Premio Internacional Geocrítica 2003

AGRADECIMENTOS DO PROFESSOR ROBERTO LOBATO CORRÊA

Quero agradecer ao jurado internacional pela outorga do Prêmio Internacional Geocrítica 2003.  Este prêmio honra ao Brasil, ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde trabalho, e a mim próprio.

Estou muito feliz por fazer parte da comunidade ibero-americana de geógrafos.  De uma comunidade que, a despeito de diferenças lingüísticas – o castelhano, o catalão, o basco, o galego e o português – e raciais, tem uma unidade na diversidade que é dada pela História.  Mais importante ainda, sou muito feliz por pertencer a uma comunidade que tem uma sólida e diversificada geografia, com significativas contribuições à geografia em geral.  Horacio Capel e Milton Santos são os melhores exemplos, com contribuições à história do pensamento geográfico, à teoria geográfica e à geografia urbana.  Ser colega deles, e de muitos outros, é um orgulho para mim.  Eles e muitos outros contribuíram, ainda que não o soubessem, para os caminhos que percorri na geografia, para a minha trajetória geográfica.

Gostaria de falar um pouco sobre a minha trajetória por esta disciplina que se preocupa com a ação humana sobre a superfície terrestre.  Que estuda a produção do espaço, as paisagens com suas morfologias e seus significados, os recortes espaciais reconhecidos como regiões, os territórios e as territorialidades criadas, muitas vezes a partir de profundos conflitos, e a percepção e vivência dos lugares.  A disciplina oferece ricas possibilidades para se estudar a ação humana.  As trajetórias individuais são inúmeras.  Quero compartilhar com todos a minha trajetória, uma trajetória singular no traçado, mas plural no conteúdo e universal na intenção.

A minha trajetória pela geografia esteve vinculada sobretudo a cinco temas ou trajetos.  Estes trajetos não originaram uma diacronia, sendo, muitas vezes, paralelos e simultâneos, com vários pontos de encontro, pois se entrecruzam.  Exprimem eles uma pluralidade que é o resultado da consciência das diversas possibilidades de, geograficamente, analisar o real.

O primeiro trajeto diz respeito à rede urbana, entendida como o conjunto de centros urbanos funcionalmente articulados.  Reflexo, meio e condição social, a rede urbana desempenha importante papel na organização espacial.  O interesse por ela torna-se relevante quando se considera um país como o Brasil, cuja rede urbana ganhou, nos últimos 50 anos, novos e inúmeros centros, um deles, Brasília, já com mais de 2 milhões de habitantes.  E novos centros urbanos serão ainda criados em um país que ainda dispõe de uma ampla fronteira a ser efetivamente ocupada.

O segundo trajeto refere-se ao espaço intraurbano, esta outra escala conceitual e cartográfica de se abordar o urbano.  O espaço econômico e social da cidade é ao mesmo tempo fragmentado e articulado, campo de lutas e campo simbólico, merecedor de profundo interesse por parte dos geógrafos.  O espaço urbano, adicionalmente, é submetido a fortes mudanças, redefinindo-se as centralidades e a segregação residencial.  Territórios formais e informais, e mesmo marcado pela ilegalidade, são elaborados e reelaborados.  A violência, irmã da miséria e da anomia social, ganha nova dimensão em um quadro urbano cujo controle se perde.  Isto, lamentavelmente, prende a atenção dos geógrafos.

O terceiro trajeto envolve o interesse por essa tradicional temática da geografia que é a região, este recorte espacial construído pela ação humana.  Entendida como um particularidade espacial, o seu estudo no Brasil é especialmente significativo.  As regiões são novas, sem a longa tradição das regiões européias.  Muitas são de duração efêmera e não criam raízes.  Outras serão criadas ou profundamente alteradas, como ocorre, nos últimos 25 anos, nas áreas de cerrado e na Amazônia.  Recentes e instáveis, as regiões brasileiras mereceram o meu interesse.

As grandes empresas, multilocalizadas, multifacetadas e politicamente poderosas, constituem os mais importantes agentes das transformações espaciais no mundo contemporâneo.  A globalização é um produto delas e uma condição para a existência e reprodução delas.  Possuem a sua própria espacialidade, definida por uma divisão territorial do trabalho interna a elas e por uma rede de cidades chaves.  A espacialidade delas é parte constituinte da espacialidade em geral.  O estudo das grandes empresas e suas práticas espaciais é um convite para os geógrafos econômicos como para aqueles interessados na geografia urbana, política e regional.  O estudo das grandes empresas constitui-se na minha quarta trajetória.

O quinto e último trajeto é o da geografia cultural.  É, sem dúvida, o mais recente.  Trata-se de um interesse que se iniciou com a descoberta da obra de Carl Sauer e da Escola de Berkeley, mas que, rapidamente, passa a focalizar-se na geografia cultural renovada, influenciada pela filosofia dos significados e pelo materialismo histórico.  Nessa renovação o conceito de cultura é repensado e amplia-se o temário da geografia cultural.  Conhecer a história da geografia cultural foi o primeiro passo.  Outros deverão seguir-se, ampliando e diversificando a trajetória geográfica.

Cada trajetória é individual, única.  Cabe aos jovens construí-la com base em uma combinação em que, de um lado, estão a intenção, a determinação e a contingência e, de outro, o trabalho sistemático, a razão, a emoção e o gostar dessa disciplina que, afinal de contas, aborda o Homem.
 

Moltes gracies,

Muito obrigado

Roberto Lobato Corrêa
Barcelona, 30 de maio de 2003
 

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