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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98
Nº 312, 14 de septiembre de 2001

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E  SEGURANÇA AMBIENTAL GLOBAL

Wagner Costa Ribeiro
Doutor em Geografia
Departamento de Geografia
Universidade de São Paulo



Resumo

A ordem ambiental internacional está em construção. Seu objetivo é regular as ações humanas em escala internacional para evitar que as condições de habitabilidade humana no planeta sejam perdidas e/ou regular as relações hegemônicas do capitalismo internacional entre as partes envolvidas em cada questão que é trazida à discussão. Os temas da escassez de recursos naturais necessários à reprodução da vida e a ameaça à segurança ambiental internacional integram a pauta dos trabalhos. O primeiro leva à necessidade de discutir o acesso aos recursos e à herança que será deixada para as gerações futuras. Ao mesmo tempo, ele gera a preocupação em manter o desenvolvimento econômico, porém, com o rótulo sustentável. O segundo, remete à impossibilidade da reprodução da vida na Terra, criando teorias alarmistas, para alguns, ou evidências que realmente comprometem a existência humana no planeta, para outros.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável /segurança ambiental internacional / convenções internacionais sobre o ambiente / geografia política.



Abstract

The international environmental order is under construction. Its main goal is to regulate human action in an international scale with the purpose of avoiding that the conditions of human life in the planet be lost and/or regulating the hegemonic relations of international capitalism between the involved parties for each issue brought to debate. The subjects of the scarcity of natural resources necessary to the reproduction of life, and the threat to the global environmental security integrate the works agenda. The first leads to the debate about the access to resources and the heritage that will be left to future generations. At the same time, engender preoccupation about the economic development maintenance, but, with the sustainable label. The second problem is related to the impossibility of life reproduction on Earth, creating alarmist theories, for some, or evidences that truly jeopardize human existence on the planet, for others.

Key words: sustainable development / international environment security / international environment convention / political geography.


Os conceitos de segurança ambiental global e de desenvolvimento sustentável são centrais para o estabelecimento da ordem ambiental internacional(1). O primeiro deles, nos faz refletir sobre a necessidade de manter as condições da reprodução da vida humana na Terra, posto que ainda não se tem notícia da existência de outro planeta com condições naturais semelhantes ao que habitamos, o que não deixa outra alternativa senão vivermos aqui. Em uma palavra, a Terra ainda é a morada da espécie humana, ao menos por enquanto. Já o segundo, procura regular o uso dos recursos naturais através do emprego de técnicas de manejo ambiental, de combate ao desperdício e à poluição. Se fôssemos empregar uma expressão também para esse conceito, diríamos, que ele define que as ações humanas dirigidas para a produção de coisas necessárias à reprodução da vida devem evitar a destruição do planeta.

Entretanto, em que pese o reconhecimento destas duas premissas e de que elas envolvem a promoção de ajustes globais, nos quais os vários atores do sistema internacional certamente devem contribuir para que metas comuns sejam alcançadas, os países, principais interlocutores na ordem ambiental internacional, por meio de seus negociadores, têm procurado salvaguardar o interesse nacional. Agindo desta forma, transformam as preocupações com a sustentabilidade do sistema econômico hegemônico e a possibilidade de que ele nos encaminhe para uma situação de risco em mera retórica. As preocupações ambientais globais acabam se revestindo de um caráter meramente de divulgação, enquanto na arena da política internacional as decisões de fato têm se encaminhado para contemplar interesses nada difusos.

O que efetivamente tem prevalecido são as vantagens econômicas e políticas que os países podem auferir a cada rodada de negociações. E, o que é mais interessante, eles se comportam de maneira particular para cada tema destacado no arranjo institucional da ordem ambiental internacional.

Os conceitos que veremos a seguir influenciaram as reuniões internacionais ao longo da década de 1990. Eles foram criados para legitimar a ordem ambiental internacional, procurando garantir-lhe uma base científica. Iniciamos com o desenvolvimento sustentável.
 

