Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVII, nº 960, 30 de enero de
2012
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS E MAPAS TÁTEIS: UM ESTUDO SOBRE A APREENSÃO DE TEMAS AFRO-BRASILEIROS POR ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL


Paula Cristiane Strina Juliasz
Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro
paulacsj@rc.unesp.br

Maria Isabel Castreghini de Freitas
Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro
ifreitas@rc.unesp.br

Recibido: 15 de diciembre de 2010. Devuelto para revisión: 4 de abril de 2011. Aceptado: 30 de julio de 2011.  


Representações gráficas e mapas táteis: um estudo sobre a apreensão de temas afro-brasileiros por alunos com deficiência visual (Resumo)

Desde 2001, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista desenvolvem materiais didáticos táteis de Geografia e Cartografia. Tem-se buscado subsídio em bibliografias da psicologia e pedagogia, além da cartografia e geografia. Este artigo pretende apresentar procedimentos metodológicos de elaboração e uso de mapas temáticos táteis com recursos multissensoriais e análises do processo de ensino de deficientes visuais com os mapas e recursos sonoros, mediado pelo professor. A pesquisa foi desenvolvida no Centro de Habilitação Infantil Princesa Vitória, instituição que atende pessoas com deficiência visual. A metodologia baseou-se na sondagem do conhecimento dos alunos antes e depois da intervenção do mapa, norteando o desenvolvimento da pesquisa e contribuindo à participação ativa dos alunos, com suas produções gráficas. Os resultados indicam a importância em respeitar as especificidades dos alunos e a união de mapas temáticos e dispositivos sonoros aliados a didática multissensorial, para aprendizagem significativa e ao conhecimento cartográfico e cultural do país.

Palavras–chave: cartografia tátil, didática multissensorial, geografia, deficiência visual, desenho


Graphical Representation and tactile maps: a study on the apprehension about of african-Brazilian themes by students with visual impairment (Abstract)

Since 2001, researchers at the Sao Paulo State University have developed tactile teaching-materials for Geography and Cartography. Drawing upon data from psychology, pedagogy, cartography and geography literature. This study will presents the methodological procedures for the preparation and use of thematic maps with multisensory resources and analysis of the teaching of the visually impaired with maps and sound resources, mediated by the teacher. The research was conducted at Children's Habilitation Center Princess Victoria, an institution that cares for people with visual impairments. The methodology was based on survey of students' knowledge before and after the intervention of the map, guiding the development of research and contributing to the active participation of students, with their graphic productions. The results indicate the importance of respecting the specificities of the students union and thematic maps and audible devices combined with multisensory teaching for significant learning and cartographic knowledge and cultural.

Key-words: tactile mapping, multisensorial teaching, teaching, geography, visual impairment, drawing


Representaciones gráficas y mapas táctiles: un estudio sobre la aprensión de temas afro-brasileños por los estudiantes con discapacidad visual (Resumen)

Desde 2001, investigadores de la Universidade Estadual Paulista desarrollan materiales táctiles para la enseñanza de Geografía y Cartografía. Se han buscado subsidios en bibliografías de psicología y pedagogía, así como de cartografía y geografía. Este artículo tiene como objetivo presentar los procedimientos metodológicos de preparación y uso de mapas temáticos con recursos táctiles multi-sensoriales y el análisis de la enseñanza de los discapacitados visuales, con mapas y recursos de sonido, mediados por el profesor. La investigación se llevó a cabo en el Centro de Habilitación para la Infancia Princesa Victoria, una institución que atiende a personas con discapacidad visual. La metodología se basó en una encuesta de conocimiento de los estudiantes antes y después de la intervención en el mapa, orientando el desarrollo de la investigación y contribuyendo a la participación activa de los estudiantes con sus producciones gráficas. Los resultados indican la importancia de respetar las especificidades de los estudiantes y la unión de mapas temáticos y dispositivos sonoros en combinación con la enseñanza multisensorial para el aprendizaje significativo y para el conocimiento cartográfico y cultural del país.

Palabras clave: mapas táctiles, enseñanza multisensorial, geografía, discapacidad visual, diseño


No Brasil, as pesquisas relacionadas à Cartografia Tátil iniciaram-se em 1988 com a Regina Araújo de Vasconcelos na Universidade de São Paulo-USP, quando do desenvolvimento de sua tese de doutorado intitulada A Cartografia Tátil e o Deficiente Visual: uma avaliação das etapas de produção e o uso do mapa, defendida em 1993.

Deve-se ressaltar que, no Brasil, antes desta pesquisa e devido a dificuldade de acesso a mapas e maquetes para alunos cegos, que estudavam em Unidades/Entidades Escolares Especiais, a produção de mapas, maquetes e gráficos táteis era realizada artesanalmente por pais, professores e/ou voluntários, sem um estudo prévio de normas cartográficas e/ou intuito de reprodução das matrizes.   Neste sentido, geralmente, o material didático tátil gerado pela Unidade Escolar destinava-se exclusivamente às necessidades educacionais de seus alunos. 

Por meio da divulgação do trabalho de Regina Araújo de Vasconcellos, o tema se estendeu para outras universidades do país, iniciando o desenvolvimento dos procedimentos de elaboração, aplicação e reprodução de material didático tátil com base científica.

Neste contexto, desde 2001, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro iniciaram o projeto denominado Cartografia Tátil: elaboração de material didático de geografia para alunos deficientes visuais, um Projeto que envolve pesquisa e extensão universitária, que deu origem a um Grupo de Estudos em Cartografia Tátil. O principal objetivo deste grupo consiste em desenvolver e divulgar material didático tátil de Geografia e Cartografia. Nesta trajetória de pesquisa, ocorreram parcerias, como a realizada com a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ que apresentou como resultado a criação do software Mapavox, que permite a inserção de informações sonoras em mapas, maquetes e jogos elaborados principalmente para o público cego e de baixa visão.

