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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (6), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

HABITAT E MIGRAÇÕES

Cecília Cardoso Teixeira de Almeida
Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo



Habitat e migrações (Resumo)

Esse artigo propõe a discussão sobre a formação do Habitat no contexto das migrações que marcam o mundo contemporâneo. Para tanto, caracterizamos os elementos que constituem a vida cotidiana em seus elementos enquanto cenário desta formação, sendo o indivíduo o seu principal personagem.

Palavras-chave: Habitat / indivíduo / cotidiano / migrações.



Habitat and migration (Abstratc)

This article proposes to discuss the formation of Habitat on the context of migratory moviments wich mark the contemporany world. To achieve such goal we caracterized the elements of quotidian life here focused as background where such formation occurs and taking into account that individuals are its leading components.

Key-words: habitat / individual / quotidian / migration.


Os indivíduos se consideram ou se sentem habitantes do Universo em que vivem?

A partir das relações obrigatórias de trabalho, isto é, da necessidade de sobrevivência mediada por atividades não necessariamente ligadas às escolhas individuais, como se definem as territorialidades do cotidiano?

Se a força de trabalho migra, seguindo os caminhos da oferta de emprego e/ou oportunidades, como se dão os vínculos necessários e inerentes à formação de seu próprio Habitat?

Qual é o grau de percepção que os Sujeitos possuem em relação a estes movimentos pelos quais são responsáveis nesta construção?

Em síntese, considerando a Geografia como fruto do movimento sociedade-meio, e portanto, das formas de relações estabelecidas entre indivíduos em sociedade, é pertinente afirmar a existência do habitat, sem que seja considerado o papel específico destes indivíduos determinados por imperativos de uma ordem que lhes escapa?

Partindo de algumas indagações colocamos o objetivo deste ensaio: refletir sobre os indivíduos que se deslocam e apontar neste movimento de deslocamento, as condições de suas próprias sobrevivências, assim como, as possibilidades de continuidade das "formas de ser" desta ordem social na qual estão submersos. Desta forma, fixados em tempo histórico que não escolheram, que não organizaram, vão descrevendo o percurso para manutenção daquela sociedade, corroborando com a construção de uma geografia de características singulares. Apontamos para uma escala de fenômenos que impõe certos cuidados e limites. Não pretendemos estabelecer tipologias de indivíduos ou classificações de Lugares. Logramos trazer para o pensamento geográfico, a necessidade de considerar este patamar escalar dentro de tal ciência.

Num mundo marcado pelo contínuo movimento, onde os deslocamentos não são exceções e inversamente, sobrepõem-se às opções pessoais, ignorar este dado - a não fixação ou a fluidez das relações entre os sujeitos - comprometeria a leitura ou a apreensão do real e conseqüentemente, distanciaríamos dos problemas, das necessidades e dos questionamentos a serem levantados. Significa dizer que, para refletir e falar de realidades sem falseá-las, devemos percorrer os caminhos desta concretude. O discurso geográfico, deve então se manter vivo, em conexão direta com seu objeto, sistematizando, do ponto de vista formal, os instrumentos para descortinar esta complexa realidade. Até este ponto nenhuma novidade. Mas como a geografia considerou estes aspectos? Houveram indagações a este respeito?

Há muito vínhamos observando o caráter dos conteúdos das categorias utilizadas pela Geografia, em seu discurso e análises. De pronto, pareceu particularmente interessante o Habitat e isto por conta dos indicativos peculiares a que nos remete. Assim temos, Habitat – Habitante; Habitante – Indivíduo; Indivíduo - Indivisível Unidade; Unidade - Motor Social - Lugares. São expressões que sintetizam os paradoxos que movem o todo e a parte, a sociedade e o indivíduo, o público e o privado, as determinações e as escolhas, sempre tomadas no bojo da reprodução do modo de produção vigente.

Todavia, quando olhamos para a história de formação do discurso geográfico, e especificamente, sobre a concepção desta categoria (Habitat), percebemos a forte influência da Biologia, assim como da Ecologia, pautando e delimitando não só a forma de abordagem, mas também o tipo de questões que devem ou não estar presentes nas problematizações referentes. Em síntese, temos a reflexão da Geografia norteada por uma epistemologia baseada nos preceitos das Ciências Biológicas. As repercussões desta inspiração teórico-metodológica se fez perceber, por exemplo em autores como Maximilien Sorre, aluno e discípulo de Vidal De Lablache, do qual herda alguns de seus projetos. Vale ressaltar que não esmiuçaremos as obras destes e nem de nenhum autor em especial, mas sim pontuá-los como contribuições em nossa própria trajetória profissional.

No caso de Sorre, temos sua atenção voltada à construção dos Habitats, tomando as formações humanas como um grande grupo de indivíduos cujas capacidades são bastante diversas, o que pareceria justificar a também diversa realidade dos Lugares. Ou seja, em seus trabalhos a Sociedade surge, de maneira abstrata e genérica, pois não são enfrentadas as oscilações entre condições gerais e específicas das vidas dos sujeitos, remetendo-o a reflexão sobre os limites tênues, quase transparentes entre um e outro movimento. Estabelecendo hierarquias, a partir de critérios pré-estabelecidos (e nem sempre revelados), este autor elenca as características próprias a cada um, com o objetivo de traçar uma espécie de perfil descritivo e empiricamente observável, sem analisar a riqueza dos elos sociais que, permitindo a construção dos Lugares, impulsionam a produção.

