Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. 
Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XII, nº 761, 20 de noviembre de 2007

GEOGRAFIA E A QUESTÃO PESQUEIRA: TECENDO REDES DE INVESTIGAÇÃO

 

Eduardo Schiavone Cardoso
Prof. Dr. Departamento de Geociências – CCNE – UFSM
Email: educard@smail.ufsm.br


Geografia e a questão pesqueira: tecendo redes de investigação (Resumo)

O objetivo do presente trabalho é refletir sobre algumas possibilidades de abordagem da questão pesqueira a partir das contribuições da análise em Geografia. Propõe abordar a questão pesqueira a partir dos aspectos institucionais, dos agentes produtivos, da economia pesqueira, do ambiente, da cultura e do conceito de território, permitindo refletir sobre as distintas possibilidades e escalas espaciais de análise, bem como sobre a ação dos sujeitos sociais que atuam no setor pesqueiro, revelando uma temática pertinente aos estudos geográficos e que tem sido objeto de estudo desta ciência.

Palavras Chave: pesca, pescadores, Geografia, pesquisa


Geografía y la cuestión pesquera: tejiendo redes de investigación (Resumen)

El objetivo del presente trabajo es reflexionar sobre algunas posibilidades de abordaje de la cuestión pesquera a partir de las contribuciones del análisis en Geografía. Propone abordar la cuestión pesquera a partir de aspectos institucionales, de los agentes productivos, de la economía pesquera, del ambiente, de la cultura y del concepto de territorio, permitiendo reflexionar sobre las distintas posibilidades y escalas espaciales de análisis, bien como sobre la acción de los sujetos sociales que actúan en el sector pesquero, revelando una temática pertinente a los estudios geográficos y que han sido objeto de estudio de esta ciencia.

Palavras Clave: pesca, pescadores, Geografía, investigación


Geography and fishing issue: weaving nets of investigation (Abstract)

The aim of this work is to reflect on some possible approaches to the fishing issue based on the contribution of analysis in Geography. It also aims at dealing with this subject having in mind institutional aspects, productive agents, fishing economy, environment, culture and the concept of territory. This study makes it possible to think about different possibilities and space scale of analysis as well as about the action of social individuals who act on the fishing sector. Therefore, it reveals the relevance of a theme that has been the focus of the geographic studies.

Key Words: fishing, fishermen, Geography, research


Como um corpo de conhecimento antigo e sistematizado, como ciência moderna, há cerca de 200 anos, a Geografia produziu e produz abordagens distintas sobre as temáticas que se dispõe a analisar, amparada por correntes filosóficas e matrizes teóricas diversificadas. O objetivo do presente trabalho é refletir sobre algumas das possibilidades de abordagem da questão pesqueira a partir de alguns tópicos pertinentes à análise em Geografia.

Nesse sentido encontram-se estudos em Geografia sobre a questão pesqueira no Brasil realizados a partir do conceito de gêneros de vida, estudos que abordam a questão dos usos e conflitos de apropriação dos espaços e recursos litorâneos, marinhos, lacustres e fluviais, estudos que analisam a geografia econômica da pesca, o conhecimento de pescadores sobre a natureza, os processos ambientais que interferem na atividade pesqueira, dentre uma variedade de temas e abordagens da questão pela ciência geográfica.

Abordagens da questão pesqueira a partir dos aspectos institucionais, dos agentes produtivos, da economia pesqueira, do ambiente, da cultura e do conceito de território, permitem refletir sobre as distintas possibilidades e escalas espaciais de análise, bem como sobre a ação dos sujeitos sociais que atuam no setor.


Ordens de grandeza do setor pesqueiro no Brasil

O setor pesqueiro do Brasil nos últimos 40 anos apresentou processos diversificados cuja análise dos montantes de produção pesqueira é reveladora. Partindo de uma produção de pescado extrativo em torno de 300.000 toneladas nos anos de 1960, a política promovida pelo Estado a partir da SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca propiciou o incremento da produção de pescado para cerca de 900.000 toneladas anuais nas décadas de 1970 e 1980, retornando para cerca de 750.000 toneladas de pescado extrativo nos anos 2000. A redução do pescado extrativo nos últimos 20 anos ocasionada, entre outros motivos, pela sobrepesca, tem sido acompanhada de um incremento da produção aquícola continental e marinha, que atingiu no ano de 2004 o montante de 269.000 toneladas, de modo que os montantes atuais de produção situam-se na faixa das 900.000–1.000.000 de toneladas, próximos daqueles atingidos em 1980, porém com uma composição diversa, refletindo o surgimento deste importante subsetor – a aqüicultura - e uma diminuição da pesca extrativa (Cardoso, 2001; IBAMA, 2005).

