Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 891, 5 de octubre de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

RISCOS E AMEAÇAS À SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO NATURAL DA HUMANIDADE. O PARQUE NACIONAL DOÑANA COMO UM ESTUDO DE CASO

 

Silvia Helena Zanirato
Escola de Artes, Ciências e Humanidades – Universidade de São Paulo
shzanirato@usp.br

Recibido: 20 de julio de 2009. Devuelto para revisión: 15 de noviembre de 2009. Aceptado: 30 de abril de 2010


Riscos e ameaças à salvaguarda do patrimônio natural da humanidade. O Parque Nacional Doñana como um estudo de caso (Resumo)

O objetivo do texto é o de analisar as ameaças que põem em risco a manutenção da riqueza biodiversa existente no Parque Nacional de Donaña, na Andaluzia. As ameaças são provenientes da pressão urbanística, da produção agropecuária, do turismo e, em especial, das mudanças climáticas. Ao enfatizar os perigos objetivo suscitar discussões que contribuam para a adaptação e mitigação dos riscos que se apresentam a esse lugar, um patrimônio da humanidade.

Palavras-chave: riscos, patrimônio natural, Parque Naciona Doñana


Riesgos y amenazas a la salvaguarda del patrimonio natural de la humanidad. El Parque Nacional Doñana como un estudio de caso (Resumen)

El objetivo del artículo es analizar las amenazas que ponen en peligro el mantenimiento de la riqueza de la biodiversidad existente en el Parque Nacional de Doñana en Andalucía. Las amenazas provienen de la presión urbana, la producción agrícola, el turismo y el cambio climático. Al hacer hincapié en los peligros objetivo estimular debates que contribuyan a la adaptación y la mitigación de los riesgos que se presentan a ese lugar, un sitio del patrimonio mundial.

Palabras clave: riesgos, patrimonio de la humanidad, Parque Nacional Doñana


Risks and threats to the safeguard of the natural heritage of humanity. Doñana National Park as a case study (Abstract)

This text intends to analyze the threats that endanger the maintenance of biodiversity richness existing in the Doñana National Park in Andalusia. The threats are from the urban pressure, agricultural production, tourism and climate change. The emphasis in the dangers demands discussions that contribute to adaptation and mitigation of threats that present to that place, a world heritage site.

Key words: risks, natural heritage, Doñana National Park


A Comarca de Doñana é uma das áreas mais singulares da Espanha. Localizada a sudoeste da península Ibérica, na confluência das regiões mediterrânea e atlântica, ocupa uma extensão de 300.000 hectares, compartilhada com as províncias de Sevilha, Cádiz e Huelva, na Andaluzia. São terras planas, encaixadas entre os terraços dos rios Guadalquivir, Tinto e Guadiamar. Em seu interior há um mosaico de paisagens, uma diversidade de biótipos, diferentes ecossistemas: praias, dunas, ribeiras, marismas, canais fluviais, florestas de pinheiros e áreas de cultivo onde se plantam morangos e arroz, onde se criam gado e cavalos e também de onde se extrai o sal[1].

Dentro da comarca se encontram espaços naturais protegidos, entre os quais o Parque Nacional de Doñana e o Parque Natural de Doñana. O Parque Nacional é um dos patrimônios naturais da humanidade, assim definido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO - em face do reconhecimento da existência de uma mostra representativa de distintos ecossistemas que são habitat natural da flora e fauna silvestres.

Em que pese essa consideração, uma série de ameaças está a por em risco a sobrevivência do local como um santuário para a biodiversidade.

Para entender essas ameaças o artigo trata, em primeiro lugar, de apresentar o Parque, sua paisagem e a composição de vida ali encontrada, além de destacar os diferentes instrumentos normativos destinados a proteger os valores naturais e culturais, materiais e imateriais, que justificam sua consideração como Patrimônio da Humanidade. Na seqüência, são abordadas as ameaças à conservação da riqueza natural e cultural, apesar das normas jurídicas existentes, com especial destaque às ameaças advindas das mudanças climáticas. Ao final são tecidas algumas considerações a respeito da importância de repensar a trajetória de desenvolvimento que, sobretudo o mundo Ocidental tem perseguido, e sobre a importância da proteção da biodiversidade como um patrimônio.


O Parque Nacional Doñana como área protegida

O Parque Nacional Doñana é uma área natural protegida, definida no Plano Diretor da Rede de Espaços Naturais Protegidos da Andaluzia. Uma área protegida é uma unidade funcional e administrativa, continental ou marinha, gerida como parte de um sistema de planejamento que, por manter a integridade ecológica de seu ecossistema, contribui para a conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais e culturais de um território, ecologicamente interligado em diferentes escalas espaciais e temporais[2].

Os espaços naturais protegidos cumprem importantes funções: manter a diversidade biológica, dar assento a comunidades humanas com culturas tradicionais, proteger paisagens de qualidade, conservar zonas produtoras de água e de refúgio para espécies animais e vegetais. Do ponto de vista social, são enclaves fundamentais para o relaxamento do corpo e da mente, pois contribuem para a saúde e a qualidade de vida humana, o que os torna lugares essenciais para a educação, a cultura e o ócio[3].