Estes pesquisadores têm buscado subsídio em bibliografias da psicologia e pedagogia, além da cartografia e geografia. Desta forma, procura-se compreender como o aluno deficiente visual constrói noções e representações espaciais.  É válido ressaltar que materiais didáticos táteis são entendidos como maquetes, mapas, gráficos e jogos que permitam o desenvolvimento de conceitos cartográficos e geográficos por parte de pessoas com deficiência visual.

Este artigo pretende apresentar os resultados de pesquisa que teve como base o trabalho desenvolvido nestes anos, para desenvolver procedimentos metodológicos de elaboração de mapas temáticos táteis com recursos multissensoriais, ou seja, que possibilitassem aos alunos explorarem os mapas utilizando mais de um sentido.

Neste contexto, no período de agosto de 2007 a julho de 2008 iniciou-se o projeto Cartografia Tátil e Didática Multissensorial: uma construção diferenciada de mapas sobre a África e sua influência no Brasil[1]. Esta pesquisa teve como objetivo principal a elaboração da Coletânea de Mapas Multissensoriais: Brasil e África que visa contribuir para o desenvolvimento de mapas táteis e à compreensão da percepção dos alunos com deficiência visual em relação aos materiais cartográficos e conteúdos da disciplina Geografia.

Ressalta-se que o trabalho desenvolvido neste período teve como objetivo o cumprimento da Lei Federal 10639/03, que legitima a obrigatoriedade do ensino da cultura e história africana e afro-brasileira no currículo escolar. 

Para a inserção e disponibilização dos recursos sonoros utilizou-se o software Mapavox 1.2, desenvolvido através de uma parceria entre pesquisadores do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Rio Claro e do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro. O software e uma trama de micro-chaves formam um sistema que integra materiais didáticos táteis (mapas, maquetes e jogos) ao programa computacional Mapavox, que permite inserir e disponibilizar informações sonoras [2].  

A Coletânea foi utilizada, durante a pesquisa na Escola Municipal Integrada de Educação Especial Maria Aparecida Muniz Michelin - José Benedito Carneiro – Deficientes Auditivos e Deficientes Visuais – EE, localizada no município de Araras, interior de São Paulo. Esta escola desempenha o papel de sala de recursos, atendendo alunos com deficiências visuais ou auditivas que estão matriculados no ensino regular, ou seja, no período da tarde esta escola dava continuidade aos conteúdos ensinados na outra, no período da manhã, porém atendendo as necessidades educativas, realizando transcrições para o Braille, por exemplo.

A qualidade da coletânea foi avaliada por meio de aulas práticas realizadas com a participação de alunos deficientes visuais que freqüentavam a EE. Nesta experiência verificou-se a importância de se respeitar às especificidades dos alunos cegos e de baixa visão, sem compará-los com alunos sem dificuldades visuais significativas. Além disso, verificou-se a importância de se aprofundar o estudo da utilização de material cartográfico pelos alunos deficientes visuais e pelos professores.

Quando da aplicação da pesquisa, atentou-se para a necessidade de se ampliar o uso destes mapas por outros alunos, pois surgiram questões com relação ao material adotado. Com isto, optou-se por ampliar a população de alunos envolvidos nesta pesquisa, em um estágio de especialização realizado através do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (DEPLAN – UNESP, campus de Rio Claro) no período de setembro de 2009 à junho de 2010, iniciando-se atividades de oficinas e didáticas no Centro de Habilitação Infantil Princesa Vitória, no município de Rio Claro – SP.

Diante dos novos participantes, todos os mapas foram submetidos à transformações e adaptações necessárias para atender ao novo grupo, e as aulas tiveram uma dinâmica diferenciada daquela adotada na EE. Isto porque os alunos não eram atendidos por salas de recursos e notou-se que algumas habilidades não eram desenvolvidas, como o ato de representar graficamente e de compreender os mapas utilizados na escola regular. Isto também pode ser exemplificado, pela ausência de materiais específicos na escola regular e também no CHI, sendo que este não se apresenta como sala de recursos para o desenvolvimento dos conteúdos escolares, como na EE.

Todas as atividades tiveram como resultado representações gráficas dos próprios alunos, tendo em vista a importância de tornar o aluno ativo e construtor de seu conhecimento, e a necessidade de conhecer a percepção das representações cartográficas utilizadas e o conhecimento prévio dos alunos sobre o conteúdo abordado.

É válido ressaltar que todo processo da pesquisa foi construído in loco, podendo-se se inserir no contexto dos alunos tanto a temática quanto os materiais a serem aprimorados. Neste artigo apresenta-se uma das atividades que investigou a compreensão dos alunos em relação ao tema Rota do Tráfico Negreiro e a apreensão do mapa tátil e sonoro utilizado. Desta forma, realizada esta breve apresentação do contexto em que se desenvolveu o projeto em questão, torna-se necessária alguns apontamentos teóricos que sustentaram a atividade que será apresentada.

O deficiente visual e os materiais cartográficos

Devido às propostas de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, torna-se necessária a reflexão sobre o uso de materiais específicos que atendam os alunos deficientes visuais. Isto porque um problema encontrado, com freqüência, por estes alunos e seus professores, está na presença de figuras e mapas nos livros didáticos que desenvolvem e abordam conceitos geográficos.