O desenvolvimento sustentável

Um dos problemas da vida contemporânea é medir a capacidade que teremos de manter as condições da reprodução humana na Terra. Em outras palavras, trata-se de permitir às gerações vindouras condições de habitabilidade no futuro, considerando a herança de modelos tecnológicos devastadores e possíveis alternativas a eles. Os seres humanos que estão por vir precisam dispor de ar, solo para cultivar e água limpos. Sem isso, as perspectivas são sombrias: baixa qualidade de vida, novos conflitos por água , entre outras.

Durante a década de 1970, tomou corpo uma discussão que procurava aproximar algo até então muito distante: a produção econômica e a conservação ambiental. Esta aproximação ocorreu de maneira lenta, através de reuniões internacionais e relatórios preparatórios.

A associação entre desenvolvimento e o ambiente é anterior à Conferência de Estocolmo. Os presságios de uma nova concepção são esboçados no encontro preparatório de Founex (Suíça), em 1971, onde iniciou-se uma reflexão a respeito das implicações de um modelo de desenvolvimento baseado exclusivamente no crescimento econômico, da problemática ambiental. Esta discussão ganhou destaque com o economista Ignacy Sachs, gerando o conceito de ecodesenvolvimento na década de 1970.

Em 1973, na primeira reunião do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), realizada em Genebra, Maurice Strong, então Diretor-executivo do programa, empregou a expressão ecodesenvolvimento. Na ocasião, porém, ele não teve a preocupação em definir o conceito, que seria formulado, pela primeira vez, por SACHS, no ano seguinte. Para ele, o ecodesenvolvimento seria “um estilo de desenvolvimento particularmente adaptado às regiões rurais do Terceiro Mundo, fundado em sua capacidade natural para a fotossíntese" (Sachas, 1974. In Leff, 1994:317).

Esta primeira formulação, em que pese seu caráter genérico, merece ser comentada do ponto de vista da geografia. A capacidade natural para a fotossíntese dos países subdesenvolvidos era uma alusão à sua paisagem natural, destacando imagens, em especial a europeus, de um "mundo verde". Algo similar ao que é difundido sobre a Amazônia brasileira em nossos dias.

O segundo comentário é a indicação de sua aplicação no meio rural dos países do Terceiro Mundo. O que o levaria a tecer esta consideração? Seria uma sugestão que, se seguida, condenaria os países ao subdesenvolvimento? Ou a reafirmação da clássica divisão do trabalho entre o campo e a cidade, donde pode-se imaginar que a cidade é insustentável?
Em nosso ponto de vista, Sachs está refletindo, conscientemente ou não, um conceito geográfico. Trata-se da formulação de gênero de vida. Esta passagem de Vidal de La Blache ilustra a matriz de Sachs:

Sob a influência da luz e de energias cujo mecanismo nos escapa, as plantas absorvem e decompõem os corpos químicos; as bactérias fixam, em certos vegetais, o azote da atmosfera. A vida, transformada na passagem de organismo em organismo, circula através de uma multidão de seres: uns elaboram a substância de que se alimentam os outros; alguns transportam germes de doenças que podem destruir outras espécies. Não é exclusivamente graças ao auxílio dos agentes inorgânicos que se verifica a acção transformadora do homem; este não se contenta em tirar proveito, com o arado, dos materiais em decomposição do subsolo, em utilizar as quedas de água, devidas à força da gravidade em função das desigualdades do relevo. Ele colabora com todas estas energias agrupadas e associadas segundo as condições do meio. O homem entra no jogo da natureza  (VIDAL DE LA BLACHE, 1921:42).


A idéia de sustentabilidade é justamente a de fazer a espécie humana "entrar no jogo da natureza". Em outras palavras, Sachs vislumbra o ambiente rural como o lugar possível para desenvolver-se um modo de vida capaz de manter e reproduzir as condições da existência humana sem comprometer a base natural necessária à produção das coisas. As comunidades alternativas e os ecologistas radicais também. Esses últimos chegaram até a condenar as cidades.

