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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (28), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

ASSOCIAÇÃO DOS COMERCIANTES: UMA FORMA DE ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES EUROPEUS NAS COLÔNIAS AGRÍCOLAS NO SUL DO BRASIL

Maria Abel Machado
Doutora em História Social - Universidade de São Paulo

Vania Herédia
Doutora em História das Américas - Universidade de Genova, Itália.
Departamento de Sociologia da Universidade de Caxias do Sul, Brasil


Associação dos Comerciantes: uma forma de organização dos imigrantes europeus nas colônias agrícolas no Sul do Brasil(Resumo)

A Associação dos Comerciantes de Caxias (1901-2001), no Rio Grande do Sul reflete a situação que passaram os imigrantes europeus na instalação das colônias agrícolas no Sul do Brasil, no período da colonização. A trajetória dessa associação permite através da análise histórica, avaliar as condições que os imigrantes enfrentaram na estruturação do comércio e nas condições sociopolíticas que criaram para entrar nos mercados regionais e nacional. Como entidade de classe, de cunho comunitário e reivindicatório, marcou a presença na economia do estado, com traços e características próprias, buscando uma identidade étnica. A interferência da Segunda Guerra Mundial forçou a tomada de um novo rumo da Associação.

Palavras-chave: imigrantes / associações / empresários / Caxias do Sul (Brasil)


Businessmen Association: a way for the European inmigrants's organization in the agricultural colonies in the South of Brazil (Abstract)

The Businessmen Association of Caxias (1901-2001), in Rio Grande do Sul reflects the situation of  the European immigrants during the installation of the agricultural colonies in the South of Brazil, in the 19th century. The path of that association allows through an historical analysis, to evaluate the conditions that the immigrants faced in the structuring of the trade and the sociopolitical conditions that created to enter in the regional and national markets. Like a class community entity and demanding character, they marked the presence in the state's economy, with their own characteristics, looking for an ethnic identity. The interference of Second World War forced a new direction to the Association.

Key-words: immigrants / association / businessmen / Caxias do Sul (Brazil)


A criação de associações de classe foi uma das formas que os imigrantes italianos encontraram para resolver as dificuldades de organização como grupo na nova sociedade. "A vida associativa dos italianos no Brasil teve um começo muito precoce, mesmo antes que se iniciasse o fenômeno da imigração em massa"(1). Essas associações tinham caráter regional como as que existiam na Europa e refletiam a necessidade dos imigrantes em reunir-se com fins predominantemente de apoio mútuo, servindo como modelo de caráter associativo para reivindicar as condições mínimas que permitissem a sua subsistência enquanto grupo (2).

No último quartel do século XIX, o Brasil deu prosseguimento ao Programa de Colonização de regiões que ainda se achavam despovoadas, estimulando a vinda de imigrantes italianos, com a finalidade de ocupar as terras devolutas existentes. No Rio Grande do Sul esse programa se desenvolveu a partir da ocupação das terras da Encosta Superior do Nordeste em 1875, dando origem a zona de colonização italiana, sediada no núcleo da Colônia Caxias.

O Brasil ainda lutava com as dificuldades do regime político, implantado em 1889 e procurava firmar-se como república, liderada pelas oligarquias representadas pelos plantadores e exportadores de café, que conseguiram realizar um acordo com as oligarquias regionais, através da chamada política dos governadores. A história republicana se encaminhava assim, para o período que ficou conhecido como a República café com leite, dominada pelo eixo São Paulo/Minas Gerais, que elegeria os sucessivos presidentes da República, à exceção de Hermes da Fonseca, até a revolução de 1930.

O Rio Grande do Sul que era dominado pelo setor pecuarista, era conhecido como o celeiro do Brasil, por fornecer ao mercado interno, em especial, produtos pecuários, ocupando o maior vulto na pauta das exportações, o charque e o couro. Todavia, o setor agrícola colonial já fazia sentir o seu peso na economia regional, porque se apresentava mais dinâmico, com capacidade de capitalização, proporcionando o surgimento do comércio e da indústria.

A Colônia Caxias, em relação às demais colônias da região apresentou um rápido progresso, tendo sido desmembrada da Diretoria de Terras e Colonização em 1884 e anexada ao Município de São Sebastião do Caí, como 5º. Distrito. A 20 de junho de 1890, foi elevada a categoria de município, pelo ato n.257, do governo do Estado do Rio Grande do Sul.

