Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 895 (25), 5 de noviembre de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E GESTÃO DEMOCRATICA DOS FUNDOS E INVESTIMENTOS DESTINADOS AOS JOGOS OLÍMPICOS DO RIO DE JANEIRO: UMA TAREFA PARA 2016

 

Floriano Jose Godinho de Oliveira
Profesor de la Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Recibido: 2 de septiembre de 2010. Aceptado: 30 de septiembre de 2010.


Participação social e gestão democrática dos fundos e investimentos destinados aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: uma tarefa para 2016 (Resumo)

A administração dos recursos destinados à preparação do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos sob a direção exclusiva do COB, sem nenhuma participação popular e formas democráticas de decisão, pode fazer do sonho um pesadelo para a cidade. Muitas outras cidades olímpicas utilizaram esses recursos para promoverem a reabilitação de áreas e a produção de equipamentos públicos para toda a população. O que se observa no Rio é a utilização desses recursos para alavancar os investimentos imobiliários e de empresas privadas prestadoras de serviços.    

Palavras chave: participação popular, Comitê Olímpico Brasileiro


Social participation and democratic management of funds and investments destined to the Olympic Games of Rio de Janeiro: a task for 2016 (Abstract)

The resources administration destined to the preparation of Rio de Janeiro for the Olympic Games under the exclusive direction of the Brazilian Olympic Committee, without any popular participation or democratic way to decide, can turn the dream into a nightmare to the city. Other Olympic cities have used the resources to promote the reinstatement of areas and production of equipments publics to all people. It is possible to observe the use of these resources to amplify real estate and private companies of services investments in Rio.

Keywords: popular participation, Brazilian Olympic Committee


Uma enquete realizada pelo Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ) sobre a expectativa dos profissionais que freqüentam seu site, em geral urbanistas e acadêmicos da área de ciências sociais, em relação aos grandes eventos esportivos que se realizarão no Brasil, está demonstrando certa preocupação com os rumos da organização da cidade para os Jogos Olímpicos. Perguntados se esses eventos poderiam gerar “uma reestruturação urbana benéfica para a população habitante das grandes cidades brasileiras”[1], 48,9 por cento das respostas apontavam que não, pois a experiência brasileira é de que os “benefícios oriundos de mega-eventos esportivos ficam sempre restritos a pequenas parcelas da sociedade, enquanto a maior parte da população é prejudicada”; e, 35,6 por cento assinalavam que sim, “desde que haja transparência e participação popular nos processos de planejamento dos projetos relacionados aos mega-eventos esportivos”. Os restantes 15,5 por cento dos votos recaíam sobre as demais opções.

Concretamente, essas duas respostas sintetizam um sentimento em relação às administrações públicas no Brasil: de que há uma promiscuidade entre o público e o privado, determinando o mal uso dos recursos públicos, e práticas políticas comprometidas com os interesses empresariais, deixando bastante reduzidas as possibilidades de que as classes populares ampliem sua integração social e obtenham maiores benefícios por meio das políticas públicas. O fato é que as administrações utilizam os fundos públicos para minimizar os dispêndios com capital variável na composição do custo geral de produção, propiciando uma maior acumulação de capitais[2]. Por outro lado, essa promiscuidade também se complementa pela adoção de práticas fisiologistas e patrimonialista das classes dominantes e, conseqüentemente, dos políticos brasileiros, como demonstrou Florestan Fernandes[3].

Ainda que estejamos vivendo em um cenário de democratização do país nesses últimos anos, esse processo é ainda muito recente para reverter as práticas predominantes entre a maioria dos administradores de nossas cidades. Por isso, a preocupação demonstrada pelos que responderam à pesquisa, com o uso socialmente justo dos recursos a serem aplicados na preparação da cidade para os Jogos Olímpicos é, em grande medida, compartilhada pelos autores que escrevem neste dossiê.

