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EDICIÓN  ELECTRÓNICA DE TRABAJOS PUBLICADOS 
SOBRE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
 
O NOVO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO - GEOGRAFIA E VALORES
 
Jorge Gaspar
 
Centro de Estudos Geográficos. Universidade de Lisboa

1. Tendências pesadas, voluntarismos leves

Um dos objectivos desta intervenção é o de levantar algumas questões que se prendem com os limites do voluntarismo no planeamento e no ordenamento do território.

Desde que se instala uma família ou uma unidade funcional, inicia-se um processo de alteração na ocupação e organização territorial, que adquire uma dada força: as acções futuras terão mais sucesso se puderem apoiar-se nessa força; terão mais dificuldades se pretenderem contrariá-la. Isto é válido para toda a escala territorial: do local ao continental.

Nos primórdios da nacionalidade os portugueses apostaram na acentuação de algumas tendências organizativas, que a própria natureza física do território favorecia: o litoral, os rios navegáveis; que os antecedentes históricos apelavam: as trocas comerciais com o Mediterrâneo, o Mar do Norte, o Mar Báltico.

Num par de séculos estavam instaladas tendências pesadas, que se mantêm ainda hoje, apesar dos recorrentes esforços de inversão, com mais ou menos voluntarismo: de D. Fernando ao Marquês de Pombal, de Fontes Pereira de Melo a Salazar e até aos nossos dias, são patentes as acções que vão no sentido de distribuir a riqueza e as gentes de forma mais equilibrada, de contrariar as grandes concentrações urbanas. É também recorrente a retórica política, jornalística, intelectual ou técnico-científica... que projecta todos os males numa certa doença congénita, que um teórico do século passado conseguiu mesmo fixar a génese: a Hidropisia, a acumulação de matéria serosa numa só parte do corpo, neste caso a cabeça; o padecimento de ser cabeçudo: como poderia um corpo tão pequeno viver com tão enorme cabeça! Depois seguem-se os roles de receitas, vertidos, com a repetição e os tempos, noutros tantos mitos:

Quantos de entre eles deixaram obras de grande interesse científico, de penetrante observação e diagnóstico. Mas fracassados na acção e por isso de contínua actualidade: de Severim de Faria a Henriques Nogueira, de Oliveira Martins a Ferreira Dias, de Mota Campos (ou João Salgueiro) a Valente de Oliveira.

Desde há séculos que vivemos na saudade do bom rei Dinis, que fixava as dunas, plantava pinhais, secava pauis, chamava povoadores, fundava vilas e erguia castelos, ao mesmo tempo que consolidava a rede urbana, sem esquecer o engrandecimento de Lisboa, que assim se tornou, naturalmente, a capital, a cabeça. E claro que ainda lhe sobrava tempo para a poesia e outras folganças. Tudo no fito de criar riqueza e fortalecer a coesão. Aparentemente conseguindo a comprovação dos princípios da alometria, tendo como modelo talvez a Cidade de Deus, ou apenas os ensinamentos de seu pai que viajara pela Europa e de seu tio Afonso, já conhecido por O sábio ou tão só a ideia de um País Novo.
 

2. Meio século de políticas de Ordenamento do Território

Não está no espírito desta breve comunicação fazer a história ou a avaliação das políticas de ordenamento do território em Portugal nem sequer a partir do momento em que a terminologia e o conceito se instalam entre nós, na sequência do processo de fomento económico, baseado na industrialização, que foi necessariamente provocar profundas alterações na ocupação e organização do território.

É assim que, durante a vigência do I Plano de Fomento (1953-58) e já no âmbito dos estudos que deveriam alicerçar o II Plano de Fomento, se fala em Planos Regionais: é a propósito do que deveria constituir o 3º grande objectivo, "Resolução dos problemas do desemprego", que escreve, em 1956, o ministro da Presidência Marcelo Caetano, em exposição ao Conselho Económico:

"Será igualmente o terceiro objectivo um dos que terá de estar mais presente no delineamento dos planos regionais a traçar para a aplicação dos princípios gerais de novo Plano, de modo a procurar resolver os problemas resultantes do sobrepovoamento de certas regiões do País..."