Um espaço considerado Parque Nacional é um lugar pouco transformado pela atividade humana. A beleza de suas paisagens, a representatividade de seu ecossistema ou a singularidade de sua flora, de sua fauna, de sua geologia ou de suas formações geomorfológicas, justifica os valores ecológicos, estéticos, culturais, educativos e científicos a ele atribuídos. Por isso, sua conservação é objeto de interesse geral do Estado[4].

O Parque Nacional Doñana situa-se na margem direita do rio Guadalquivir a altura de seu estuário no Oceano Atlântico, em uma área de 50.720 hectares, distribuída entre as províncias de Huelva, Sevilla e Cádiz. É uma área singular, dotada de alto grau de diversidade ecológica, composta por três ecossistemas: marismas, cotos e dunas, fixas e móveis[5].

As marismas são terrenos alagadiços, umidades importantes para a passagem, cria e invernada de aves migratórias. São espaços que se inundam em toda a horizontalidade pela chuva e pelos cursos fluviais. As marismas doces permanecem encharcadas a maior parte do ano; já nas salgadas a inundação é mais rara. As marismas, junto com os canais e lagunas, fazem de Doñana a principal área úmida da Europa Ocidental, um local de refúgio para aves como patos reais, patos rabudos, patos sibóns, marrecos e garças.

 

Figura 1. Marismas do Parque Nacional Doñana.
Foto Silvia Helena Zanirato, nov. 2008.

 

Os cotos são áreas de predomínio de vegetação arbórea, com diversidade de formas, texturas e cores. Nele se encontram bosques de coníferas, plantas aromáticas típicas do mediterrâneo como o romeiro e o tomilho, e os matagais. Nos cotos vivem animais como veados, gamos, javalis, coelhos, o lince ibérico e a águia imperial.

As dunas são formadas pela ação dos ventos sobre os grandes mares de areia fina que nascem na praia e que, ao encontrarem um obstáculo, se acumulam formando elevações. Ocupam em torno de quarenta quilômetros ao longo do litoral e deslocam-se de tempos em tempos.

Entre duas frentes de dunas consecutivas se forma um espaço úmido e resguardado do vento, que permite o nascimento de grande variedade de plantas. Esse conjunto de plantas é denominado “corral”.

As marismas, os cotos, as dunas, os corrales e a praia constituem paisagens distintas que abrigam espécies vegetais e animais e que fazem do Parque Nacional de Doñana uma das áreas de maior biodiversidade e um espaço natural único no continente europeu.

Por ser uma área protegida, o Parque Nacional é possuidor de um regime jurídico especial, definido pela Lei 91/1978; além de contar com um Plano de Uso e Gestão, aprovado pelo Decreto 48/2004, de 10 de fevereiro do mesmo ano, estabelecido pelo Conselho de Governo da Junta de Andaluzia. Desde 1995 o Parque Nacional de Doñana faz parte da Rede de Parques Nacionais Espanhóis, que foi integrada, em 1996, ao Ministério do Meio Ambiente Espanhol [6].

A proteção visa à:

1. Conservação da integridade da fauna, flora, água e atmosfera e, em definitivo, do conjunto de ecossistemas do Parque Nacional, garantindo a continuidade de seu funcionamento natural, a manutenção da biodiversidade e a preservação da paisagem.

2. Conservação (ou a restauração) do patrimônio cultural.

3. Prestação de uma oferta de uso público que garanta o conhecimento e desfrute do Parque Nacional, em razão de seu interesse científico e cultural.

4. Contribuição à existência de uma atitude individual e social favorável à conservação através da educação ambiental.

5. Contribuição à implantação na comarca de um modelo de desenvolvimento sustentável.

6. Promoção do conhecimento científico, em particular a investigação para a gestão[7].

A preocupação com a salvaguarda do Parque Nacional remete a 1981, quando foi declarado pela UNESCO uma Reserva da Biosfera. A consideração do local como Reserva da Biosfera foi motivada pelo reconhecimento da existência de uma mostra representativa de distintos ecossistemas, como as marismas continentais, os areais e os complexos de dunas litorais, fixas e móveis, assim como as praias e uma porção do estuário do Guadalquivir. A inclusão na rede mundial de Reservas da Biosfera implicou no compromisso do Estado espanhol em assegurar a conservação das paisagens, dos ecossistemas, das espécies e variabilidades genéticas do Parque.

Em 1982 o Parque foi avaliado como uma Unidade de Importância Internacional pelo Convênio de Ramsar e incluído na lista de zonas úmidas de importância internacional, como habitat de aves aquáticas. Este Convênio implicou outra série de compromissos de conservação e uso racional das umidades.

Em 1985 o Conselho de Europa outorgou ao Parque o Diploma Europeu à sua Gestão e em 1988 ele foi declarado Zona de Especial Proteção para as Aves (ZEPA), de acordo com a Diretiva 79/409/CEE, de 2 de abril de 1979, relativa à Conservação de Aves Silvestres. Com isso, o Estado espanhol contraiu a obrigação de evitar o deterioro e a contaminação do habitat, assim como de perturbações que possam vir a afetar as aves.

O Parque referido também foi considerado Lugar de Interesse Comunitário da Rede Natura 2000, por ser uma ZEPA. Esta Rede estabeleceu na Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitat), o compromisso de garantir a biodiversidade do lugar, mediante a conservação de habitat natural e da flora e fauna silvestres.

Desde 1994 o Parque Nacional de Doñana passou a integrar os locais avaliados como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Tal consideração significou a valorização internacional e o compromisso do governo espanhol e da UNESCO em garantir a sobrevivência do local para as gerações atuais e as vindouras[8].