Um levantamento da Confederação Nacional de Pescadores de 1986 apontava para cerca de 550 mil pescadores filiados às Colônias de Pescadores. Estimativas dos anos 90 situavam como cerca de 800 mil trabalhadores o contingente envolvido no setor pesqueiro brasileiro de forma direta e cerca de 4 milhões de forma indireta, atuando nos setores de construção de embarcações e aparelhos de captura, beneficiamento e industrialização da produção. Dados da SEAP - Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, baseados no recenseamento do IBGE de 2000, apontam para cerca de 326.000 pescadores e 19.000 aquicultores em todo o Brasil. O Registro Geral da Pesca de 2006, realizado pela SEAP computou cerca de 390.000 pescadores no país (Dias neto; Dornelles, 1996; PROPOSTA, 1988; SEAP, 2006).

Comumente a atividade pesqueira é subdividida entre os setores artesanal e empresarial/industrial. Tal divisão baseia-se na organização do processo produtivo e nos distintos níveis de capitalização das estruturas produtivas. Como pesca artesanal podemos considerar a pesca realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil, que comporta ainda a produção de pescadores - agricultores, segundo o conceito de Diegues (1983). Trata-se de uma pesca realizada com tecnologias de baixo poder de predação, por produtores autônomos, empregando força de trabalho familiar ou do grupo de vizinhança. A esta forma de organização produtiva confronta-se a chamada pesca empresarial/industrial, realizada por empresas pesqueiras, algumas com alto nível de integração entre os setores de captura, processamento e comercialização, que emprega força de trabalho assalariada ou mediante ganhos de produtividade. No ano de 2004 a produção pesqueira artesanal foi responsável por 49,7 por cento do pescado produzido no Brasil, ao passo que a pesca industrial contribuiu com 23,7 por cento e a produção aquícola com 26,5 por cento (IBAMA, 2005).

A pesca artesanal predomina nas regiões Norte e Nordeste do país. No Sudeste e Sul predominam as capturas industriais. A aqüicultura subdivide-se em aqüicultura continental, presente em todo o país com destaque para a produção de peixes e os cultivos marinhos - maricultura, onde destacam-se os cultivos de camarões no Nordeste e moluscos no Sul, especialmente em Santa Catarina.

Estes dados gerais permitem uma primeira aproximação com o setor pesqueiro nacional. As seções a seguir apontam para algumas das possibilidades de abordagem do setor pesqueiro a partir de uma perspectiva geográfica.


Abordagem institucional

Na perspectiva de entendimento das políticas institucionais para o setor pesqueiro e seus reflexos sobre a organização da atividade, os estudos em Geografia podem contemplar a ação dos órgãos públicos na regulação do setor em seus distintos níveis. Trata-se de uma abordagem das políticas públicas e seus desdobramentos.

Em termos das políticas federais o setor pesqueiro brasileiro recebe na década de 1960 um incremento até então inédito. Em 1962 é criada pelo governo a SUDEPE - Superintendência de Desenvolvimento da Pesca e em 1967 entra em vigor a política de incentivos fiscais, precedida pela consideração das indústrias pesqueiras como indústrias de base. Com isenção de impostos para o estabelecimento de indústrias de pesca, financiamento de frotas, isenção de taxas de importação de equipamentos e uma série de outros benefícios, o Estado brasileiro pretendia modernizar o setor pesqueiro.

A produção pesqueira nacional salta de cerca de 300.000 toneladas no início dos anos 60, para quase 900.000 toneladas nos anos 80, porém este incremento se deu a partir da superexploração de poucas espécies, especialmente aquelas voltadas para a exportação e industrialização e na competição cada vez maior entre a pequena pesca e as frotas industriais.

