, também, há que se considerar o conjunto da obra vinculada a tais formulações. Fora disso, o risco da crítica descuidada é grande.


Os perigos da leitura descontextualizada

Que há, no conjunto da obra de Ratzel, muitas afirmações e concepções, que particularmente quando lidas fora de contexto, podem ser utilizadas para alimentar teses que hoje repudiaríamos, há. No entanto, esse procedimento unilateral, caso não se preocupe também em situar os contextos de muitas dessas afirmações, nem tampouco confrontá-las com várias contradições que o próprio Ratzel nos oferece, pode apenas alimentar o velho caminho da estigmatização gratuita e pouco fundamentada, que tantos dos autores que temos examinado estão empenhados em corrigir.

Há que se reconhecer, no mínimo, que Ratzel talvez tenha sido uma espécie de pioneiro em trazer para a Geografia, uma ciência que até hoje também se reivindica como do campo das chamadas ciências sociais, aportes teóricos fundamentais para quem a pretenda como algo mais do que apenas instrumento técnico-descritivo.

Isto não significa, em hipótese alguma, cerceamento das possibilidades críticas, mas apenas uma sugestão de nova possibilidade de tratamento, diferente do velho déjà-vu dispensado ao legado ratzeliano.

Claude Raffestin, em seu postface à recente tradução francesa do Politischie Geographie, afirma: "Si Ratzel a véritablement mené une réflexion géographique c'est aussi parce qu'il a explicité une ontologie géographique. Ce point mérite qu'on s'y arrête car il va permettre en même temps de faire justice du jugement erroné porté contre Ratzel à propos du déterminisme" (Ratzel, 1988: 379).

Graças a esta tradução do Geografia Política, Lopreno & Pasteur, poderiam ter, se quisessem, uma resposta do próprio Ratzel àquela questão -- "comment bâtir la politique, la morale, les fondements du droit en correspondence avec les lois de la nature?" --, que nos foi apresentada como a central de toda sua obra. Logo no primeiro capítulo e com palavras grifadas pelo próprio Ratzel ele afirma: "La comparaison de l'Etat avec des organismes supérieurs est inféconde" (Ratzel, 1988: 20).

Coincidentemente, nesse caso, a questão foi formulada em uma das primeiras obras de Ratzel e, a "resposta", numa das últimas. Mas não devemos nos precipitar e concluir que estamos diante da velha fórmula de flagrar as contradições de um grande pensador, quando comparamos fases de sua produção (juventude versus maturidade, ou coisas do gênero). Pois se quiséssemos, e principalmente se não nos preocuparmos muito com contextos, poderíamos flagrar muitas contradições semelhantes em uma única obra de Ratzel.

Na verdade, pensadores de caráter profícuo, avessos à economia de páginas e palavras, como cremos ser o caso de Ratzel, transformam-se, para usar uma metáfora moderna e nada biológica, em uma espécie de super-mercado de idéias, que nos oferecem em suas "gôndolas" biscoitos e vinhos dos mais finos e saborosos aos mais baratos. A escolha entre uns e outros é nossa.

Em se tratando de ambiguidades e contradições, como dissemos, a obra de Ratzel é fértil em "ofertas".

No seu imenso Las razas Humanas -- Volkerkunder --, é possível extrair (descontextualizar) as seguintes afirmações capazes de fazerem as delícias de qualquer agrupamento discriminatório, por cortes de raça, cor, credo, sexo ou nacionalidade: "Cierto que seria verdadera loucura negar que, en nuestra época, la más elevada cultura está principalmente representada por la raza caucásica ó blanca"(Ratzel, 1888: 8); "Los llamamos pueblos pobres de civilización, porque varias causas internas y externas les han impedido realizar aquellos desenvolvimientos permanentes en el terreno de la cultura, que son los que caracterizan á los verdaderos pueblos civilizados y garantizan el progreso civilizador" (Ib. 10); "Los pueblos naturales carecen de aquellas ideas claras que poseen los cristianos, los judios y los musulmanes" (Ib.: 20); "La naturaleza ha dotado ciertamente á la mujer de elementos de debilidad que más bien aumentan que disminuyen con la civilizacion" (Ib.: 48); "El olor especial que despiden los negros es, en más ó menos grado, proprio á todos ellos" (Ib.: 122); El indio es perezoso en todo lo que son ejercicios corporales: rara vez se le ve correr ni realizar algo con presteza, cuando no se trata de una cosa urgentíssima. A esta afición al descanso se debe la rápida decadencia de las culturas americanas, pues la cultura significa trabajo" (Ratzel, 1889: 20); etc.