Neste contexto de lançamento de um processo de desenvolvimento foi criado o Centro de Estudos Políticos e Sociais que ainda em 1956 levou a cabo uma série de estudos sobre Elementos para uma Política de Ordenamento Regional.

Como decorre da breve citação feita acima, também nestes estudos prevalece a resolução de problemas sociais e de aproveitamento dos recursos humanos e não uma ideia de equilíbrio territorial ou de retorno à terra, perspectiva implícita nas teses agraristas do Estado Novo que tinham sido derrotadas.

Procurava-se sim, além da resposta ao drama social do desemprego, arrumar as áreas mais dinâmicas nomeadamente as que estavam mais sujeitas a impulsos de urbanização e/ou de industrialização. Por isso foram lançados vários planos de urbanização e no fim dos anos 50 promove-se mesmo o Plano Regional de Lisboa, cujos primeiros estudos são publicados em 1960 sob o título Plano Director de Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa, concluído em 1963; lançava-se também o Plano Urbanístico do Algarve, para orientar o previsível boom turístico; por outro lado, promoviam-se planos sectoriais de ordenamento, como o de Rega do Alentejo e de Ordenamento Hidráulico da Bacia do Mondego.

No mesmo contexto são lançadas outras iniciativas, de que destaco pela originalidade e incidência na região onde nos encontramos agora o Plano Distrital de Fomento, promovido pelo Governador Civil de Coimbra, Engº. Horácio de Moura, cujo objectivo era coordenar as acções dos organismos da Administração Central desconcentradas em Coimbra.

Os incentivos à implantação de indústrias apareciam como instrumentos privilegiados dessa política, como se pode ver na Lei de Meios para 1961: "O Governo favorecerá, nomeadamente pela concessão de incentivos de ordem fiscal e de facilidade de crédito ao investimento nas regiões rurais e economicamente mais desfavorecidas, a instalação de indústrias de aproveitamento de recursos locais e, bem assim, a descentralização de outras localizadas em meios urbanos".

Estavam lançadas as sementes ou as ideias que alimentarão os sonhos e as frustrações da(s) política(s) regional(s) moderna(s) em Portugal.

Em 1962 o Governo elaborou um projecto de Decreto-lei em que propunha a criação de uma junta de planeamento económico regional e que foi objecto de parecer da Câmara Corporativa, em que se sistematizam as bases do que deverá ser a institucionalização do sistema de planeamento regional.

Finalmente em 1966, no âmbito do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho é criada a Divisão de Planeamento Regional, que terá logo acção importante na preparação do III Plano de Fomento (1968-1973) em que o Planeamento Regional aparece pela primeira vez autonomizado, com direito a publicação individualizada, dada à estampa pela Imprensa Nacional de Lisboa. A acção, técnica e ideológica desta Divisão e do Secretariado Técnico em geral, no domínio dos princípios e valores, bem como do decorrente anunciado de medidas e acções, prolongar-se-á por duas décadas, reforçando-se após o 25 de Abril de 1974.

É elucidativo analisar naquela publicação, que define a política de planeamento regional em 1968, os Objectivos e Orientações Fundamentais (p. 43 e sgs.), a Orgânica de Planeamento (p. 77 e sgs.) e as Medidas de Política Regional (p.81 e sgs.), para verificar a permanência de uma certa ideia de desenvolvimento, bem como das políticas e dos instrumentos adequados.

Assim, ao longo de duas décadas, não obstante a turbulência política, económica e social que se verificou, os valores, os objectivos, os meios e as políticas, não observaram alterações bruscas ou profundas, como de resto se pode verificar nalguns trabalhos de grande interesse que entretanto foram produzidos sobre a matéria e que permitem hoje uma avaliação fundamentada do planeamento regional e do ordenamento do território em Portugal.