A Colônia Caxias transformou-se num centro de intensa produção agrícola e num importante entreposto comercial, provocando com o surgimento de oficinas, artesanatos e pequenas indústrias o desenvolvimento da zona urbana (3). Como conseqüência desse desenvolvimento, foi fundada, a 8 de julho de 1901, a Associação dos Comerciantes de Caxias, uma entidade comunitária de forte cunho associativo e reivindicatório, interferindo substancialmente na vida econômica local e dos municípios vizinhos. Na época em que foi fundada era considerada "depois do Conselho Municipal e da Intendência, a entidade mais expressiva, sendo seguida pela Sociedade Príncipe di Napoli, denominada anos mais tarde de Sociedade Caxiense de Mútuo Socorro. É oportuno registrar que a criação de entidades de classe empresariais, foi uma tônica no final do século XIX e início do século XX. Essa iniciativa demonstra a tendência da burguesia brasileira na organização em entidades representativas com a finalidade de fortalecer sua categoria e simultaneamente, obter a condição de defesa dos interesses comuns.

A criação da Associação de Comerciantes (4) tinha como objetivo ser uma entidade representativa, capaz de reivindicar junto às autoridades competentes, a solução de problemas básicos, ligados à produção, escoamento e comercialização dos produtos da região. A nova entidade passou a ser regida por estatutos próprios, sendo que estes nortearam as futuras atividades de classe. O artigo 1o. dos estatutos estabelecia as condições para fazer parte da Associação dos Comerciantes e buscava a sua união em torno dos ideais comuns: "a Associação dos Comerciantes de Caxias compõe-se de todos os comerciantes e industrialistas estabelecidos no município, que satisfizerem os requisitos da administração e observarem as disposições destes estatutos(5)".

O artigo 2o. evidencia a abrangência da Associação e demonstra o espírito de visão de que eram dotados os seus idealizadores, que se preocuparam desde logo, em conhecer a situação econômica local, através de um levantamento dos dados relativos ao movimento do comércio e da indústria. "Compete à Associação dos Comerciantes do município de Caxias ser o órgão comercial deste município junto aos poderes municipais, estaduais e federais, ou ainda por delegação especial de seu alcance, de tudo quanto possa concorrer para o desenvolvimento das classes nela congregadas(6)".

A Associação dos Comerciantes atuou intensamente na vida econômica de Caxias, com a Intendência Municipal, com o Governo do Estado e com vários organismos públicos e privados. Passou a liderar todas as questões inerentes ao desenvolvimento do município, inclusive as relacionadas à agricultura, pois a Colônia de Caxias não estava organizada e quando precisava de apoio às suas reivindicações, recorria à Associação.

A primeira luta da Associação se deu com a elevação dos impostos aos colonos decretada pelo Conselho Municipal, visto que o aumento dos mesmos prejudicaria a agricultura e, por sua vez, o comércio. Com isso a Associação dos comerciantes transformou-se em órgão comunitário, reconhecido pelos comerciantes da região e pelos representantes do Estado. "Todo o mundo econômico de Caxias desembocava com suas queixas na Associação. A Associação toma o encargo de parlamentar (7)".

Em todas as causas que defendia exercia forte pressão perante as autoridades estaduais, justificando sempre a importância da produção agrícola na Colônia italiana e os benefícios para o Estado com o aumento da mesma. A Associação lutou ao lado da Intendência Municipal e do Conselho Municipal pela abertura das estradas como condição para o desenvolvimento econômico da região. Sua atuação manifestou-se ainda na construção de benfeitorias, na abertura de estradas no interior, nas questões referentes ao aumento das taxas e dos impostos, na busca de novos mercados e na defesa da qualidade dos produtos de seus associados, como foi o caso do vinho e nos enfrentamentos com os Intendentes.

Já em 1904, a Entidade havia conquistado um forte peso político, uma vez que o próprio Presidente do Estado Borges de Medeiros consultou a Associação para indicar o candidato que representasse o eleitorado republicano nas eleições municipais, para o cargo de Intendente. Essa consulta representou a força do comércio caxiense nas decisões políticas do Estado, relativas à região.

Em 1905, as forças produtoras de Caxias foram convidadas a participar da Exposição Feira em Porto Alegre, promovida pelo Centro Econômico do Rio Grande do Sul, centro esse do qual a Associação dos Comerciantes fazia parte como associada. Esse convite expressa a importância que a economia local já possuía frente ao mercado estadual.

