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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (30), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

ASPECTOS DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA

Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia
Universidade de Aveiro - Portugal


Aspectos da emigração portuguesa (Resumo)

A emigração de portugueses não é um fato recente, sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja evolução ficou mais forte ao término do século de XIX e durante o terceiro quarto do século de XX. Razões econômicas, entre outros de natureza social, religiosa e política, são as principais causas para o diaspora português nos cinco continentes.

Palavras-chave: emigração portuguesa/ emigração intra-européia/ emigração transoceânica/ reflexos da emigração e diáspora.


Aspects of emigration from Portugal (Abstract)

Portugueses emigration is not a recent fact but has always been present in the Portuguese society whose evolution has become stronger at the end of the XIXth century and during the third quarter of the XX century. Economic reasons, among others of social, religious and political nature, are the main cause for the large Portuguese diaspora in the five continents.

Key-words: Portuguese emigration, intra-european emigration, transoceanic emigration, reflexes of emigration, diaspora.


A análise da emigração portuguesa, registada durante as últimas décadas, testemunha as vicissitudes porque tem vindo a passar este fenómeno realçando uma vez mais na sua história a relação destas saídas, com o estado de desenvolvimento de Portugal e com a evolução do mercado de mão-de-obra internacional. Com efeito, se tivermos em consideração a evolução deste movimento, em particular no decurso do século XX, verificamos que este movimento sofreu alterações muito significativas em relação ao seu volume e destinos, à sua evolução e composição, às suas causas e reflexos sobre a sociedade de origem.

Evolução

A análise da emigração portuguesa, revela a existência de variações muito significativas desde o início do século XV, quando da descoberta das Ilhas Atlânticas dos Açores e da Madeira, seguida do povoamento destes territórios. Desde então, é de realçar a enorme saída da população portuguesa para África e para as Índias Orientais e Ocidentais, facto que passou a ser uma constante desde o início do século XVII após a descoberta das minas de ouro e de pedras preciosas no Brasil e o arranque da emigração para estas paragens. Uma estimativa destas saídas nos séculos seguintes realça:

- a saída de 8000 a 10000 portugueses com destino ao Brasil durante o século XVIII;
- a saída de cerca de 28000 emigrantes durante a última década do século XIX.

Em relação à evolução deste movimento durante a primeira metade do século XX assinalamos o seu incremento até 1914 e uma quebra acentuada no decurso dos anos seguintes em consequência das guerras e da crise económica dos anos trinta: 9,2 milhares de saídas anuais entre 1939 e 1945 e 26 milhares de saídas anuais entre 1946 e 1955.

Em relação aos períodos mais recentes destaca-se a saída, entre 1955 a 1974, de mais de 1,6 milhões de portugueses ou seja uma média de 82000 emigrantes /anuais. Isoladamente destacamos a saída de - 34113 emigrantes legais em média, entre 1950 e 1960 e de 68100 entre esta data e o início da década de setenta, contra menos de 8200 emigrantes entre 1940 e 1950. Já em relação a datas mais recentes é de salientar que entre 1974 e 1988, somente 230.000 emigrantes saíram oficialmente do país, reduzindo aquele valor para cerca de 15000 saídas anuais.

Note-se que as oportunidades de emprego então registadas em toda a Europa ocidental e a proximidade de Portugal a estes países, permitiu que a emigração se tenha espalhado a todo o território afectando especialmente as áreas rurais e menos desenvolvidas do continente português.

Destinos

A intensificação recente deste movimento foi acompanhado por uma preferência cada vez maior pelas saídas para a Europa, em particular para a França - 985 emigrantes em 1955; 3593 em 1960; 32641 em 1964 e 27234 em 1969 - em detrimento da corrente tradicional, com destino ao Brasil: 18486 emigrantes em 1955; 12451 emigrantes em 1960; 4929 emigrantes em 1964 e apenas 2537 emigrantes em 1969. Estes valores realçam a quebra do movimento transoceânico e a sua substituição pelo intra-europeu (Figura 1). Daí resultou uma segunda alteração que se verificou através do incremento das saídas clandestinas as quais vieram a superar nos anos de 1969, 1970 e 1971, as saídas legais então registadas.
 