Empresas que surgiram com os incentivos fiscais vieram posteriormente a falir e dentre alguns motivos apontados pela própria SUDEPE encontram-se os investimentos em fábricas de processamento, sem saber da existência da matéria-prima, desequilíbrios nas inversões de capitais não atendendo aos verdadeiros gargalos do setor e a captura de poucas espécies, levando à rápida predação dos recursos naturais (Diegues, 1983).

Em 1989 a SUDEPE foi extinta e incorporada ao IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, que até o final dos anos 90 foi o responsável por ditar as normas e políticas para o setor pesqueiro. Em meados de 1998 foi criado junto ao Ministério da Agricultura o DPA - Departamento de Pesca e Aqüicultura. Em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, que desde então vem promovendo as políticas de fomento as setor, compartilhando com o IBAMA, a regulamentação da pesca.

Este breve histórico aponta as instituições que regularam a atividade pesqueira no Brasil nos últimos 40 anos, revelando uma política de desenvolvimento do setor a partir da modernização das estruturas produtivas (que não se mostrou sustentável), a regulação do setor a partir de políticas ambientais, com preocupações em promover o desenvolvimento do setor em conformidade com a preservação dos recursos pesqueiros e o fomento à aqüicultura.

O conjunto de políticas para o setor pesqueiro pode ser objeto de uma abordagem geográfica, visando suas repercussões sobre os recursos, sobre os ambientes e sobre os agentes produtivos. A conexão das políticas específicas do setor com o conjunto de normatizações de outras áreas, tais como as políticas de uso e ocupação dos espaços litorâneos e ribeirinhos, as políticas urbanas, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as políticas para os recursos hídricos, fornece um campo de estudo para pesquisadores em Geografia interessados na caracterização, dilemas e perspectivas para o setor pesqueiro.


Abordagem que priorize os sujeitos sociais

A pesca representa uma modalidade de uso do espaço. Sua especificidade reside na articulação entre os meios aquático e terrestre, sendo que o primeiro comporta os processos de apropriação da natureza e o segundo significa os espaços de morada do pescador e o da realização do pescado enquanto mercadoria.

Como modalidade de uso do espaço, a atividade pesqueira interage com as demais formas de produção e reprodução da sociedade. A urbanização da zona costeira, o turismo litorâneo, a industrialização, o uso agrícola e energético dos recursos hídricos, dentre uma infinidade de processos espaciais interfere diretamente nas atividades de produção e reprodução dos espaços pesqueiros.

Frente a estes processos, pescadores se defrontam com um amplo campo de embate, articulam suas práticas e formas de resistência ou aceitação. De um lado a politização do movimento de pescadores aparece como uma das ações levadas a cabo por estes sujeitos sociais nas discussões das questões que envolvem seus espaços de vida, moradia e trabalho, seu espaço geográfico e seus territórios.

Ainda que o movimento de pescadores tenha uma temporalidade antiga, o que se apresenta como um dado novo é a visibilidade que, aos poucos, pescadores ganham como sujeitos sociais, como agentes principais de um modelo de gestão das pescarias e como sujeitos políticos. Ao mesmo tempo, pescadores artesanais vislumbram, ainda que de forma incipiente, uma articulação em nível nacional, formulando propostas para as políticas do setor e que englobam várias ordens de problemas. Seus organismos de representação, por vezes, passam a encabeçar reivindicações, que podem ser mais amplas do que aquelas específicas dos processos produtivos na pesca, envolvendo questões relacionadas à saúde, educação, moradia, entre outras.

Se na seção anterior destacou-se a possibilidade de abordagem da realidade pesqueira a partir das políticas públicas para o setor, objetiva-se no momento destacar a importância dos pescadores enquanto sujeitos sociais, cujas ações interferem no espaço geográfico. A organização do espaço das áreas pesqueiras, a localização da atividade pesqueira ancorada tanto nas cidades litorâneas e ribeirinhas quanto nos mais remotos povoados rurais, a articulação entre os meios terrestres e aquáticos, configuram especificidades da atividade pesqueira vivenciadas pelos agentes produtivos do setor.

