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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie  documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. IX, nº 523, 20 de julio de 2004

PROCESSOS RECENTES DE URBANIZAÇÃO / SEGREGAÇÃO EM SALVADOR: O MIOLO, REGIÃO POPULAR E ESTRATÉGICA DA CIDADE

Rosali Braga Fernandes
Profesora. de la UEFS, de la UNEB y de la UCSal - Bahia
Doctora en la Universidad de Barcelona
 



Palabras clave: urbanización, segragación, Salvador de Bahia (Brasil)

Key words: urbanization, segregation, Salvador de Bahia (Brasil)


Processos recentes de urbanização em Salvador: O Miolo, região popular e estratégia da cidades (Resumo)

Este artigo insere-se numa pesquisa muito mais ampla que, nos últimos doze anos, trata de reconstituir e interpretar os processos de urbanização e de segregação em Salvador. Cidade histórica do Brasil, Salvador é hoje muito distinta daquela existente até o século XIX. Novos bairros surgiram e cresceram, sendo o Miolo (região com cerca de 41 bairros e 35 por cento da superfície da cidade) o exemplo mais marcante desta nova configuração urbana.

Até finais de 1940 o Miolo era praticamente rural. Nos anos 50, começaram a expansão horizontal e a segregação urbana em Salvador, transformando-o na área de maior expressão do processo de periferização sócio-espacial da cidade.

A partir de então, as alterações foram impressionantes. Na década de 60, mudanças no sistema de transporte transformaram a cidade. Nos anos 70 houve a implantação de importantes equipamentos e um intenso incremento habitacional. Nas décadas de 80 e 90 o Miolo cresceu com taxas superiores às de Salvador, constituindo-se num grande eixo de expansão da cidade.

A densificação prossegue, tornando necessárias ações estratégicas que contemplem as necessidades da expressiva comunidade local e que se preocupem também com a qualidade de vida na região e em toda a cidade.


Este texto insere-se numa pesquisa muito mais ampla (Feernandes, 2000), que trata de reconstituir e interpretar os processos de urbanização e de segregação em Salvador.
Cidade histórica do Brasil, Salvador é hoje muito distinta daquela existente até o século XIX. Novos bairros surgiram e cresceram, sendo o Miolo (região com cerca de 41 bairros e mais de 35% da superfície da cidade) o exemplo mais marcante desta nova configuração urbana.
Até finais de 1940 o Miolo era praticamente rural. Nos anos 50, começaram a expansão horizontal e a segregação urbana em Salvador, transformando-o na área de maior expressão do processo de periferização sócio-espacial da cidade. A partir de então, as alterações foram impressionantes. Na década de 60, mudanças no sistema de transporte transformaram a cidade. Nos anos 70 houve a implantação de importantes equipamentos e um intenso incremento habitacional. Nas décadas de 80 e 90 o Miolo cresceu com taxas superiores às de Salvador, constituindo-se num grande eixo de expansão da cidade.

Neste texto vamos trazer uma caracterização geral do Miolo e depois vamos tratar de explicitar seu processo de ocupação. A partir daí é que vamos tratar sobre o panorama da região na década de 1990 e sobre as transformações estruturais pelas quais está passando o Miolo neste início de século XXI.

Caracterização do miolo

O Miolo de Salvador é assim denominado desde os estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano para a Cidade de Salvador (PLANDURB), da década de 1970. Este nome se deve ao fato da região situar-se, em termos geográficos, na parte central do município de Salvador, ou seja, no miolo da cidade. Possuindo cerca de 115 km, ele está entre a BR 324 e a Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como Avenida Paralela, estendendo-se desde a Invasão Saramandaia até o limite Norte do Munícipio.

A região vem sendo aceleradamente ocupada por população de baixa renda, tanto através de programas governamentais como por ocupação espontânea. Ele também é objeto de grandes investimentos dos setores secundário e terciário da economia. Contudo, a pesar de sua expressividade e importância, não é muito conhecido pela maioria da população soteropolitana.

Segundo o Plano de Ocupação para a Área do Miolo de Salvador (Conder; PMS, 1985), que é um instrumento de pesquisa fundamental na região, o Miolo oferece condições físico-ambientais favoráveis à habitabilidade. À estas boas condições no âmbito das características naturais soma-se a situação geográfica no contexto de Salvador, inclusive em relação aos municípios circunvizinhos. Tudo isto faz do Miolo da cidade de Salvador, uma área de expansão urbana por excelência. Vejamos agora como se processa a referida expansão.