Se tomarmos a divisão do trabalho como um aspecto a ponderar na direção da sustentabilidade veremos que Marx continua, neste aspecto, com a razão. Trata-se da primeira e principal divisão estabelecida pela espécie humana, com a agravante de que a cidade depende do campo e ainda seria insustentável. Como resposta a esta formulação surgem inúmeros programas na década de 1990, dentre os quais se destaca o de cidades sustentáveis, que em alguns países, dentre eles o Brasil, vem reunindo lideranças de vários segmentos para discutir alternativas para tornar a cidade sustentável. Ora, como sustentar um meio que, em si, tomando emprestada uma expressão de Marx, depende de energia e matéria-prima gerada fora dela para funcionar, se os habitantes da cidade não produzem alimento, em que pese o caráter cada vez mais urbanizado do campo e a sujeição do pequeno produtor ao capital (Oliveira, 1981). Outra derivação do termo cidades sustentáveis surgiu no campo da saúde. Nesse caso, a expressão que define os programas é "cidade saudável", reconhecendo, embora não explicitamente, que os urbanistas higienistas, muito em voga no início do século XX, tinham razão. Não é agradável viver em um lugar com trânsito intenso, odores ruins, barulho excessivo, respirando um ar combinado com vários elementos químicos, muitos deles causadores de doenças graves em seres humanos, como vimos.

Mas voltemos ao histórico da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. A formulação teve continuidade com a Declaração de Coyococ (México), organizada pelo PNUMA e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em 1974. Nesse documento, lê-se que o ecodesenvolvimento seria uma “relação harmoniosa entre a sociedade e seu meio ambiente natural conectado à autodependência local” (Leff, 1994:319).
O Relatório Que Faire, de 1975, atualiza o termo, grafando a expressão que vai consolidar esta idéia: desenvolvimento sustentado.

A consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável na comunidade internacional virá anos mais tarde, a partir do trabalho da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada em 1983 através de uma deliberação da Assembléia Geral da ONU. Ficou definida a presença de 23 países-membros da Comissão, que promoveu entre 1985 e 1987:

(...) mais de 75 estudos e relatórios, realizando também conferências ou audiências públicas em dez países e acumulando assim as visões de uma seleção impressionante de indivíduos e organizações (McCORMICK, 1992:189).
Esta Comissão foi presidida por Gro Harlem Brundtland, que fora primeira-ministra da Noruega e pretendia dar um tom mais progressista aos trabalhos do grupo que coordenava. O documento mais importante produzido sob seu comando foi o relatório Nosso Futuro Comum(2). Nesse relatório está a definição mais empregada de desenvolvimento sustentável, que reproduzimos a seguir:
(...) aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (CMMAD, 1988:46).
Esse conceito tornou-se referência para inúmeros trabalhos e interesses os mais diversos. Se de um lado existe os que acreditam que o planeta em que vivemos é um sistema único que sofre conseqüências a cada alteração de um de seus componentes, de outro, está os que acreditam que o modelo hegemônico pode ser ajustado à sustentabilidade. Esse é o debate: manter as condições que permitam a reprodução da vida humana no planeta, ou manter o sistema, buscando a sua sustentabilidade. O primeiro grupo tem em James Lovelock (1989) o seu representante maior, que pensa a Terra como um sistema holístico. Já o segundo grupo, possui representantes espalhados por todo o planeta.

São aqueles que buscam tecnologias alternativas e não impactantes sem questionar o padrão de produção vigente.
Apesar da adoção do conceito de desenvolvimento sustentável em atividades de planejamento, inclusive do turismo ecológico, ele não é entendido de maneira consensual. Destacamos as idéias de S. C. Herculano, que afirma que o desenvolvimento sustentável tem dois significados:

