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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 895 (19), 5 de noviembre de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

DEPOIS DA FESTA, A MASCARA CAI: JOGOS ESPORTIVOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

 

Tamara Tânia Cohen Egler
Professora do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)
 Universidade Federal do Rio de Janeiro



Recibido: 18 de agosto de 2010. Devuelto para revisión: 16 de septiembre de 2010 . Aceptado: 30 de septiembre de 2010.


Depois da festa, a mascara cai: jogos esportivos na cidade do Rio de Janeiro (Resumo)

A proposta do presente artigo associada ao desvendamento das relações que articulam atores públicos e privados, para a tomada da decisão política para a realização de jogos esportivos, particularmente da Copa do Mundo e das Olimpíadas, que deverão ser realizados em 2014 e 2016 – no contexto de uma sociedade globalizada que transforma a política urbana local em benefício dos interesses econômicos e políticos associados ao processo de globalização. As políticas urbanas locais são estratégicas para o processo de globalização. Os resultados da pesquisa revelam que podemos observar a formação de uma rede de corporações dedicadas ao desenvolvimento de grandes eventos que associam o poder econômico ao político, para produzir atividades imateriais de forte conotação simbólica. 

Palavras chaves: políticas públicas, Jogos Olímpicos, urbanização de grandes eventos


After the party, the mask falls: sports games in Rio de Janeiro (Abstract)

This paper’s proposition, associated to the revelation of relations that articulate public and private actors, to the political decision making to the sporting games accomplishment, World Cup and Olympic Games particularly, that should take place in 2014 and 2016 – in the context of a global society that changes the local urban policy to the benefit of economic and political interests associated to the globalization process. The local urban policies are strategic to the globalization process. The research’s result reveal we can observe the formation of a net of corporations dedicated to the development of great events that associate the economical power to the political, to produce immaterial activities of strong symbolic connotation.

Key words: public policies, Olympic Games, great events urbanization


Como, por que e para quem são produzidas as políticas urbanas para os jogos esportivos globais na cidade do Rio de Janeiro?

Quando o governo Cesar Maia propôs a primeira candidatura da cidade do Rio de Janeiro para as Olimpíadas, em 1992, fui assistir ao seu lançamento em Copacabana. Havia sido organizada uma comemoração de ampla participação popular, e quando lá cheguei, pude observar caminhões ao longo da orla distribuindo balões de gás. Ao mesmo tempo, era possível perceber a lentidão do processo pelas filas de muitas crianças que se formavam ao lado dos caminhões. Ao meio-dia em ponto, os balões foram soltos e tomaram os céus de Copacabana. Daí eu pensei: esta será a imagem síntese da solidariedade carioca para a realização dos Jogos Olímpicos. Foi assim que pude ler a primeira imagem do Rio para os Jogos Olímpicos. À noite as televisões do Brasil transmitiam para o mundo a imagem de uma solidariedade que não encontrava referente na realidade.

A proposta do presente artigo associada ao desvendamento das relações que articulam atores públicos e privados, para a tomada da decisão política para a realização de jogos esportivos, particularmente da Copa do Mundo e das Olimpíadas, que deverão ser realizados em 2014 e 2016 – no contexto de uma sociedade globalizada que transforma a política urbana local em benefício dos interesses econômicos e políticos associados ao processo de globalização.

As políticas urbanas locais são estratégicas para o processo de globalização. Para participar da rede de cidades globais, o governo do Rio de Janeiro passou a realizar projetos de intervenção capazes de colocar a nossa cidade na competitividade do sistema global. O que podemos observar é a formação de uma rede de corporações dedicadas ao desenvolvimento de grandes eventos que associam o poder econômico ao político, para produzir atividades imateriais de forte conotação simbólica. 

Essas redes associam corporações globais, governos locais, agências de entretenimento, empresas aéreas e de segurança, escritórios de arquitetura, capital imobiliário, organizações sociais e tantos outros e atuam em beneficio de interesses de cada um dos membros e de todos ao mesmo tempo.  Existe uma infinidade de atores que participam desse processo, o qual promove uma ampla articulação que beneficia atores locais e globais.