Dois fatores estão no centro das atenções dos artigos aqui apresentados quando analisam as perspectivas para a população da cidade e metrópole do Rio de Janeiro: a concentração dos equipamentos no bairro da Barra da Tijuca, beneficiando a especulação imobiliária e os setores ligados ao turismo e transportes, bem como a falta de confiança nos administradores da cidade e do Comitê Olímpico, pela ausência de transparência e participação nas decisões sobre os investimentos.

Debater essas questões foi o objetivo desta edição especial da Revista Biblio 3W, que teve seu primeiro impulso com a publicação de oito dos artigos aqui apresentados na Revista La Véu Del Carrer, publicada pela Federació d´Associacions de Vecinos y Vecinas de Barcelona. Para as duas publicações, Horacio Capel e Jorge Barbosa, nos seus artigos introdutórios, destacaram a importância dos Jogos Olímpicos como potencializadores de uma urbanização mais justa, na medida em que os jogos projetam a imagem da cidade internacionalmente, trazendo boas conseqüências para o turismo e atividades econômicas para a cidade.  Mas ambos alertam enfaticamente que os avanços possíveis dependem de que os investimentos com a preparação da cidade sejam bem geridos, de que a herança reunida por força da história social da cidade não seja dilapidada e, sobretudo, de que os investimentos sejam realizados em áreas e equipamentos de interesse da maioria da população residente.

Para que isso ocorra, os dois autores lembram que as decisões de alocação de recursos e projetos urbanísticos decorrentes desses investimentos não podem ser tomadas apressadamente ou sob pressão dos setores dominantes capitalistas que atuam na cidade, mas pautadas no interesse coletivo. A participação social ampla em todas as decisões é a garantia de que as Olimpíadas deixarão um legado social importante para a população da cidade e isso só será assegurado, como lembra Jorge Barbosa, com a participação dos movimentos sociais na organização dos jogos. Daí a proposição de instituição de uma agenda pública, que estabeleça políticas urbanas especialmente dedicadas a investimentos socialmente relevantes.     

É com base nessas preocupações que este dossiê enfrentou o desafio de discutir as experiências e o legado social deixado pela realização dos Jogos Olímpicos na cidade e área metropolitana de Barcelona e as perspectivas para a cidade do Rio de Janeiro. Nossa expectativa é que tenhamos conseguido alimentar o debate que está em curso no estado do Rio de Janeiro sobre a necessidade de lutarmos pela maior participação nas decisões sobre a alocação dos recursos destinados à produção de infra-estrutura viária e urbana, bem como demonstrar à sociedade que a cidade e área metropolitana do Rio de Janeiro poderão se beneficiar mais desses investimentos, se os mesmos forem distribuídos por toda a cidade e não concentrados em um só bairro. 

 

A experiência de Barcelona, 25 anos depois do anúncio de sua escolha como cidade Olímpica: as práticas sociais e o legado deixado para a população barcelonesa

As análises sobre o legado social deixado pelos Jogos Olímpicos de Barcelona apresentadas neste dossiê, são excepcionalmente importantes para orientar nossas reflexões, pois demonstram que a organização desses grandes eventos esportivos oferece muitas oportunidades, mas, também, alguns riscos que devem ser previstos, como o demonstrou Anna Alabart em seu artigo.  Fica bastante evidente também a importância de termos a consciência de que não devemos seguir o caminho fácil de considerar a existência de um “modelo Barcelona”, disseminado por alguns urbanistas, ainda que não deixemos de considerar a existência do um “urbanismo olímpico” ou “urbanismo dos eventos”, que, pela grandiosidade da intervenção urbana para produzir a infra-estrutura necessária, acaba gerando um processo de tomada de decisões delineadas em um “urbanismo qualificado de estratégico”.