O Contexto e o processo de ocupação do Miolo

Para bem caracterizar o Miolo, é fundamental avaliar algumas questões básicas sobre o processo de expansão urbana em cidade como a nossa. Assim, antes de nos fixarmos na evolução do Miolo propriamente dito, vamos destacar alguns aspectos importantes para melhor compreender a formação da área.

O rápido crescimento da população em países como o Brasil, gerou um tipo de expansão territorial das cidades, através de um processo de expulsão dos pobres dos centros urbanos para áreas mais distantes, ao que podemos chamar de processo de formação de uma periferia sócio-espacial. Dita forma de crescimento é uma suburbanização inversa da que se realiza nos países anglosaxões. "...às avessas porque estas periferias são constituídas de populações pobres, com elevadas taxas de subemprego, carentes em serviços urbanos, físicos e sociais, enquanto que nos países desenvolvidos, o processo de suburbanização está associado a uma qualidade de vida muito superior, exatamente nos arredores das grandes cidades, com casas unifamiliares, espaços verdes amplos, etc., que caracterizam o padrão de vida de famílias de classe média-alta". (Faissol; Moreira; Ferreira, 1987, p.86).

Na cidade de Salvador, o processo de expansão horizontal foi efetuado a partir de 1950. Ele foi condicionado pelo aperfeiçoamento dos meios de transporte, pelo desenvolvimento do centro e por fenômenos socioculturais particulares. Embora a crescente demanda de lugares para habitação pudesse ter sido, em grande parte, resolvida pela colmatação dos vazios internos do tecido urbano e proximidades, em função da rigidez da estrutura da terra na cidade, o crescimento da periferia foi a tendência predominante. O mecanismo de especulação imobiliária conferiu ao fenômeno uma intensidade muito distinta da que deveria ser a evolução natural (Brandão, 1978, p.160).

 Segundo o Plano do Miolo, este crescimento urbano de Salvador depois de 1950 se concretizou na área através do incentivo à formação de assentamentos urbanos geograficamente dispersos, gerados inicialmente pela presença da antiga estrada de acesso ao aeroporto, a chamada Estrada Velha do Aeroporto, pelo loteamento de velhas chácaras agrícolas originando lugares como Cabula, Pernambués e outros, e finalmente pelos próprios investimentos de ocupação planejada que basicamente são os grandes conjuntos habitacionais ali existentes.

A expansão do transporte, que impulsiona o processo de ocupação urbana em Salvador, se mostra inicialmente no Miolo através da construção da Rua Silveira Martins (1965-1966). Também na implantação dos primeiros conjuntos habitacionais na então Fazenda Sete de Abril, pela Companhia de Urbanização de Salvador (CURSA), precursora da Habitação e Urbanismo da Bahia (URBIS), a qual sofreu um processo de liqüidação. Desta maneira, é possível afirmar que, desde o princípio, a Companhia de Habitação Popular (COHAB), foi indutora da expansão urbana periférica.

A criação, entre finais de 1960 e começos de 1970, da Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como Avenida Paralela, situou o Miolo em uma posição estratégica - entre dita Avenida e a BR 324 -, o que contribuiu tanto a acelerar sua ocupação, como para estimular ainda mais a especulação imobiliária na cidade.

Em 1968, com a promulgação da Lei nº 2.181 da Reforma Urbana, o distrito municipal perde um instrumento que poderia ser eficaz na resolução do problema da habitação. De fato, a referida reforma liberou as terras da prefeitura da cidade e gerou a expansão do capital imobiliário, provocando uma pressão crescente sobre a terra.

No ano de 1970, os assentamentos mais significativos do Miolo eram o Cabula, Pernambués, Pau da Lima e São Gonçalo do Retiro. No que restava da área, a população se encontrava diluída em núcleos espontâneos, como a Palestina, ou de ocupação planejada, como é o caso de Castelo Branco. Embora algumas propriedades agrícolas de pessoas de média-alta e alta renda tenham resistido, proliferaram-se os loteamentos ilegais em grande escala.

É a partir deste período que o Estado começa a atuar no âmbito nacional, sobretudo com a implantação de infraestrutura urbana e o desenvolvimento de programas de habitação. Na área do Miolo, a execução e consolidação de projetos como Castelo Branco, Narandiba, Mussurunga e Cajazeira, ditam os rumos da ocupação, acelerando a expansão periférica e aumentando os vazios entre a área urbana contínua e o limite urbano municipal.