Já o Parque Natural de Doñana teve seu regime jurídico de proteção, assim como instrumentos de planificação próprios definidos pela Lei 2/1989, de 18 de julho do referido ano, que aprovou o Inventário de Espaços Naturais Protegidos da Andaluzia, sob a denominação de Parque Natural Entorno de Doñana. Posteriormente, pelo Decreto 2/1997, de 7 de janeiro, teve sua denominação modificada para Parque Natural de Doñana, e definido um Plano de Ordenação dos Recursos Naturais e um Plano Reitor de Uso e Gestão.

Diferente dos parques nacionais, um parque natural compreende um lugar onde se busca compatibilizar o aproveitamento dos recursos naturais com a conservação dos sistemas naturais. O desenvolvimento sustentável das populações é uma das metas; em especial o desenvolvimento socioeconômico de seu âmbito. É uma área protegida manejada especialmente para a conservação de paisagem terrestre e marina e com finalidades recreativas. As principais funções desta figura de proteção são: a conservação, o desenvolvimento sustentável e o uso público. Por isso se busca favorecer o desfrute da natureza; o uso público é uma das áreas de gestão mais desenvolvidas para a qual são criados infra-estruturas e equipamentos específicos[9].

O uso público pode ser entendido como o conjunto de equipamentos, atividades e serviços, que independentemente de quem os administre, compreendam a administração do espaço natural protegido, com a finalidade de acercar aos visitantes de seus valores naturais e culturais, de forma ordenada e segura, que garanta a conservação e difusão desses através da informação, educação e interpretação ambiental[10].

O Parque Natural funciona como uma zona de amortização do Parque Nacional.

Juntos, Parque Nacional e Parque Natural de Doñana são espaços de significativa biodiversidade, que formam um mosaico paisagístico com dunas, florestas, lagunas, zonas de marismas e leitos de rios.

Desde que foi criado, o Parque Nacional de Doñana esteve sob a responsabilidade administrativa do governo espanhol. Em 2006, por meio do Real Decreto 137/2006, sua gestão foi transferida para a Junta de Andaluzia. A Consejería del Medio Ambiente, órgão governamental da Comunidade Autônoma de Andaluzia, foi definida como gestora e a gestão passou a ocorrer em consonância com a administração do Parque Natural do mesmo nome.

Um Parque Nacional é uma das figuras de proteção mais expressivas da Comunidade Autônoma da Andaluzia. Suas funções são regularizadas pela Rede de Espaços Naturais Protegidos da Andalucía (RENPA). O Parque Nacional e o Parque Natural de Doñana integram a RENPA, sendo que o Parque Natural ocupa ao redor de 85 por cento de toda a RENPA. Essa rede constitui um sistema de conservação da biodiversidade que se propõe a integrar uma amostra representativa dos principais sistemas naturais do país.


Para ser incluso na rede um parque deve ter:

- Uma extensão suficientemente ampla e contínua para que os sistemas naturais que acolhe evoluam e assegurem o bom funcionamento dos processos ecológicos presentes.

- Um alto nível de naturalidade, o que significa um bom estado de conservação e de funcionalidade dos ecossistemas presentes.

- A inexistência em seu âmbito de núcleos urbanos habitados, salvo casos excepcionais devidamente justificados.

- Ser rodeado por um território suscetível de ser declarado como zona periférica de proteção.

- Uma área protegida manejada principalmente para a conservação de ecossistemas e com finalidades de recreio.

- O uso público contemplado, ainda que com limitações precisas que garantam a sua conservação.

- Ser representativo dos sistemas naturais que acolhem e encontrar-se em bom estado de conservação, possuir um alto valor educativo e científico.

- O aproveitamento dos recursos naturais deve ser controlado e ser proibidas as atividades incompatíveis com as finalidades que motivaram sua declaração como Parque.

Dentre os valores naturais encontrados no Parque Nacional destaca-se a flora bastante diversa, com mais de 900 espécies, associada aos diferentes ecossistemas. Esses ecossistemas também têm cada um uma fauna própria e diferenciada, neles se vêem classificados 24 espécies de peixes de água doce, 11 de anfíbios, 21 de répteis, 37 de mamíferos terrestres e 226 aves, das quais 127 se reproduzem habitualmente no Parque. Há ainda espécies endêmicas e em perigo de extinção, como o lince ibérico e a águia imperial[11].

No que tange aos valores culturais materiais, nas praias que integram o Parque Nacional se encontram uma série de edificações, entre as quais se destacam as ruínas arqueológicas de três grandes torres de vigia. São as Torres de Carbonero, Zalabar e San Jacinto, que serviam de proteção frente aos ataques de piratas berberes e que foram erguidas durante o reinado de Felipe II, ente o final do século XVI e princípios do XVII[12].

 

Figura 2. Ruínas da Torre de Vigilância - Parque Nacional Doñana.
Foto Silvia Helena Zanirato, nov. 2008.

 

As peregrinações do Rocio, que ocorrem no Pentecostes são consideradas um patrimônio cultural imaterial do local. Trata-se de prática que vêem desde a Idade Média, repassada por gerações que se sucedem, na qual fiéis percorrem caminhos dentro do Parque Nacional até a igreja do Rocio, para homenagear a Mãe de Deus. É uma tradição que remete ao século XIV, e que se cogita uma relação com as divindades femininas no contexto cultural do mundo antigo mediterrâneo[13].