Para o aluno com déficit visual, o aumento da quantidade de imagens no material didático do estudante é um empecilho que precisa ser enfrentado pelo professor na sala de aula. Quando a imagem não tem função de mera ilustração de um conceito trabalhado verbalmente, mas está articulada com o conteúdo em discussão, será necessário encontrar maneiras de tomar acessível o sentido da figura ao aluno cego[3].

Não se pode desconsiderar a utilização de determinados mapas, por isso estes devem ser projetados para atender as necessidades do aluno cego ou de baixa visão ou, no mínimo, permitir o contato do aluno deficiente visual com este material cartográfico. Isto pode ser compreendido pelo fato do mapa ser um instrumento fundamental para pensar, planejar e agir sobre o espaço, principalmente, quando a escala ultrapassa a dimensão do lugar vivido pelo sujeito. Além disto, devemos compreender que o mapa é uma linguagem socialmente construída, e daí a importância de sua aprendizagem.

O individuo que não consegue usar um mapa está impedido de pensar sobre aspectos do território que não estejam registrados em sua memória. Está limitado apenas aos registros de imagens do espaço vivido, o que o impossibilita de realizar a operação elementar de situar localidades desconhecidas[4].

Na contramão de tal necessidade está a carência de mapas táteis e também a falta de conhecimento dos professores sobre a Cartografia Tátil, como área de pesquisa, o que resulta, muitas vezes, em simples adaptação de materiais (figuras, gráficos, mapas, etc.), os tornando em relevo, sensíveis ao tato.

É preciso, entretanto, levar em consideração que a transcodificação do mundo visual para uma linguagem tátil traz consigo a nomenclatura de quem vê, e isso pode dificultar a compreensão do mundo interno ou da representação mental que o cego faz do mundo[5]. De acordo com o trabalho de Cecília Guarniere Batista[6] nota-se a necessidade de “pensar a noção de representação, como base para o planejamento de recursos didáticos, a serem elaborados e apresentados de forma interligada aos sistemas conceituais já adquiridos e em fase de aquisição pelos alunos”. Portanto, deve-se considerar a percepção do aluno na elaboração de materiais didáticos e também nas práticas pedagógicas.

Surge a necessidade de entender sob quais parâmetros este ser humano que vê o mundo não com os olhos, mas vê o mundo pelos sons, pelo tato, pelo olfato, pelo paladar, enfim pelo corpo, é denominado cego. Este ponto de partida me faz refletir com mais cautela sobre esta população que vem sendo caracterizada e denominada a partir do potencial funcional do órgão olho, demonstrando como este ser é prejudicado na sua capacidade de olhar e ver o mundo a partir das imagens quando apresenta algumas alterações funcionais[7].

Neste sentido faz-se necessário compreender como o deficiente visual utiliza os mapas. Existe uma falta de clareza de como as pessoas cegas se beneficiam e/ou ampliam seus conhecimentos por meio dos documentos cartográficos táteis gerados[8]. Os autores Huertas, Ochaíta y Espinosa[9] também ressaltam a importância de se compreender como os cegos podem utilizar documentos cartográficos para aprofundar seus conhecimentos sobre o espaço, à medida que é importante para os professores de geografia, que ensinam pessoas com deficiência visual, saberem as peculiaridades do desenvolvimento e aprendizagem do conhecimento espacial dos cegos, os procedimentos mais apropriados para exteriorizar suas representações espaciais e como se desenvolve sua capacidade de manusear os mapas táteis.

A importância na geração de métodos, técnicas e materiais que amenizem as dificuldades que as pessoas com deficiência visual encontram por viverem em ‘um mundo visual’: para elas um contínuo processo de resolução de conflitos, colocados por conta das discrepâncias entre suas experiências privadas e o que lhes é descrito ou ensinado sobre este mundo[10].

O deficiente visual explora, percebe e organiza os elementos no espaço, utilizando todos seus recursos sensoriais, o que não possibilita a supervalorização da visão, pois seria uma forma de depreciar sua capacidade sensorial. Portanto, faz necessário compreender como o material cartográfico é utilizado pelos deficientes visuais e ainda aperfeiçoando as informações táteis dos mapas aliadas à didática multissensorial em sala de aula, tendo como base o grau de deficiência, maturidade, grau de escolaridade e as particularidades perceptivas de cada aluno. Portanto, torna-se necessário compreender o seguinte aporte teórico que aborda, principalmente, o uso dos sentidos pelos deficientes visuais.

O deficiente visual e os sentidos

O deficiente visual ao tocar um objeto utiliza outros sentidos para reconhecer o que está tateando. Isso ocorre também com as pessoas que enxergam, ao sentirem necessidade de explorar os objetos utilizando outros sentidos, juntamente com a visão, dependendo das características do que está sendo explorado.

O invisível aos olhos do cego não é invisível à sua sensibilidade e interioridade. Com sua forma de ver e olhar o mundo, o cego, como o vidente, interroga e sente-se sujeito da sua presentidade no mundo[10]. Consoante a esta temática, encontra-se a obra denominada Didáctica multisensorial da las ciencias: un nuevo método para alumnos ciegos, deficientes visuales, y también sin problemas de visión, de autoria de Miquel Marti Soller, que discute como a didática multissensorial contribui para o ensino dos alunos, sejam deficientes visuais ou não. Assim, a didática multissensorial é um método pedagógico para o ensino e aprendizagem das ciências experimentais e da natureza que utiliza todos os sentidos humanos possíveis para captar informações do meio que cerca o individuo. Neste processo, o indivíduo interrelaciona as informações captadas formando conhecimentos multissensoriais completos e significativos[11].