Mas também, é possível extrair, ou descontextualizar se se preferir, das páginas desta mesma obra, afirmações que poderiam ser adotadas como lemas de muitas das atuais entidades e organizações de defesas dos direitos das chamadas minorias: "La humanidad constituye un todo, por más que éste sea múltiple en sus manifestaciones" (Ratzel, 1888: 2); "No admitimos tampouco el uso dominante de las denominaciones negativas con que se ha querido designar á los pueblos naturales, tales como las de pueblos sin civilización, sin historia y otras análogas" (Ib.: 3); "La razón es patrimonio común de los hombres de todas las razas" (Ib.: 8); "En todos los pueblos, sea cual fuere el grado de cultura en que se encuentrem, la pérdida de la libertad es el mayor sacrificio" (Ib.: 49); "Las guerras mas funestas de los pueblos naturales no han sido las que han sostenido entre sí, sino las que han hecho contra los europeos, y que las violencias y crueldades entre ellos mismos cometidas no puedem compararse con las que trae consigo la codicia de los extranjeros civilizados, en sua mayor parte europeus, que da lugar á la trata de esclavos y á la caza de éstos que es su vergonzosa consecuencia" (Ib.:52); "Por lo que se refiere á ese concepto de negro -- [tipo extremado y repugnante] --, que algunos confuden tan por completo, no queremos, digámoslo una vez por todas, ocultar al benévolo lector que sentimos profunda repugnancia" (Ib.: 122); "Las almas de los indios eran radicalmente idénticas á las de los demás hijos de Adán" (Ratzel, 1889: 20); etc.

Raffestin, naquele seu postface que já mencionamos, acrescenta mais uma possibilidade de utilização "descontextualizada" das concepções ratzelianas: "L'auter de 'l'écologie de l'espirit', Gregory Bateson, s'il avait lu Ratzel, aurait pu largement adhérer à cette conception de 'l'analogie formelle de tous les vivants'" (Ratzel, 1988: 380).

Portanto, dependendo da disposição com que mergulhamos em determinada obra ou autor, especialmente se estes se revelam como um campo fértil de idéias, obteremos as respostas ou os argumentos que buscamos. A disposição para encontrar o que não buscamos, tais como contradições com nossas próprias idéias ou com as do próprio autor, exige uma certa preocupação com a integralidade de seus textos e de sua trajetória.


Ratzel: rever, reler, mas sobretudo contextualizar

Temos consciência que leituras absolutamente contextualizadas, são tão impossíveis quanto a pretensão de se realizar ciência de maneira objetiva ou imparcial. Mas a consciência e o manejo adequado dessa impossibilidade, podem ser revertidos em aproximações mais fiéis e integrais, tanto para se compreender o sentido de uma obra, quanto o resultado de um experimento.

Por isso, deixamos propositadamente para o fim deste ensaio/revisão, o comentário sobre o texto de Sanguin, ao qual já fizemos referência no início -- En relisant Ratzel.

Este texto pode ser considerado um exemplo estimulante para atitudes avessas às negligências de contextos, especialmente quando se busca descobrir ou entender as possíveis contribuições, que um autor e obra do porte de um Ratzel nos poderiam oferecer, mesmo que a custa do sacrifício de alguma paixão ou posicionamento pessoal.

No caso de Sanguin, esta última observação faz sobretudo sentido quando comparamos algumas das simplificações, cometidas por ele em seu Dicionário de Geografia Política(10) , com a densidade de tratamento que nos é oferecida nesta sua releitura de Ratzel.

Sanguin é, entre todos os autores que examinamos até aqui, o mais enfático na defesa dessa necessidade de rever a obra de Ratzel, contextualizar os estímulos à sua produção e, a partir disso, adquirir os argumentos necessários para o devido estranhamento de muitos dos mitos e incompreensões criados em torno da obra "d'un grand géographe du passé" (Sanguin, 1990: 581).

Contextualizar a obra de um pensador, para Sanguin, não significa apenas localizar sua produção na linha do tempo histórico em uma unidade espaço-temporal específica, produzida pelas injunções sociais e econômicas desse tempo, mas significa também e sobretudo recuperar a biografia e a trajetória pessoal de vida do autor.