Essa série de valores naturais e culturais, materiais e imateriais fazem do Parque Nacional de Doñana um lugar singular. A salvaguarda dos bens que integram esse espaço é uma necessidade para a manutenção da biodiversidade, da identidade local, assim como para a memória e a história dos homens e mulheres que ali vivem e para a humanidade em geral.

As ameaças que pairam sobre o Parque Nacional de Doñana

Não obstante o reconhecimento de todos os valores existentes no Parque Nacional de Doñana, este não deixou de ser alvo de uma série de problemas que comprometem sua salvaguarda.

Durante séculos a pesca, a caça, a agricultura e a criação de gado predominaram no local onde hoje se encontra o referido Parque. A manutenção do espaço com uma grande propriedade de reis e nobres permitiu que a região chegasse até o século XIX com pouca alteração. As transformações vivenciadas no século XX com o incremento da urbanização, implicaram uma série de problemas para o local. Primeiro, na paulatina desaparição do bosque autóctone; depois, a abertura de estradas (1956), a construção de diques cruzando as marismas (1948) e a instalação da rede elétrica por sobre a área (1970) resultaram no desaparecimento de plantas e animais que viviam no local. A situação piorou após a contaminação das águas do Rio Guadiamar, em 1998. O crescimento da urbanização do entorno, sobretudo da região litorânea (Mastalascañas e Sanlúcar de Barrameda -1960) com residências de veraneio, também contribuiu para poluir o local com águas residuais, lixo e aumento do tráfego[14].

Doñana se situa numa ampla bacia hidrográfica na qual se alternam zonas florestais, áreas de cultivo de oliveiras e áreas irrigadas para o plantio de morango e hortaliças. Uma parte da bacia verte diretamente sobre a marisma através de riachos e canais. Nesta zona se encontram 15 municípios cujas atividades principais são a agricultura, a criação de gado e o turismo. Em algumas áreas tem havido a diminuição de atividades agrícolas e inclusive chegou a haver abandono da produção, já em outras se verifica a ocorrência de desflorestamentos ilegais, para transformação em áreas irrigadas para o plantio. Esta ação tem se convertido em uma ameaça, uma vez que implica na concorrência pela água subterrânea, além de ser um modo de aceleração de processos que favorecem à erosão e à contaminação difusa por nutrientes e praguicidas[15].

A contaminação das águas emersas e subterrâneas vem de longa data, por meio das atividades vinícolas, dos olivais e dos matadouros adjacentes, mas foi intensificada com o acidente ocorrido no pólo industrial de Huelva, em 1998. Nessa ocasião, pesticidas e metais pesados provenientes das minas de Aznalcóllar e de Jaén, a 60 quilômetros da área protegida, foram arrastados pelas correntes do rio Guadiamar e Guadalquivir e se espalharam pelas marismas doces e atingiram as plantas, os crustáceos, os peixes e as aves do local[16].

Outro problema que tem afetado o lugar e que já foi apontado pela UNESCO diz respeito à passagem de romeiros pelos territórios do Parque[17].

A romaria, que se iniciou em tempos longínquos, no decorrer do século XX se converteu em uma peregrinação massiva de pessoas que, de pontos distantes e por meios distintos, a cada primavera, convergem para a aldeia do Rocio, no centro do Parque Nacional.

A celebração, inicialmente limitada aos fiéis, teve um impulso expressivo em 1965, quando foi declarada Festa de Interesse Turístico. O número de participantes se tornou ainda maior a partir de 1973, por ocasião da consignação do Santuário do Rocío e seu entorno como Paisagem Pitoresca. Essas ações levaram à popularização da romaria e as pessoas passaram a acessar a aldeia quase todos os finais de semana, cortando os espaços protegidos de Doñana. A aldeia cresceu extraordinariamente, tanto que em 2006 contava com 2.182 moradias particulares, 79 casas de irmandades, vários hotéis e um camping, além de serviços como postos de gasolina, restaurantes, bancos e um comércio especializado. Paralelo a isso, foi incorporado, de forma constante e em número muito alto, novos elementos como veículos a motor de distintos tipos, telefonia móvel, rede elétrica, etc.[18].

A aldeia, lugar de encontro dos roceiros, por ocasião da festa se transforma com a infinidade de equipamentos que ali se instala. São barracas de campanha, quiosques, hospital, bares, estacionamentos, que multiplicam as possibilidades de acolhida e fazem a área se converter em um autêntico acampamento.

Desse modo, as pressões urbanística, agrícola e turística são fatores que influem na forma de uso e ocupação do solo, no aumento do consumo de águas subterrâneas, na contaminação do local com os resíduos e que põe em risco a biodiversidade do lugar. A esses fatores veio se somar outro, de conhecimento mais recente e de impactos ainda não claramente estimados. Trata-se dos perigos advindos das mudanças climáticas.

 

As mudanças climáticas em curso e suas implicações para o Parque Nacional de Doñana

O fenômeno das mudanças climáticas é considerado a ameaça mais grave que o planeta enfrenta neste século, uma autêntica crise, tanto ecológica como econômica[19].