Esta didática possibilita uma aprendizagem mais completa, por não supervalorizar o canal visual, por não atribuir ao tato a função de substituto da visão e, principalmente, por valorizar a utilização dos sentidos com os processos cognitivos[12]. Através da dissertação de mestrado de José Alfonso Ballestero-Alvarez denominada Multissensorialidade no Ensino de Desenho a Cegos, pode-se constatar a importância da utilização de todos os sentidos no desenvolvimento de desenhos por pessoas cegas, numa perspectiva multissensorial.

Na ausência de um sentido, na maioria dos casos, obtemos a informação de elementos por meio de outros sentidos de percepção sensorial, em separado ou em conjunto, naquilo que se denomina multissensorialidade, são aquelas elaboradas entre: ouvido e tato, nariz e tato, boca e tato, etc[13]. Ao compreender a importância de uma cartografia pertinente ao deficiente visual e, ainda, a existência da didática multissensorial como uma aliada no desenvolvimento e no ensino de pessoas cegas ou com baixa visão, pode-se afirmar a necessidade em se compreender a forma com que o mundo é apreendido pelo deficiente visual. Com isto, umas das linguagens que permitem a comunicação entre todas as pessoas é o desenho e assim, torna-se necessário esclarecer o uso de representações gráficas por pessoas com deficiência visual.

O deficiente visual e o desenho

O desenho sempre foi estudado por diversos pesquisadores, principalmente na área da psicologia, buscando compreender o desenvolvimento cognitivo do individuo que o produz. Em estudos, como de Valente[14] verifica-se que certos traços gráficos, que se podem afirmar até como estereotipados, se assemelham entre as crianças, como o sol representado por meio de um círculo com raios emergentes, a casa configurada através de um triângulo sobre um quadrado etc.

O cego congênito não aprenderá a desenhar por meio da observação do outro, porém Duarte[15]afirma que os cegos, assim como as pessoas sem dificuldades significativas de visão, possuem em comum a capacidade de perceber as bordas dos objetos (linhas de contorno), primeiro pelo tato e segundo pela visão. Além disso, possuem a mesma capacidade de registrar, pelo desenho linear, as impressões obtidas pela percepção tátil ou visual das linhas do contorno de objetos. 

Os cegos congênitos podem não representar as características das formas dos objetos grandes, já que a aquisição destas formas requer integração sucessiva de percepções por meio do tato: os objetos grandes, como as paredes de uma casa, não são explorados por inteiros por meio do tato, dificultando ou impossibilitando a criação de imagens mentais das formas[16].

O tato permite uma coleta de informações bastante precisa sobre os objetos próximos, mas é muito mais lento que a visão e, por isso, a exploração dos objetos grandes é fragmentária e seqüencial. Assim, por exemplo, enquanto um vidente pode ter a imagem de uma mesa grande que vê pela primeira vez com três ou quatro “golpes de vistas”, um cego para ter acesso à imagem da mesa, terá de explorá-la muito mais lentamente e, depois integrar estas percepções sucessivas em uma imagem total [17].

Na integração sucessiva de percepções em uma imagem total, a pessoa cega pode perder características das formas dos objetos e utilizar símbolos para representá-los. Duarte [18]]parte da hipótese de que, para desenhar é necessário obter o conceito de desenho, compreendendo a possibilidade de transformar as bordas da superfície dos objetos do mundo físico, percebidas visualmente ou pelo tato, em linhas de contorno gráfico. Parte também da hipótese de que as crianças cegas não começam a desenhar os objetos naturalmente, porque é o canal visual que permite observar e imitar o ato de desenhar e/ou escrever.

Na cultura ocidental, o canal visual é extremamente valorizado por isso, muitas vezes, pais, professores e pesquisadores não desassociam o ato de desenhar deste canal. As pessoas sem dificuldades significativas de visão em sua infância são impulsionadas à prática do desenho por meio da imitação, estimuladas principalmente pelo o canal visual [19]. Posteriormente, estes sujeitos reconhecem os objetos em representações bidimensionais utilizando a visão.

No entanto, a visão não é suficiente para este reconhecimento e/ou entendimento sobre os objetos. O ato de “ver”, de “perceber” e “(re) conhecer” os objetos não pode ser dissociado dos processos psíquicos superiores os quais, de acordo com pesquisas realizadas nos últimos anos, têm indicado que o desenho pode ser elaborado sem o uso da percepção visual [20].

Em sua pesquisa Valente discute os resultados obtidos com a apresentação de representações esquemáticas do grupo dos esquemas “iconótipos”: a casa, o sol e a árvore (Figura 1(A)), pictogramas de sistemas de comunicação urbana como a escada e os personagens feminino e masculino (Figura 1(B)) e esquemas gráficos particulares como cachorro e árvore (Figura 1(C)) utilizados para ensinar sujeitos cegos a desenhar.

 

Figura 1. Esquemas iconotipos utilizados na pesquisa de Valente (2008)

 

Neste trabalho, a autora constata que, para as pessoas cegas, principalmente para aquelas desde o nascimento, os esquemas gráficos podem ser ícones conhecidos em razão de informações obtidas pelas relações sociais e culturais, pela manipulação de maquetes etc.

No entanto, parece evidente que essa forma de representação não pode ser considerada habitual, no mesmo nível que é para as pessoas com baixa visão, como pode ser constatado nos depoimentos apresentados a seguir sobre o esquema iconotipo sol (fig.1 A):

Cego – Um dia me pediram para desenhar um sol. Então desenhei os raios que iam até o meio do círculo.
Pesquisadora – E você poderia me explicar porque os fez assim?
Cego- É muito lógico! O sol transmite luz do seu centro e não da sua superfície
Pesquisadora. – Isso é verdade.
Cego – E o código dos videntes é de colocá-los aqui. Depois eu passei a entender. Mas você entende? Isso é ridículo! [21].