(...) é uma expressão que vem sendo usada como epígrafe da boa sociedade, senha e resumo da boa sociedade humana. Neste sentido, a expressão ganha foros de um substituto pragmático, seja da utopia socialista tornada ausente, seja da proposta de introdução de valores éticos na racionalidade capitalista meramente instrumental. (...) Na sua segunda acepção, desenvolvimento sustentável é (...) um conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a funcionalidade da sociedade capitalista (...). Neste segundo sentido, é (...) um desenvolvimento suportável, medianamente bom, medianamente ruim, que dá para levar, que não resgata o ser humano da sua alienação diante de um sistema de produção formidável (HERCULANO, 1992:30).
Outro autor que trabalha o assunto é Carlos Walter P. Gonçalves, que afirma que o desenvolvimento sustentável
(...) tenta recuperar o Desenvolvimento como categoria capaz de integrar os desiguais (e os diferentes?) em torno de um futuro comum. Isto demonstra que pode haver mais continuidade do que ruptura de paradigmas no processo em curso (GONÇALVES, 1996:43).
Por seu turno, Ribeiro et al. sugerem distinguir
(...) o conceito de Desenvolvimento Sustentável de sua função alienante e justificadora de desigualdades de outra que se ampara em premissas para a reprodução da vida bastante distintas. Desenvolvimento Sustentável poderia ser, então, o resultado de uma mudança no modo da espécie humana se relacionar com o ambiente, no qual a ética não seria apenas entendida numa lógica instrumental, como desponta no pensamento eco-capitalista, mas sim, embasada em preceitos que ponderassem as temporalidades alteras à própria espécie humana, e, porque não, também as internas à nossa própria espécie (RIBEIRO et al., 1996:99).
S. C. Herculano (1992) faz par com Gonçalves (1996) quando não vislumbra nenhuma ruptura a partir da almejada sustentabilidade. Entretanto, não deixa de reconhecer que ela pode, ao menos, viabilizar uma reforma do capitalismo.
Por sua vez, Gonçalves (1996) lembra que pode estar sendo gerado um novo discurso totalizante a partir do desenvolvimento sustentável. Um discurso que se instalaria na ausência de alternativas transformadoras das desigualdades sociais, a partir das relações sociais.

Já Ribeiro et al.(1996), ponderam que o desenvolvimento sustentável poderia vir a ser uma referência, desde que servisse para construir novas formas de relação entre os seres humanos e desses com o ambiente. Apontam que o grande paradoxo do desenvolvimento sustentável é manter a sustentabilidade, uma noção das ciências da natureza, com o permanente avanço na produção exigida pelo desenvolvimento, cuja matriz está na sociedade.

Tendo como princípio conciliar crescimento e conservação ambiental, o conceito de desenvolvimento sustentável, por sua vaguidade, passou a servir a interesses diversos. De nova ética do comportamento humano, passando pela proposição de uma revolução ambiental até ser considerado um mecanismo de ajuste da sociedade capitalista (capitalismo soft), o desenvolvimento sustentável tornou-se um discurso poderoso, promovido por organizações internacionais, empresários e políticos, repercutindo na sociedade civil internacional e na ordem ambiental internacional.
 

A segurança ambiental global

Diferente do que ocorreu com o desenvolvimento sustentável, que foi sendo elaborado ao longo de várias reuniões internacionais e está servindo como base para a implementação de políticas, a idéia de segurança ambiental global não está configurada como um conceito que leva à ação, mas sim à implementação de estratégias por uma unidade política. Ela evolui de maneira mais lenta, encontrando muito mais resistência que o conceito anterior (Elliot, 1998). Mas não deixou de cumprir a função de justificar "cientificamente" a política externa dos países.

Pensar globalmente os problemas ambientais exige conhecimento científico e perspicácia política. Uma das grandes dificuldades que se encontra em reuniões internacionais é que muitos dos representantes dos países que participam ficam divididos entre estes dois grupos de personagens - os cientistas e os tomadores de decisões -  e raramente conseguem chegar a bom termo, até quando representam o mesmo país.

Uma das evidências mais claras deste comportamento decorre da crítica contundente que muitos cientistas apontam aos documentos oficiais resultantes de discussões políticas. É comum dizerem que o conceito está errado ou sem base científica que o sustente. Deste modo, tendem a desconsiderar todo o esforço de elaboração do documento e a verdadeira "alquimia" política empregada, às vezes ao longo de anos e por meio de discussões aparentemente intermináveis, em sua construção.

De outro lado, os políticos, que têm ganho esta batalha com os pesquisadores, ressentem-se de informações mais precisas sobre determinadas questões, ou, o que é mais freqüente, encomendam conclusões científicas que "expliquem" suas decisões. Este descompasso, à luz da opinião pública - filtrada pelas ONGs e pelas grandes empresas de comunicação -, resulta em uma série de reuniões dispendiosas que aparentemente só servem para gerar diárias para delegações imensas conhecerem o mundo e seus países comprometerem-se a gastar recursos em questões inócuas.