Na época do chamado Milagre Brasileiro - entre os anos 1968-1974 -, os programas urbanos foram estendidos mas acentuou-se a concentração da renda gerada, deteriorando ainda mais as condições de vida urbana. Também é neste período que se registra a presença destacada das invasões no Miolo, como a que originou o atual bairro de Tancredo Neves.

Em Salvador, e em outras cidades do chamado Terceiro Mundo, o aumento do custo das terras urbanas dificultou o acesso ao solo para a maioria da população, obrigando à busca da satisfação da necessidade habitacional em áreas mais distantes e com infraestrutura mais débil, como era o Miolo.

Este tipo de crescimento urbano é recente, caótico e extremamente expressivo e corresponde ao mecanismo que ocorre nas grandes cidades do mundo subdesenvolvido. Estamos falando da expulsão dos pobres, imigrantes ou nascidos na cidade, dos centros urbanos para áreas mais distantes. O processo de formação da periferia é um reflexo espacial da atual articulação entre agentes financeiros, econômicos, políticos, sociais, institucionais e ideológicos tanto na escala local como na global, articulação esta que expressa as relações entre as distintas classes sociais. É a necessidade de satisfação do problema da habitação que gera o processo de formação da periferia (Fernandes, 1992).

Vale a pena ressaltar que o próprio governo impulsiona este tipo de crescimento urbano quando, como no caso de Salvador por exemplo, constrói grandes conjuntos habitacionais  através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) em lugares distantes e quase sem infraestrutura.

O processo de rápida periferização tem sua melhor expressão no Miolo de Salvador que, em menos de três décadas chegou a mais de meio milhão de habitantes. Comparando, por exemplo, a população localizada no Miolo com a existente na cidade de Feira de Santana - que é a segunda maior cidade do Estado da Bahia - observamos que a partir da década de 1990, há mais gente vivendo no Miolo que na referida cidade.

Segundo Silva, em uma área como esta, com tão elevado contingente de população e carências em infraestrutura, as distâncias pioram muito os problemas, principalmente os vinculados aos transportes coletivos. Neste aspecto se destacam os grandes conjuntos habitacionais como Cajazeira e Fazenda Grande que juntos têm mais de 150.000 pessoas.

Longe dos empregos e dos serviços básicos, não implantados apesar de terem sido planejados, as necessidades de transportes são extremamente importantes. Mais de uma dezena de sub-conjuntos com muitos prédios ocupando os topos dos morros, relativamente distantes uns dos outros, formam esta imensa área, verdadeira cidade média sem um centro urbano, portanto, sem vida própria, inclusive sem lazer, distante de tudo e de todos. Pode-se perguntar se este modo de planejamento não é realmente perverso para a maioria dos habitantes destes conjuntos, "condenados" a uma espécie de prisão aberta, ou seja, a viver em distantes núcleos dormitórios sem infra-estrutura adequada e sem serviços básicos. (Silva,1991, p.72)

O autor afirma que, embora ainda sejam insuficientes, em algumas partes do Miolo os empregos cresceram muito: na Avenida Paralela se concentram os empregos públicos, principalmente em torno do Centro Administrativo da Bahia (CAB); em São Cristóvão se ampliou a oferta de empregos privados; na BR 324 houve uma significativa expansão de empregos privados, principalmente depois da implantação de Pirajá e do Porto Seco Pirajá, que concentram muitas empresas. Cabe ainda destacar alguns núcleos internos no Miolo como Cabula, Pernambués, Pau da Lima e São Marcos onde, além da existência de grandes empresas, há também um grande crescimento do comércio tanto individual como em pequenos centros comerciais.

Os trabalhos de reconhecimento

O Miolo se constitui em uma importante região de Salvador. Em termos de área o Miolo corresponde a 36,74% de toda a cidade e, em termos de população representa cerca de 28,67 por cento de Salvador.

Considerando que sobre a referida região, além do já citado Plano, não existem estudos e diagnósticos, decidimos realizar uma ampla análise da área, onde buscamos destacar as principais características das diversas localidades que compõem o Miolo. É justo sobre o conteúdo desta pesquisa que trataremos a seguir, resumindo alguns dos resultados ali apresentados. (Fernandes, 1992).

