Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie  documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. X, nº 606, 5 de octubre de 2005

A CIDADE “ENTRE-DESENHOS”, E A ÉTICA DA ALTERALIDADE.
UNA RESPOSTA A HORACIO CAPEL

Pedro Brandão


Palavras chave: cidade, desenho urbano, identidade profissional

Palabras clave: ciudad, diseño urbano, identidad profesional

Key words: city, urban design, professional identity


Generosamente, o professor Horacio Capel, publicou na revista Biblio 3W - GeoCrítica, nº594 de 9 de Julho 2005, um artigo dedicado à minha tese de doutoramento “Etica e Profissões no Design Urbano – A Convicção, a Responsabilidade e a Interdisciplinaridade, traços da Identidade das Profissões do Desenho da Cidade”. Nele expõe parte importante da sua arguência no júri a que presidiu, o que me dá bastante satisfação - com a sua gestão do acto académico e com a sua arguência, deu um contributo decisivo para uma sessão cujo conteúdo foi relevante para todos os presentes, e dá-me agora uma nova oportunidade, para precisar alguns aspectos e retomar um diálogo muito útil.[1]

Esta tese é de certa forma biográfica, reunindo reflexões que me foram proporcionadas em mais de quinze anos de experiências sobre a prática das profissões do desenho (as práticas da Arquitectura, das Artes Plásticas, do Design, do Paisagismo…). Mas em vez de reunir esse caudal de reflexões num calmo estuário, subi a bacia dos seus afluentes, em busca das nascentes distantes, e de uma perspectiva simultânea de várias visões, incluindo ainda, no campo de visão, o próprio observador.

A minha actividade levou-me ao estudo das profissões, começando com a minha própria, de arquitecto. Não sentindo qualquer necessidade interior de “abjurar” a minha profissão, nem de renegar o trabalho que desenvolvi com outros para a sua promoção, a nível nacional e internacional, refiro-me a ela nesta tese, como um caso-estudo. Faço a crítica dos paradigmas identitários autocentrados da profissão de arquitecto e proponho estratégias de identidade alternativas, aos paradigmas proteccionistas, ao solipsismo artístico, ao mediatismo do “starsystem” e em particular ao que chamei o paradigma “liberal-tradicional”.

Mas o corpo principal da tese, ocupa-se do conjunto das profissões do desenho e da sua participação no Design Urbano - o qual identifiquei, não como resultado da acção de uma profissão (fosse a de arquitecto ou outra, ou menos ainda, uma nova profissão de “desenhador urbano), mas como um tipo de projecto que exige a acção de várias, em colaboração.

O “núcleo duro” da tese, é portanto a procura de um modelo operativo da Interdiciplinaridade, alternativo à especialização, no domínio do Design Urbano, tendo como base uma proposta de fundamentação ética das práticas profissionais do desenho. Essa fundamentação é especialmente necessária em torno das questões do espaço público e do desafio emergente de uma urbanidade contemporânea que é extensa, complexa e fragmentada.

Argumento e conceito  (e talvez preconceito)

A argumentação principal do professor Capel (HC) de que a tese contería ainda um “sesgo corporativo”, surpreendeu-me, por não encontrar na tese senão justamente a orientação contrária. E como não é por caminhos de interpretação “psicanalítica” que o professor formula essa ideia, há na sua argumentação referência a algumas passagens concretas da tese, que assumo o possam ter induzido, por deficit de clareza minha (ou de tradução, pois a tese está escrita em português, com um resumo em castelhano). Admito também que o caso possa ser outro, algo exterior à tese. Pelo que sucintamente passo em revisão os argumentos:

1.As preocupações de interdisciplinaridade da tese limitar-se-iam segundo HC a um estratagema de poder da profissão de arquitecto, um “verniz intelectual que permita manter o controle da construção e do urbanismo, deixando de fora outros profissionais, aos quais nunca se alude, mediante o artifício de pôr “ênfase no desenho”. Este sesgo corporativo que HC “crê perceber”, na insuficiente referência aos profissionais da Sociologia, da Geografia e da Economia, “desvalorizando os aspectos sociais do problema” deve-se em sua opinião à tese se basear numa ideia de Design Urbano que julga demasiado centrada no desenho. Bastará porém, a própria citação que HC faz do texto da tese (p.119) para evidenciar que o Design Urbano inclui questões que são atendidas a partir dos “campos da Arquitectura, da Arquitectura paisagista, do Design, das Artes, dos Estudos Urbanos, das Engenharias, da Gestão...”. É um exemplo dos muitos outros momentos em que na tese afirmo a importância dos contributos dos Estudos Urbanos (sociais, históricos, económicos e geográficos), para uma ética centrada na vivência social – “o significado está no uso”. Ao defender uma ética do desenho centrada não no Autor, mas no “Outro” - a “alteralidade” - não poderíamos senão promover as perspectivas sociais do urbano.

