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Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98
Vol. VII, nº 344, 25 de enero de 2002

MARTIN, Jean-Yves Les Sans-Terre Du Brésil: Géographie d’un mouvement socio-territorial [Os Sem Terra do Brasil: geografia de um movimento socioterritorial], Préface de Bernardo Mançano FERNANDES. Paris: L’Harmattan, 2001 (Collection Horizons Amériques Latines). ISBN : 2-7475-1477-3

Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes
Geógrafo da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil.


Palabras clave:  campesinado, Brasil, movimientos sociales

Key words: peasantry, Brezil, social movements



O MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é hoje o mais amplo e representativo movimento camponês do Brasil. Os sem-terra lutam contra um intenso processo de exclusão, que se intensificou com a implantação, na década de 1960, do modelo de modernização econômica da agricultura e que hoje se encontra em crise. Esse modelo privilegiou as empresas capitalistas em detrimento da agricultura camponesa. Assim, a agricultura capitalista se desenvolveu enquanto os camponeses, em sua maior parte, foram expropriados e ou expulsos da terra. Ainda, nesse processo, as empresas capitalistas se apropriaram de terras públicas, com incentivo do governo federal, e das terras dos camponeses, aumentando a concentração da propriedade da terra, de modo que o Brasil é o segundo país do mundo com maior concentração fundiária.
 
 

Na década de 1990, com o avanço das políticas neoliberais e conseqüentemente do desemprego estrutural as ocupações de terra aumentaram, tornando-se a principal forma de acesso à terra. Assim, a luta pela terra cresceu e dela começaram a participar os trabalhadores urbanos desempregados. São, em grande parte, famílias que nas décadas passadas foram expulsas da terra e que agora sem perspectivas de trabalho na cidade, procuram nos assentamentos rurais as condições dignas de vida. Por meio dos trabalhos de base, das ocupações, do enfrentamento com latifundiários e com o governo, os sem-terra territorializaram o MST por todas as regiões brasileiras. Nesse tempo, o governo sempre tratou a questão com políticas compensatórias, implantando assentamentos onde os sem-terra ocupavam os latifúndios. Na segunda metade da década de 1990, o governo Fernando Henrique Cardoso, diante da intensificação das ocupações realizadas pelos sem-terra, implantou milhares de assentamentos rurais, bem como regularizou as terras dos posseiros1 na Amazônia.

Desde 1997, por meio de acordos com o Banco Mundial, o governo tem criado políticas de compra e venda de terra, que foram nomeadas de Cédula da Terra e Banco da Terra. Todavia, essas políticas não foram suficientes para desconcentrar a estrutura fundiária. Desse modo, a implantação de assentamentos - resultados das ocupações de terra - a regularização fundiária das terras de posseiros e as terras compradas estão sendo denominadas de "reforma agrária" pelo governo e por alguns cientistas que fazem parte de seu grupo de intelligentzia. Na realidade, o que assistimos é um processo de implantação de assentamentos rurais simultaneamente a intensificação da concentração fundiária, como pode ser observado nos censos agropecuários. Na tentativa de controlar a questão agrária, impedindo o crescimento das ocupações de terra, o governo tem criado leis para criminalizar os sem-terra, não desapropriando terras ocupadas e não assentando as famílias que participam de ocupações.

Para uma melhor compreensão dessa realidade sugerimos a leitura deste livro. Nesta obra, o geógrafo Jean –Yves Martin analisa o MST a partir de diferentes temas. È um estudo de geografia agrária do Brasil. Com certeza, os leitores franceses poderão fazer uma ampla leitura da questão agrária brasileira através da compreensão do mais importante movimento camponês do Brasil. Este livro pode ser lido tanto por especialistas quanto pelas pessoas que têm apenas o interesse de conhecer melhor o MST e o Brasil. Neste trabalho, o autor enfoca a ação desse sujeito na transformação do território, afinal os sem-terra transformam latifúndios em assentamentos e se ressocializam, rompendo com as cercas da exclusão. E assim transformando o espaço, ocupam igualmente o tempo com a luta e a resistência, construindo uma nova realidade.

Este livro é uma coletânea de textos produzidos no período 1997 – 2001, que foram revistos e aumentados. Reúne documentos, dados e informações que muito contribuem para que o leitor possa interpretar melhor o conteúdo desta obra. Aqui o autor apresenta o MST como um movimento socioterritorial e o distingue dos antigos movimentos camponeses da história do Brasil. Jean-Yves Martin analisa o MST por meio da leitura de sua autonomia com relação às instituições que contribuíram com a sua formação: igrejas, partidos, sindicatos etc. O autor também destaca a legitimidade da luta dos sem-terra, que procuram mudar os seus destinos. Assim, se preocupa com as ações e com a organização do MST. Esses dois temas são poucos conhecidos pela maior parte das pessoas, porque a mídia brasileira e o governo monopolizaram uma determinada versão em que os sem-terra aparecem como bárbaros.