Normalmente, quem opta por uma idéia de contexto, segundo apenas a linearidade da sucessão histórica e das suas determinações, desconecta o autor de sua obra e fragiliza a possibilidade de compreensão de suas propostas e do significado de seus conceitos: "L'aproche contextuelle et biografique constitue un heureux contrepoids à ce genre d'erreur. Plusiers géographes contemporains (Berdoulay, Buttimer, Chevalier, Granö, Raffestin, Stoddart) insistent sur l'importance à prendre en compte cette dimension contextuelle et biographique... Autrement dit, il exige un message personnel êmergeant d'une vie et d'une uvre."(Sanguin: 581)

Para o autor, o contexto da trajetória pessoal, isto é a consideração da experiência individual de Ratzel, suas observações dos lugares em que viveu e frequentou, seus vínculos com colegas de outras disciplinas, etc., são ítens fundamentais para compreendermos suas idéias geográficas, seu vocabulário, sua estrutura de pensamento e os estímulos que o levaram a perseguir uma trajetória de zoólogo, naturalista, etnógrafo, jornalista e historiador.

Sanguin, portanto, constrói essa sua releitura de Ratzel, a partir da análise dos quatro contextos que teriam sido decisivos para a composição e significação do conjunto da sua produção.

No primeiro desses "contextos", o autor nos dá conta da formação escolar e acadêmica de Ratzel, como farmacêutico e naturalista, até a conclusão de seu doutorado com a tese "Contribuições para o estudo geral e anatômico das minhocas". Essa sua trajetória inicial, sofreu, como sabemos, forte influência das idéias de Wallace, Darwin e Haeckel, o fundador da ecologia, e consolidou as bases do interesse que Ratzel nutria pelas ciências naturais, o que terá larga repercussão nas suas formulações posteriores, entre elas a de Lebensraum (espaço de vida)

O segundo contexto, definido por Sanguin, será fundamental para compreender as mudanças havidas nos horizontes de interesse do jovem zoólogo alemão: "ce fut un glissement insensible de la zoologie vers la geographie..." (ib.:583). Ratzel se torna jornalista e como correspondente do Jornal de Colônia realiza inúmeras viagens, entre elas uma para os Estados Unidos e México, de onde volta impressionado com a grandiosidade territorial, com a volúpia expansionista de um país em formação, com a dimensão das fronteiras marítimas, com as hordas de imigrantes, etc: "Dès lors, ce voyage opéra un changement radical dans la pensée géographique de Ratzel: le concept d'espace se substitue à celui d'espècies" (ib.: 584).

Segundo Sanguin, será a partir deste momento que Ratzel equacionará melhor a idéia das relações de reciprocidade e continuidade entre o "mundo humano e o mundo não humano".

Mencionando biógrafos alemães, Sanguin sugere o fato de que foi o périplo americano que conduziu Ratzel definitivamente para a trilha da geografia(11) , além de ser também a fonte inspiradora de inúmeros conceitos ratzelianos: "raumvorstellung (représentation spatiale), Lebensraum (espacie de vie), Zusammenfassung (concentration), Weltmacht (puissance mondiale), Grenzen (frontières)..." (ib.: 584).

O terceiro e o quarto contextos destacados por Sanguin, referem-se aos momentos da vida de Ratzel em que este, já "convertido" definitivamente para a geografia, trilha sua carreira de docente acadêmico, primeiro na Universidade Técnica de Munique e depois em Leipzig, onde, como catedrático, permaneceria até o fim de seus dias.

Neste período da vida de Ratzel, conforme assinala Sanguin, formaliza-se uma mudança radical nas suas perspectivas de análise: de naturalista, consagra-se como uma espécie de "geógrafo das culturas".

Como marco inaugural dessa fase, figura a tese doutoral que defendeu para seu ingresso na Universidade de Munique, reveladora de uma preocupação bastante diversa daquela relacionada à anatomia das minhocas: "A emigração chinesa, contribuição à geografia cultural e comercial". Segundo Sanguin, esta é a primeira vez que o termo "geografia cultural" é empregado, o que não deixa de ser uma observação importante, não só por uma questão de correção na atribuição das devidas paternidades para as inúmeras "especialidades" geográficas, mas também porque é a expressão que talvez melhor sintetize a proposta ratzeliana de Anthropogeographie.

Neste período -- Munique/Leipzig --, as grandes obras e as principais concepções de Ratzel se formalizaram.

Sua radicalidade geográfica o leva a abandonar as teses darwinistas de evolução biológica e a introuzir a idéia de "evolução espacial", a partir da qual formula sua teoria difusionista: "L'année de la mort de Ritter e Humboldt (1859), l'apparition du livre de Darwin sur l'origine des espèces avait affecté profondément le development de la géographie en Allemagne. Mais, à partir de son arrivée à Munich, Ratzel abandonna graduellement les théories de Darwin sur la sélection naturelle et devint davantage convaincu de l'idée d'evolution spatiale" (Sanguin: 585).