2. A tese centrar-se-ía em demasia, segundo HC na questão da Identidade Profissional, desvalorizando a compreensão das profissões pelo lado das suas funções, relacionamento, estruturas. Mas a concepção de profissão que seguimos, a partir da sociologia das profissões, é inteiramente a das correntes Interaccionistas. É por isso que o estatuto de identidade das profissões do desenho é definido a partir de “quadros de interactividade” em que se enquadram as questões da formação, da organização oficinal, dos papeis desempenhados e relações estabelecidas, da relação com o sistema normativo e da acção do Estado, etc. Segui este método no caso - estudo, na formulação dos “elencos de responsabilidade” e ainda na definição das condições da Identidade Profissional: estruturas, responsabilidades e significado cultural. Basta transcrever um quadro em que se sintetiza uma Matriz de Compreensão da Identidade Profissional, para ver como a noção é abrangente dos processos sociais, económicos e culturais:
 

Matriz de compreensão da Identidade Profissional
A) Dos processos históricos e sociais envolvidos na constituição do “corpo” profissional
    As relações Estado-Profissão;
    O“controle de resultado” que a profissão tem ou não sobre o seu produto;
    Os processos de trabalho e organização;
    A sua posição na estrutura social (como actor e como agente);
    A sua posição na estrutura económica (como criador de riqueza ou como elemento da esfera do consumo);
    A sua posição na estrutura cultural (líder de opinião ou vulgarizador).
    Os sinais exteriorizados através de “gostos”, “ritos” e  “jargões” da linguagem grupal
B) Dos momentos críticos da identidade profissional e das suas manifestações
    As “condutas de fracasso” na profissão;
    A confusão na definição do seu papel social;
    A mobilidade, ou instabilidade, quer das suas relações de produção quer da sua relação com as mudanças políticas, económicas e sociais;
    A sua necessidade de justificação perante ameaças externas ou internas ao seu espaço de intervenção, à sua autonomia ou caracterização.
C) Do percurso “temporal” da profissão 
    O seu passado (referências, memória, imaginário), 
    O seu presente (prática, acção, posição),
    O seu futuro (aspirações, projecto, utopia).
                        Fonte: Pedro Brandao, Tesis Doctoral, p. 39

3.HC critica o destaque excessivo que, em sua opinião, merecem na tese os artistas plásticos como profissionais do desenho, no seu contributo para “dar forma” ao espaço público urbano. E enuncia a ideia de que tal destaque se devería :

·A uma estratégia que alegadamente a tese seguiria, de procurar dominar o processo interdisciplinar, a partir da profissão de arquitecto, fazendo nele incluir profissões às quais não se aplicaríam por inteiro os mesmos paradigmas profissionais

·Ao facto de a tese ser apresentada a partir de uma Faculdade de Belas Artes, e não de outra. De facto o doutoramento insere-se no programa “Espaço Público e Regeneração Urbana” do centro de estudos CERPOLIS, centrado naquela faculdade (programa que foi classificado de Doutorado de Qualidade, e que me proporcionou um quadro de “descompromisso” corporativo, que hoje é difícil de encontrar, nomeadamente em Portugal).

Para além de ter toda a pertinência a inclusão dos estudos urbanos numa Faculdade de Artes (comprovada pela crescente importância dos projectos de Arte Pública no ambiente urbano e em especial nos projectos de Design Urbano e, dentre estes, os que respondem à necessidade de “monumentalizar” as periferias[2]), a proximidade entre as profissões que usam o desenho como ferramenta conceptual e projectual, tem naturalmente origem numa raiz comum, o próprio desenho. A sua colaboração nos temas urbanos pode e deve ser aprofundada, não excluindo por esse facto outros ramos do saber. O que, no caso da inserção da Faculdade de Belas Artes na Universidade de Barcelona, está facilitado por natureza[3].

4.HC valoriza o domínio da Etica como fundador da Identidade, domínio que a tese aprofunda em múltiplas direcções, em especial no campo do urbano. Mas acusa a tese de reducionismo, por alegadamente se centrar na questão das periferias (considerando esse desígnio exagerado para as profissões do desenho), e excluir a obrigação de questionar a postura moral dos profissionais em relação a factores como:

·O negócio imobiliário, do qual os arquitectos em particular seríam cúmplices

·Os atentados ao património, nomeadamente nos centros históricos

·A falta de empenho cívico dos profissionais que não denunciam situações lesivas.