Vale a pena destacar que as informações sobre as quais vamos tratar foram adquiridas através de nossas próprias observações pessoais e das informações proporcionadas por antigos habitantes locais ou por grupos de vizinhos.

De início já merece indicar a presença de grandes complexos não residenciais como o Centro Administrativo da Bahia (CAB), a Central de Abastecimento da Bahia (CEASA), Pirajá e Porto Seco Pirajá. Enquanto que na maioria das áreas visitadas os entrevistados respondem como habitantes, no CAB, na CEASA, em Pirajá e em Porto Seco Pirajá, o fazem como trabalhadores locais.

No que se refere ao tipo da localidade, observamos o grande predomínio da habitação posto que 73,2 por cento das 41 localidades visitadas se caracterizam por serem basicamente residenciais. Depois desta expressiva representatividade da habitação ficam apenas 17,1 por cento para as localidades de usos múltiplos, sendo que nestas também podem existir residências; 4,9 por cento de uso empresarial; 2,4 por cento para as localidades comerciais; e outros 2,4 por cento para as localidades de uso administrativo.

Em termos do tempo aproximado de existência, constatamos uma grande heterogeneidade. Há localidades com séculos de existência - Areia Branca e Calabetão - mas, a maioria apresenta menos de 50 anos. Só para ter uma idéia, em 1990 a média de antigüidade das localidades entrevistadas era de um pouco mais de 30 anos. Este dado nos remonta aos finais da década de 50, fato que coincide com o que dissemos anteriormente de que a expansão horizontal de Salvador se efetuou a partir desta década e no espaço do Miolo.

Com relação ao item das ocupações básicas existentes, podemos dizer que das 41 localidades investigadas, 37 possuem invasões; 24 têm loteamentos - sejam legais ou ilegais; 28 contam com bairros consolidados; 20 dispõem de conjuntos habitacionais; somente 3 possuem edifícios públicos e apenas 3 das localidades possuem grandes galpões de empresas.

Sobre o tema dos serviços específicos existentes, 35 das 41 localidades têm igrejas; enquanto que, só em 24 existiam postos de saúde; apenas 6 dispõem de escolas que vão até o antigo segundo grau, e somente 5 localidades dispõem de creches. Em termos dos serviços mais gerais foram citadas 36 lojas de produtos variados; 11 pequenos mercados semanais; 9 postos de gasolina; 8 restaurantes; foram também detectadas 8 empresas diversas; 7 supermercados; 7 equipamentos esportivos sendo todos particulares; 6 unidades de bancos; 5 postos dos correios; 3 associações de vizinhos; 3 consultórios dentários; apenas 3 laboratórios de análises clínicas; e 2 sociedades de beneficência. Também encontramos outros serviços que são citados unicamente uma vez como o cemitério, o hospital geral, o hospital para problemas mentais, uma horta - onde se planta e vende produtos como tomate, tempero verde, etc.-, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e outros.

Os problemas com os transportes públicos, muito comuns na cidade como um todo, são tão expressivos no Miolo que representam uma das principais queixas sobre a área, como vamos ver na análise sobre o que pensam os habitantes que há de pior no lugar onde vivem.

No que diz respeito à acessibilidade do Miolo, os habitantes indicam, na maioria das vezes e como era de se esperar, as principais vias de acesso que rodeiam o Miolo, ou seja, a BR 324 e a Avenida Paralela.

Uma questão muito interessante da entrevista foi a classificação dos habitantes sobre o lugar onde vivem. De acordo com as respostas, somente 12,20 por cento dos entrevistados disseram que o lugar onde vivem é bom, enquanto 36,58 por cento o classificaram como regular e 51,22 por cento consideraram o lugar onde moram como ruim. Diante do panorama geral de não aprovação do Miolo, perguntamos sobre o que cada entrevistado considerava pior e as respostas apontam na direção da ausência dos serviços públicos de uma maneira ampla. Entre as muitas queixas, os problemas que mais se destacam são os relacionados com os transportes públicos e com a violência urbana.

De acordo com o contexto refletido na investigação aqui detalhada, há muito por fazer no Miolo no sentido de melhorar a qualidade de vida dos que residem ali. Também apontamos a necessidade de novos estudos sobre a área que, além de muito expressiva dentro da realidade da cidade como um todo, apresenta forte ritmo de crescimento.