Todos os textos que analisam a experiência de Barcelona reconhecem os avanços sociais deixados pelos Jogos Olímpicos, em 1992. Mas, por outro lado, identificam que as práticas e mudanças decorrentes da preparação da cidade para o evento não foram amplamente discutidas pela sociedade em geral e a participação dos movimentos sociais foi bastante limitada, restringindo-se a discussão de temas e questões de interesse das associações de moradores. Mostram que predominaram diretrizes baseadas em projetos urbanistas destinados à revitalização e valorização de áreas da cidade ou o privilegiamento de investimentos públicos em equipamentos de uso individualizado, como as rodovias, em detrimento dos transportes públicos. Essas diretrizes já estavam delineadas antes do anúncio dos Jogos na cidade. Jésus Requena mostra que, diante da crise dos anos 1980, “La apuesta olímpica vino a coincidir con el cambio de estrategia económica en la ciudad, que quería dejar atrás su pasado industrial para constituirse en un centro financiero y de servicios a nivel europeo”[4]. Assim, a experiência de um “urbanismo olímpico”, na verdade, fortalece um projeto que já estava em curso e que não admitia mudanças de rumos. Por isso, não houve possibilidade de maiores discussões acerca da revitalização do bairro de Poblenou, área industrial com fortíssima tradição operária, desconsiderando-se os valores e relações identitárias produzidas ao longo de séculos de história da cidade. Tampouco foi possível rejeitar a implantação do antes frustrado “proyecto urbanístico que se conoció como el ´Plan de la Ribera´ ”[5], projeto com claro perfil especulativo originalmente elaborado nos anos 1960, de urbanização para fins residenciais e comerciais, onde se localizou a Vila Olímpica.     

Enfim, há um reconhecimento geral de que o projeto olímpico foi também usado para precipitar projetos que em tempos normais, sem as pressões para o cumprimento de prazos, exigiriam muito mais discussões e não se imporiam aos moradores como ocorreram no período das obras de preparação da cidade para os Jogos. Talvez aí esteja o ponto de maior aproximação entre a experiência de Barcelona e a que poderá ocorrer no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, projetos de interesse dos setores imobiliários, transportes e turismo estão sendo desengavetados e sem o menor pudor se impondo sobre os interesses coletivos da maioria da população da cidade. E isso é muitíssimo grave, pois a desigualdade e segregação sócio-espacial no Rio de Janeiro, manifestada pela expansão crescente do número de favelas e do aumento insustentável do preço da terra, poderão tornar mais explosiva do que já são as relações sociais e a violência na cidade. 

 

O Comitê Olímpico Brasileiro e o controle dos investimentos na Barra da Tijuca

A análise das linhas de prioridades dos investimentos no Rio de janeiro permite perceber que a localização dos equipamentos esportivos e infra-estrutura para a realização dos jogos será distribuída em quatro grandes áreas, como foi mostrado nos textos deste dossiê: a da área da Barra da Tijuca, que concentrará grande parte dos jogos; a da Lagoa Rodrigo de Freitas, para jogos náuticos; os estádios do Maracanã e Olímpico, nos bairros da Tijuca e Engenho de Dentro, respectivamente, para futebol e atletismo; e, para modalidades de tiro e eqüestres, a área militar situada próximo ao bairro de Deodoro. Investimentos complementares de infra-estrutura serão destinados à área portuária como receptora de alguns equipamentos destinados à central de jornalismo.