E aqui vale a pena, mais uma vez, deixarmos que o próprio Ratzel justifique as razões que o motivaram a adotar tal tese: "Los evolucionistas buscan en todas partes unos 'estados primitivos' y una 'evolución'. ¿No tenemos, por lo mismo, el derecho de mirar con cierta desconfianza, en el terreno científico, esta inquisición que de antemano sabe qué es lo que quiere encontrar? (...) Cuando un investigador, perfectamente empapado en la teoria evolucionista, encuentra algún pueblo que, bajo algunos ó muchos conceptos, se halla 'detrás' de su vecino, convierte involuntariamente este 'detrás' en 'debajo', es decir en un peldaño inferior de la escala por la cual la humanidad ha subido desde el estado primitivo hasta la cúspide de la civilización"(Ratzel, 1888: 5).

O princípio adotado pelos adeptos do difusionismo, de larga utilização pelos fundadores da etnografia, estabelecia, no contexto de uma "humanidade única", a existência de referências e lugares civilizatórios originais, dessa unicidade, bastante precisos. Tais referências e lugares assumiriam o papel de centros irradiadores de um processo de civilização, não necessariamente linear, reproduzido sob as mais diversas condições ambientais e comunitárias. Nesse sentido, para os difusionistas, a existência de traços culturais semelhantes, encontrados em diferentes lugares, antes de se converterem numa contradição ao determinismo locacional e civilizatório, apenas confirmariam o princípio da difusão.

Aqui estava em jogo, evidentemente, um projeto científico que se traduzia nessa tentativa de se produzir, para o processo cultural e civilizatório humano, algum paradígma explicativo, que tivesse um alcance e aceitação semelhantes àquele proporcionado pelo impacto da teoria da evolução das espécies.

Tal teoria impressionou por sua capacidade de equacionamento dos enigmas, que teriam presidido a diversificação da flora e fauna terrestres desde os primitivos tempos e, também, pela capacidade de criar confusões, no que diz respeito à compreensão dos processos humanos, especialmente, quando a partir da leitura da teoria de Darwin se depreendiam sugestões para o equacionamento de tais processos.

Ratzel, por suposto, também inspirou-se nas idéias darwinistas. Mas não poderia ser diferente, pois estamos falando de um pensador do século XIX que praticamente nasceu junto com a publicação do Origem das Espécies.

Localizar a formulação de um pensamento no século XIX, especialmente na sua segunda metade, deve sobretudo significar a necessidade de sublinhar o fato de que este é o momento de auge na fé daquilo que Mendoza e outros(12) chamaram de "substitutivo laico da religião": a ciência. Tal fé consubstanciava uma espécie de síntese da crença geral no progresso e desenvolvimento dos homens e de sua história. Segundo J. Bury: "hacia 1870 y 1880 la idea del Progreso se convirtió en un artículo de fe para la humanidad" e, especialmente, "en una parte de la estructura mental genérica de las gentes cultivadas" (Bury, 1971: 309)(13) .

A palavra evolução, confundida com a idéia de progresso, não conseguiria escapar desse sentido e dele se impregnaria. A manifestação dessa "fé" e a concepção da idéia de evolução como progresso, podem ser conferidas em praticamente todas as obras e pensadores do século XIX. De Marx a Darwin, ou, se preferirmos, de Marx a Durkheim, estes príncipios estarão presentes.

Ratzel, à sua maneira, também manifestou tal fé, mesmo que, provocativamente, ao utilizar o recurso da inversão de argumentos: "Frente á frente de esta teoria [da evolução], encontramos otra que parte de una idea, tan exclusivista y extravagante como la que preside á aquella, á saber, la de que el hombre ha venido al mundo como ser civilizado y de que los pueblos salvajes se hallan, desde aquel entonces, sometidos á una degradacion... Esta última [teoria], que está actualmente muy desacretidada (quizás demasiado, á nuestro modo de ver) entraña para la investigación menos peligros que aquella otra enteramente opuesta, y que expresada con toda la desnudez abstracta, viene á quedar reducida á la siguientes proposiciones: en la humanidad sólo hay esfuerzos, progresos, desarrollo y de manera alguna retrocesos, decadencia ni muerte. ¿No se desprende claramente de estas afirmaciones el exclusivismo de esta manera de estudiar?" (Ratzel, 1888: 5).

Ratzel jamais abandonou esse diálogo, ou esse "caldo de cultura", proporcionado pelas confusões estabelecidas entre os novos paradigmas, norteadores dos processos "naturais", e aqueles que se buscavam estabelecer para dar conta dos processos "humanos".