Mudanças estruturais

A caracterização feita até aqui mostra que o Miolo é muito importante tanto em termos de área como da população que mora ali. Desde a década de 1970 até os finais da década de 1990, os crescimentos relativos à população e à unidades residenciais no Miolo e em Salvador, são muito semelhantes, o que mostra que, a partir do momento em que o Miolo começa seu processo de ocupação, as taxas de crescimento são proporcionais às da cidade como um todo.

É evidente que tal panorama aponta para a necessidade de grandes intervenções públicas em todos os setores. Nos ultimos tempos observa-se uma forte intervenção no sistema viário, e é justamente sobre isto que vamos tratar no presente item.

Foi executado no Miolo um grande trabalho de ação conjunta entre a prefeitura e o governo do Estado. Nos referimos à construção de uma importante avenida que cruza de ponta a ponta a parte sul da área analisada. A implantação da referida avenida está trazendo transformações, não somente no lugar mas também em toda a lógica da circulação da cidade de Salvador. Trata-se da antiga Avenida do Descobrimento, prevista há muito tempo em planos urbanísticos da cidade, e que teve seu nome trocado por Avenida Luís Eduardo Magalhães, como forma de homenagear ao filho do Senador Antônio Carlos Magalhães, que faleceu em 21 de abril de 1998.

De acordo com o Plano Inicial de Trabalho da Avenida do Descobrimento (Governo da Bahia; PMS, 1997), a referida Avenida é a mais importante das conexões transversais planejadas para a cidade posto que, com suas 4,5 km de extensão, vai unir pontos fundamentais do tráfico de Salvador, como o Largo do Retiro, a BR 324 e a Avenida Paralela, sem necessidade de que os carros passem por uma rótula de tráfego sempre muito conturbada chamada Rótula do Abacaxi, nem diante do Shopping Center Iguatemi, pontos de constantes engarrafamentos. Além destas vantagens, o Plano destaca que a Avenida estabelece uma conexão direta entre o litoral da Baía de Todos os Santos e o litoral Atlântico, assim como entre os grandes e movimentados corredores metropolitanos da BR 324 e da Avenida Paralela. Também dá novas condições de acessibilidade ao Cabula e a Pernambués, além de ordenar e estruturar o crescimento urbano da área do Miolo da cidade de Salvador.

As vantagens assinaladas até aqui se constituem nas próprias razões para a efetivação da construção da Avenida Luís Eduardo Magalhães e foram destacadas pelo próprio documento analisado, ou seja, estão baseadas na opinião de quem elaborou o projeto. No entanto, é necessário expressar que há muitas outras opiniões sobre o tema.

Em outros termos, é indiscutível que é necessário fazer intervenções para melhorar a circulação e a acessibilidade na cidade e na área do Miolo mas, também é fundamental que se estude bem a forma e o local de execução das novas vias. Caso contrário ditos investimentos podem causar muitas complicações tanto a nível local como numa abrangência maior. Dentro dos pontos de vista críticos em relação à referida Avenida, destacamos, por exemplo, os aspectos assinalados pelo arquiteto Orlando Anastácio do Sacramento, importante profissional aposentado da Prefeitura de Salvador. Ele demonstra uma grande preocupação com relação à população que vai ser efetivamente beneficiada e também com o que vai ser feito nas margens da via (Fernandes, 2000).

Os problemas com a circulação em Salvador são muito sérios, não somente no Miolo mas na cidade como um todo. Com mais de 2.000.000 de habitantes em uma área de 313 km2, o sistema de transporte de massa, que deveria atender às necessidades, é muito deficiente. Como vimos, a construção de vias estruturais ligando pontos estratégicos é uma das ações efetuadas com o propósito de melhorar esta situação mas, seguramente não é a panacéia para todos os males.

Uma intervenção que supõe um grande impacto em toda a cidade é a da implantação da rede de metrô, ainda inexistente na cidade. De acordo com o Projeto Metrô de Salvador, somente a ampliação dos ônibus não pode atender à necessidade, cada dia maior do transporte em Salvador. Por isto torna-se necessário a adoção de medidas para modernizar e ampliar a oferta de transportes na cidade e mais concretamente a implantação do metrô (PMS, 1998).

Os grandes eixos da rede do metrô serão os mesmos grandes eixos de circulação e de integração do Miolo, o que seguramente supõe grandes impactos para toda a área.

O projeto está sob a coordenação da Prefeitura Municipal de Salvador, de acordo com o Governo do Estado e com o Governo do País, além de estar também envolvido com a iniciativa privada. As obras estão a pleno vapor e, embora não estejam concluídas, já estão trazendo grandes impactos. As transformações estruturais quando da inauguração do sistema de metrô em Salvador vão se refletir no Miolo e na lógica total da cidade.