Nesse sentido apreender as práticas formais e informais dos grupos de pescadores, suas ações e reivindicações, individuais ou coletivas, permite vislumbrar necessidades e anseios presentes no mundo da pesca e que comportam uma possibilidade de abordagem para os estudos geográficos, qual seja, as demandas dos sujeitos sociais atuantes no setor e sua repercussão no espaço geográfico.


Abordagem econômica

Sob a perspectiva de uma abordagem econômica da atividade pesqueira, os estudos em Geografia oferecem inúmeras possibilidades. Podem ser identificadas as principais áreas produtoras do pescado em distintas escalas, as estruturas produtivas, o papel que a atividade exerce em uma determinada localidade ou região, a distribuição espacial dos recursos, as formas de processamento e de consumo do pescado, entre outras temáticas.

Andrade (1974) e George (1978), dentre outros autores de compêndios de Geografia Econômica apontam para a importância da atividade pesqueira enquanto um processo econômico, destacando as diferenciações entre as áreas de pesca e sua finalidade, os principais recursos e países pesqueiros.

No caso brasileiro a atividade pesqueira assume importância econômica à medida que um contingente significativo de trabalhadores tem na pesca e nas atividades ligadas ao setor sua principal fonte de renda. Evidente que não se trata de um dos setores predominantes na economia brasileira, tal como na economia de países como Peru e Chile, porém contribui com sua parte para este conjunto.

A categoria dos pescadores no Brasil é tida como um dos grupos sociais onde predomina uma situação de pobreza, sendo predominantemente em terra e não no mar que as causas desta situação são manifestadas, refletindo situações de moradia, saneamento, nutrição, escolaridade e saúde inadequadas, presentes em grande parte das comunidades pesqueiras.

A cadeia de intermediação do pescado talvez seja uma das mais longas, presentes no setor primário. Aliando-se ao fato da perecibilidade do pescado enquanto mercadoria, estes fatores resultam numa transferência de renda do pescador para os setores de distribuição e comercialização do pescado. A inconstância das capturas, inerente à pesca extrativa, compromete também os rendimentos dos pescadores.

No sul do país, uma observação de Martins (1997), referente ao sistema de intermediação do produto da pesca no Estuário da Lagoa dos Patos-RS, aponta para uma situação de pauperização do pescador, sem se configurar um processo de proletarização.

A economia do pescado apresenta vários agentes: pescadores, intermediários (pombeiros, geleiros, marchantes), peixarias, fábricas de gelo, atacadistas, estabelecimentos de varejo, processadoras do pescado, indústrias, dentre outros. Neste sentido uma abordagem de Geografia Econômica do pescado pode desvendar as cadeias e redes de produção do pescado, atentando para o conjunto do processo produtivo e as relações de subordinação ou cooperação entre os agentes econômicos. Em uma outra perspectiva podem ser analisadas as estruturas produtivas voltadas à produção pesqueira, sua localização, suas conexões e o papel que exercem na organização espacial das áreas pesqueiras.

A questão da organização da produção pesqueira merece uma atenção especial. Com a presença de duas formas distintas de produzir: pesca extrativa e aqüicultura, subdivididas por sua vez em estruturas de maior ou menor concentração de capital: pesca artesanal e pesca industrial; aqüicultura empresarial e aqüicultura “familiar”, a organização do setor pesqueiro pode ser estudada a partir de cada uma dessas categorias, bem como as origens, desenvolvimento e possibilidades de reprodução destas modalidades produtivas. Uma observação de Breton e Estrada (1989), aponta para uma tendência de “recampenização” das pescarias, dado aos limites que o capital encontra na produção pesqueira. Ao verificar as tentativas de modernização da pesca brasileira e a permanência da produção artesanal, um campo de investigação se abre na temática do papel que a pesca de pequena escala assume como possibilidade de desenvolvimento e ordenação das pescarias futuras.


Abordagem ambiental

A atividade pesqueira consiste em um processo de apropriação da natureza pelo trabalho humano. No entanto, peixes, moluscos e crustáceos, objetos de trabalho na pesca extrativa não são frutos do trabalho humano. Existem a partir de seus ciclos biológicos de reprodução e crescimento, ainda que sofram influência das ações da sociedade, como as transformações na qualidade da água e outras ações de alteração dos ambientes aquáticos que interferem nos ciclos naturais de peixes, crustáceos e moluscos.