As principais alterações dar-se-ão com a adesão à CEE e com a necessidade de observar as regras do jogo no que concerne à Política Regional definida a esse nível. No entanto, ainda aí, as transformações serão graduais, podendo dizer-se que permanecem muitos dos valores e princípios que vêm de trás. Permita-se-nos, entretanto, uma ligeira nota sobre alguma prática do último decénio.

Após a integração na Europa dos doze em 1986 não se pode dizer que tenham faltado políticas: de desenvolvimento regional e de ordenamento do território. A crítica a fazer talvez seja a de que embora emanem do mesmo ministério, têm estado dissociadas.

Na vertente desenvolvimento regional tem sido patente, sobretudo a partir do 1º QCA (1989-93) o voluntarismo em favor das áreas menos desenvolvidas: é nítida a superioridade do investimento per capita dessas áreas e existe mesmo uma correlação negativa evidente entre o investimento público per capita e o nível de desenvolvimento socio-económico. Dir-se-á que esse voluntarismo não foi suficiente - mas alguém saberá a que custo seria possível inverter as tendências de modo muito mais marcado e assegurando a capacidade de auto-regeneração? Talvez por nenhum preço!...

No que concerne o ordenamento procurou-se construir um sistema coerente, que tem vindo a ser implementado. Na realidade nunca se fizeram tantos planos: PMOTs, PROTs, PEOTs!!! Quanto à sua eficácia ainda é muito cedo para nos pronunciarmos. Para já, o principal reparo é o da sua desarticulação com as acções de fomento económico e de promoção social. Note-se também a fragilidade que resulta do facto de ser difícil por vezes a compatibilização entre planos de ordenamento de diferente nível espacial e de o escalonamento no tempo ser deficiente ou desadequado.

Entretanto, como resultado de vários factores (envolvente externa, transformações no sistema produtivo, prevalência da eficácia das políticas sectoriais sobre as regionais, novas realidades sociais, políticas e económicas...), foram-se dando não só inovações e viragens na produção teórica relevante, como também nas atitudes de políticas e de técnicas. Pouco a pouco, talvez de forma mais acelerada nos últimos anos e através de percursos que obviamente não são lineares, foram-se observando substituições nos valores dominantes nos campos do planeamento regional e do ordenamento do território.

Deixamos aqui, sem qualquer veleidade de exaustão ou ordenação, uma lista, que pretende apenas exemplificar e sugerir outro aprofundamento:

Planeamento regional e ordenamento do território: os valores*
 

VELHOS NOVOS
equilíbrio competição
hierarquia/pólos de crescimento redes de complementaridade e sinergia
desenvolvimento crescimento (apesar da retórica do desenvolvimento... procura-se sempre a medida pelo PIB...)
aproveitamento de recursos/produção ambiente
harmonia rural/urbano cidades competitivas (fim do rural...)
solidariedade social solidariedade territorial
trabalho (emprego, ocupação...) produtividade (apesar da retórica do desemprego...)
educação capacitações
férias e feriados tempo livre/lazer
aforro para amanhã consumo hoje
convívio/sociabilidade individualismo
realização preservação
projectos nacionais visões localistas
  * Note-se, como nem sempre há um corte nítido, mas sobreposição de valores de antes e de depois...

 

PLANEAR assim é cada vez mais difícil como proposta de intervenção coerente, integrada e escalonada no tempo: DAÍ AS VANTAGENS DAS INTERVENÇÕES ESTRATÉGICAS

 

3. Portugal e a Europa: Convergência, Desenvolvimento Regional e Ordenamento do Território

Podem resumir-se neste título os grandes objectivos com expressão territorial a atingir por Portugal na sequência da execução dos dois Quadros Comunitários de Apoio.

A convergência real entre as economias portuguesa e comunitária, só será possível com acções nos domínios dos recursos humanos, do tecido produtivo e das infra-estruturas. Todos de acordo.