O nosso  desafio é ler e compreender  um conjunto de estratégias dos atores  que ampliam a mobilidade de pessoas em torno de territórios globais e em busca da satisfação de um desejo de consumo de bens imateriais,  associados ao entretenimento e à satisfação simbólica. Daí a importância do turismo internacional, que move milhões de pessoas do mundo e produz ganhos econômicos inimagináveis. Para alavancar essa mobilidade, são realizados  grandes eventos, que podem ser  culturais – como esporte, música,  festivais de cinema – e acadêmicos – como congressos científicos – que fazem a estrutura móvel da globalização.

Para alcançar o seu sonho de fazer do Rio de Janeiro um território global, Cesar Maia  apresenta a cidade como candidata para sediar os Jogos Pan-americanos – proposta vencedora na reunião da Organização Desportiva Pan-americana (ODEPA). Durante o seu segundo governo, entre 2004 e 2008, a política urbana concentrou-se na produção de um cenário para abrigar os jogos Pan-americanos. E, para isso, foi concebido um megaprojeto de intervenção na cidade do Rio de Janeiro, o qual ia desde a redefinição do sistema de transporte, da construção da Vila do Pan, de Estádios e da cidade da Música, até a renovação da Orla, do aeroporto de Jacarepaguá e do Riocentro. Para tanto, é valorizada a produção de uma imagem de grandiosidade associada aos corpos e jogos, visando atrair uma multidão de turistas para participar da grande festa esportiva[1].

Nesse complexo projeto, a mais importante ação foi a construção de uma vila olímpica – um conjunto habitacional – para abrigar os cinco mil atletas que participaram das competições. Foram construídos ainda quatorze prédios, com 1.400 unidades habitacionais, além de um conjunto de equipamentos de lazer associados ao projeto. Tudo isso sem falar ainda da Cidade da Música – projeto do arquiteto global Chistian de Portzamparc – onde estão localizadas duas salas de concertos: uma para 1.800 espectadores e a outra para 800; e uma sala de música de câmara para 500 pessoas, além de outros espaços para atividades musicais. A obra, iniciada em 2002, pode custar, no fim das contas, cerca de R$ 670 milhões, dos quais R$ 431 milhões já foram pagos pelos cofres públicos.

A realização dos jogos pan-americanos teve um custo extremamente elevado: a previsão inicial foi de R$ 691.013.912,00[2]; hoje, esse valor subiu para cerca de R$ 4 bilhões. O custo médio das quatro edições anteriores (Santo Domingo, Winnipeg, Mar Del Plata e Havana) ficou muito abaixo disso: cerca de R$ 280 milhões cada. Em outras palavras, o Brasil está gastando quatorze vezes mais para produzir o mesmo evento, sendo que a maior parte desse dinheiro – cerca de 90% – vem dos cofres públicos[3].


De que forma esse projeto transforma as condições da existência social na cidade do Rio de Janeiro?

O legado dos Jogos Pan-americanos é um bom exemplo para se compreender a lógica da política. Da Cidade dos Esportes ao Complexo Esportivo João Havelange, do Parque Aquático Maria Lenk ao Velódromo, é possível observar o abandono dos equipamentos. Como sua conservação é muito onerosa, a prefeitura não consegue arcar com os altos custos de sua manutenção e delega a clubes privados, capitais privados e até políticos a prerrogativa de sua apropriação.

Mas o mais grave é o que aconteceu com a Vila do Pan que, antes mesmo de sua inauguração, já sofria problemas de estrutura – um trecho de 400 metros já havia ruído –, que eram mascarados pela mídia. O fato é que engenheiros do Conselho Regional de Arquitetura e Engenharia do Estado do Rio de Janeiro (CREA) respondem tecnicamente e revelam que a fundação da obra não foi realizada adequadamente, sobretudo por se tratar de terreno arenoso em localidade próxima a rios[4], o que colocou a obra em estado de risco.  Sem o habite-se, os proprietários estão impedidos habitar nos apartamentos adquiridos a preço de ouro no mercado imobiliário.

É doloroso observar como atualmente a Cidade da Música está totalmente abandonada e frequentada apenas por seguranças e alguns engenheiros, e a visitação pública só é permitida com autorização da prefeitura – resultado de sonhos faraônicos de governantes que produzem grandes projetos de justiça social duvidosa.