Saindo do domínio dos organismos e caminhando para o ambiente aquático, em especial o marinho, depara-se com outra ordem de fatores. Marés movidas pela atração da lua, ventos movendo massas d’água, a rotação terrestre gerando correntes e processos de erosão e sedimentação modelando fundos marinhos são processos de escalas e temporalidades variadas que separam o pescador do pescado.

Pescadores classificam espécies de peixes e fenômenos naturais. Ciclos de tempo, da atmosfera, das marés possuem significados precisos na atividade pesqueira. A apropriação do objeto de trabalho se faz pelo trabalho traduzido em conhecimento numa primeira instância. E conhecimento na pesca é conhecimento de ventos, águas, marés, fundos submarinos, correntes, hábitos de peixes, entre uma série de processos “naturais”, formando sistemas cognitivos próprios para a interpretação, apropriação e representação destes processos.

O conhecimento gerado neste processo, que tem entre suas características uma observação contínua da natureza, uma história vivida e observada de sucessão de contatos com o meio aquático, tem servido à reprodução das pescarias e fornecem elementos para a ação dos pescadores frente às questões ambientais.

Com a politização da questão ambiental, pescadores buscam a articulação com outros setores para que seja cumprida a legislação ambiental e para encaminhamento de denúncias e lutas. Estas questões apontam não só para os conflitos entre a atividade pesqueira e demais usos dos espaços litorâneo, marinho e flúvio-lacustre, como ainda a importância do que convencionou-se tratar de pesca artesanal, na preservação dos recursos naturais. Esta importância se baseia na adoção de técnicas de captura de maior seletividade e de menor escala de predação, podendo ser considerada menos impactante ao ambiente explorado.

Pode-se estabelecer uma outra relação, à medida que as sociedades pesqueiras e suas localidades fixadas ao longo do litoral e demais corpos d’água, teriam entre suas preocupações a continuidade e reprodução das pescarias, advindo uma maior necessidade de preservação dos recursos pesqueiros.

Sendo um produtor em busca de sua reprodução social que por vezes desrespeita os ciclos de reprodução do pescado, é prudente evitar a criação de uma imagem idealizado do pescador perante as questões. No entanto, a percepção de que a queda da produtividade na pesca e a degradação dos ambientes afetam diretamente seu modo de vida, tem levado a elaboração de propostas e a busca de alianças para a solução de seus problemas.

Esta é uma das possibilidades de abordagem da questão ambiental por parte dos estudos em Geografia, verificando a visão dos agentes do processo, os impactos ambientais das pescarias e de outras formas de uso dos espaços e recursos aquáticos. Uma outra vertente consiste na relação entre a atividade pesqueira e os processos naturais, conforme foi esboçado no início desta seção, bem como o processo de conhecimento que os pescadores desenvolvem sobre a natureza. Finalmente a realização de estudos que caracterizem os ambientes e recursos pesqueiros, a partir de uma visão ligada à biogeografia, geomorfologia, climatologia e demais campos da ciência geográfica voltados para o estudo dos aspectos naturais.


Abordagem cultural

Trabalhos de análise das pescarias brasileiras nas décadas de 1940, 1950 e 1960, tais como os de Carvalho (1944), França (1954), Bernardes e Bernardes (1950), Bernardes (1959), e Lago (1961), apontam para as relações entre a atividade pesqueira e a natureza, o papel das comunidades de pescadores na ocupação e estruturação das paisagens litorâneas e mesmo aportes tecnológicos fornecidos por imigrantes para a pesca, dentre outras abordagens.

No caso de algumas destas análises o conceito de "gênero de vida", cunhado na Escola Francesa do início do Século XX, foi largamente empregado. Bernardes e Bernardes (1950) apontam que, apesar das características comuns ao longo do litoral fluminense, “o gênero de vida dos pescadores apresenta aspectos particulares totalmente diversos de um para outro núcleo, refletindo antes de tudo as condições físicas que diversificam cada trecho dêsse litoral.”.