Das preocupações da Entidade ressaltamos a questão do vinho e a sua falsificação, bem como, a precariedade das estradas, assuntos de relevância para os interesses locais. Defendendo os vinhos a história da Associação se ampliou em termos de território e lutando por melhores vias de comunicação, adquiriu um número considerável de sócios que a fortaleceram como grupo reivindicatório do Estado.

Em 1906, a Associação enfrentou uma crise vivida pelos comerciantes que marcou o final da primeira fase da Instituição, ressurgindo em 1912 por ocasião de um encontro dos antigos sócios, por iniciativa de D’Stefano Paternó. Paternó havia sido convidado pelo Ministro da Agricultura e Comércio, Pedro de Toledo, para organizar cooperativas de pequenos produtores, com o intuito de resolver os problemas econômicos da região.

Em 1910, com a inauguração da Estrada de Ferro ligando Caxias a Porto Alegre, teve início uma nova fase no desenvolvimento econômico do município, com o incremento da produção e do comércio, já que os produtos exportados passaram a chegar com mais rapidez nos mercados consumidores e deixaram de sofrer a intermediação dos comerciantes teuto-brasileiros. A Estrada de Ferro trouxe a melhoria do sistema de transporte, uma das mais antigas reivindicações das lideranças locais, antes feito com pesados carroções, ou carretas, puxadas por parelhas de mulas, utilizando uma única estrada carroçável, quase sempre em péssimas condições de tráfego.

À medida que a Associação se renovava, assumia a sua antiga força reivindicatória, preocupando-se em buscar soluções quanto à regularidade dos transportes proporcionados pela Viação Férrea, à instalação de linhas telefônicas, à regularização dos prazos de crédito para os seus fregueses, à abertura de novas estradas, ao comércio ambulante e à crise do vinho, seus preços e qualidade.

Em 1914, a Associação discutia as condições das vendas a prazo e a vista, demonstrando que estabelecia as regras das transações comerciais, bem como, os seus juros. Nesse ano constatou-se que a Associação possuía uma sólida base territorial, comprovada pelo número de associados, tendo ampliado a sua representação geográfica. O contexto da Primeira Guerra Mundial beneficiou a indústria brasileira através do estímulo à produção e o crescimento econômico de Caxias foi uma prova disso.

Como conseqüência da crise que assolou o comércio e a indústria no ano de 1923, a Associação dos Comerciantes resolveu se manifestar perante o Presidente da República, Artur Bernardes, solicitando que o mesmo olhasse pelo Estado do Rio Grande do Sul, principalmente no que se referia à negociação do crédito junto aos bancos sediados no Estado e na prorrogação dos títulos devidos aos mesmos. É interessante observar que esse período foi marcado pela Revolução Federalista de 1923, revolução essa que se desenrolou apenas no Estado do Rio Grande do Sul e trouxe conseqüências para economia. A Revolução Federalista acarretou uma divisão das forças políticas no Rio Grande do Sul, distribuídas entre republicanos, liderados por Borges de Medeiros e federalistas, chefiados por Assis Brasil. Esse conflito se deu em virtude da permanência de Borges de Medeiros no governo do Estado, de tendência conservadora e positivista frente ao seu opositor que defendia idéias liberais.

O período de 1925 a 1927 foi marcado por mais uma crise na Associação dos Comerciantes, que determinou o surgimento de uma nova entidade de classe, a União Comercial Caxiense, presidida por Eduardo Verdi. Com a finalidade de encontrar uma solução para o impasse surgido, em setembro de 1927, reuniram-se os dois grupos no Teatro Central e após vários pronunciamentos foi proposta a fusão das duas entidades, prevalecendo a denominação da Associação dos Comerciantes, em consideração à tradição e ao trabalho já realizado. Ficou decidida também, a reforma dos estatutos e a criação de um conselho superior de julgamento, atendendo assim, aos interesses de grandes e pequenos comerciantes e industriais.

As questões relacionadas ao crédito continuaram merecendo a preocupação da Entidade, exemplo disso foi o episódio ocorrido com a concordata do comerciante João Bertuzzi, de Criuva, na época, município de São Francisco de Paula, cujo processo foi assumido pela Associação que se responsabilizou pelo levantamento da situação financeira do concordatário, para garantir o pagamento de suas dívidas aos comerciantes locais. A solução foi encontrada com a venda de terras do devedor. A postura da Associação revelou o poder de interferir nos problemas dos próprios associados, mesmo que se tratasse de questões que merecessem a atenção dos órgãos fiscalizadores e até mesmo da justiça.