Considerações finais

Em nossa opinião, diante de todas as pesquisas empreendidas, o processo de segregação espacial da classe trabalhadora residente no Miolo de Salvador é um dos problemas urbanos da cidade de Salvador e, como tal, não pode ser resolvido isoladamente; em outras palavras, ainda que consideremos que as solicitações dos ali residentes devam ser atendidas, cremos também que devem ser adotadas atitudes mais efetivas, para que os problemas possam de fato ser minimizados. Mais adiante exporemos algumas propostas, em níveis de profundidade diferentes, no sentido de buscar as soluções para as deficiências sócio-espaciais-urbanas existentes no Miolo.

Em termos amplos, e a longo prazo, apontamos a necessidade de realizar reformas estruturais na sociedade brasileira. Reconhecemos que tais reformas exigirão ações profundas contudo, consideramos que somente uma melhor distribuição de renda reduzindo o nível de pobreza presente em nossas cidades pode, efetivamente, trazer efeitos positivos no que tange à melhoria da qualidade de vida em nosso país. A pobreza é a causa principal da maioria dos problemas sociais, entre os quais ressaltamos o da segregação residencial que acaba por piorar a pobreza.

A médio prazo, apontamos para a necessidade urgente de realização e aplicação de planos detalhados, que contem com a participação da comunidade. Os referidos planos devem gerar melhores condições de vida para os habitantes da periferia, através das intervenções e dos investimentos em infraestrutura básica e serviços públicos. O processo de planejamento deverá, através da especificação de usos, definir e controlar espaços para a expansão dos bairros populares, onde devem ser considerados também os aspectos relativos ao meio ambiente, buscando a preservação de áreas verdes significativas, os cursos dos rios, os parques, etc.

A curto prazo, destacamos as necessidades de intervenções no âmbito local, as quais devem atender às reinvindicações dos habitantes que, de acordo com nossas investigações, são principalmente os problemas da segurança, do transporte, e dos serviços urbanos de uma maneira geral.

É sumamente importante e urgente que as comunidades cada vez mais se organizem, com movimentos sociais ativos, tanto para exigir as mudanças, como para acompanhar o desenvolvimento das mesmas.

Embora o Miolo se tenha transformado através do incremento crescente dos serviços, do próprio crescimento urbano e da abertura constante de acessos, caso a lógica atual de distribuição de ingressos e de apropriação e uso da terra seguir perpetuando-se, certamente a população de baixa renda não se beneficiará pois, em não conseguindo arcar com os custos de viver um uma área com mais serviços e mais valor, ela voltará a buscar locais mais distantes, perpetuando com isto, os mesmos problemas em outro lugar.

O Miolo se constitui na cara dramática da recente expansão de Salvador; assim, o desenrolar de seu processo de crescimento é de fundamental importância para o próprio futuro da capital da Bahia.

Bibliografía

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BRANDÃO, M. de A. Origens da expansão periférica de Salvador. Planejamento. Salvador, v.6, n.2, p.155-172, abr./jun., 1978.

ENTREVISTA Nº 33; EX - FUNCIONÁRIO DA PREFEITURA DE SALVADOR. Orlando Anastácio do Sacramento. Salvador, 06 de fevereiro de 1999. In: FERNANDES, R.B. Las Políticas de la Vivienda en la ciudad de Salvador y los procesos de urbanización popular en el caso del Cabula. Barcelona, 2000. (Tesis Doctoral para la Uiversitat de Barcelona).

FAISSOL, S.; MOREIRA, L.L.; FERREIRA, M.L. O processo de urbanização brasileiro: uma contribuição à formação de uma política de desenvolvimento urbano/regional. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, ano 40, n.2, p.1-160, abr./jun. 1987.

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SALVADOR. Prefeitura Municipal de Salvador; Secretaria de Promoção de Investimentos e Projetos Especiais. Projeto Metrô de Salvador. Salvador, julho de 1998.

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Ficha bibliográfica
FERNANDES, Rosali B.  Processos recentes de urbanização em Salvador: O Miolo, região popular e estratégia da cidades. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. IX, nº 523, 20 de julio de 2004. [http://www.ub.es/geocrit/b3w-523.htm]. [ISSN 1138-9796].


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