Esse "diálogo" não refletia apenas uma condição de produção intelectual sintonizada com seu entorno científico, mas resultava também da necessidade de equacionar internamente a multiplicidade de interesses -- dos fatos físicos aos humanos --, presentes em toda a trajetória pessoal de Ratzel e, que não por coincidência, também estará presente em toda trajetória da sua produção geográfica e de tudo quanto se produziu em nome da geografia, desde então.

Ratzel encontraria interlocução privilegiada, para grande parte de suas preocupações e inquietações, durante os férteis anos de Leipzig. Alí concluiu algumas de suas principais obras e como membro ativo do chamado Círculo de Leipzig, privou da companhia e do debate com alguns dos mais destacados intelectuais alemães da época.

Segundo Sanguin, a motivação maior para a reunião do grupo era a filosofia e um dos grandes objetos de discussão no Círculo se dava em torno da utilização de palavras e de termos para as novas idéias: "Pour le Cercle, un mot ne réferait pas forcément à une idée générale car, estimait-il, un mot réfère plus souvent et plus simplesment à certains objets donnés faisant partie de l'experiénce personnelle de chacun" (Sanguin: 586).

E isto, para o argumento de Sanguin, é um dos fatos mais relevantes a ser considerado, pois a descontextualização de alguns termos e conceitos empregados por Ratzel, ou a desconsideração dos estímulos e experiências pessoais que o levaram a empregar alguns destes termos, entre eles o de organismo e espaço de vida, por exemplo, é fonte para os grandes desentendimentos e distorções promovidos por alguns dos interpretadores de suas obras.

Segundo Sanguin, na associação, por exemplo, entre a idéia ratzeliana de Estado e a estrutura dos organismos biológicos, laborou-se um mito, pois se desconsidera que "Ratzel era geógrafo e não mais zoológo quando empregou este termo [organismo]", e se desconsidera também sua experiência pessoal no Círculo de Leipzig e o fato dele ter escolhido um sentido, para essa palavra, diferente daquele conferido aos organismos vivos. Segundo o próprio Ratzel, mencionado por Sanguin: "La comparaison de l'État avec des organismes supérieurs est inféconde et si tant d'essais pour approcher scientifiquement l'État comme organisme sont restés sans grand résultat, la cause principale en est l'intérêt exclusif porté aux analogies entre un agrégat humain et la structure d'un être organique" (Ratzel, Politische Geographie, pp.13, 2ª ed., 1903, apud Sanguin: 587).

Antes de concluir essa sua Releitura, o autor faz questão de lembrar um último artigo de Ratzel, publicado no ano de sua morte (1904) -- Nationalitäten und Rassen --, em que este faz condenações explícitas contra as teorias raciais de Gobineau e Houston Chamberlaim, ambos reconhecidos como precursores diretos da ideologia hitleriana. Esta lembrança não deixa de ser também importante, pois não são raras as associações equivocadas entre a produção ratzeliana e inspirações ao ideário nazista.

Nas conclusões, Sanguin, mencionando o necrológio escrito em 1904 pelo próprio La Blache, assinala que Ratzel foi um inovador da geografia e, a partir dele, consagraram-se os fundamentos de amplas preocupações -- da natureza e da vida --, que conferem uma certa unidade para a ciência geográfica. Além disso, Ratzel foi o responsável por acrescentar, à geografia, também um certo sentido de filosofia cultural .

Mencionando Raffestin, o autor nos lembra que Ratzel é um dos pais do difusionismo. O que em certo sentido equivale a dizer que ele é também um dos fundadores da etnografia/etnologia. Ainda, segundo Raffestin, Ratzel explicitou uma "ontologie géographique d'essence écologique car elle fonde la conception biogéographique de l'Etat". E acrescenta: "La notion écologique d'entropie et la théorie générale des systèmes lui sont redevables" (Sanguin: 592).


Um início de conclusão

Este trabalho, em torno do resgate e da recuperação do legado ratzeliano, como se viu, apenas se inicia. Numa fase como essa, ainda permanecem os tropeços simplificadores, mas injustificáveis diante de uma vasta obra como a que, em parte, examinamos. Por outro lado, são já louváveis os esforços de contextualização, de certa maneira até auto-críticos, como estes que Sanguin e outros, particularmente os tributários da escola francesa de geografia, estão realizando.

De nossa parte, temos clareza de que nesta fase o risco da simplificação, através de conclusões precipitadas, é ainda grande, pois tais conclusões só terão melhores elementos para o seu desenvolvimento, quando a esta pesquisa, sobre as releituras do legado ratzeliano, somarem-se os aportes oferecidos por outras áreas do conhecimento, especialmente a antropologia.