 

Figura 1. Destinos da emigração portuguesa (emig. transoceânica e intra-europeia)

O incremento dos movimentos da população no continente europeu sobretudo no período posterior à segunda guerra mundial, constitui um dos sintomas do processo de desenvolvimento e de mudança social que experimentou o velho continente no período de reconstrução e de expansão económica que se seguiu àquele conflito armado. Evidencia, por outro lado, os desequilíbrios existentes entre as diferentes regiões europeias. Foi essa a opinião de G. Tapinos quando defendeu que esta situação decorre da desigual repartição "entre as necessidades e os recursos, a pressão demográfica e o desenvolvimento económico", sendo mais um sintoma da tradicional "divisão norte-sul" manifestada na dependência dos países da periferia, em particular dos países mediterrânicos, perante o poder económico dos países mais industrializados do ocidente europeu.

Recorde-se que não só as razões de natureza económica relacionadas com o nível de vida, as fracas oportunidades de emprego existentes nas regiões rurais e a incapacidade do tecido produtivo em absorver os contingentes de assalariados e de trabalhadores libertos das actividades agrícolas e de subsistência, contribuíram para acelerar este movimento. Também as razões de natureza política decorrentes do regime Salazarista e da guerra em África justificaram muitas dessas saídas. Refira-se ainda que o incremento da emigração para a Europa, registada entre nós no decurso dos anos sessenta e setenta veio a reduzir o tradicional movimento transoceânico e acompanhou a tendência global da emigração intra-europeia igualmente registada noutros países mediterrânicos.

Causas e características da emigração

Razões várias, dos tempos mais remotos à actualidade, justificam a ocorrência, entre nós, deste fenómeno. Discuti-las não cabe no âmbito desta notícia. Contudo, importa assinalar a exiguidade e a "míngua dos meios de subsistência", responsáveis pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. Igualmente importa assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram associadas a perseguições de natureza política, à falta de liberdade expressão, à guerra nas antigas colónias e às práticas sociais dominantes que levaram à fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.

Em relação aos traços dominantes deste fenómeno, o incremento da emigração para a Europa conhecida entre nós no decurso dos anos sessenta e setenta, embora tendo contribuído para enfraquecer o movimento transoceânico, acompanhou a tendência global da emigração intra-europeia registada igualmente noutros países europeus durante a segunda metade do século XX. Por isso verificamos o seu grande incremento e expansão em todas as regiões do território, facto que se verificou em simultâneo com outras modificações globais que afectaram a sociedade portuguesa.

Em relação à sua extensão no território, notamos que a importância destas saídas foi bastante acentuada nas regiões densamente povoadas do norte e do centro do país, assim como nas Ilhas Atlânticas dos Açores e da Madeira. Da mesma forma, este fenómeno afectou as regiões do Minho, de Trás-os-Montes e da Beira-Alta, de onde partiram os maiores contingentes de emigrantes não só em direcção ao Brasil mas também, já durante a segunda metade do século XX, para os países industrializados da Europa Ocidental: França, Alemanha; Luxemburgo e mais recentemente para a Suíça. Isso o comprova as cerca de um milhão de saídas oficiais registadas no período compreendido entre meados dos anos cinquenta e os finais dos anos oitenta do século XX oriundas dos distritos de Lisboa, do Porto, de Setúbal, de Braga, de Aveiro, de Viseu e de Leiria, para referir apenas as mais importantes.
 
 

Figura 2 Emigração portuguesa por distritos de origem (1955-1974)





A dimensão deste fenómeno nas suas vertentes: emigração legal e emigração clandestina e sua expressão em todos os estratos etários da população, sobretudo na população jovem e adulta, confirma a sua antiguidade e as raízes históricas deste movimento. Por isso alguns autores reconhecem tratar-se de uma "constante estrutural" da sociedade portuguesa associado à "míngua das condições de subsistência" relacionadas com as más condições de vida da população, com a estrutura fundiária e com as pressões demográficas decorrentes do declínio das antigas civilizações agrárias da Europa mediterrânica.