 A pesquisa de Ventorini [22] vem ao encontro da afirmação de Valente [23]. Para a autora a elaboração de figuras gráficas, principalmente as que representam os objetos do mundo real não deve ser produzidas apenas passando-as para o alto relevo, ou seja, a adaptação de esquemas gráficos para os cegos não consiste simplesmente em substituir cores por texturas ou efetuar contornos em relevo ou inserir informações em Braille. Para a autora, deve-se entender primeiro como os sujeitos cegos de nascença e os com cegueira adquirida, que neste caso possuem memória visual, utilizam os sentidos juntamente com os conhecimentos já construídos para “ver”, “perceber” e “(re) conhecer” os objetos, bem como compreender qual o papel das relações socioculturais neste processo de ensino/aprendizagem.

Diante de tais critérios em respeito ao ensino que valorize o aluno, torna-se necessário conhecer cada participante da atividade que será apresentada e ainda o Centro de Habilitação Infantil Princesa Vitória, local em que se desenvolveu tal estudo.

O centro de habilitação infantil e os participantes

O “Centro de Habilitação Infantil Princesa Victória” – CHI - situada no município de Rio Claro, estado de São Paulo, é um órgão público da Secretaria Municipal de Saúde, desde 1982 e atende pessoas entre as idades de 0 a 17 anos que apresentam deficiência física, visual, auditiva, com múltiplas deficiências ou com atraso no desenvolvimento neuro-psicomotor. Seu objetivo é desenvolver tratamentos terapêuticos e adaptações necessárias para inclusão tanto na sociedade, quanto na escola regular, buscando proporcionar oportunidades para que os usuários desenvolvam suas capacidades e habilidades com maior integração social.

Assim, conforme dados obtidos na instituição, a equipe de profissionais é formada por fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos especializados, professores, professores de educação física adaptada, monitores, auxiliar de enfermagem e assistente social. Na área médica apresenta os seguintes profissionais: neuropediatra, otorrinolaringologista, fisiatra, ortopedista, oftalmologista, urologista e pediatra. Dentre as pessoas atendidas pelo Centro, optou-se por desenvolver a pesquisa com os jovens com deficiência visual, que freqüentam a escola regular no período da manhã. Assim, abaixo segue o quadro com informações sobre cada aluno participante:

Quadro 1.
Características dos alunos envolvidos na pesquisa

Nome [24]

Idade

(anos)

Deficiência

Escolaridade

Alfabetização

Situação Sócio-econômico

Baixa Visão

Cego

Bruno

15

 

X

8ª série do Ensino Fundamental II

Braille

Baixa

Fabrício

12

X

 

-

Escrita Convencional

Baixa

Gabriel

15

X

 

8ª Série do Ensino Fundamental II

Escrita Convencional

Baixa

Luis

15

X

 

8ª série do Ensino Fundamental II

Escrita Convencional

Baixa

Paulo

15

X

 

8ª série do Ensino Fundamental II

Escrita Convencional

Baixa

Fonte: Elaboração própria

O aluno Bruno desenvolveu a cegueira devido à Síndrome de Rubéola, que provoco má formação, durante a gestação, do olho esquerdo, que tem percepção apenas de luz e de forma, e que permite a distinção de algumas cores, ainda que poucas, sendo o olho direito totalmente cego. Este aluno apresenta um diagnóstico de autismo leve, que foi sendo, ao longo de sua vida, tratado pelo centro, a fim de amenizar os efeitos da doença. Fabrício apresenta coriorretinite macular bilateral devido toxoplasmose congênita bilateral e distúrbios de aprendizagem, não sendo alfabético. Este aluno freqüenta o Instituto Allan Kardec, no município de Rio Claro, que atende pessoas com deficiência mental e distúrbios de aprendizagem. Gabriel apresenta coriorretinite unilateral no olho esquerdo e glaucoma no olho direito, devido à toxoplasmose. Luis tem deficiência visual cortical, devido à paralisia cerebral moderada, miopia grave e astigmatismo nos dois olhos e gagueira. Paulo apresenta baixa visão devido à seqüela de rubéola em sua gestação, apresentando catarata nuclear no olho esquerdo, sem evolução, e uma lente intraocular no olho direito. Este aluno apresenta também a Síndrome de Asperger, que é uma síndrome do espectro autista, diferenciando-se do autismo clássico por não comportar nenhum atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo.

Os mapas

Durante o período de agosto de 2007 e julho de 2008, foram desenvolvidos onze mapas, que compuseram a Coletânea de Mapas Multissensoriais: Brasil e África, sendo que os dois primeiros recebiam o título de “Brasil e Continente Africano no Mundo” e “A Rota do Tráfico Negreiro”.

Estes mapas foram elaborados em folha de alumínio, que permite o trabalho em relevo, por meio das seguintes etapas:

 

Figura 2. Transferência do mapa para o papel vegetal Figura 3. O avesso do mapa decalcado no papel alumínio Figura 4. Mapa tátil

 

Diante de tais procedimentos, foram obtidos os mapas “Continente Africano e Brasil no Mundo” e “A rota do tráfico negreiro” (Figura 5 e 6). O primeiro destaca a África e o Brasil na cor branca e textura rugosa diferente dos outros territórios que acompanham o planisfério, representado na cor amarela e com contorno em linha contínua enquanto que o oceano na cor azul. Com isto, promoveu-se o contraste das cores e texturas. O segundo apresenta o Brasil em cor branca e em alto-relevo e o Continente Africano em cor amarela também em relevo, tendo como rotas dos navios negreiros pedaços de velcros. Optou-se por estas cores, tendo em vista os contrastes promovidos e por facilitar o reconhecimento das formas por pessoas com baixa visão. Ressalta-se que ambos os mapas contaram com legendas em Braille.