Este preâmbulo foi necessário pois, no caso da segurança ambiental global, ele se ajusta ao que se verifica na realidade.
Vejamos o problema da camada de ozônio. Seu comprometimento coloca em risco toda a espécie humana? Não. Os mais ricos podem comprar protetores de radiação solar e continuar a expor-se ao Sol. Porém, e aqui o tempo é um fator determinante, confirmadas as possibilidades apontadas por estudiosos, vai chegar um momento em que não vai adiantar muito proteger-se dos raios solares.

E as mudanças climáticas? Suas conseqüências afetarão a todos da mesma maneira? Certamente não. Mas novamente os estudiosos apontam riscos, como por exemplo a mudança dos ciclos de vida dos vegetais que produzem alimento e uma eventual crise alimentar. Áreas úmidas podem transformar-se em áreas semi-áridas. Pontos do litoral em todo o mundo serão alagados. Esses problemas exigem um rearranjo do modo de vida de muita gente, acarretando em novos beneficiários e em novos despossuídos.

Para evitar uma catástrofe em escala mundial, ou como ficaria mais claro, para manter o atual estado das coisas e da divisão do poder mundial, estabeleceram-se regras internacionais para impedir que as ações humanas desencadeiem processos como os apontados acima. Esta é uma das bases da ordem ambiental internacional. Entretanto, como estamos vivendo um dinâmico processo de ajuste internacional de interesses envolvendo a temática ambiental, surgem novas oportunidades e novos países podem ser alçados à posições de destaque no cenário internacional. Rafael Duarte Villa aponta um conceito para ajudar a compreensão da conjuntura atual. Trata-se da segurança global multidimensional, que para o autor

(...) reflete a nova natureza preponderante da segurança internacional: esta já não pode mais ser visada em termos de acréscimo de poder. A preservação de [um] Estado nacional face os novos fenômenos transnacionais - explosão populacional, migrações internacionais e desequilíbrios ecológicos globais - não se dá pela imposição da sua vontade unilateral ou pelo apelo à última ratio, a violência institucional. Em outras palavras, questiona-se o pano de fundo genérico realista que vê na legalidade e legitimidade da guerra o elemento específico das relações internacionais. Neste sentido pode-se afirmar que a singularidade da segurança global multidimensional é que os conflitos que podem derivar dos fenômenos transnacionais não admitem a guerra como meio de solução (VILLA, 1997:209).
Para o cientista político Villa (1997), a imposição de temas transnacionais impede ou tira o efeito da força, já que todos sofreremos as conseqüências dos eventos ambientais globais. Sua indagação seria: de que adianta ter armas e impor o uso do automóvel se com as mudanças climáticas a base nacional da agricultura vai se transformar, exigindo uma adaptação custosa até mesmo para os países centrais?

A esta pergunta poderíamos responder que é preciso insistir em apreender as diferenças entre países e entre a sua população. Os custos e os impactos são diferentes segundo a preparação dos países para enfrentar os problemas ambientais, sejam eles gerados pela sociedade ou pela natureza. Observando as condições de vida dos agrupamentos humanos, em suas mais simples e nas mais complexas maneiras de organização social, vemos que, por exemplo, um terremoto que ocorre em um país rico, ainda que mais forte e portanto possivelmente causador de mais destruição, gera muito menos vítimas e estragos materiais que outro que ocorre em um país periférico.

Os dados a seguir confirmam este aspecto. Em Kobe (Japão), ocorreu um terremoto que chegou a 7,2 graus de intensidade na escala Richter. Esse evento natural provocou cerca de 6000 mortes e deixou algo em torno de 300 mil desabrigados no ano de 1995. Dois anos antes, na Índia, ocorreu um terremoto que chegou a 6,3 graus na escala Richter, portanto, de menor intensidade que o do Japão. Como resultado registraram-se cerca de 10000 mortes, apesar de ter ocorrido a aproximadamente 700 quilômetros de Nova Delhi, portanto, em uma área menos povoada.