Inserido neste movimento de idéias, ocupou-se já na maturidade, com um verdadeiro tratado sobre os "Fundamentos da Geografia Humana" (título desta obra), cujas partes encontram-se divididas entre aspectos biológicos, fundamentos técnicos e, especialmente para nós, o estudo do habitat, onde apresenta as conclusões finais de seu trabalho. Apenas observando estas subdivisões, vemos que a perspectiva traçada com este projeto, altera os laços que ligam a unidade individual e a social, segmentando a análise e quando não criando o que inexiste. Ainda neste trabalho, preocupa-se em delinear a tarefa do geógrafo, todavia sob a égide de uma visão de Homem enquanto ser biológico; este profissional deve investigar a organização da espécie humana, ou seja, aquela que reage e constrói o Meio, de maneira criativa é certo, mas antes de tudo enquanto organismos vivos. Apesar da imensa contribuição e notadamente, a sensibilidade de apontar a relevância desta categoria no estudo da Geografia, Sorre persiste em tais influências. Assim, a partir de suas indicações, recolocamos a reflexão procurando ultrapassar os limites impostos pela concepção bio-ecológica de seres humanos, no caráter restrito de seres vivos.

Hoje, se quisermos investigar os significados desta categoria, retomando-a em seu conteúdo ‘vivo’, teremos que decifrar quais são seus elementos constitutivos, isto é, apreender as especificidades e generecidades coaguladas no Modo de Vida do e no indivíduo. Significa dizer, buscar e entender que existe um patamar próprio ao habitat e ao Habitante, - àquilo que é particular a cada um, a pessoalidade nas ações cotidianas- , assim como um nível que corresponde à sociedade, as exigências próprias à manutenção de um certo tipo de reprodução social. Dentro desta articulação, as pessoalidades são aquí entendidas enquanto um flanco de escape onde as individualidades afloram e onde são absorvidas e reconhecidas pelos indivíduos, como tal. Neste caso, surge como atividade privilegiada, o ato do consumo, porque nele instauram-se tanto as possibilidades concretas de aquisição de mercadorias, serviços, informações, valores, regras de conduta, etc., como também os sentimentos de optar, de valorar e finalmente, de satisfazer ou não as presentes necessidades. Todavia, tal atividade se estabelece no dia à dia, colocando portanto, a espaço-temporalidade cotidiana como seu substrato, isto é, onde tais aquisições emergem e se realizam. Também vemos os ritmos e características diários, imprimindo a qualidade das forças físicas e intelectuais lançadas pelos Homens, ou seja, o grau de apreensão e de entendimento que têm sobre suas realidades, sobre a quantidade de solicitações que lhes são feitas, exigências heterogêneas, cujas respostas são normalmente superficiais e que aí se instalam.

Desta forma, revelar as características intrínsecas ao cotidiano, nada mais é do que trazer à tona o "locus " da re-produção dos indivíduos. Portanto, mesmo dentro dos limites deste texto, passemos a explanação dos aspectos pertinentes à cotidianidade (para o leitor que queira aprofundar-se sobre o assunto, é indispensável os trabalhos de Heller e de Lefebvre).

Na perspectiva de buscar o "vivido" como a essência da construção das geografia e dos Lugares, caracterizemos sinteticamente a vida cotidiana; nela se instauram os impasses relacionados à divisão e especialização do trabalho, a distribuição desigual de produtos, mas também, onde se dá a apropriação e o reconhecimento dos indivíduos, de seu "ser", isto é, suas próprias capacidades. O movimento da História, nasce no cotidiano, na repetibilidade; ao mesmo tempo as ações transformadoras ou subvertoras de uma dada formação social, tem aí, seu germe de construção. Ou seja: qualquer transformação terá de enfrentar os ritmos repetidos. Através destas observações iniciais, aproveitamos para revisitar a articulação metodológica advinda das ciências da "natureza", onde a reconstrução dos objetos pelo discurso, procura fugir do imprescindível, o valioso recurso da abstração. Ou seja, este campo do conhecimento, se deteve na verificabilidade e ao fazê-lo, passou ao largo de uma série de ordens de determinações. Para exemplificá-las sem, no entanto esgotá-las, temos: indivíduo, sociedade, natureza; necessidade, liberdade, vontade, possibilidade; organização social, seus códigos e legitimação; desenvolvimento técnico, coesão e objetivação do trabalho social. Estas expressões trazidas à luz cotidiana, permite analisar os limites de atuação, sejam relacionados ao indivíduo ou a sociedade; ao caráter objetivo ou de formação das subjetividades.