O controle mantido pelos comerciantes sobre a concorrência era muito rígido; os negócios eram feitos com base nos acordos que deviam ser respeitados por todos, para garantir a harmonia nas relações de convivência. O episódio do "queijo" ocorrido no final de 1927, mostra com clareza, o nível de exigência do grupo. O comerciante José Antonio de Campos vendeu queijo com preço superior ao acordado pelos comerciantes locais, rompendo o acordo feito. Os comerciantes descontentes com a ocorrência, reuniram-se para discutir o assunto e após a realização de uma sindicância que resultou na comprovação da culpa do acusado, foi-lhe aplicada uma multa. A mesma vigilância era mantida sobre o comércio ambulante que não pagava impostos e vendia os seus produtos de porta em porta. O episódio retratou a pressão da Associação sobre aqueles comerciantes que não respeitavam os acordos e as normas estabelecidas.

Vários assuntos continuavam pendentes ao término da década de 1920, entre eles a abertura do comércio aos domingos e feriados, que voltava à discussão por insistência dos comerciários que reivindicavam um dia de descanso. Contudo, apesar dos regulamentos e acordos estabelecidos para o funcionamento do comércio, esse assunto permanecerá pendente por vários anos.

Em 1929, a crise que assolou o Brasil, teve como marco a quebra da bolsa de Nova Iorque e foi sentida no interior do Estado de forma acentuada, com a falta de dinheiro e de crédito. A Associação dos Comerciantes interagiu com os gerentes de todos os bancos locais para solicitar que abrissem as suas carteiras de desconto de títulos para atender à necessidade de seus associados. A pressão feita sobre os bancos na busca de faixas extras de crédito, ocorria sempre que o comércio ou a indústria se encontravam em dificuldades financeiras e tinham resultado imediato, graças ao conceito e ao poder representativo da entidade.

A década de 1930 foi marcada por inúmeros acontecimentos que alteraram de forma significativa, a situação política, econômica e social do País, repercutindo no Rio Grande do Sul que, na qualidade de Estado de economia periférica, teve um papel fundamental na Revolução de 1930(8). O movimento foi desencadeado pela não aceitação do resultado das eleições para Presidente da República, rompendo o acordo que vinha sendo mantido entre o eixo São Paulo-Minas Gerais, na conhecida política café com leite. O candidato Getúlio Vargas do Rio Grande do Sul, que concorreu à presidência da república foi derrotado pelo candidato de São Paulo, Júlio Prestes. Esse episódio motivou a unidade dos estados periféricos que buscaram, através das armas, a chegada ao poder, encerrando o período da República Velha.

A Associação dos Comerciantes de Caxias teve uma participação ativa nos acontecimentos ligados à Revolução, decidindo entre outros, dar assistência às famílias dos soldados que tomaram parte no conflito. Participaram intensamente também da campanha Pró-Pátria Mil Réis Ouro(9).

A política desse governo deu início a uma nova fase na economia brasileira, estimulando principalmente a indústria nacional através da valorização do mercado interno. Procurou apoiar às indústrias consideradas "naturais" por beneficiarem a matéria prima local, como o vinho, a banha, conservas de frutas, óleos vegetais, produtos têxteis, farinha de trigo, entre outros. Muitos dos produtos considerados naturais eram produzidos pela empresas caxienses, que devido ao contexto tiveram a sua produção e comercialização estimuladas. Com isto, o incremento das atividades comerciais e industriais de Caxias, ultrapassou a sua capacidade produtiva, causando problemas de energia elétrica, de transportes, com a falta de estradas e de comunicações. Desta forma, as empresas de maior porte se ressentiram, comprometendo a própria expansão do setor.