Lorraine Elliot (1998) também discute a segurança ambiental. Ela aponta que muitos autores refutam esta concepção por associarem esse conceito ao pensamento estratégico militar. Estes puristas entendem que a questão ambiental em caráter internacional não pode ser vista dentro de uma dimensão estratégica. Para esses autores, apenas os processos naturais bastariam para fornecer elementos à compreensão dos fenômenos e suas conseqüências para as unidades políticas.

Para a autora existe uma outra interpretação que associa o militarismo à questão ambiental e à segurança. Trata-se da visão estratégica, que admite os recursos naturais como vitais à sobrevivência da população de uma unidade política e que, portanto, reforça o conceito de soberania das unidades na gestão de seus recursos. Se lembrarmos que Ray Cline (1983) e Claude Raffestin (1993) definem os recursos naturais como um dos elementos que devem ser ponderados na definição do poder, veremos que esta matriz pode abrigar muitos adeptos. O caso da gestão dos recursos hídricos nos parece o mais emblemático para ilustrar este entendimento. Como as bacias muitas vezes transpassam os limites territoriais dos países, eles podem ficar em uma situação de dependência de outro país para obter água e abastecer sua população. Tal situação pode ser observada na disputa entre Israel e a Síria, envolvendo as colinas de Golã, onde estão os mananciais que provém de água habitantes dos dois países.

Entretanto, Elliot, que também é cientista política, defende, uma posição muito próxima à de Villa (1997):

Diante da insegurança ecológica, países e população não podem ser seguros se o ecossistema não é seguro. Nem um nem outro vai ajudar a identificar o inimigo que objetiva violar a integridade territorial e a soberania do estado. O 'inimigo' não é o ambiente mas as atividades cotidianas humanas e de corporações" (ELLIOT, 1998:238).
A autora esquece-se de que as atividades humanas e das corporações, como bem apontou, causadoras dos problemas ambientais em escala nacional, estão circunscritos geograficamente. Segundo dados do PNUMA, cerca de 25 por cento do total da população mundial gera os problemas ambientais na escala que encontramos atualmente. Esta é a parcela inserida no universo dos consumidores. Como este índice já chegou a cerca de 30 por cento no início da década de 1990, conclui-se que é cada vez menor a parcela da população que causa problemas ambientais devido ao modo de vida que adotam, o que indica, entre tantas outras coisas, uma concentração da riqueza ainda maior.

Para os seres humanos que estão usufruindo do mundo do consumo e que vivem em determinada unidade política permanece o interesse nacional. Eles querem salvaguardar vantagens específicas que garantem a manutenção de seu modo de vida, que são negociadas para cada aspecto discutido na ordem ambiental internacional.

Neste sentido, protelar o abandono da queima de combustível fóssil é uma atitude esperada, quando se obtém vantagens com sua venda, como defenderam os países árabes na Convenção de Mudanças Climáticas. Se não é preciso empregar a força, isto não representa que se abra mão do interesse nacional. Continua a valer, portanto, uma das premissas do realismo político. É evidente que não é preciso empregar a força para impor sua vontade, como vivíamos durante a Guerra Fria. A persuasão surge de outras maneiras, como algumas que foram propostas na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 no Brasil, e nas conferências das partes que se seguiram a ela.
 

Notas:

1. Este artigo é resultado da Tese de Doutorado A ordem ambiental internacional, defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo em 1999. Nesse trabalho, o autor aborda as relações internacionais e o ambiente, analisando convenções internacionais sobre o tema

2. O Nosso Futuro Comum, que também ficou conhecido como Relatório Brundtland (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988) é produto do trabalho de uma comissão de 21 membros de diversos países que, entre 1983 e 1987, estudaram a degradação  ambiental e econômica do planeta, propondo soluções para os problemas detectados sobre a ótica do desenvolvimento sustentável. Para uma interpretação deste relatório, ver Bermann (1992), Herculano (1992), Malmon (Coord. 1992), Oliveira (1992), Waldmann (1992), Sachs (1993), Cavalcanti (Org. 1995), Christofoletti et al. (Orgs. 1995), Viola et al. (1995), Gonçalves (1996), Ribeiro et al. (1996), Vieira e Weber (Orgs. 1997) e Castro e Pinton (Orgs. 1997).
 

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