O que há de problemático nessas localizações? É que as áreas onde estão situados a Lagoa Rodrigo de Freiras e os estádios de futebol são áreas consolidadas urbanisticamente e muito adensadas, e Deodoro, onde há grandes vazios urbanos que poderiam receber muitos equipamentos, é zona militar e, portanto, de acesso restrito aos militares. Assim, o legado deixado para os cidadãos da cidade do Rio de Janeiro nessas áreas da cidade será apenas simbólico. As duas outras áreas admitem inovações e produção de novos equipamentos esportivos e sociais que podem beneficiar a população. A zona portuária, próxima ao centro da cidade do Rio de Janeiro, por ser uma área em fase de reurbanização e com imensos espaços vazios deixados pela refuncionalização do porto e abandono de áreas industriais. A Barra da Tijuca, um bairro litorâneo situado a sudoeste da cidade, por ser uma área de expansão imobiliária destinada à população de mais alta renda. Ora, pelas características das duas áreas seria mais interessante para a população da cidade e área metropolitana do Rio de Janeiro que os investimentos e localização dos equipamentos fossem próximos à área central, pois o legado social seria compartilhado por mais amplos segmentos populacionais e não apenas por alguns segmentos sociais. A localização nas áreas mais centrais já havia sido indicada nas primeiras propostas de localização dos equipamentos, quando da candidatura para os Jogos Olímpicos de 2004, conforme demonstrou Gilmar Mascarenhas. 

Para a devida compreensão do significado das escolhas acima apresentadas é importante identificar, de antemão, quem são os setores hegemônicos na administração das políticas públicas no estado do Rio de Janeiro. O primeiro é o setor dos promotores e empresas imobiliárias, que, como em todas as cidades e metrópoles do mundo, comandam os investimentos dos excedentes capitalistas; o segundo, mais voraz e destrutivo no caso do estado e, conseqüentemente, da cidade do Rio, são os empresários de ônibus e empresas privadas de administração dos transportes urbanos, como trens, barcas e metrô. É um segmento monopolista com intensas relações e influências nas esferas governamentais. Como decorrência disso, a população é obrigada a consumir, no mínimo, cerca de 1 por cento do salário mínimo para ir e voltar ao trabalho, tornando insuportável para as classes trabalhadoras residirem em áreas distantes do local de trabalho e estimulando ainda mais as ocupações em favelas. Todo o sistema de transportes é privado e as tarifas cobradas estão entre as mais altas no mundo. O poder e influência desses empresários é tão forte que, em nome da melhoria dos transportes para os Jogos Olímpicos, foi decretada pelo Prefeito Eduardo Paes a isenção do pagamento de Imposto Sobre Serviços, gerando um prejuízo de 33 milhões de reais/ano para a cidade.

Para defender os interesses hegemônicos, um acúmulo muito grande de debate acadêmico, social e político está sendo negligenciado a favor de visões particularistas sobre qual deveria ser a localização dos equipamentos e infraestruturas olímpicos. Isso, expressa a força do capital imobiliário e especulativo e a subordinação da administração pública a esses interesses. A localização na Barra da Tijuca potencializa a consolidação e expansão do mercado imobiliário na área e, por outro lado, a não ocupação da zona portuária com equipamentos esportivos, vilas residenciais e equipamentos urbanos de uso público, mantém a área como reserva fundiária para a construção de um novo centro financeiro e de serviços de alto padrão, destinado às empresas de tecnologia e serviços do setor quaternário. Essa área, mesmo não sendo área prioritária dos Jogos Olímpicos, sob a alegação de que receberá a central de jornalismo, entra no conjunto de obras destinada ao evento apenas para a demolição do elevado da perimentral (uma rodovia elevada de aproximadamente 8 KM) e a construção de uma via subterrânea para substituí-lo. Essa obra não tem nenhuma ligação direta com os Jogos, mas faz parte da estratégia de revalorização da zona portuária, cujos usos não serão nada populares. Essa estratégia não é nova. Salvador Clarós mostrou, em seu texto neste dossiê, o ataque especulativo sobre a área industrial do bairro de Poblenou, em Barcelona, como resultante de uma estratégia geral iniciada nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992.