Estes mapas apresentam micro-chaves ou sensores, que quando acionadas apresentam informações sonoras, previamente instaladas no computador. Isto é possível devido ao software Mapavox, que tem como objetivo buscar melhor atender alunos de baixa visão e também os cegos, a partir do programa Dosvox, utilizando a linguagem de programação Delphi e que se comunica com maquetes táteis através da porta paralela do computador.

Como parte complementar de tais representações cartográficas, elaborou-se formas móveis dos territórios Brasil e África (Figura 7) que permitem melhor compreensão do todo, conforme verificado em estudos anteriores [25].

Figura 5. O continente africano e o Brasil no mundo, com destaque para as duas microchaves

Figura 6. A rota do tráfico negreiro, com destaque para as seis microchaves.

Figura 7. Partes móveis que complementam o conjunto de mapas

 

A atividade, os alunos e os desenhos

A atividade desenvolvida foi planejada com o título de A Longa Travessia e partiu do objetivo de possibilitar aos alunos a compreensão da origem do povo africano que foi escravizado no Brasil e sua contribuição para a cultura brasileira. Com isto, é válido ressaltar que o que se esperava explorar em uma aula se estendeu para mais uma, contabilizando duas aulas para esta atividade, no mês de outubro de 2009.

Desta forma, na sala denominada “Convívio”, no CHI, organizou-se as cadeiras em torno da mesa, para que se sentassem, estavam presentes os seguintes participantes: Bruno, Gabriel, Luís e Fabrício.

O tema foi iniciado solicitando um desenho que representasse a relação entre o Continente Africano e o Brasil. O material utilizado, pelo aluno Bruno, para esta atividade era uma prancheta de madeira revestida com tela fina, giz de cera e sulfite 40 (Figura 8). Ao desenhar com giz na folha sobre a prancheta, os traços eram desenhados em alto relevo. Desta forma, além de sentir por meio do tato os traços, o aluno conseguia se orientar no desenho. Os alunos com baixa visão optaram por desenhar com lápis de cor na folha sulfite A4, exceto Paulo que escolheu a caneta esferográfica de cor azul.

Figura 8. Prancheta para desenho tátil utilizado na atividade

Bruno e Gabriel afirmaram que havia uma forte relação e os fatos históricos poderiam mostrar isto, enquanto que Luís disse que estava um pouco pensativo e Paulo queria escrever ao invés de desenhar.

 Cada um realizou seu desenho em silêncio, enquanto  Bruno, o aluno cego, mostrava sua dificuldade por meio da palavra “é difícil, são tantas coisas.” Assim, este aluno foi orientado a desenhar apenas o que julgasse mais importante, o que promoveu a primeira figura: uma bola. Enquanto desenhava o aluno disse: “representando a copa do mundo que será na África do Sul e o Brasil é o favorito”. Depois, outros traços foram surgindo, como um tambor, na parte superior da folha. E, durante os desenhos, afirmava que era muito difícil desenhar, pois era difícil imaginar, revelando que sua intenção era desenhar a fome e as indústrias.

Paulo queria apenas escrever, mas aos poucos começou a realizar alguns desenhos, afirmando sua preferência por usar canetas esferográficas, sendo que Bruno utilizou giz de cera e os demais lápis de cor. Ao final dos desenhos, todos mostraram suas produções gráficas, relatando o que haviam desenhado:

- Luís: tambores (a), crianças chorando com fome (b), pessoas dançando (c) e flauta (d), (Figura 9);
- Paulo: a Pangéia (Figura 10);
- Gabriel: a chegada dos portugueses ao Brasil, “pois eles que trouxeram posteriormente os africanos” – frase do próprio aluno (Figura 11);
- Fabrício: capoeira: “é uma dança que lembra a África” (Figura 12);
- Bruno: bola (a), fome (b), indústrias (c), tambor (d) (Figura 13).

 

Figura 9. Desenho da relação entre Brasil e África: (a) tambores, (b) crianças chorando com fome, (c) pessoas dançando e (d) flauta (Desenho de Luís – 15 anos, baixa visão) Figura10. Desenho da relação entre Brasil e África: a Pangéia (Desenho de Paulo – 15 anos, baixa visão) Figura 11. Desenho da relação entre Brasil e África: a chegada dos portugueses ao Brasil (Desenho de Gabriel – 15 anos, baixa visão)

 

 

Figura 12. Desenho da relação entre Brasil e África: a capoeira (Desenho de Fabrício – 12 anos, baixa visão) Figura 13. Desenho da relação entre Brasil e África: bola (a), fome (b), indústrias (c), tambor (d). (Desenho de Bruno – 15 anos, cego congênito)

 

Observou-se a dificuldade em se representar algo que não é palpável, como a fome. Enquanto que o aluno de baixa visão, que já teve contato com imagens que representam a fome, desenhou duas crianças chorando, o aluno cego criou um símbolo para identificá-la entre os elementos desenhados (conjunto de pequenos traços). Isto reforça a idéia de Valente (2008) e mostra a aprendizagem do desenho por imitação, que as crianças com visão, constantemente apresentam.