O desenvolvimento regional permitirá um dos grandes desígnios nacionais e europeus, que é a promoção da coesão económica e social, tanto no interior do País, como em relação às outras regiões da União Europeia. Este desenvolvimento terá que ser avaliado através das melhorias na qualidade de vida das populações e do fortalecimento das bases económicas regionais. O desenvolvimento regional deverá processar-se de tal ordem que permita maximizar o desenvolvimento do País, cuja avaliação terá os pressupostos enunciados.

O desenvolvimento regional nunca poderá ser medido através de indicadores como densidade demográfica ou maximização do aproveitamento dos recursos endógenos mas sim através de índices compostos que tenham em conta a qualidade de vida das populações, a produtividade, a robustez do tecido económico. Em certas situações o desenvolvimento duma região pode implicar uma adequada política de despovoamento/redimensionamento demográfico e adequação do povoamento, bem como a substituição de actividades com base em recursos endógenos que não conseguem ser competitivas e que impedem o aparecimento de alternativas (caso da agricultura intensiva vs agricultura extensiva, pecuária, floresta).

O ordenamento do território é a arte de adequar as gentes e a produção de riqueza ao território numa perspectiva de desenvolvimento.

Como é sabido, o correcto ordenamento do território situa-se na intersecção dos três eixos vitais do desenvolvimento: o da eficácia, o da equidade e o do ambiente, tendo presente que os seres humanos, as comunidades locais, regionais, nacionais, são os destinatários últimos das acções a empreender - todos sem excepção.

Assim, a convergência real deverá ser igualmente sentida em qualquer daqueles níveis: de que serve aproximar os países, abstractamente, se se cavam fossos entre as suas parcelas? De que serve um desenvolvimento regional "equilibrado", se as assimetrias sociais se acentuam?

Digamos que convergência e desenvolvimento regional quase se confundem, enquanto objectivos ou que o segundo está no caminho do primeiro. E para ambos contribui o bom arrumar da casa: na economia e na ecologia.

Entretanto, Portugal e os portugueses defrontam-se com algumas contradições nos processos de transformação, que têm sérias consequências no território:

E os cenários?

Lembram-se do filme de Joseph Losey The Go-Between, baseado no livro com o mesmo título de L. P. Hartley, publicado em 1953. Ambos começam assim "The past is a foreign country, they do things differently there". Há dez anos o geógrafo David Lowenthal escreveu um livro fabuloso com aquele título The past is a foreign country, para nos ajudar a olhar o passado, sem anacronismos.

Diz-nos que o passado e o futuro atraem e repelem de formas diferentes, mas a nostalgia do passado afecta muito mais a gente que a do futuro. Talvez hoje entre nós as coisas estejam a mudar e após séculos de nostalgia de um passado muito visitado, mas que permanece um desconhecido, é patente a ansiedade de visitar um futuro que por vezes nos é apresentado como se de um destino turístico de tratasse e que, como tal, não será para todos... Assim, faz sentido falar em nostalgia do futuro: já o foi para a Lisboa 94, é para a Expo 98, são as pontes, as auto-estradas da informação, a sociedade de serviços... a equalização europeia, a redescoberta das Áfricas... o desenvolvimento sustentável! Entramos no espaço-tempo dos cenários.

É necessário um cenário com algum voluntarismo, que contemple realisticamente a dimensão do idealismo, que deve sempre nortear o querer dos homens. Mas esse cenário não poderá/não deverá cortar com as tendências pesadas, embora existam condições para que se verifique a inversão de algumas orientações na organização do território. Vejamos.

Portugal é hoje um País concentrado nas faixas litorais, mas cada vez menos voltado para o Oceano: sem marinha mercante, com a pesca em declínio, com os portos em perda de importância e de competitividade - a maior parte das trocas comerciais tende a fazer-se por terra; com a introdução do gás natural, mesmo a energia virá cada vez mais do lado da terra e também aí os portos perderão importância relativa; e o que resta das seculares relações de troca com África e com o Brasil vão pouco além das trocas de mão-de-obra, que utiliza o avião. Quase poderíamos dizer que se configuram as condições para a inversão da litoralização... A permanência do dinamismo ribeirinho é mais uma herança, de que não tiramos vantagem, antes nos torna mais periféricos, mais assumidamente finis terrae e menos initiu maris. Estamos nas faixas costeiras pela inércia da infra-estrutura e talvez porque a praia ainda está na moda... e não porque apostamos nas oportunidades que o Oceano nos confere. Este pode ser o cenário tendencial: ribeirinhos, mas voltados para o interior.