As preocupações com as mudanças climáticas estão presentes nas agendas de diversos governos, e na Espanha isso não é diferente, tanto é que o Primeiro Ministro Espanhol, D. José Luis Rodrigues Zapatero solicitou a especialistas um informe sobre o estado de situação das mudanças climáticas em seu país, para orientar políticas públicas[20].

Os especialistas consultados afirmaram que a Europa aqueceu em torno de 1ºC no último século, um ritmo maior do que a média global. Asseveraram que um aquecimento global médio na superfície terrestre superior a 2ºC provocará efeitos irreversíveis nos ecossistemas e nas sociedades humanas, incluindo a economia e a saúde. Segundo esses, as projeções indicam ser provável um aquecimento de, pelo menos, 0.2°C por década num futuro próximo. Também alegaram que tem havido numerosas alterações do clima, o que inclui mudanças generalizadas nas quantidades de precipitação, na salinidade dos oceanos, nos padrões de vento e nos aspectos de extremos atmosféricos, como a freqüência de secas, chuvas torrenciais e ondas de calor, ou a intensidade dos ciclones tropicais.

Para os especialistas, a Espanha aqueceu mais do que a média européia (entre 1.2ºC e 1.5ºC). Isso se deu ao longo do século XX, mais particularmente no último terço, sendo que as temperaturas foram especialmente altas na primavera e no verão.

 

Figura 3. Mapa da temperatura superficial da água do mar do Mediterrâneo ocidental.
Refere-se a um aquecimento de 8ºC medido entre 8 de julho e 26 de julho de 2006, com temperaturas extremas de 30ºC. In: Duarte, 2006, p. 151.

 

Segundo os especialistas consultados, pela situação geográfica e pelas características socioeconômicas, a Espanha é muito vulnerável às mudanças e já está sendo afetada. As projeções tecidas por eles indicam:

-Um incremento progressivo da temperatura superficial em todas as regiões, que se acelerará a partir de meados do século XXI, em caso de cenários de emissões globais mais altas.

-Uma tendência progressiva à diminuição de precipitação em todas as regiões, que será mais realçada a partir da metade do século, ou ainda maior nos cenários de emissões altas.

-Que os valores médios estacionais da umidade relativa tenderão a reduzir-se de forma geral e em todas as estações do ano, com porcentagens maiores no verão do que no inverno.

-Que em todas as regiões haverá um sensível incremento na intensidade e freqüência de eventos extremos relacionados com a temperatura, que será significativamente maior, no caso dos cenários de emissões mais altas.

-Que os impactos podem ter conseqüências graves no que se refere à diminuição dos recursos hídricos e regressão da costa, às perdas da diversidade biológica e alterações nos ecossistemas naturais, aos aumentos dos processos de erosão do solo e perdas de vidas e bens, associados aos fenômenos climáticos extremos, tais como incêndios florestais, ondas de calor e eventuais inundações.

Concluíram então que poderá ocorrer uma “mediterranização” no norte peninsular e uma “aridificação” no sul. Por tudo isso, afirmaram ser prioritário e imprescindível dispor de melhores cenários regionalizados para poder realizar análises de riscos e impactos, bem como para determinar as possíveis medidas de adaptação[21].

Outra pesquisa foi realizada pelo Ministério do Meio Ambiente Espanhol, em colaboração com a Universidad de Castilla-La Mancha e indicou que os recursos hídricos sofrerão uma diminuição importante como conseqüência das mudanças climáticas na Espanha. De acordo com essa pesquisa, para o horizonte de 2030, simulações com aumentos de temperatura de 1ºC e diminuição média de precipitação de 5 por cento, resultarão na diminuição média de oferta hídrica em regime natural entre 5 e 14 por cento. Além da diminuição dos recursos, foi previsto um aumento da variabilidade inter-anual dos mesmos, com impactos nas bacias do Guadiana, Canárias, Segura, Júcar, Guadalquivir, Sur e Baleares[22].

Essa pesquisa também advertiu para problemas nas zonas costeiras espanholas, relacionados com uma possível subida do nível médio do mar (NMM). As projeções variam entre 10 e 68 centímetros para final do século XXI. Para finais do referido século, concluem os especialistas, é razoável esperar um aumento de 50 centímetros no NMM, com 1 metro num cenário mais pessimista.

Ante uma subida generalizada do NMM as zonas mais vulneráveis serão os deltas e as praias confinadas, o que poderá causar perdas de um número importante de praias, sobretudo no Cantábrico. Boa parte das zonas baixas costeiras se inundará (deltas do Ebro, Llobregat, Manga do Mar Menor, costa de Doñana), parte das quais pode estar sobre zona já construída.

Segundo a referida pesquisa, as possibilidades de adaptação dos ecossistemas aquáticos continentais espanhóis às mudanças climáticas são limitadas. Para atenuar os efeitos se faz necessário políticas de economia de água, de melhoria de sua qualidade, de intensificação das medidas de conservação dos ambientes terrestres. As zonas mais vulneráveis às mudanças climáticas são as zonas costeiras, as áreas úmidas, os cursos de água permanentes, que passarão a estacionais e tenderão a um caudal mais irregular ou, inclusive, desaparecerão[23].

Também em busca de informes sobre a ação das mudanças climáticas, a Consejería do Meio Ambiente da Andaluzia produziu um documento a partir de vários estudos e anunciou a previsão de uma subida de temperaturas máximas na Andaluzia de até 5,4 graus para o final do século XXI e uma diminuição das precipitações em torno de 7 por cento para o mesmo período. Tais medidas, se afirma no documento, “implicam não só em um importante dano ambiental, como também em severas repercussões econômicas e sociais”[24].