A própria tese afirma em várias partes os dilemas e ambiguidades éticas destas profissões, nas contradições que as percorrem, entre interesses públicos e privados. Identifiquei a necessidade do “agenciamento profissional” dos interesses públicos, dos direitos urbanos, da participação cidadã e em especial dos que têm “déficit de voz”. Mas não quis ceder à tentação da facilidade, de repetir o óbvio, de simplificar a complexidade, apontando rápidamente como “culpado”, o mercado. Não podemos ignorar que hoje as políticas urbanas se concretizam integrando a lógica económica e a articulação entre a acção dos poderes públicos e do investimento privado, em dinâmicas de parceria (com aspectos positivos e negativos que é preciso avaliar).

Na tese aponto que um dos mais importantes déficits de saber profissional, é o déficit de saber sobre o mercado urbano. A comparação entre o que se passa nos centros e nas periferias urbanas, indica-nos desde logo os nossos próprios limites: sabemos já diagnosticar e apontar soluções com razoável consenso para os centros históricos, enquanto que para as periferias é mais evidente o nosso deficit: é lá onde estão a maior parte dos cidadãos urbanos de hoje, e onde a cidade fragmentada é mais agressiva, é lá que os profissionais têm hoje de concentrar a sua energia num novo saber, não por “oportunidades de negócio”, mas para construir em comum novas perspectivas de urbanidade, que valham para o mundo de hoje. Essa missão terá menos apelo mediático e “cultural” que a intervenção em zonas históricas, mas eticamente tem uma acuidade social (e espacial) que considero mais decisiva.

5. HC coloca ainda reservas em relação à caracterização do Design Urbano que é feita na tese:

·Por ser demasiado abrangente em termos das escalas de projecto, correndo o risco de se confundir com a escala do Planeamento.

·Por atribuir aos profissionais do desenho a visão projectual da cidade, a partir de uma perspectiva de futuro, por oposição à visão das ciencias, que dela teríam uma perspectiva mais analítica, ou retrospectiva, isto é, um conhecimento construído a partir do passado.

A noção de Design Urbano defendida na tese é fruto da reunião das perspectivas espaciais, sociais e económicas sobre as transformações da forma urbana, não se podendo circunscrever a uma determinada escala (alegadamente intermédia entre a escala da arquitectura e a do urbanismo), mas caracterizando-se antes como projecto, tendo por matriz de fundação, o Espaço Público. Aspectos estratégicos - como a importância do factor tempo (oportunidade e sustentabilidade), do espaço (a simultaneidade das opções de diferentes escalas, desde o traçado ao objecto), da relação de parceria público-privada no investimento e da prática interactiva entre saberes - reclamam a coordenação e, no limite, a interdisciplinaridade.

Ora é um facto (reconhecido na tese) que as disciplinas do desenho têm déficit de saber empírico, que procuram colmatar pedindo-o de empréstimo aos saberes científicos, em especial os das ciencias sociais e humanas. Assinalo na tese alguns casos mais notórios da produção de saber sobre a cidade, independentemente da sua origem disciplinar. Mas reconhecer-se-á pelo simples sentido comum, que quando falamos de “dar forma”, implica-se um grau de “imaginação prospectiva” na cidade “sonhada”, que é desenhada em soluções espaciais concretas. É o que chamo “desígnio - desenho”, ou “desejo - produção”,  traço característico das profissões do desenho.

6. Finalmente, HC considera insuficiente o manejo da bibliografia sobre as relações entre arquitectos e engenheiros em Espanha no século XIX[4]. Reconheço aqui por inteiro a lacuna, que só tem explicação pela concentração temporal que incuti ao caso - estudo da profissão de arquitecto (o século XX, que em Portugal coincide com a formalização autónoma da profissão). É verdade que numa introdução geral ao caso – estudo, realizo um percurso sinóptico sobre a diversidade das práticas da Arquitectura na História, desde o Egipto até à modernidade, mas também não cabería aí a referência, por demasiado particular, às circunstâncias de um país em concreto. É feita referência ao caso particular da profissão em Espanha (um dos três modelos europeus actuais que são estudados) sobre o carácter especial da sua organização proteccionista, que é analisado em profundidade. Aí tivemos por base principal, não os aspectos históricos, mas sim a sua posição no actual quadro de regulação europeia, em especial a partir da recente polémica da reforma dos colégios profissionais de arquitectos em Espanha.