Estas, as principais razões da evolução deste fenómeno que conduziu ao "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas em diversos países de imigração. Estas condições facilitaram a repulsão demográfica e a exclusão social que favoreceram os movimentos migratórios com destino à França e à Alemanha, ao Luxemburgo, à Suíça e a outros destinos europeus, como anteriormente haviam promovido a emigração para o Brasil, o "Eldorado" português, para os EUA ou mesmo para outros destinos mais longínquos do continente americano.

Outrora constituída por mão de obra essencialmente masculina, a divulgação das saídas para a Europa e o consequente reagrupamento familiar que a partir da segunda metade da década de sessenta se começou a acentuar, está bem expressa não só na maior importância dos indivíduos do sexo feminino - 40% em 1966; 40,8% em 1967 e 53,5% em 1968 - mas ainda na estrutura etária das saídas legais. No seu conjunto, estas referem uma parcela significativa de indivíduos com idade inferior a 14 anos. Trata-se de uma emigração adulta, sobretudo masculina, pouco especializada e letrada. Contudo hoje em dia esta corrente é constituída por jovens e adultos com maior escolarização e formação profissional.

Do mesmo modo podemos assinalar a importância da emigração familiar quer na sua componente transoceânica como europeia, facto que abona a favor do seu carácter mais duradouro e permanente que se tem vindo a acentuar.

Reflexos da emigração

Diversas consequências podemos assinalar em relação à emigração portuguesa: entre elas, salientamos o processo de crescimento urbano e industrial, sobretudo na faixa centro e norte litoral do território e o aumento dos movimentos da população com destino aos principais centros urbanos agravando, desta forma, o processo de desertificação do interior que se tem vindo a acentuar no decurso das últimas décadas.

Para além destes aspectos, registamos o aumento do comércio, em particular com o exterior, o desenvolvimento do turismo e das actividades terciárias em particular na periferia dos grandes centros urbanos de Lisboa e do Porto. No seu conjunto estas transformações contribuíram para gerar novas oportunidades de emprego, para o aumento do P.N.B. do país e para uma melhoria significativa do nível de vida sua população. Contudo, não bastaram para estancar o fenómeno emigratório português que registou, durante o terceiro quartel do século XX uma das fases de maior expansão com destino quer à Europa quer mesmo ao continente americano.

Os portugueses no mundo

Seguindo ritmos distintos, registando a par da emigração legal a emigração clandestina e mostrando preferências diversificadas consoante a antiguidade e a tradição emigratória, as características sociais e as oportunidades de saída oferecidas a esta população deram origem à formação de diversas comunidades de portugueses residentes no estrangeiro que têm contribuído para o crescimento económico desses países e para o reforço das sociedades multi-culturais onde residem. E os valores referentes à população de origem nacional residente em países estrangeiros nos finais da década de noventa é esclarecedor da dimensão da "Diáspora Portuguesa" na actualidade: cerca de 4,6 milhões de cidadãos, de origem portuguesa residentes nos cinco continentes, a saber: Europa (1 336 700), África (540 391), América Norte (1 015 300), América Sul (1 617 837),
América Central (6 523), Ásia (29 271) e Oceânia (55 459).

Uma análise mais pormenorizada desta distribuição realça a distribuição desta população por 28 países na Europa; 39 países em África; 32 países na América; 22 países na Ásia e 2 países na Oceânia, de que se destacam os mais importantes: União Européia (1 201 163), Brasil (1 200 000), Angola (20 000), Moçambique (11 668), Guiné-Bissau (800), Cabo Verde (500),
e São Tomé e Príncipe (451).

Desta distribuição, ressaltam alguns aspectos relacionados com a antiguidade deste fenómeno; outros as suas características recentes. Assim, em relação à emigração "transoceânica", entre os destinos referidos o Brasil, continua a ser o país onde a presença portuguesa é mais relevante e onde os laços de consanguinidade com a sociedade portuguesa, oriunda quer do continente quer dos Açores e mesma da Madeira, é mais manifesta.