O projeto “Generación de Escenarios de Cambio Climático en Andalucía”, realizado pela Fundación para la Investigación del Clima (FIC), no marco da Estratégia da Comunidade Autônoma Andaluza, trabalhou com três dos modelos climáticos globais mais reputados (CGM2, ECHAM4 y HadAM3) em escala local e para horizontes temporais mais próximos (2011-2020, 2041-2050 e 2091-2100). As conclusões desse projeto foram de que as precipitações aumentarão 3 por cento no primeiro terço do século XXI e depois descenderão 7 por cento. Serão especialmente significativas as reduções na bacia alta do Guadalquivir e na bacia Atlântica Andaluza, que terão uma diminuição de seu caudal superior a 20 por cento[25].

Os impactos das mudanças climáticas para os lagos e umidades espanholas foram avaliados por Ayala-Carcedo (2002), que considerou implicações como:

a) Diminuição dos recursos hídricos que os mantém,

b) Aumento da evaporação em lâmina livre derivado da subida da temperatura e de mudanças no regime higrométrico do ar e dos ventos,

c) Subida do nível médio do mar por expansão térmica da água,

Para esse pesquisador, isso significa que praticamente todos os lagos e umidades espanholas, especialmente os de clima mediterrâneo, apresentarão problemas nas próximas décadas pela tendência a baixar os níveis. No caso de Doñana, por ser um ecossistema complexo, cuja “evolução natural (...) se encontra em um estado de amadurecimento avançado”, a subida do nível do mar sugere um rejuvenescimento, que aumentará a influência da maré no interior do Parque[26].

Estudos feitos por Fernandez e Borja, em colaboração com a WWF/Adena em janeiro de 2006, partiram do princípio de que as mudanças climáticas são fatores condicionantes para o futuro da região de Doñana e, por isso mesmo, havia que se fazer uma avaliação qualitativa dos possíveis impactos das mudanças climáticas sobre o sistema natural daquele lugar.

Valendo-se do informe do Ministério de Meio Ambiente (2005) quanto às previsões de mudanças dos parâmetros do clima e variações do nível do mar para a Península Ibérica, buscaram identificar os riscos que se apresentam particularmente para Doñana.

Trabalharam então com dois cenários de emissões. O cenário A2, pelo qual se considera que a concentração global futura de dióxido de carbono - CO2 será 120 por cento maior do que a atual para o ano de 2100, e o cenário B2, que prevê um aumento de 100 por cento para o mesmo período.

Para o cenário A2, o aumento da temperatura na Espanha deverá ser essencialmente uniforme ao longo do século XXI, com uma tendência média de elevação de 1,2ºC a cada 30 anos no inverno e de 2ºC a cada 30 anos no verão; para o cenário B2 a previsão é de 1,1ºC e 1,8ºC respectivamente. Em quase todas as zonas da península ibérica haverá um aquecimento praticamente linear, exceto ao final do século que será mais acelerado. No último terço se prevê o incremento da temperatura média estacional superior a 6ºC no verão, em toda a península no cenário A2, e só na parte sul ocidental no cenário B2. Por outro lado, no inverno, para esse período, os acréscimos de temperaturas se manterão abaixo dos 4ºC no cenário A2 e abaixo de 3ºC no B2.

Segundo os dois cenários considerados, a precipitação total nos meses de inverno tende a aumentar, enquanto que na primavera e verão se registrará uma sensível diminuição. Com relação ao comportamento do nível do mar, se espera nos próximos anos um aumento entre 50 centímetros a um metro[27].

As pesquisas desses autores indicaram ainda uma clara tendência à aridificação na região onde se encontra o Parque Nacional de Doñana. Segundo eles, haverá um aumento das temperaturas médias diárias em torno a 3-4ºC no cenário A2, e 2-3ºC no B2, sendo este aumento mais pronunciado na época das secas, quando pode alcançar um grau maior em cada caso. Também haverá um aumento nos máximos e mínimos das temperaturas diárias, que poderão ampliar entre 2 e 5 semanas os dias de verão, assim como diminuir entre 1 e 2 semanas as noites geladas. As precipitações serão reduzidas (para uma subida de 2ºC de temperatura) em até -110 mm/a, assim como o número de dias de chuva, o que levará ao prolongamento do período de estiagem. Para o último terço do século haverá um acréscimo da evapotranspiração no outono, assim como um aumento da velocidade do vento em torno a 5 por cento.

Com a elevação do nível do mar em até 0,5 metros ao final do século XXI, ao redor de 10 quilômetros da costa e 100 quilômetros quadrados das marismas serão afetadas. Com isso, o litoral de Doñana será afetado tanto em seus sistemas de praias e dunas costeiras, quanto em partes significativas das marismas. Há então um risco real de deslocamento do setor salino para as partes mais internas do estuário, o que afetaria tanto a fauna quanto a agricultura irrigada.

Eles também constataram uma clara tendência à desertificação, em função de que a bacia do Guadalquivir expressa diminuição do total dos aportes superficiais entre 4,5 e 11 por cento. Essa situação provocará a diminuição da umidade do solo e o aumento do stresse hídrico, tanto nas formações vegetais quanto no conjunto dos ecossistemas, especialmente nas umidades, o que põe em risco a viabilidade de muitos deles.