E é aqui que me permito questionar HC, porventura correndo o mesmo risco que “creio perceber” na sua leitura crítica, isto é, também com alguma parcela de preconceito: não é outra coisa que está em causa? O exercício da profissão de arquitecto em Espanha (com um estatuto de grande responsabilidade na construção e dominante na temática do urbano, o que não acontece em muitos outros países, nomeadamente em Portugal), menorizará, de facto, o espaço dado a outras áreas do saber, no debate urbano. O que, concordo, é uma perda. Mas disso não tem culpa a presente tese. E atrevo-me a lembrar, que de uma muito elevada responsabilidade social, resultará mais cedo ou mais tarde, como demonstrei, a maior necessidade da interdisciplinaridade.

Uma heterodoxia - várias teses, numa tese?

Desenvolvi o trabalho para esta tese, abordando o exercício das profissões do desenho, em diferentes direcções, conforme os diferentes níveis do problema, alargando progressivamente o território de observação, quando as “boas regras” mandaríam, porventura, a sua limitação. Por esse caminho fui conduzido ao desdobramento da tese em vários caminhos, sem limites precisos e, na verdade, cheguei a várias teses entrelaçadas:

·A relação entre “dever” e “vida boa”, na produção da forma urbana, traduz-se na filosofia prática, numa moral contractualista;

· Espaço Público, matriz ética do urbano, será também matriz da fundação da urbanidade, no desenho da cidade alargada;

·A crise dos paradigmas solipsistas, tem solução numa cultura reflexiva – a interactividade entre a profissão e o “Outro”;

·A regeneração da identidade das profissões do desenho da cidade, é um percurso que vai da especialização à interactividade.

As limitações da tese provêm, como foi apontado na arguência, desta grande abertura (para lá de justificações plausíveis como a de alguma escassez de trabalhos antecedentes sobre as profissões do desenho, ou sobre a interdisciplinaridade e sua matriz ética). Mas tive aquelas limitações por inevitáveis, e até criativas, já que elas terão justificação na própria natureza interdisciplinar do problema colocado, e que é caracterizado por:

·Muitas variáveis, algumas não observáveis directamente – será que existirão fontes primárias às quais recorrer? e o que dirão os arquivos, sobre aquilo que emerge ainda?

·Muitas culturas, diversidade e contradição de referências – será que devemos procurar o caminho na compatibilidade de discursos? Ou pelo contrário na sua aparente dissonância?

·Diversidade de territórios de análise – será afunilando as observações em parcelas cada vez mais ínfimas da realidade, que se alcança a interconexão dos diferentes domínios?

Aceitando por inteiro os riscos da ampliação conceptual, ainda assim tive por necessária uma limitação (que originará equívocos de outra natureza, que quero desde já desfazer):

1.Defini como objecto do trabalho, a relação entre as mutações urbanas e as mutações profissionais; Mas concentrei a maior parte destas, por economia da investigação, nas profissões do desenho, envolvidas no design urbano;

2.Assinalei logo no primeiro capítulo da tese, que no plano do conhecimento sobre a cidade, os estudos urbanos das ciências sociais e humanas – a História, a Geografia, a Sociologia, a Economia..., são indispensáveis ao que chamei a “cidade interpretada”; Mas (reconheço-o também em várias partes), o mediatismo das autorias no desenho, tende a valorizar excessivamente o contributo do projecto, e portanto das profissões do desenho.

3.Debruçando-me sobre o desenho da cidade, são as profissões que usam o instrumento do desenho para “dar forma”, aquelas que estão no centro da atenção da tese; Mas o estudo da identidade das profissões do desenho, do seu relacionamento recíproco, e com os outros actores, não pode menorizar nenhum contributo do conhecimento sobre a cidade.

Assim, quando o diagnóstico é o de uma desadequação dos paradigmas profissionais autocentrados, temos de aceitar a interdisciplinaridade como modelo operativo a vários níveis:

·Entre as profissões do desenho – “o desenho não é assunto de uma só disciplina, de um só ofício ou de uma só arte”,

·Entre os saberes do urbano – “nenhuma profissão tem tutela sobre a forma da cidade, mas nenhuma se diminui na colaboração”,

·Entre os saberes profissionais e os não-profissionais – “o actor com importância crescente no processo urbano é o “utilizador” da cidade, na vida quotidiana”.

Uma nota final

Finalmente, como explicitei ao longo da tese por várias vezes, tive o objectivo de formular um novo modelo operativo para a Identidade das profissões do desenho. Não para definir um novo “perfil” ou “modelo” de profissional, mas sim para propor uma nova ética operatória, fazendo convergir os discursos da Responsabilidade e da Convicção, numa prática reflexiva do Design Urbano. É assim que na base do novo quadro de identidade profissional, defendemos a teoria e as práticas da Interdisciplinaridade.