Diante de tudo isso, vejamos quais são as prioridades dos investimentos estabelecidos pelo COB. A ampliação da rede hoteleira está na primeira linha de ação, que exige a construção de mais 21 mil quartos para alcançar o total de 50 mil até as Olimpíadas. Diante da demanda, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) exige da administração pública “a concessão de incentivos fiscais e padrões urbanísticos especiais para hotéis que sejam erguidos para as Olimpíadas”[6]. Um “pacote Olímpico” de autorizações especiais para novas construções, que prevê incentivos fiscais e mudanças provisórias na legislação urbanística, está sendo analisado na Câmara de Vereadores, que permitirá a construção fora dos padrões delineados na legislação ordinária da cidade. O que está se buscando, na verdade, é a liberação do gabarito nas áreas litorâneas, principalmente nos bairros da Barra e Recreio dos Bandeirantes.

A demanda de novos quartos é real, mas, sua distribuição no território da cidade, incluindo o centro e subúrbios, poderia ser discutida como forma de valorizar todas as áreas da cidade. Uma evidência dessa possibilidade é que, com uma perspectiva mais realista e com visão de mercado menos especulativa, as redes hoteleiras Ibis e Fomule 1 estão licenciando dois hotéis no bairro suburbano de Del Castilho, pois consideram que a existência de uma estação do metrô da linha 2 potencializará a resposta à demanda dos visitantes de menor renda. 

As licenças especiais que serão concedidas à rede hoteleira acabam gerando as exceções desejadas pelo mercado imobiliário para expandir as autorizações também para o mercado residencial. Assim, além do aumento do fluxo de turistas na Barra da Tijuca, já é esperado o maior adensamento populacional permanente no bairro, já que o mercado imobiliário está aproveitando o licenciamento especial para propor mudanças na legislação ordinária. Não temos dúvidas de que conseguirá seu intento.

Por fim, o que mais compromete o legado social que poderia ser deixado pelos Jogos Olímpicos é o direcionamento de todos os investimentos no sistema viário e de transportes para ampliar o acesso à Barra da Tijuca. As obras e investimentos apresentados, alguns já em execução, são os seguintes: a construção dos três BRT´s (Bus Rapid Transit) - um realizando a ligação entre os bairros do Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca, e, partido dele, mais dois corredores expressos para circulação exclusiva dos ônibus articulados em direção ao aeroporto e ao bairro de  Deodoro; visando a ligação da Barra da Tijuca à zona sul, serão construídas a linha 4 do metrô, ligando o bairro da Gávea à Barra da Tijuca e a “alça” de ligação entre essa linha e a linha 1, bem como, a mais polêmica das obras, a duplicação da Av. Niemeyer, por meio da construção de uma nova perimetral sobre o mar; e, no extremo oeste do bairro da Barra da Tijuca, a perfuração do túnel sob o morro da Grota Funda, para duplicar a rodovia de acesso a Guaratiba e à Av. Brasil, na altura do bairro de Santa Cruz, implicando a construção de uma nova rodovia.

Conclusão: nenhum centavo para a expansão do metro no sentido contrário, em direção aos subúrbios e área metropolitana, e nada para sistemas de transportes sobre trilho, como os VLT´s (Veículos Leves sobre Trilhos), cujos estudos demonstraram ser muito mais eficientes e de menor custo.   

 

Uma Tarefa para 2016

Geraldo Silva, em seu texto, demonstra o que pode ser um problema para a cidade do Rio de Janeiro. “Passado esse momento de euforia [o anúncio da escolha da cidade do Rio de Janeiro], entretanto, os problemas começam a aparecer. O primeiro é a clara determinação institucional de blindar o projeto e oferecer o mínimo de informação para o debate público”[7]. Essa postura repete o comportamento da administração da cidade e do estado em outras oportunidades, como demonstra Gilmar Mascarenhas

Los Juegos Panamericanos de Rio de 2007 presentaron  (…) desde la candidatura, pasando por la formación del comité gestor del evento y por la administración de los recursos, el gobierno municipal mantuvo alejados de todo el proceso decisorio a amplios segmentos de la sociedad civil, a pesar de sus reivindicaciones constantes de participación.[8]