Quanto à unidade hidrogeológica de Doñana, o que prevêem é um horizonte de sobre-exploração e contaminação antrópica, assim como de salinização da parte costeira em razão da subida do nível do mar, o que pode ocorrer num prazo não tão distante, “a julgar pelos claros sintomas que já apontam para essa direção”[28]. O aumento da salinidade do solo, afirmam esses pesquisadores, é um fato futuro incontestável.

Com relação às águas superficiais, a subida de temperatura média, unida à diminuição das precipitações, desenha um panorama no qual a disponibilidade de águas superficiais seria ainda menor. No que diz respeito às águas subterrâneas, o efeito do aumento das temperaturas e da diminuição e concentração das precipitações conduzirão ao deterioro e erosão do solo, prejudicando os processos de infiltração e percolação, que tem lugar antes que se produza a recarga efetiva do aqüífero.

Em relação aos processos dunares, os investigadores referidos entendem que serão reforçados no conjunto dos Mantos Eólicos Litorais, tanto porque se estenderá o período útil para que o vento mova os grãos de areia, quanto porque haverá um aumento da velocidade do mesmo. A dinâmica costeira também sofrerá alterações por um incremento da incidência de processos erosivos, havendo um progressivo desmantelamento das formações de praias e dunas costeiras.

Em face de tais mudanças deverá ocorrer o afastamento de aves e animais da área. As aves desaparecerão devido ao aumento da duração do período de estiagem previsto, podendo inclusive desaparecer drasticamente. Também ocorrerá um aumento da mortalidade de muitas espécies de fauna aquática (invertebrados, peixes, anfíbios e répteis), que será especialmente grave naqueles que têm um ciclo de vida curto, ou baixa capacidade de dispersão. As mudanças climáticas podem ser ameaças à sobrevivência de animais como o lince ibérico, devido à destruição e fragmentação de seu habitat, associado à diminuição de sua presa principal, o coelho, ante a aridez crescente que se projeta para as próximas décadas[29].

As pesquisas referidas indicam um cenário bastante sombrio para o Parque Nacional de Doñana e clamam por estudos e medidas urgentes capazes de diminuir os danos que as mudanças climáticas devem acarretar para o lugar.

Não obstante, não há, até o momento (maio 2009), além dos estudos de Fernandez e Borja, outros que se empenhem em propor políticas e medidas de gestão destinadas a adaptar/minimizar os danos que podem ser provocados pelas mudanças globais anunciadas.

Nem mesmo o acidente ocorrido com a contaminação das águas pelas atividades mineradoras - que mobilizou a Consejería del Medio Ambiente da Junta de Andalucía a elaborar o projeto Doñana 2005[30] -, considerou necessário avançar nessa direção. Ainda que as mudanças climáticas já estivessem anunciadas, elas não foram objeto de preocupação no projeto citado. Nenhuma menção se fez aos riscos delas decorrentes e de possibilidades de adaptação ou mitigação[31].

As mudanças climáticas, no entendimento de muitos investigadores, continuam a ser entendidas como especulações alarmistas e inconsistentes.


Considerações finais

Em geral, os espaços protegidos conservam seus valores naturais graças a instrumentos normativos que proíbem ou restringem determinados usos. Ainda que isso se passe, há evidentemente um contraste entre o que se faz nessas áreas e as transformações que se produzem ao redor dos seus limites. Não raras vezes o que se tem é um modelo territorial de antinomia: espaços protegidos que aparecem como ilhas em um território transformado.

A sobrevivência de áreas como Doñana, num cenário de mudanças globais, infelizmente necessita de muito mais do que tem sido anunciado pelos instrumentos normativos. Primeiro porque permanece a urgência de integrar nos planos de gestão os impactos das mudanças climáticas, de modo a ampliar o campo dos riscos e as alternativas destinadas à mitigação dos danos daí decorrentes; segundo porque há a necessidade de debater sobre os caminhos a serem trilhados num cenário de mudanças globais, no qual pode ser que se tenha que escolher entre conservar os ecossistemas e as espécies originais ao preço de sua adaptação, ou facilitar a sua adaptação a outros ecossistemas[32].

São questões que necessitam de respostas em curto prazo pois pode ser que as mudanças climáticas já estejam a afetar a região onde se encontra o Parque Nacional de Doñana, o que poderia explicar algumas alterações como as baixo referidas:

 

Figura 4. Praia de Matalascañas, Parque Nacional Doñana.
Foto Silvia Helena Zanirato, nov. 2008.

 

O processo erosivo na região de Matalascañas (Figura 4), resultante do avanço do nível do mar, que faz com que construções dos anos 1970, que distavam mais de duzentos metros da costa, estejam perdidas pelo desmantelamento das formações de praias.

Figura 5. Praia de Matalascañas. Parque Nacional Doñana.
Foto Silvia Helena Zanirato, nov. 2008.

 

O desaparecimento das torres de vigilância construídas no século XVI, na mesma praia (Figura 5). Originariamente a torre fotografada situava-se distante da linha d’água, em uma elevação que permitia sua visualização pelos navios que cortavam essa parte do Atlântico. Durante mais de três séculos ela se manteve ereta. A perda de solo pelo avanço do nível do mar no final do último século levou-a ao tombamento. O que resta é a parte da base, dobrada pela força das águas.