Isso nos revela como essa estratégia responde por interesses alheios ao lugar, perpassa os interesses do capital global e produz uma nova ordem nos processos de exclusão social. É possível compreender como a produção do espaço simbólico é efêmera. Depois da festa, a máscara cai, e pouco resta para a realidade social das pessoas no mundo de verdade.

Atualmente está em debate a realização da Copa do Mundo em 2014,  quando os projetos concentram-se na produção de uma infraestrutura  de transportes capaz de articular os territórios renovados para os jogos. No plano de obras para a realização da Copa do Mundo de 2014, estão incluídas 59 obras, das quais 12 são reformas de Estádios. O custo total previsto é de R$ 17,52 bilhões, incluindo verbas federais, estaduais e privadas. A questão principal estende-se entre sediar as atividades principais no Centro ou na Barra, sendo que os projetos de arquitetura e urbanismo são propostos quando são discutidos a sua localização, os custos econômicos e os benefícios para a cidade e seus moradores.

 

O que podemos fazer para que não se repita o que aconteceu com os jogos Pan-americanos?

É importante produzir um conhecimento orientador da formulação de propostas alternativas de políticas urbanas, cujos objetivos sejam a equidade econômica, a liberdade política e a justiça social nas cidades.

O exame da história da resistência social na cidade do Rio de Janeiro atesta a importância da organização social para pôr limites aos interesses escusos manifestos na política urbana da globalização. Relembro o projeto de renovação da Zona Portuária, anunciada por Cesar Maia em 2002, cujo  objetivo era  substituir a área depauperada do Porto por um espaço de produção econômica e de criação cultural para o desenvolvimento de atividades globais. O projeto de renovação, centrado na construção de um museu submerso ao mar – projetado pelo arquiteto de Bilbao, Jean Nouvelle –, suscitou a organização da comunidade local, levando-a a participar do debate e a ter um posicionamento político alternativo. Essa mobilização real aglutinou um grande número de atores sociais e foi capaz de produzir  um discurso alternativo ao discurso dominante da globalização em defesa dos interesses dos seus habitantes.  E foi capaz de impor limites aos interesses alheios, expressos no projeto de revitalização proposto pela prefeitura, e uma liminar concedida pela justiça suspendeu o contrato assinado entre a prefeitura do Rio e a Fundação Guggenheim. Essa resistência social apresenta questões que permitem identificar os procedimentos que conseguiram inibir um contrato milionário entre os agentes do sistema global de cultura e os governantes de nossa cidade[5]. Isso para responder à nossa indagação inicial: para que e para quem.

Esse é o modelo que nos conduz a pensar na importância da ação social na formação de uma rede capaz de dizer não aos interesses das redes globais que conduzem a política urbana de hoje na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de produzir um novo discurso, valorizado pela participação social e pela formação de redes de agentes politicamente responsáveis, capaz de multiplicar a formação de coletivos contra os interesses hegemônicos da globalização.

A proposta alternativa aqui apresentada tem esse objetivo: criar uma rede capaz de produzir um espaço de interlocução pública para ganhar a coesão social em torno de um discurso alternativo o qual permita o exercício de uma ação consensual e coletiva. E dizer não aos interesses de atores alheios às condições de existência social no Rio de Janeiro.


Notas

[1] EGLER, Tamara Tânia Jogos pan americanos para um Rio Global, in: Globalização e marginalidade: transformações urbanas. ed.Natal : EDUFRN, 2008.

[2] Diário Oficial, Rio de Janeiro, 25 de nov. 2005.

[3] Disponível em: <http://esportes.r7.com/esportes-olimpicos/noticias/legado-do-pan-foi-determinante-para-se-ganhar-a-olimpiada-20091002.html; http://www.anovademocracia.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=293>.

[4] O Dia, Rio de Janeiro, 4 out. 2003.

[5] EGLER, Tamara Tania Cohen Políticas globais e resistência social da Zona Portuária , Anais  da XII, ANPUR,  Salvador, 2003.

 

[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]



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Ficha bibliográfica:

EGLER, Tamara Tânia Cohen. Depois da festa, a mascara cai: jogos esportivos na cidade do Rio de Janeiro. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 895 (19), 5 de noviembre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-19.htm>. [ISSN 1138-9796].