Os desenhos trouxeram para discussão temas de suma importância como chegada dos navios negreiros (desenhado por Gabriel) por meio do Atlântico, que este último surgiu a partir do desmembramento da Pangéia (desenhada pelo Paulo) e assim, fatores culturais estiveram presentes (por exemplo, a capoeira desenhada por Fabrício), como mostrado anteriormente, verificando o conhecimento cultural, histórico e geográfico dos participantes.

Na proposta de atividade multissensorial, planejou-se após esta etapa, o encaminhamento do grupo à sala de informática, pois seriam apresentados um vídeo e música para eles. Todos se mostraram motivados, por meio de rostos felizes e frases como a de Bruno: “Que legal! Música!”

Na sala de informática, as cadeiras foram dispostas em roda, de forma que o ambiente ficasse agradável e que os alunos com baixa visão pudessem assistir ao vídeo que mostrava uma luta de capoeira. Os alunos afirmaram que todas as quintas, eles praticam este tipo de luta no próprio CHI. Neste momento, a pesquisadora contou com a colaboração da fisioterapeuta, Thais, que narrou o vídeo para o Bruno.

Enquanto assistiam, foi discutida e explicada a origem da Capoeira, sendo que alguns alunos fizeram diversas afirmações como Gabriel, que, prontamente, afirmou que esta luta era de origem escrava, “pois os escravos lutavam para se defender dos senhores” (trecho falado pelo aluno). Desta forma, foi desenvolvida uma explicação sobre a origem da capoeira, por parte da pesquisadora e assim, as produções dos alunos foram utilizadas para exemplificar esta relação entre o Continente Africano e o Brasil. O desenho de Fabrício, que representou esta luta, permitiu que esta atividade fosse mais valorizada pelo grupo, a medida que a pesquisadora teve o cuidado de encadear as discussões sobre o tema a partir do desenho de um dos participantes do grupo. Isto se deve a importância em se valorizar e a partir daquilo que os alunos trazem como conhecimento e assim, ampliá-los.  

Depois disto, os mapas táteis “Continente Africano e o Brasil no mundo” (Figura 5) e “Rotas do Tráfico Negreiro” (Figura 6) foram apresentados, primeiro sem som, apenas para que os alunos avaliassem as texturas e as cores.

Após análise, todos os alunos com baixa visão aprovaram as cores utilizadas, identificando os territórios e o oceano, enquanto que Bruno aprovou as texturas. No mapa “Continente Africano e o Brasil no mundo”, Bruno identificou os dois territórios: Brasil e África, disse que não precisava das partes móveis (Brasil e África em EVA), enquanto tateava o Brasil. No entanto, quando as tateou afirmou que desta forma, podia perceber melhor a diferença dos tamanhos entre os 2 territórios. Ele identificou o oceano e assim, foi explicado pela pesquisadora que, por meio do Atlântico os navios negreiros vieram para o Brasil. Desta forma, foi possível relacionar e explorar este mapa ao mapa “Rotas do Tráfico Negreiro”. Bruno achou interessante a representação das rotas com a textura em velcro, que usado do lado macio causou sensação agradável ao aluno e afirmou que gostou muito por poder “pegar e sentir” – palavras do aluno.  Este aluno trouxe à análise do material componentes de sua vivencia anterior com livros didáticos e mapas táteis ofertados na sua Escola Regular. Comparou sua experiência com tais materiais e os mapas táteis desta pesquisa.

Os mapas que o aluno tinha conhecimento consistiam em um Atlas impresso em papel para impressões de escrita Braille. Os contornos dos mapas correspondiam aos pontos, como em Braille e com a legenda também em Braille. Observou-se que os alunos com baixa visão não contam com materiais cartográficos específicos, nas escolas regulares, como o aluno cego.

No que concerne à analise da Legenda, observou-se que este aluno apresentou dificuldade, pois ele ainda estava aprendendo o Braille (09 meses), no entanto afirmou que havia compreendido o mapa, descrevendo, tanto suas formas quanto o conteúdo.  Ao manusear o mapa, o aluno repetiu a leitura da legenda algumas vezes, afirmando que estava tentando se localizar melhor. Desta forma, o mapa foi conectado ao computador munido do programa Mapavox, com objetivo de mostrar informações sonoras, sendo seis sons diferentes, que consistiam na localização de saída e chegada dos navios negreiros, além de uma micro-chave para a legenda.

Desta forma, Bruno que mostrava dificuldades com a leitura Braille afirmou que com o som ficou “melhor para entender” (frase do aluno). Isto sustenta as afirmações sobre a importância de aulas que façam uso de materiais multissensoriais, conforme afirma Juliasz; Freitas; Ventorini (2009). Todos os alunos afirmaram que o mapa estava legível e a informações sonoras eram bastante claras, pois mostravam os locais de origem dos africanos.

Em uma segunda aula, foi solicitado aos alunos que fizessem outro desenho, que representasse tudo o que eles entenderam da aula anterior. Assim, os desenhos foram os mais diversos, principalmente em relação aos aspectos sociais e culturais desenvolvidos na aula anterior. Isto pode ser verificado a seguir:

- Luís: escravos e cana de açúcar (Figura 14);
- Paulo: a capoeira (Figura 15);
- Gabriel: contorno dos territórios Brasil e África (Figura 16);
- Fabrício: avião (Figura 17);
- Bruno: três estados brasileiros, oceano e três países africanos (Figura 18).