Mas, independentemente disso, gostaríamos de adiantar que em tempos, como estes que estamos vivendo, de ecologia profunda, de perspectivas confusas anunciadas pelos horizontes da biotecnologia, de confrontos entre ordenamentos geopolíticos e demandas planetárias (particulamente as ambientais), de disputas pelos mananciais de biodiversidade, de afrouxamento versus fortalecimento das soberanias territoriais, etc., as metáforas biológicas largamente empregadas por Ratzel, mesmo que utilizadas com sentidos diferentes daqueles que lhes conferem os naturalistas (como nos alertou Sanguin), não deixam de nos sugerir idéias de surpreendente atualidade.

Assim, parafraseando Sanguin, diriamos que Ratzel é um peso pesado(14) não só para a disciplina geografia, mas para um conjunto delas, especialmente aquelas que hoje expressam algumas das preocupações mais amplas com esta grande unidade biogeográfica, ou se se preferir antropo(bio)geográfica, a que chamamos Terra.

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* O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq -- Conselho Nacional de Ensino e Pesquisa --, uma entidade do Governo Brasileiro voltada ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Notas

1. Como a associação "Ratzel-determinismo" tornou-se uma espécie de lugar-comum, gostaríamos de indicar, já de início, o trabalho de Fred K. Shaefer que, entre outros temas, nos elucida de forma concisa os diversos sentidos aplicáveis à idéia do determinismo, entre eles, o matricial, isto é, o do próprio procedimento científico: "Si el determinismo se toma para significar que en toda la naturaleza existen leyes, que no permitem ninguna 'excepción', entonces éste es el fundamento común de todas las ciencias" (Shaefer, 1988: 81). O trabalho de Shaefer, foi originalmente publicado em 1953 nos Annals of the Association of American Geographers. Há, no entanto, uma tradução comentada para o castellano realizada por Horacio Capel (Shaefer, 1988).

2. A esse propósito, vale a pena consultar a obra de Dickinson (1969) que, em capítulo especialmente dedicado a Friedrich Ratzel, ao mesmo tempo que destaca a importância de seu papel no desenvolvimento da geografia humana e da antropologia cultural (ib.: 64), lamenta as distorções cometidas com suas idéias: "Unfortunately his views have been much distorted by some of his countrymen and grossly misinterpreted in Britain and America" (ib.: 64).

3. É nossa tese que esse papel estende-se para a Antropologia, lato-sensu, isto é, incluindo a etnografia e a etnologia. Mas, a este tema pretendemos voltar em um próximo trabalho. Aqui nos deteremos, na medida em que isso seja possível, no âmbito da chamada ciência geográfica.

4. Importante, no entanto, se fazer justiça a Febvre destacando que, apesar dele ter sido um dos principais responsáveis por estigmatizar e reduzir o pensamento ratzeliano à idéia do "determinismo", não deixou de reconhecer, em sua obra mais importante, explicitamente o papel de Ratzel na fundação da geografia humana: "por la acción personal y docente de un Federico Ratzel, zoólogo e viajero transformado en curioso y profundo geógrafo, se constituia lentamente una geografia nueva. Al mismo Ratzel debe su nombra de pila: Antropogeografia: geografia humana, como prefere la lengua francesa, enemiga de las largas palabras compuestas" (Febvre, 1925: 26).

5. A esse propósito v. Capel (1981) que afirma, após enumerar uma série de citações, aparentemente deterministas e extraídas da obra de Ratzel: "Estas frases y otras parecidas puedem, sin duda apoiar la tesis de um Ratzel determinista, como numerosas veces se ha dicho. Sin embargo, hay que advertir que su punto de vista era más matizado, y que no cayó en un determinismo burdo, que fué mas bien la caricatura que algunos de sus discípulos realizaron de sus ideas" (Capel: 284). Mais à frente, nesse mesmo texto e após examinar outras passagens da obra de Ratzel, Capel é ainda mais enfático: "Ratzel no es un determinista, ya que acepta explicitamente la capacidad del hombre, en un cierto nivel de desarrollo y organización, de modificar los mismos elementos del medio natural" (Capel: 285).