Um cenário voluntarista ficou mais ou menos explicitado: reorientar o País para o continente, o que até responderia a uma dos mitos seculares da harmonização do território: repovoar o interior, retirar peso ao litoral. De facto, para quê um finisterra ribeirinho, se não houver barcos?

Outro cenário voluntarista e que me agrada mais, também pretende recuperar as virtualidades das tendências pesadas, nomeadamente a litoralização, a bipolarização do sistema urbano e a metropolização da faixa urbana ocidental. Note-se que idênticas tendências se têm evidenciado em quase toda a fachada marítima da Península Ibérica: Galiza, Astúrias, País Basco, Catalunha, País Valenciano, Murcia e Andaluzia. Ou seja, criaram-se condições para que a Península Ibérica - nas suas diversificadas vocações geográficas e históricas - desempenhe um papel europeu, apoiado nos mares enquanto charneira com povos e países de outros continentes: no Mediterrâneo oriental no Médio Oriente, em África, nas Américas. E, por sua via, também um papel mais coerente numa Europa que se alarga e onde a frente marítima adquire mais importância, do Báltico ao Mediterrâneo.

De algum modo é valorizar no futuro o que já foram virtualidades no passado: quando Portugal deu contributos significativos para a Europa. Tanto quanto me é dado saber, algumas instâncias políticas europeias estão interessadas neste exercício e esperam propostas. Para as conseguir é necessário atacar em várias frentes, para conseguir um novo mapa de Portugal, acertando o passo com a geografia da Europa.

Como geógrafo as minhas construções remetem para o território nas suas várias escalas. Para terminar deixo-vos algumas sugestões, que escrevi em Novembro de 1987 para um encontro entre colegas do mesmo ofício e os responsáveis do governo e da administração neste domínio.

 

4. Três temas prioritários para o Ordenamento do Território em Portugal:

1. A Escala Global

O Território Português no Longo Prazo

I) Que modelo

Qual o modelo de desenvolvimento para Portugal nos próximos 20 anos?

Quais as implicações na organização e ocupação do território?

É indispensável definir as grandes linhas da organização do território a longo e muito longo prazo: saber para onde queremos caminhar/saber para onde não queremos ir.

Creio que importaria investir na operatividade de um modelo que permitisse, a cada momento, avaliar as consequências territoriais das decisões na esfera económica e social. Um tal modelo cuja arquitectura e alimentação seriam continuamente melhoradas, deveria permitir a inclusão de alterações em domínios tão sensíveis como a mudança tecnológica, as alternativas energéticas e os impactes ambientais.

Definidas as grandes linhas da evolução do território, numa perspectiva a um tempo possibilista e voluntarista, são necessárias as opções, que quanto a mim cobrem fundamentalmente três campos:

II) As grandes infra-estruturas

As redes fundamentais das infra-estruturas básicas deverão ser definidas com urgência e de forma articulada.

Só a simplicidade dos grandes traços organizativos do território português permite que, não obstante a falta de coordenação, as redes de infra-estruturas não sejam ainda mais postas em causa.

As redes de telecomunicações, de transporte, de electricidade, de gás natural, de ferrovias e rodovias deveriam ser concebidas articuladamente. É necessário pensar a rede fundamental da água a nível nacional. As telecomunicações, cujo papel decisivo na estruturação do espaço de amanhã é hoje percepcionado pelo senso comum, tardam em adquirir o dinamismo que nos permita acertar o passo com o resto do Mundo.

III) O sistema de povoamento

A um dado modelo de desenvolvimento económico e social corresponde um sistema de povoamento. Entre estas duas realidades existe uma interacção, que tanto pode favorecer como contrariar, o ordenamento harmonioso do território.