Assim, no primeiro capítulo, Jean-Yves apresenta o Brasil dos Sem Terra. São diferentes leituras sobre o tema, reunindo os pensamentos de diversos cientistas, bem como dados e informações de várias instituições. Discute também o processo formação do MST, desde 1979 até 2000, analisando as ocupações, os enfrentamentos com latifundiários, os assentamentos conquistados e o papel da agricultura familiar no Brasil.

No capítulo 2, estuda a geografia rural do Brasil. Desde as lutas dos escravos contra o cativeiro, da guerra de Canudos às lutas das Ligas Camponesas. Desse modo, destaca a originalidade do MST na realização das ocupações massivas de terras. Da mesma forma, analisa a reação do governo e dos grandes proprietários ao processo de territorialização do MST. Apresenta mapas ilustrando a geografia da luta pela terra.

O terceiro capítulo é uma contribuição teórica para os interessados em estudar os movimentos sociais. O autor discute aqui o conceito de movimento socioterritorial e a geograficidade do MST. Esse é um debate que começamos no princípio de 1990. Naquele tempo, não existiam estudos de Geografia que se preocupassem com os movimentos sociais. Estes eram considerados objetos de estudos da Sociologia. Desde então, iniciamos um ensaio teórico estudando os processos de espacialização e de territorialização do MST. Hoje, são muitos os trabalhos de geógrafos a respeito de movimentos sociais. Com certeza, este capítulo é uma importante contribuição a respeito de uma "olhar" geográfico dos movimentos sociais.

Os capítulos 4, 5 e 7 contêm uma das questões cruciais do problema agrário brasileiro: a violência no campo. Estudando a judiciarização da luta pela terra, com a criminalização das ações dos sem-terra, Jean mostra os distintos tipos de violência, a partir de diferentes autores e instituições. Mostra que as ações violentas contra os camponeses não acontecem apenas nas regiões mais pobres, mas também nas regiões mais desenvolvidas. A violência contra os camponeses sem-terra é um fato em qualquer tempo e lugar.

O capítulo 6 é uma análise do discurso da reforma agrária e da população potencial para ser assentada. Discute os mecanismos utilizados pelo Estado e qual a sua competência para implantar essa política. Apresenta dados dos assentamentos e analisa diversos documentos e textos sobre a questão.

Os capítulos 8 e 9 são estudos sobre os 500 anos de luta pela terra e a modernidade da resistência camponesa. Nesse sentido, o autor discute a atualidade das lutas do MST, destacando-as como ações de cidadania. Assim, o que é chamado de arcaico por parte dos pensadores "modernos", Jean demonstra ser extremamente hodierno.

O último capítulo é uma análise dos eventos recentes que estão construindo uma nova fase na história do MST. A utilização de políticas de caráter neoliberal como por exemplo transformar a reforma agrária em um mercado de terras, criminalizando os sem-terra que exigem que o governo assuma suas atribuições e competências definidas na Constituição, fazendo a reforma agrária por meio da desapropriação de terras, de acordo com a Lei. Apresenta também a postura da mídia em demonizar o MST e os apoios que os sem-terra vêm recebendo de intelectuais e instituições.

De fato, como conclui Jean-Yves Martin, o MST é uma aula de geografia e de história da dignidade humana. Mesmo com todos os desafios, impasses, erros e demandas, os sem-terra continuam acreditando que é possível transformar este mundo para melhor. Durante a realização do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001, em Porto Alegre – Rio Grande do Sul (Brasil), camponeses da maior parte do mundo estiveram presentes. Depois de mais de um século em que diferentes cientistas anunciaram o fim do campesinato, estes ignorando a aversão intelectual, continuam lutando para serem eles mesmos.

Assim , como no tema do Fórum Social Mundial, os sem-terra demonstram que um outro mundo é possível. Por isso, este livro é antes de qualquer coisa um desafio, pelo seu conteúdo e por seu método de análise. Depois de ler esta obra o leitor terá uma outra visão dos sem-terra e do Brasil. E com certeza, terá uma outra visão da Ciência Geográfica.
 

Nota

1 Posseiro é o camponês que possuindo a terra não é proprietário. Para ser proprietário é preciso ter a posse e o domínio, por meio de uma certidão de propriedade, que no Brasil é conhecida como escritura.
 

Ficha bibliográfica

MANÇANO FERNANDES, Bernardo. Martin, Jean-Yves Les Sans-Terre Du Brésil: Géographie d’un mouvement socio-territorial. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VII, nº 344, 25 de enero de 2002.  http://www.ub.es/geocrit/b3w-344.htm [ISSN 1138-9796]
 



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