A observação de Lago (1960) sobre as condições fisiográficas de alguns núcleos litorâneos catarinenses lançando "homens ao mar" e fornecendo elementos para uma especialização na atividade pesqueira, aponta uma relação interessante entre natureza e cultura para a análise da atividade pesqueira.

"Gênero de vida" se apresenta desta forma como um conceito clássico do desenvolvimento do conhecimento geográfico e que vem sendo revisto e rediscutido a partir dos estudos contemporâneos da Geografia Cultural, uma vez que procura estabelecer uma possibilidade de entendimento da relação sociedade e natureza. Este conceito ressurge ainda, com sutis diferenças e certa força, no discurso ecológico.

Outras abordagens se desenvolvem, incorporando outras mediações na relação sociedade e natureza, em especial o fato dos homens se relacionarem primeiro entre si e daí com a natureza, estabelecendo seus modos próprios de organização e processos específicos de apropriação da natureza, baseados não apenas na materialidade dos recursos, mas também em suas concepções simbólicas e imaginárias.

Nesse sentido é possível analisar a atividade pesqueira a partir de uma perspectiva da cultura dos pescadores, a relação com a natureza, sua visão de mundo, as marcas deixadas nas paisagens onde a pesca se realiza. Barcos, atracadouros e ranchos de pesca são elementos indicadores da presença e do grau de capitalização das atividades pesqueiras em distintas localidades.

Uma outra perspectiva consiste em analisar o conhecimento dos pescadores a respeito da natureza. De quais maneiras são transmitidos os saberes sobre as pescarias nos processos educativos presentes nas sociedades pesqueiras? De que modo a reprodução social dos pescadores preserva um conjunto de saberes sobre a pesca, os peixes e os ambientes?

Torna-se cada vez mais importante a contribuição do conhecimento dos pescadores na definição das políticas para o setor, talvez em função das falhas ocorridas ao longo das intervenções do Estado, que alijaram os pescadores das definições das medidas de gestão. Nas palavras de Allut (2000) “esta ausência de diálogos entre ambos os tipos de conhecimento, provavelmente, propiciada pela escassa valorização do conhecimento dos pescadores, favoreceu, em parte, que alguns modelos de gestão pesqueira tenham fracassados.”

A politização do movimento dos pescadores vem acompanhada de uma maior visibilidade destes sujeitos sociais e pela valorização de seu saber. Uma abordagem que aponte para a importância da cultura e do conhecimento dos grupos de pescadores na gestão do setor pesqueiro, além das manifestações desta cultura como elemento de produção do espaço, podem ser levadas a cabo pelas análises em Geografia.


Abordagem territorial

O território consiste em uma categoria de análise geográfica, que engloba as questões de uso, gestão e domínio de uma parcela do espaço geográfico por agentes de escalas de atuação diferenciados, englobando os diversos níveis de poder presentes na sociedade, das relações internas às localidades ao Estado Nacional (Moraes, 1984; Raffestin, 1993; Ratzel,1990,).

No caso da atividade pesqueira, articulam-se os domínios da água (não apenas na perspectiva horizontal, mas também em profundidade), da terra e dos fenômenos atmosféricos. Quanto aos últimos, pescadores buscam conhecer e prever, para reduzir os riscos de sua lida. A terra é o espaço da morada, da realização do pescado enquanto mercadoria e alimento. São as águas os espaços da produção, apropriados pelos pescadores e onde parte significativa da territorialidade pesqueira se manifesta.

Os territórios de produção pesqueiros, construídos pelos pescadores a partir do trabalho e da apropriação da natureza, podem ser delimitados mesmo na fluidez do meio aquático. Sobre eles os pescadores exercem algum tipo de domínio e são objetos de disputas e conflitos, em especial quando se defrontam com estruturas de produção diferenciadas disputando os mesmos recursos.

Tais territórios se manifestam em escalas distintas, desde aqueles ligados ao ponto de pesca individual, até vastas áreas consideradas pesqueiros tradicionais de uma ou outra localidade de pescadores. Propostas no sentido de reconhecimento formal dos territórios das sociedades de pescadores estão presentes em vários documentos de encontros realizados pelos pescadores artesanais e suas organizações. Em países como o Chile é delimitado formalmente um território da pesca artesanal.