A carência de energia elétrica motivou um dos episódios mais significativos dos anos 30, na Associação dos Comerciantes, demonstrando o grau de união da categoria. As autoridades da cidade de Montenegro, conhecedoras dos problemas vividos pelas empresas caxienses e interessadas em atrair firmas de porte para o seu município, fizeram uma visita à empresa Abramo Eberle & Cia., para propor que transferisse as sua instalações para aquele município, sob a garantia de que teria energia elétrica abundante e barata, além de oferecer outras vantagens. A Associação, com o objetivo de evitar a evasão de indústrias, juntamente com as autoridades locais, lideradas pelo Intendente Thomas Beltrão de Queiroz, buscou soluções para vencer as dificuldades existentes, investindo na infra-estrutura própria. Este acontecimento evidenciou a capacidade de organização e de unidade que havia entre os empresários e as forças políticas locais, representadas pelo Intendente, pelo agente consular, pelo conselho municipal, pelo juiz de direito, pela Sociedade Italiana Príncipe de Nápoles e pela imprensa entre outras(10).

Um fato que merece destaque nesse estudo, pela importância que teve na divulgação de Caxias do Sul em todo o país e até no exterior, como município de produção agrícola e industrial, foi a Festa da Uva. A Associação dos Comerciantes teve uma atuação decisiva na sua instituição e na sua manutenção como a maior festa e feira agro-industrial da cidade e da região. Trata-se de uma tradição dedicada à colheita dos frutos da terra e à produção artesanal e fabril, festejando o resultado do trabalho de homens e mulheres que no seu cotidiano, ocupam-se das árduas tarefas ligadas à produção.

A preocupação da Associação dos Comerciantes de manter a união da classe, foi posta a prova mais uma vez, quando os comerciantes varejistas passaram a enfrentar um surto de inadimplência de sua clientela e precisaram buscar saídas como grupo para a situação. A tendência era de organizar uma nova entidade de classe que os representasse e defendesse os seus interesses. Contudo, graças à habilidade de seus dirigentes, a integridade da Associação foi mantida. Para cuidar dos assuntos inerentes ao setor, foi criado um departamento específico dos varejistas molhadistas. As reivindicações estavam alicerçadas em cima de questões como o comércio clandestino, os clientes maus pagadores, as vendas a crédito e a existência de sindicatos e cooperativas que comercializavam os seus produtos sem pagar impostos.

Foi elaborado um regulamento próprio para as vendas a crédito, aprovado pela Associação, que visava a regulamentação da vida comercial da cidade. Através desse regulamento ficou estabelecido que nenhum comerciante forneceria mercadorias a cliente em atraso, com débito do mês anterior e que não fosse pago até o dia 10 do mês seguinte, salvo por motivos de força maior e ficaria sujeito a uma multa de 100$000 réis, no caso de descumprir o acordo firmado. A multa foi elevada posteriormente para 500$000 réis e para garantia do acordo, todo associado precisou assinar uma nota promissória do valor, que ficava depositada em poder do Departamento. O fornecimento a devedores em atraso, só poderia ser efetuado mediante um fiador que assumisse também a responsabilidade pelas dívidas anteriores. Foi criado o "livro negro" para o assentamento dos nomes dos maus pagadores (11).

Na década de 1930, a Associação dos Comerciantes já tinha firmado a sua posição de liderança não somente no aspecto econômico, como também no aspecto político, com a indicação de Intendentes caxienses e, especialmente, dos quadros da própria Associação. Com isso, a força de reivindicação ficou fortalecida, resultando na conquista da mudança do traçado da Estrada Federal BR-116, beneficiando de forma significativa a economia local. Foi na gestão de Dante Marcucci que o traçado do Plano Rodoviário Nacional foi alterado, fruto de um trabalho conjunto de todas as "forças econômicas" locais. A estrada BR-2, como era conhecida na época, deveria passar por Nova Petrópolis, pelos campos de São Francisco de Paula, até chegar a São Joaquim e Lajes em Santa Catarina(12). Esse roteiro excluía Caxias do Sul do panorama econômico nacional e a condenava, de certa forma, ao isolamento. Depois das autoridades locais terem tido conhecimento da possibilidade da alteração do primeiro traçado por motivos ligados à topografia do terreno, passou a defender a idéia da construção da estrada obedecendo novo traçado, que privilegiava Caxias do Sul e a região. Para tanto, foram utilizados os dados estatísticos da produção agroindustrial para demonstrar a necessidade de uma nova alternativa para o seu escoamento.

Ainda na gestão de Dante Marcucci, a Associação manteve as mais estreitas relações com o poder público tanto estadual, como federal, na tentativa de resolver outros problemas de infraestrutura como o do fornecimento de energia elétrica e o de abastecimento de água. A saúde e a educação receberam também incentivos com a instalação de serviços específicos e de escolas para o atendimento da população em idade escolar.