6. Buscamos também aqueles trabalhos que, no nosso entendimento, pudessem significar referências indiretas a este conjunto, mas, neste ítem há que se desenvolver uma explicação que já está relacionada com aquilo que, subjetivamente, compreendemos como sendo temas repercutidores do legado ratzeliano, como a chamada Geografia Cultural, por exemplo. Neste campo, encontramos inúmeros e interessantes ensaios que se propõem a sobretudo rever o conceito de cultura com o qual a geografia tem trabalhado até aqui. Este tipo de disposição nos aproxima de um diálogo importante com muitos trabalhos recentemente produzidos por alguns antropólogos. Como acreditamos que o legado ratzeliano, ou uma de suas idéias a ser retomada, possa também ser interpretado como essencialmente antropogeográfico, sem dúvida muitos desses trabalhos encontrados nas "referências indiretas", podem se constituir em bons pontos de partida para o ensaio sugerido na nota 1. Entre estes trabalhos destacamos os seguintes:

CLAVAL, P. Espace et Culture. Travaux de L'institute de Geographie de Reims, 1990, nº 79-80, p. 41-47.
PRICE, M. & LEWIS, M. The reinvention of cultural geography. Annals of the Association of American Geographers, 1993, vol. 83, nº 1, p. 1-14.
MITCHEL, D. There's no such thing as culture: towards a reconceptualization of the idea of culture in geography. Transactions of the Institute of British Geographers, 1995, vol. 20, nº 1, p. 102-116.
AASE, T. H. Symbolic Sapace/ Representations of space in geography and anthropology. Geografiska Annaler Human Geography, 1994, vol. 76 B, nº 1, p. 51-58.
ROBIC, M. C. Epistemologie de la geographie. In: BAILY, A.; FERRAS, R. & PUMAIN, D. Encyclopedie de la geographie. Paris: Ed. Economica, 1992, p.55-74.
CLAVAL, P. Geographie et sociologie. In BAILY, A.; FERRAS, R. & PUMAIN, D. Encyclopedie de la geographie. Paris: Ed. Economica, 1992, p. 75-92.
SAUTTER, G. Geographie et anthropologie. In: BAILY, A.; FERRAS, R. & PUMAIN, D. Encyclopedie de la geographie. Paris: Ed. Economica, 1992, p. 207-220.

7. Ratzel inclusive dedica um ítem especial à questão do tratamento estatístico (v. p. 101 e 102 do Geografia dell'uomo), onde manifesta explicitamente sua divergência com este tratamento, fazendo questão de marcar as diferenças entre "leggi atropogeografiche e statistiche" e afirmando: "i procedimenti delle due scienze sono fra loro assai diversi" (Ratzel, 1914: 101).

8. Aqui nos referimos às traduções italiana e espanhola de seus Anthropogeographie (Geografia dell'uommo, Turim: Fratelli Boca, 1914, 586 p.) e Volkerkunde (Las Razas Humanas, Barcelona: Montaner y Simon, 1888, 2 vols, 672 p. e 466 p.)

9. Portanto, dos 12 trabalhos mencionados, restam 8 que mereceriam uma maior atenção. Desses 8, no entanto, não tivemos acesso a 2: o artigo de F. Fliedner (1992) -- Antropogeografia, mudança de paradigmas, evolução cultural --, e o artigo de A. Tezuka (1995) -- A antropogeografia de Ratzel e a geografia japonesa no período anterior à guerra. Cremos que apenas com os outros artigos restantes, é possível se ter uma boa idéia de quais são os itinerários percorridos por quem se disponha a rever, recuperar, criticar, etc., as teses ratzelianas na atualidade. Aos exame de seus conteúdos nos dedicaremos daqui para a frente, mas consideramos importante ao menos a reprodução dos abstracts desses dois artigos a que não tivemos acesso, pois assim os interessados no tema poderão, ou não, sentirem-se estimulados a procurá-los, lê-los e complementar, ou confrontar, essa revisão que nos dispusemos a fazer. Os abstracts, numa tradução livre são os seguintes:
F. Fliedner (1992): "O desenvolvimento da geografia humana no século XIX e XX é parte do desenvolvimento de outras ciências sociais, da arte, da filosofia e das ciências naturais. Este desenvolvimento expressa evolução social. Neste entretempo houve mudanças na percepção humana do espaço. A Renascença e o Racionalismo fizeram do espaço uma qualidade do próprio mundo, um objeto apartado do ser humano. O Romantismo fez do homem uma parte do espaço. No mundo pós-moderno, o homem está no centro do espaço. Portanto, o espaço já foi um container, depois uma ordem, até se configurar em um sistema de equilíbrio. Agora, trata-se de um sistema não equilibrado." (Geographical Abstracts/ Human Geography, 1993, nº 1, p.1)
A. Tezuka (1995): "A relação entre Ratzel e a geografia japonesa é extremamente complexa. Desde o início da moderna geografia japonesa -- era Meiji --, o nome de Ratzel sempre foi celebrado entre os fundadores da moderna geografia japonesa. Neste artigo, o autor examina apenas aqueles escritos que trabalharam explicitamente com a Anthropogeographie de Ratzel (1882, 1891 e 1899) como o interesse principal. A aceitação de qualquer idéia estrangeira vem necessariamente com algum tipo de distorção. A este respeito, a Anthropogeographie de Ratzel é um dos mais típicos exemplos. De maneira geral há três diferentes tipos de distorção. A mais simples delas corresponde às más traduções ou aos não entendimentos de textos estrangeiros. Um segundo tipo de distorção diminui a ênfase de trechos particulares dos textos. Finalmente, existe a distorção da descontextualização, isto é, da interpretação de um trabalho particular sem qualquer consideração por outros que o suportam ou que com ele se relacionam." (Geographical Abstracts/ Human Geography, 1996, nº 1, p.1)