As diferentes escalas da questão territorial da produção pesqueira podem ser definidas para o caso brasileiro, em uma primeira sistematização, presente no quadro 1.

Na escala local e de maneira informal, encontramos pescarias com uma forte componente territorial, tais como o “lanço” de pesca no Rio São Francisco, as “marambaias” - atratores de pescado construídos artesanalmente por pescadores cearenses, o revezamento de áreas relatado por pescadores da Ilha Grande–RJ (Cardoso, 2001), as “cercadas” e “caiçaras”, observadas por Diegues (1994) em Parati–RJ e Alagoas, o “direito a vez”, observado por Lima (1997) em Itaipu–RJ.

Quadro 1
Territórios da produção pesqueira no Brasil – uma primeira sistematização

Escalas

Situação

Tipo

Instrumentos Normatizadores

Local

Informal

Pontos de Pesca
 Lanços
 Direito a Vez
Revezamento de Áreas
Cercadas
Caiçaras
Marambaias
 Outras

Acordos Internos às Comunidades

Local

Formal

-
Armadilhas Fixas de Captura:
Cerco Fixo, Cerco Flutuante, Aviõezinhos, Currais de Pesca, Outras.

Licenças de Instalação

Local

Formal

Empreendimentos Aquícolas

Licenças de Instalação

Local/Regional

Formal

Parques Aquícolas

Reservas Extrativistas

Licenças de Instalação

Sistema Nacional de Unidades de Conservação

Nacional

Formal

Mar Territorial

Zona Econômica Exclusiva

Legislação Nacional

CONVEMAR
Tratados Internacionais

Fuente: Elaboração própia, 2006

Na escala local e de maneira informal, encontramos pescarias com uma forte componente territorial, tais como o “lanço” de pesca no Rio São Francisco, as “marambaias” - atratores de pescado construídos artesanalmente por pescadores cearenses, o revezamento de áreas relatado por pescadores da Ilha Grande–RJ (Cardoso, 2001), as “cercadas” e “caiçaras”, observadas por Diegues (1994) em Parati–RJ e Alagoas, o “direito a vez”, observado por Lima (1997) em Itaipu–RJ. Pescadores individualmente ou em grupo delimitam seus pontos de pesca e seus pesqueiros. Por vezes o acesso ao pesqueiro é controlado por regras sociais e constitui um bem familiar. Em localidades com uma maior coesão social, instrumentos de gestão das pescarias são construídos coletivamente como os "Regulamentos Internos" presentes nas pescarias de algumas localidades do litoral cearense, ou os "Acordos de Pesca" presentes nas pescarias dos lagos do Baixo Amazonas. Nestas modalidades de gestão, a fiscalização é realizada pelos próprios pescadores e formas de sanção são definidas de maneira comunitária, tais como a suspensão temporária do direito de pescar.

Nas escalas locais e definidos formalmente, alguns instrumentos de captura representam a apropriação territorial de uma porção do espaço aquático. É o caso de algumas armadilhas fixas de captura como os currais de pesca, os cercos fixos e flutuantes, os aviõezinhos, cuja instalação requer a permissão da Marinha e de órgãos ambientais e permitem ao proprietário, de maneira individual ou em grupo, a exclusividade de exploração da área onde o instrumento é instalado.

Portarias normativas definindo áreas e instrumentos proibidos ou permitidos para pesca, definidas pelos órgãos legisladores da atividade pesqueira criam uma territorialidade formal para a atividade pesqueira. Diferentemente das práticas informais, a fiscalização e a aplicação de sanções como multas e apreensão dos apetrechos de pesca é realizada pelos órgãos do Estado, tais como IBAMA ou pelas Polícias Ambiental ou Florestal.

Ainda no nível local, a mobilidade dos pescadores delimita as áreas de pesca. Embarcações de menor autonomia exploram áreas mais restritas, situadas nas proximidades da moradia dos pescadores. Se estas áreas passam a ser exploradas por embarcações maiores vindas de outras localidades, os conflitos pelos recursos pesqueiros se estabelecem.