Em 1951, "Getúlio Vargas voltou a ser presidente do Brasil, vencendo uma oposição coligada contra ele e formada pelo Partido Social Democrático e a União Democrática Nacional(13)". Vale lembrar que o governo anterior do general Eurico Gaspar Dutra havia se submetido ao capital estrangeiro, interrompendo a política econômica que estava sendo desenvolvida no país. Porém a sua volta trouxe ao processo econômico a injunção de aspectos políticos diversos, criando sérios conflitos com as forças que apoiavam as relações com o capitalismo internacional.

Nesse mesmo ano, como conseqüência do desenvolvimento da indústria local, a Associação se preocupou em sediar a Delegacia do Centro da Indústria Fabril de Porto Alegre para atender aos interesses específicos da indústria e em 1954, foi instalado o Centro da Indústria Fabril de Caxias do Sul, separando o setor da indústria do setor do comércio e de uma certa forma, dividindo as lideranças locais que até então vinham se mantendo integradas sob a mesma entidade associativa.

O Centro da Indústria Fabril procurou soluções para os problemas de falta de energia elétrica, na área de comunicações especialmente, da telefonia, na questão tributária, na ampliação das linhas de crédito, na construção do distrito industrial e na criação de balcões de negociação ligados à exportação, remissão fiscal, infraestrutura empresarial, fomento e expansão, entre outros. Contudo, em 1973, diante da necessidade de fortalecimento da classe empresarial, as suas lideranças decidiram pela fusão da Associação Comercial com o Centro da Indústria Fabril. Seguindo o lema "unindo forças", a fusão se deu para dar continuidade à Entidade, revitalizando o seu poder como representante da classe dirigente. Estavam na presidência, respectivamente, Edemir Zatti e Paulo Bellini. Dessa união teve origem a Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, que tem como objetivo congregar as pessoas jurídicas que exercem atividades empresariais na região Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Em 1975, Caxias do Sul comemorou os 100 anos de imigração e colonização e já era a segunda cidade do Estado, colocando-se entre as dez que mais haviam crescido no país, caracterizando-se pelo fenômeno da urbanização(14). A Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul resolveu promover um seminário para eleger as prioridades e estabelecer uma hierarquia de soluções do município, demonstrando mais uma vez, na história econômica de Caxias, a preocupação com o seu crescimento.

A necessidade da construção do distrito industrial foi elencada em primeiro lugar no resultado deste seminário, demonstrando a urgência na solução de um problema que vinha afetando o crescimento industrial do município, pois as indústrias foram crescendo no meio do espaço urbano indiferenciado, sem zoneamento e sem planejamento, "situação que vinha preocupando as entidades de classe e as empresas(15)".

No início de 1978, o projeto emergente do Brasil-Potência, liderado pelo Presidente Ernesto Geisel começou a apresentar indícios de dificuldades econômicas e financeiras. Conseqüentemente, houve uma inquietação no país no plano político com o enfraquecimento do regime militar e, registrou-se, no meio empresarial caxiense, uma preocupação generalizada com os acontecimentos, que levou a entidade a refletir junto à classe empresarial sobre as linhas mestras do desenvolvimento nacional e os problemas conjunturais, como o modelo de desenvolvimento econômico, a participação política dos empresários, a intervenção estatal na economia, política energética e capital estrangeiro, entre outros.

Em 22 de fevereiro de 1979, a Câmara de Indústria e Comércio assinou com o Governo do Estado o Decreto n. 28.366, definindo a " Região da Grande Caxias" como área de abrangência do Complexo Metal-Mecânico. Esse decreto configura economicamente, a mudança do perfil econômico do município de Caxias do Sul, deixando de ser um pólo de economia tradicional para se transformar em um pólo de economia dinâmica.

Na década de oitenta, a economia do país havia sofrido uma série de transformações, inclusive com a mudança da moeda, exigindo dos empresários esforços redobrados para se adequarem à nova conjuntura. Junto com o Plano de Estabilização Econômica de 1986(16), aconteceram mudanças políticas que culminaram com as eleições para a presidência da República, depois de um longo período sob o regime militar.

Durante os anos oitenta, a preocupação da entidade esteve centrada no aperfeiçoamento de recursos humanos, no debate sobre a constituição de microempresas, na nova ordem econômica desencadeada pelo plano cruzado, no papel do administrador da empresa, na supervisão de manutenção industrial, na manutenção da normalidade dos créditos e dos financiamentos.