Já os EUA surgem como o destino privilegiado dos Açores e de muitos emigrantes do continente atraídos em épocas distintas, tal como aconteceu com o Canadá, pelas oportunidades de emprego aí existentes. Mas não podemos deixar de referir, ainda no continente americano, a Venezuela e a Argentina, as Antilhas Holandesas e as Bermudas, destinos muito procurados nos finais do século XIX. No seu conjunto tratam-se de destinos característicos da "emigração transoceânica" que se desenvolveu a par da intensificação da colonização do Brasil e da exploração das suas riquezas naturais e do alargamento de outros destinos relacionados com o desenvolvimento industrial e urbano do continente norte americano.

Relacionada com a colonização de alguns territórios africanos contamos, fora ainda do contexto europeu, com os testemunhos de uma emigração oriundo sobretudo da Madeira em terras da África do Sul, ou já com outras comunidades de cidadãos nacionais em Angola e em Moçambique, no Zimbabwe e noutros países africanos. A evolução dos regimes políticos africanos não permite no entanto o fortalecimento de comunidades numerosas noutros destinos pelo que o total de cidadãos nacionais neste continente parece estar a reduzir-se.

Igualmente significativa, é a presença em certos países asiáticos. Neste caso as maiores percentagens em Hong-Kong e na Índia, parecem significar a manutenção de antigos laços com os antigos territórios sob administração portuguesa, da Índia e de Macau. De realçar ainda a presença portuguesa nas antípodas da Europa, na Austrália, onde esse valor ultrapassava as cinco dezenas de milhar.

Como exemplo mais relevante da "emigração intra-europeia" destaca-se a emigração para França, onde o número de cidadãos portugueses aí residentes, inferior na actualidade a um milhão, representa o destino mais procurado na história contemporânea da emigração portuguesa. Por outro lado também a Alemanha tem hoje um significado mais reduzido nesta emigração, tal como o Reino Unido e o Luxemburgo ou outros países da União Europeia. Contudo o exemplo mais sugestivo deste fenómeno e das suas manifestações recentes é a emigração para a Suíça país onde o número de cidadãos de origem portuguesa ultrapassa uma centena e meia de milhar. Ainda relevante é a presença de portugueses na vizinha Espanha, fenómeno que embora conhecendo diversas oscilações ao longo da nossa história, tem as suas raízes mais remotas na época em que as duas coroas, a portuguesa e a castelhana, estiveram reunidas.

Tendo em conta a dimensão da população portuguesa residente no território nacional, cerca de dez milhões de habitantes, os valores acima referidos de quase cinco milhões, atestam a dimensão nacional deste fenómeno.
 

Bibliografia

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SERRÃO, J. A emigração portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 3ª. Edição, 1977.
 

Nota final

Os dados que anteriormente referimos, relacionados com a emigração portuguesa no seu conjunto e no contexto dos países europeus realça, a par da antiguidade do fenómeno emigratório, a sua dimensão e expressão recentes. Recorde-se que dada a sua posição, na periferia do continente europeu, Portugal foi afectado desde o movimento das Descobertas pela saídas de grande número dos seus habitantes que inicialmente contribuíram para a colonização de vastos territórios como foi o caso do Brasil e de certas praças nas Índias orientais.

Por razões que se prendem não só com a evolução económica dos países além-mar mas ainda com as necessidades de mão-de-obra sentidas na Europa, os novos destinos da emigração portuguesa, traçados desde os finais do século XIX, alteraram-se no decurso do século XX conduzindo à redução drástica da emigração transoceânica em detrimento da emigração intra-europeia. Para tanto terão contribuído a proximidade e as facilidades de transporte, os melhores salários e nível de vida que vieram a fomentar estas saídas em direcção aos países do ocidente europeu. E como foi notado, tendo em conta as características desta mão-de-obra, fracamente especializada, este movimento alastrou a todas as regiões do país contribuindo para engrossar os contingentes de emigrantes portugueses que se espalharam pelos mais diversos países da Europa e do resto do mundo.
 

© Copyright: Jorge Carvalho Arroteia, 2001
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