Em uma escala de abrangência maior, situada a meio caminho entre a local e a regional, encontramos instrumentos formais de gestão da atividade pesqueira que definem territórios de produção marinhos. É o caso das Reservas Extrativistas Marinhas, que constitui uma Unidade de Conservação presente no Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, que garante o uso dos recursos pelas populações residentes em seu interior. Nas Reservas Extrativistas Marinhas, os pescadores através dos Planos de Utilização definem as modalidades de pesca proibidas e permitidas, as épocas abertas e vedadas à pesca e são incorporados como fiscais da própria Reserva, estabelecendo as sanções e penalidades para os membros infratores.

As áreas de aqüicultura consistem em formas territoriais de uso do espaço aquático que possuem dimensões locais e mais amplas. Tais como as armadilhas fixas de captura do pescado, os cultivos aquáticos necessitam de autorização dos órgãos estatais para sua implantação. Tal autorização dá ao cultivador a concessão de uso de certa parcela do espaço aquático, revelando uma apropriação territorial dos corpos d'água. Em alguns trechos do litoral brasileiro e ao longo dos lagos de barragem existe a possibilidade de implantação de Parques Aqüícolas, delimitando e destinando áreas prioritárias para a implantação dos cultivos.

Os cultivos são concessões aos criadores, que delimitam a área concedida e que não pode ser utilizada por outros. O conflito se estabelece dado à exigüidade de áreas propícias aos cultivos e a presença de estruturas de produção diversificadas, com cultivos empresariais disputando áreas de cultivos com pequenos aqüicultores e mesmo com áreas utilizadas por pescadores artesanais.

Em nível nacional, a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar de 1982, estabelece uma divisão dos espaços marinhos, definindo o Mar Territorial de 12 milhas náuticas e a Zona Econômica Exclusiva, situada entre as 12 e 200 milhas náuticas e em áreas mais amplas de ocorrência das Plataformas Continentais. Tal delimitação define os territórios nacionais e também territórios de pesca, uma vez que os recursos pesqueiros presentes na Zona Econômica Exclusiva podem vir a ser explorados por outros países, mediante acordos entre os governos.

No Mar Territorial, somente nacionais ou estrangeiros regularizados é que podem exercer a pesca, sendo comum, em áreas de fronteiras, a apreensão de embarcações estrangeiras pescando ilegalmente. Nas Zonas Econômicas Exclusivas, os acordos entre as Nações estipulam quem pode ou não pescar.

Estas escalas podem ser consideradas como uma primeira sistematização dos níveis em que a territorialidade pesqueira pode ser entendida. Também são indicativas dos níveis de conflito presentes no interior da atividade pesqueira e que podem ser objeto de estudo da pesquisa em Geografia.


Considerações finais

Foram apresentadas algumas possibilidades de abordagem da questão pesqueira a partir da análise geográfica. Tais possibilidades não esgotam a questão e nem são temáticas exclusivas dos estudos geográficos, tendo em vista que o entendimento da realidade pressupõe cada vez mais a adoção de perspectivas multidisciplinares e interdisciplinares.

Conceitos chaves da ciência geográfica contribuem para o entendimento da atividade pesqueira. Sob a perspectiva das políticas institucionais, da visão dos sujeitos sociais atuantes no setor, dos processos econômicos e suas repercussões espaciais, da questão ambiental, da cultura, do território, a temática da pesca é um objeto de estudo da Geografia.

O que se propõe é dar visibilidade para a temática da questão pesqueira, sempre presente ao longo do desenvolvimento do conhecimento geográfico, ora como objeto central de alguns estudos, ora como uma temática complementar.

Soma-se a este objetivo apontar para duas direções: o conhecimento dos estudos realizados por geógrafos sobre a pesca e o convite para novos trabalhos que ampliem as possibilidades apresentadas de abordagem da questão pesqueira.


Bibliografia

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© Eduardo Schiavone Cardoso, 2007
© Biblio3W, 2007


Ficha bibliográfica:

CARDOSO, Eduardo Schiavone. Geografia e a questão pesqueira: tecendo redes de investigação. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XII, nº 761, 20 denoviembre de 2007. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-761.htm>. [ISSN 1138-9796].


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