A conduta autoritária da administração na preparação dos Jogos Olímpicos de 2016 é também explicitada por Nelma de Oliveira e Christopher Gaffney, quando afirmam que

Na dimensão político-institucional, destaca-se o autoritarismo na preparação e condução do projeto Rio 2016, à revelia das necessidades do conjunto da sociedade, bem como, o grande poder de decisão conferido às instituições não-governamentais responsáveis pela organização do evento, no caso o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o International Olympic Committee (IOC). Enquanto em Barcelona a condução do projeto olímpico foi confiada a urbanistas e planejadores, na cidade do Rio de Janeiro a coordenação dessa tarefa foi delegada ao presidente do COB, Carlos Artur Nuzman.[9]

Diante deste quadro, o que podemos concluir é que o que poderia ser benéfico para a maioria da população da cidade do Rio de Janeiro, pode resultar em um grande problema, pois aumentará a segregação social e a expulsão de moradores para a periferia metropolitana. A concentração das instalações e equipamentos olímpicos na Barra da Tijuca tem sido a desculpa para se voltar a falar em remoções das favelas existentes no bairro, tudo em nome da urbanidade e segurança dos jogos. Ao longo dos corredores viários para abrigar os BRT´s serão necessárias milhares de desapropriações de habitações populares, sem a menor negociação, pois em nome dos Jogos a prioridade são as obras. As habitações populares nas proximidades da área portuária já estão sendo ameaçadas, pois não haverá lugar para habitações de interesse social no novo centro que se formará com o projeto Porto Maravilha.  

Assim, em uma cidade com tantas desigualdades e pobrezas materializadas nas favelas e áreas populares, bem como na precariedade dos serviços e equipamentos urbanos, o privilegiamento da aplicação dos recursos públicos em áreas já destinadas a setores de mais altas rendas e à revitalização de um centro segregado, destinado aos novos segmentos hegemônicos do capital, pode ser entendido como uma política de não integração das classes populares e uma negação explícita do direito à cidade para a maioria de sua população. Para os pobres, as políticas públicas tem sido a de controle por meio da “polícia pacificadora”, que se distribui pelas favelas e áreas populares. Resta saber até quando as questões sociais no Rio de Janeiro serão tratadas como caso de polícia.    

 

Notas

[1] Observatório das Metrópolis <http://web.observatoriodasmetropoles.net>. [08 de setembro de 2010].

[2] A melhor definição e análise sobre os uso dos fundos públicos na composição geral do capital no Brasil pode ser encontrado em Chico de Oliveira. 

[3] Sobre as opções fisiológicas e patrimonialista das classes dominantes brasileiras podemos consultar o livro Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina.

[4] Texto de Jesus Requena. Seguridad Olímpica y Seguridad Ciudadana en los Juegos de 1992.

[5] Texto de Francesc Caballé. Desaparece el Barrio de Icaria, Nace la Vila Olímpica.

[6] Jornal O Globo, 31 de agosto de 20101, p. 14.

[7] Texto de Geraldo Silva nesse dossiê. Olimpíadas, choque de ordem e limpeza social no Rio de Janeiro: algumas resistências em curso.

[8] Texto de Gilmar Mascarenhas nesse dossiê. Barcelona y Rio de Janeiro: diálogo entre modelos y realidades Del llamado urbanismo olímpico.

[9] Texto de Nelma Oliveira e Christopher Gaffney nesse dossiê. Rio de Janeiro e Barcelona: os limites do paradigma olímpico.

 

Bibliografia

FERNADES. Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 [1972].

FERNADES. Florestan. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 [1968].

OLIVEIRA, Francisco de. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998.

 

[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]



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Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, Floriano Jose Godinho de. Participação social e gestão democrática dos fundos e investimentos destinados aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: uma tarefa para 2016. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 895 (25), 5 de noviembre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-25.htm>. [ISSN 1138-9796].