Tal não se fará sem fazer a crítica da separação dos ramos do conhecimento. Não para restaurar o paradigma de uma única visão de conjunto, a do “chefe de orquestra”, modelo que regeitei e desmontei na tese, radicalmente, mas que é aquele que em última análise ainda veicula as lógicas corporativas, da “posse do território” (o desenho da cidade, ou pior, o próprio saber sobre a cidade), seja por corporações profissionais, seja por corporações universitárias[5].

É a realidade que o desmente todos os dias: o “todo”, já não virá de uma visão de conjunto privilegiada, legitimadora de um estatuto hierárquico, de uma visão sobre as outras visões. E nem tão pouco virá de uma soma das partes, mas sim do cruzamento das hipóteses, argumentos, vivências e desenhos, de várias proveniências.

O saber pretensamente “seguro”, que decorrería da observação de parcelas mínimas da realidade, não é aqui pertinente. Na verdade, também ele (o especialismo arrogante, nas palavras de Gasset), é autocentrado, e ineficaz perante o que é emergente. É pois a própria natureza da questão colocada - a nova Identidade Profissional face às mutações urbanas - que é interdisciplinar, e por isso, heterodoxa: não se pode ir pelo caminho do especialismo, quando o tema é a Ética e a Interdisciplinaridade.

Estou seguro do papel da Universidade e dos profissionais, na formação de novas gerações, nomeadamente no cultivo da reflexão sobre os valores éticos, e na abertura à colaboração. “Hay una clara relación entre morfologia y espacio social. Como se ya se ha dicho, puede afirmarse que la forma urbana es un producto social, está producida por personas y grupos sociales através de procesos que pueden detectarse mediante el analisis. El estudio de la morfologia no puede realizarse sin tener en cuenta dichos agentes y procesos.”[6].

E é por tudo isto, que teremos que debater como podemos estabelecer essa colaboração, e pôr os profissionais, cada vez mais, ao serviço dos cidadãos.

Notas

[1]Na arguência da tese, em especial os contributos do presidente, Horácio Capel, mas também outros membros do Juri que apelaram à necessidade de cobrir melhor um ou outro aspecto disciplinar do design urbano, o papel de uma ou outra profissão envolvida, como foi o caso da referência às ciências sociais, às artes plásticas ou à engenharia das infraestruturas, e os que criticaram a excessiva abrangência dos temas tratados, permitem sublinhar fortemente a característica interdisciplinar, porventura heterodoxa, que o tratamento do tema exige.

[2] O conceito é explorado no ensaio "O lugar metropolitano da Arte" de Josep Maria Montaner.

[3] As Artes, têm da colocação interdisciplinar uma visão privilegiada, a partir da criatividade plástica, e beneficiam na interacção com as áreas sociais, da economia, da história, da geografia. No caso do programa de Doutoramento em Espaço Público e Regeneração Urbana da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, tal abertura ao "exterior" diz respeito também ao plano internacional, numa perspectiva universalista. Tal manifesta, na minha opinião (que é fundamentada numa apreciação plurinacional), uma abertura não-corporativa, que é inusual numa instituição universitária, para o que é decisiva a direcção que lhe é imprimida, por Antoni Remesar.

[4]Á margem da argumentação não deixo de referir que a geneologia comum de arquitectos e engenheiros, é quebrada em vários dos países europeus no Século XIX, com as academias primeiro, e depois com a criação de escolas de ensino público das artes. O modelo do ensino público da Arquitectura a partir do ensino Politécnico é históricamente minoritário na Europa, onde a matriz artística é historicamente predominante. Só com a industrialização na construção e produtos conexos, já no dobrar para o S. XX, se procuraram novas formas de articulação entre formação técnica e artística, base da modernidade nas profissões do desenho.

[5] Sobre o assunto das “visões privilegiadas” ou “de conjunto”, dos alegados “chefes de orquestra”, faço uma rectificação ao texto de HC, que por engano põe nas minhas palavras, uma frase “apologética”, que é de um grupo de peritos europeus, mas do qual não fiz parte, e que cito na tese para evidenciar sinais de evolução das próprias convicções institucionalizadas.

[6] Horácio Capel, La morfología de las ciudades

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Ficha bibliográfica

 
BRANDAO, P. A cidade "entre desenhos" e a ética da alteralidade.  Una resposta a Horacio Capel. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. X, nº 606, 5  de octubre de 2005. http://www.ub.es/geocrit/b3w-606.htm]. [ISSN 1138-9796].



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