Nos anos noventa, a Câmara de Indústria e Comércio foi marcada por um espírito empreendedor no que diz respeito aos desafios apresentados pela sociedade brasileira. Participou ativamente do processo de crescimento sócio-econômico qualitativo e quantitativo de Caxias do Sul e da região. Com a missão de estar à frente das empresas "estimulando e fortalecendo todos os elos que compõem o processo associativo", a administração da Câmara de Indústria e Comércio foi caracterizada por um posicionamento empresarial moderno, sinalizando os rumos da Entidade. Este posicionamento foi marcado por diretrizes que evidenciaram uma filosofia de trabalho, calcada no desenvolvimento de uma estrutura organizacional, facilitadora de adequações e inovações nos aspectos de produtividade, qualidade e competitividade. Nessa gestão ocorreram mudanças no estatuto social que contemplaram, entre outras alterações, a inclusão de "serviços". Logo, a partir de 1992, a Entidade passou a ser chamada de Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.

A história da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços é uma história de lutas, conquistas e desafios. Seus protagonistas demonstraram desde o início, um constante espírito associativo e reivindicatório no processo de desenvolvimento econômico regional. Demonstraram também que se integrando a entidades representativas, encontraram a forma de romper as resistências contra a realização de seus projetos e obter o apoio sempre que necessário, as suas iniciativas. A história da Associação dos Comerciantes e posteriormente, a história da Câmara de Indústria e Comércio é a própria história do Município de Caxias do Sul.

Notas

1.TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico Um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo : Nobel, 1989, p.170.

2.A primeira instituição que se tem notícias no Brasil é a "Società Italiana di Beneficenza" no Rio de Janeiro, surgida em 1854 e no Rio Grande do Sul em 1871 em Bagé a " Società Italiana di Mutuo Soccorso e Beneficenza" e em Porto Alegre em 1877 a mesma instituição que em 1878 agregou o nome de Vittorio Emanuelle II.. Em Caxias do Sul, a Sociedade Príncipe di Napoli, foi criada em 11 de novembro de 1887. Essa instituição tinha como finalidade além de socorrer os seus associados em caso de doença, difundir o conhecimento da língua italiana e estreitar os vínculos de fraternidade entre os italianos. CONTU, Paolo. As sociedades Italianas. p.274. In: Centenário da Imigração Italiana- 1875- 1975, Porto Alegre: Editora Edel, 1975.

3. HEREDIA, Vania. Apontamentos para uma história econômica de Caxias do Sul: de Colônia a Municipio. Cadernos de pesquisa, Universidade de Caxias do Sul, 1993, p. 44.

4. Esta pesquisa foi feita nos arquivos da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul, através dos livros de atas da Associação dos Comerciantes e dos relatórios das diretorias da entidade ao longo de seus 99 anos e existência. Foi uma forma de contar a história da cidade através da história da entidade.

5. Livro de Atas n. 1 da Associação dos Comerciantes de Caxias. 1901. Acervo do Arquivo da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.

6. Ibid.

7. GARDELIN, Mário. Para uma história da CIC. Caxias do Sul, 1978, p.6.

8. FAUSTO, Boris. A Revolução de 30. São Paulo: Brasiliense, 1970. LOPES, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. SKIDMORE, Thomás. Brasil de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Saga, 1969.

9. GARDELIN, Op. Cit. p.63.

10. Livro de Atas ,Op.Cit.

11. Ibid.

12. Revista Parlamento. Edição histórico-cultural, política e empresarial de Caxias do Sul, s/d.p.12-17.

13. LOPES, Luiz Roberto, Op. Cit.p.102.

14. Revista Dirigente Municipal, nov/dez.1974, que publicou a relação dos 500 municípios mais desenvolvidos no Brasil. Livro de Atas do Conselho Executivo da CIC, jan-95 a jun-96. Caxias do Sul. Arquivo da CIC, 1996.

15. Relatório da Diretoria da CIC, de 75-79. Caxias do Sul, Arquivos da CIC, 1978.

16. O Governo Sarney lançou o Programa de Estabilização da Economia Brasileira, chamado Plano Cruzado, que tinha como objetivo principal controlar a inflação e reorientar a economia. In BRUM, Argemiro. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1998, p.404.

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