 

Figura 6. Dunas móveis no Parque Nacional Doñana.
Foto Silvia Helena Zanirato, nov. 2008.

 

As mudanças na morfodinâmica eólica que contribuem para o avanço mais e mais dos areais das dunas sobre os corrales (Figura 6). O depósito de areia dificulta a manutenção da umidade do solo e acaba por matar a vegetação do espaço entre dunas.

Ainda que se creditem tais impactos à dinâmica natural da região, permanece a necessidade de que os planos de gestão considerem a possibilidade dos efeitos das mudanças climáticas projetados para o local e que comece a haver estudos preocupados com estratégias de mitigação dos danos daí derivados.

Sem a intenção de causar alardes, um olhar mais atento às alterações havidas no Parque Nacional de Doñana pode favorecer ao necessário repensar da trajetória de desenvolvimento humano e contribuir para evitar, reduzir, ou adiar os impactos da degradação causada pelos homens ao planeta.

Isso porque, apesar de todos os estudos mencionados afirmarem a iminência das mudanças climáticas e do peso da ação humana nesse processo, a Espanha, sozinha, foi responsável por um aumento de 52,88 por cento das emissões de gases do efeito estufa (dióxido de carbono - CO2) em 2005, comparado a 1990[33]. As razões para esse aumento encontram-se, entre outros, no incremento da demanda energética e no crescimento da mobilidade automotiva[34].

Não se pode esquecer que a crise ambiental anunciada é resultante de escolhas políticas ou econômicas feitas no passado, num processo gradativo, formulado pelo homem em sua inserção com o ambiente natural[35]. A questão não é simples, mas é inegável que implica em escolhas, entre elas a da manutenção de práticas de uma economia assentada na produção, no consumo e na acumulação de riquezas. São práticas como essas que estão a por em risco a conservação do patrimônio natural de lugares como o Parque Nacional de Doñana e, em longo prazo, por que não, a possibilidade da vida na Terra.

 

Figura 7. Por do Sol no Parque Nacional Doñana.
In: Alonso e Suárez, 2006, p. 66.

 

Notas

[1] Gómez-Limón et alli, 2002.

[2] Castro Nogueira, 2003.

[3] Gómez-Limón et alli, 2002.

[4] Junta, 2007.

[5] Junta, s.d.

[6] Junta, 2005.

[7] Junta, 2004, p. 4.

[8] Junta, 2004.

[9] Junta, 2006.

[10] Gómez-Limón et alli, 2002.

[11] García Novo e Marín Cabrera, 2006.

[12] Em Almonte, principal município da Comarca de Doñana, se localizam sítios arqueológicos com amostras da criação humana da idade de bronze, da época grega e fenícia, além de um grande número de construções barrocas. Entre os monumentos mais significativos figuram o Ayuntamiento, um antigo convento das dominicanas do século XVI e a igreja Paroquial da Asunción, edificada sobre uma construção do século XV. Em Sanlúcar de Barrameda destacam-se o casario branco, o Castelo de Santiago do século XV, a igreja Nuestra Señora de la O, do século XIV, o palácio Ducal, em cujo interior se encontra um dos arquivos históricos mais importantes de Europa; a igreja da Santíssima Trinidad do século XV, a sede do Ayuntamiento que está no Palácio dos Infantes de Orleáns e Borbón, entre outros monumentos e casas senhoriais. Em Lucena del Puerto se vêem o Convento da Luz, do século XV, em estilo arquitetônico gótico-mudéjar e a igreja de São Vicente Mártir, do século XVI, também com características tipológicas gótico-mudéjar e elementos barrocos do século XVIII (Junta, sd).

[13] Fernández Jurado, 2005.

[14] Junta, 2007.

[15] Giró, Costa e Sálate, 2002.

[16] Giró, Costa e Sálate, 2002.

[17]  Quero, 2002.

[18] Villa-Diaz, 2006.

[19]  Sobre este aspecto ver Thomas et al, 2004; Gibson, 2006; IPCC, 2007.

[20] Para um informe mais detalhado da ação das mudanças climática na Espanha, consultar Abanades García, 2007.

[21] Abanades García, 2007.

[22] Moreno, 2005.

[23] Moreno, 2005.

[24] Coves, 2007, p. 5.

[25] Junta, 2006 a.

[26] Para Ayala-Carcedo, a gravidade dos problemas anunciados requer que seja elaborada, com urgência, uma lei de proteção dos lagos e umidades, que integre as diferentes escalas de gestão. Ayala-Carcedo, 2002, p. 7

[27] Fernandez e Borja, 2006. Trata-se de uma investigação realizada em parceria pela Universidad de Huelva e a WWF/Adena.

[28]  Fernandez e Borja, 2006, p.8.

[29]  Fernandez e Borja, 2006.

[30] Alonso e Suarez, 2008.

[31] Biasco, 2008.

[32] Töpfer, 2006.

[33] Nieto e Santamarta, 2006.

[34] Abanades García, 2007.

[35] Veyret, 2007.


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[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]



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Ficha bibliográfica:

ZANIRATO, Silvia Helena. Riscos e ameaças à salvaguarda do patrimônio natural da humanidade. O Parque Nacional Doñana como um estudo de caso. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 891, 5 de octubre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-891.htm>. [ISSN 1138-9796].