Por outro lado, a definição do sistema de povoamento é necessária ao desenho das redes de infra-estruturas, bem como à estruturação dos sistemas de equipamentos colectivos.

O sistema de povoamento influencia não só o desenvolvimento económico, como o desenvolvimento social e cultural, tendo ainda um papel relevante na inserção internacional do País.

IV) As grandes manchas de utilização do solo

É necessário definir as vocações fundamentais de cada parcela do território, numa perspectiva de longo prazo. Assumem aqui um relevo maior as grandes manchas a preservar: do ponto de vista agrícola, florestal, aquícola, paisagístico, cultural.

 

2. A Escala Regional/Sub-regional

A esta escala domina, quase em exclusivo - embora seja fraco e pobre - o planeamento económico e social, que muitas vezes não tem preocupações de integração no território. Por outro lado, o que se tem tentado fazer no domínio do ordenamento do território (planos territoriais/planos de ordenamento territorial...) acontece desinserido do dinamismo económico e social, pelo que tais "planos" não têm realmente servido para nada.

Na escala regional/sub-regional o planeamento económico e social deve andar de par com o adequado planeamento físico. As profundas transformações que se antevêem para as regiões, dando origem a um novo espaço, implicam uma estreita articulação entre aquelas duas vertentes do planeamento.

O grande esforço que se tem vindo a desenvolver através de planos integrados de desenvolvimento - em geral com o apoio da CEE - deverá ter como sequência lógica propostas de reordenamento territorial (regional/sub-regional).

 

3. A Escala Local

É a esta escala que, no domínio do ordenamento do território, existe mais massa crítica; aqui se observam os maiores sucessos e os maiores desastres. Existe experiência. Importa sistematizar, ser coerente, exigir. Torna-se agora necessário corrigir distorções de base.

Importa educar a população para o uso do tempo e do espaço: quando o cidadão (o utente) souber viver (o que quer de) o seu dia-a-dia/o seu ritmo semanal/mensal/anual/uma vida, ele está em condições de exigir um espaço melhor: da sua casa aos parques naturais; do museu ou da biblioteca, às praias do litoral.

A acompanhar o grande esforço que se impõe e que de resto tem vindo a ser feito no domínio das infra-estruturas, para que se opere uma rápida melhoria qualitativa na vida dos portugueses é necessário investir também na educação para a utilização do território e do tempo. Isto porque, por um lado, a melhoria substancial dos rendimentos, será mais lenta e, por outro lado, as suas consequências na melhoria da qualidade de vida dos portugueses poderá ser potencializada se as populações aprenderem a estar na vida de uma forma cada vez mais cívica e saudável.

A grande maioria dos portugueses só recentemente começou a ter acesso a certos consumos com importantes incidências no uso do território: a utilização do tempo livre diário, o passeio de fim-de-semana, a praia, as férias deslocadas. As ofertas que se geraram perante estas procuras resultaram em grande medida da "exploração" de valores culturais desadequados do tempo e do espaço, além de responderem a mimetismos desproporcionados e desinseridos do contexto.

É necessário aprender e ensinar a viver o dia-a-dia, a hora-a-hora, na casa e no território, a valorizar a cidade e a natureza. A tirar partido do tempo disponível no sentido de uma multifacetada valorização pessoal, em oposição aos valores da ostentação e do consumo inútil, cansativo e depredatório.

Este esforço educativo deverá operar-se em diversas frentes e com diferentes horizontes temporais. As prioridades não são hierarquizáveis: é necessário ensinar a viver no território e nos ritmos do tempo, tanto nos bancos da Escola Primária, como na Universidade; deverão ser desencadeadas acções orientadas para os utentes de bairros degradados, mas igualmente para os que têm acesso à habitação secundária (nos seus vários escalões sócio-económicos).

Os eleitos locais e os urbanistas deverão ter sempre presente a preocupação de uma prática pedagógica.

Março de 1995

(em Coimbra, 30-31 de Março)



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