 

Figura 14. Escravos e cana de açúcar (Desenho de Luís – 15 anos, baixa visão) Figura 15. A capoeira (Desenho de Paulo – 15 anos, baixa visão)

 

Figura 16. Contorno dos territórios Brasil e África (Desenho de Gabriel – 15 anos, baixa visão) Figura 17. Avião (Desenho de Fabrício – 12 anos, baixa visão) Figura 18. Três estados brasileiros (a), oceano (b) e três países africanos (c) Desenho de Bruno – 15 anos, baixa visão

 

Observou-se que os alunos possuíam conhecimento sobre a relação entre a África e o Brasil tanto em aspectos culturais quanto geográficos. Estes desenhos mostraram novos elementos como o fator trabalho presente no desenho de Luís, mostrado escravos trabalhando na lavoura de cana. O aluno Pedro que havia desenhado, anteriormente, aspectos mais caracterizados pela parte física da geografia, desenhou a pessoas lutando capoeira, enquanto que Gabriel desenhou um croqui do mapa. A pedagoga responsável pelo CHI explicou que Fabrício tem problemas em compreender atividades propostas, por isso o fato de ter desenhado um avião, pode estar vinculado ao conceito que o aluno tinha de ser este um meio de transporte, como é o caso do navio. Desta forma, ele pode ter relacionado com trajetória ou rota do navio representado no mapa com uma rota de avião que cruza o Oceano Atlântico.

Em relação ao desenho realizado por Bruno, o aluno cego do grupo, observou-se semelhanças entre sua representação e o mapa “A Rota do Tráfico Negreiro” explorado na aula. Como se pode notar na figura 18, o aluno representou o Brasil à direita da África, destacando os 3 pontos relativos às posições dos desembarques dos navios negreiros, materializadas pelas 3 micro-chaves. Estas micro-chaves quando acionada informavam os pontos de saída, do Continente Africano e os pontos de chegada no Brasil. Esta representação realizada pelo aluno mostrou sua noção topológica destes elementos, verificando que neste aspecto a forma não se mostrou mais importante, haja vista a intenção de apresentar o oceano como meio de chegada dos escravos.

Considerações finais

Diante dos resultados obtidos e analisados nesta pesquisa, deve-se considerar a importância de materiais táteis que permitem a representação espacial pelas pessoas com deficiência visual. Isto pôde ser verificado na utilização da prancheta para desenho tátil pelo aluno cego, sendo um material de fácil elaboração e que permite sua expressão e representação gráfica, correspondendo a proposta da pesquisa, em conhecer e valorizar as representações gráficas dos alunos, tanto os cegos quanto aqueles com baixa visão.

Nesta atividade, constatou-se que a metodologia baseada na sondagem do conhecimento prévio do aluno e depois da intervenção do mapa mostrou-se positiva, pois norteou o andamento da pesquisa e contribuiu para a participação ativa dos alunos, com suas produções gráficas. Os resultados indicam a importância de se respeitar as especificidades dos alunos cegos e de baixa visão na interação com o material didático tátil, sem compará-los. E, pode-se afirmar que a união de mapas temáticos e dispositivos sonoros aliados a didática multissensorial, com utilização de vídeos e músicas, proporciona uma aprendizagem significativa sobre os conteúdos e fenômenos relacionados a cultura e ocupação e formação do territorial brasileiro, de forma a contribuir para o conhecimento tanto cartográfico e espacial quanto para o conhecimento cultural de seu país.

Observou-se a vantagem do uso de um mesmo tema em duas aulas, ao introduzir e desenvolver na primeira aula e verificar o que os alunos apreenderam sobre o tema, na aula seguinte. Apesar de o tema ter se repetido em duas aulas, isto foi proveitoso à medida que os alunos não ficaram expostos às explicações, de forma passiva, e sim, participaram efetivamente da construção do tema, tendo intervenções da pesquisadora.

Aponta-se a necessidade de estudos que aprofundem tais pressupostos, centrados na percepção das pessoas com deficiência visual, para que alternativas metodológicas sejam inseridas no contexto escolar, atendendo as reais necessidades educacionais destes alunos. Portanto, tornam-se fundamentais pesquisas inseridas na cultura escolar e que tragam leituras sobre a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, sob o ponto de vista da teoria sócio-cultural.

 

Notas

[1] Este projeto teve como órgão de fomento o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPQ.

[2] Para maiores detalhes sobre este sistema indica-se a consulta dos trabalhos de Ventorini; Freitas (2007), Juliasz; Freitas; Ventorini (2007), Zucherato; Freitas; Ventorini (2007). 

[3] Reily, 2004

[4] Almeida, 2009, p.17

[5] Almeida y Loch, 2005, p. 6

[6] 2005, p. 14

[7] Porto, 2005, p. 24

[8] Ventorini, 2007, p. 64

[9] 1993

[10] Porto, 2005, p. 25

 [11] Soller, 1999, p.45

[12] Ventorini, 2007

[13] Ballestero-Alvarez, 2003, p.13

[14] 2008

[15] 2008

[16] Ventorini 2009

[17] Ochaíta e Espinosa, 2004, p.151

[18] 2008

[19] Valente, 2008

[20] Valente, 2008

[21] Valente, 2008b , p. 1013

[22] 2009

[23] 2008

[24] Os nomes aqui indicados são fictícios, com o objetivo de preservar a imagem e a identidade de cada participante da pesquisa

[25] Consulte Juliasz;Freitas, Ventorini, 2007

 

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[Edición electrónica del texto realizada por Miriam Hermi Zaar]


Ficha bibliográfica:

JULIASZ, Paula Cristiane Strina y FREITAS, Maria Isabel Castreghini. Representações gráficas e mapas táteis: um estudo sobre a apreensão de temas afro-brasileiros por alunos com deficiência visual. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 30 de enero de 2012, Vol. XVII, nº 960. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-960.htm>. [ISSN 1138-9796].