10. Neste dicionário, editado em versão espanhola por Ediciones Valparaiso em 1981, há vários vocábulos cujos sentidos que lhes foram conferidos contrastam firmemente com aqueles que podemos observar neste texto mais recente de Sanguin. Por exemplo: na palavra Lebensraum, econtramos a seguinte definição: "Término desarrollado por la Geopolitik nazi que implica una noción de espacio vital. Este concepto engendra una lucha por el espacio, es decir, una propaganda disfrazada al servicio de las aspiraciones imperialistas con vistas a una extensión y dominación ilimitadas" (Sanguin, 1981: 74). Outros termos que valeria a pena serem consultados e confrontados são os seguintes: "Antropogeografica(frontera)"; "Genero de vida"; "Geografia política"; "Geopolitica"; "Geopolitik"; "Crecimiento Espacial Del Estado"; "Determinismo ambiental"; "Possibilismo ambiental". Curiosamente o vocábulo Ratzel, não figura nesse dicionário.

11. Aqui Sanguin se soma a uma corrente interpretativa, da conversão de Ratzel à geografia, que Capel (1988) denominou de História Sagrada de la disciplina, pois apresenta a motivação dessa conversão como resultado de "subitas revelaciones de la ciencia geografica, experimentadas en algun caso durante largo viaje por tierras extrañas" (Capel: 99). Capel, no entanto, acredita que as razões para a "conversão" não estão claras e podem ser objeto de interpretação. Discordando dessa espécie de "iluminação repentina", Capel defende a idéia de que "son motivos de oportunidad profesional los que esencialmente actuaron" (ib.: 100). No nosso entendimento, a interpretação sugerida por Capel, se considerada por Sanguin, não deixaria de acresecentar um tom mais pessoal e biográfico a esta contextualização da trajetória de Ratzel, que o próprio autor diz perseguir e em nada invalidaria as suas conclusões.

12. Cf. MENDOZA, J.G. JIMÉNEZ, J.M. & ORTEGA CANTERO, N. El Pensamiento Geográfico. Madrid: Alianza Editorial, 1988.

13. A propósito dessa discussão, sobre a idéia de progresso e os sentidos conferidos à evolução, além da obra de Bury, vale a pena consultar os trabalhos de Maravall (1986) e Meek (1981). Todos desenvolvem análises minunciosas sobre os contextos e motivações que levaram tal idéia -- progresso --, a abandonar um sentido "neutro" (Bury), ou de "simples marcha, sem conotação valorativa" (Maravall), até o significado de desenvolvimento positivo que, ao longo do século XIX, passou a adquirir. A idéia da evolução darwiniana, segundo os autores, já nasceria imersa neste contexto de significação, por mais neutra e científica que pretendesse ser (Bury).

14. No final de seu texto, ao afirmar explicitamente a necessidade de reabilitação da obra de Ratzel, Sanguin justifica essa proposição dizendo que "Ratzel est un élément lourd dans l'espistémologie de la discipline" (Sanguin, 1990: 592).

Bibliografia:

BURY, J. La idea del progreso. Madrid: Alianza Editorial, 1971. 327 p.

CAPEL, H. Filosofia y ciencia en la geografia contemporánea. Una introducción a la geografia. Barcelona: Barcanova, 1981. 509 p.

DICKINSON, R. E. The Makers of Modern Geography. London: Routledge & Kegan Paul, 1969. 305 p.

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Consultados também:

Geographical Abstracts/ Human Geography, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996 (Annual Index e Abstracts)

Geographical Abstracts/ Physical Geography, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996 (Annual Index e Abstracts)

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