Portanto, tomando o cotidiano como ineliminável, torna-se capital averigüá-lo em seu alcance e âmbito, ritmos e regularidades, os conteúdos que lhe foram dados socialmente, ao longo do tempo. Dentro desta insuprimibilidade, a vida de cada pessoa compõem-se de uma gama de atividades que mobilizam sua concentração, em distintos graus, segundo respostas particulares a cada uma. Este caráter pode ser definido como "heterogenidade". Por sua vez, esta diversidade coloca a premência de certa escala de valores, que determine sua devidas importâncias, colocando a ordem de efetuação a ser seguida. Isto quer dizer, a concretização daquelas atividades, depende diretamente dos critérios postos em sociedade, que permitem eleger quais solicitações atenderemos em primeiro lugar, e de que maneira serão realizadas. Emerge um "hierarquia" de significados mas que são sempre dados historicamente, ou seja, não tem forma fixa ou imutável e que condiciona a manutenção e a permanência do heterogêneo.

Destas peculiaridades da vida diária, derivam-se ações reduzidas a simples manipulação mecânica de elementos , sem que estes indivíduos possam conceber as ligações entre os fenômenos e seus efeitos. Neste nível espaço-temporal, as respostas são timbradas pela ligação direta entre pensamento e ação, imprescindível à manutenção dos ritmos cotidianos e de seus Sujeitos. Temos a "imediaticidade" e a "superficialidade extensiva", pautando a avaliação individual, dentro das diferentes situações. Segue-se daí, a dispersão das qualidades pessoais em várias direções, já que encontramos requeridas todas as suas forças e não toda a sua força, em uma só tarefa, em uma só direção. Isto caracteriza a heterogenidade do dia à dia. Todavia, inversamente, quando temos uma atividade menos mecânica ou manipulativa, um empreendimento que suscite à consciência, a qualidade humana-genérica de sua existência, se dá a o processo de homogenização, igualmente necessário à reprodução do desenvolvimento da ordem social. Isto significa, que para atingir a generecidade e transpor a singularidade de cada pessoa, algumas das características do dia à dia tem que desaparecer temporariamente: é o que denominamos de "suspensão do cotidiano". Algumas atividades facilitam e promovem este evento como por exemplo, o trabalho criativo, a Ciência e a Arte. Isto se explica devido ao desenvolvimento da história humana, onde o movimento de socialidade fez do conteúdo destas atividades, uma de suas memórias, ganhando força e legitimidade, dado este fato.

Após esta caracterização, propomos a abrir discussão sobre os termos em questão, a saber: Cotidiano e Indivíduo, a construção do Habitat ou Habitat – expressão ou forma de ser dos indivíduos, em seus cotidianos.

Voltemo-nos agora para o habitante do dia a dia, em verdade àquele que conclui e que empresta a significação para seu Habitat. Quem são estes indivíduos? Bem, não há como escapar: São àqueles que tem sua vida definida pela posição que ocupam no círculo produtivo, isto é, em que tipo de atividade estão ou não inseridos, quanto recebem, onde moram, o que fazem fora a atividade que lhes promove sustento, mas também como reagem aos imperativos das leis e das formas de ser dos Lugares, como se colocam questões como o desemprego, as lutas raciais, os conflitos étnicos, os movimentos separatistas, quais as razões que dão para estarem ou não atentos a isto.etc.

Nesta perspectiva, temos a possibilidade de sorver o grau de surdez desta unidade chamada indivíduo. Surdez porque dentro do cotidiano e através do trabalho, o caráter genérico- a humanidade do indivíduo oblitera-se. Não há como mover-se pelas atividades e solicitações diárias e a elas responder, sem um distanciamento dos demais. Os elos que ligam as partes, ou se quisermos, as totalidades, são aquí rompidos não intencionalmente, mas devido aos limites e impedimentos que aí se dão. Em oposição à realidade em seus movimentos, este desligamento fora naturalizado pela ordem das coisas – alguns definem como alienação ou suspensão da e na realidade. O sentimento de habitar terá significados particulares a cada um, na mesma medida que existem infinitas possibilidades caleidoscópicas de que se constituem.

Temos um caminho, um perfil que nos permite visualizar estes sujeitos cotidianos, uma imagem extremamente útil para nossa reflexão.

Todavia, antes de prosseguirmos, devemos nos deter em especificar àquilo que consideramos na abordagem da categoria "trabalho". Entendemos como, toda e qualquer ação, atividade, movimento que os indivíduos se imbuem e que requer sempre um desgaste físico e mental, mesmo que em diferentes graus. Ou seja, abrangemos com isto, uma gama de atividades que não estão restritas ao mundo do trabalho, formalmente reconhecido.

Entretanto, nesses termos, fazemos uma distinção: o trabalho enquanto "labor" e como "criação". O primeiro, está diretamente ligado às necessidades de sobrevivência, a determinação de satisfazer necessidades pela comercialização da força de trabalho, única propriedade passível de constituir a mediação que implica a manutenção individual entre as pessoas de uma mesma formação social, instauradas sob a lógica da propriedade privada, e por conseguinte, da expropriação de uns para a apropriação de outros. Aqui, o trabalho que construiu historicamente a distinção entre os Homens e os demais seres ou mesmo entre eles, tornou-se condição de subsistência independentemente da qualidade, do tipo de tarefa a ser realizada, para quem se dirige e com que objetivo. De maneira geral, não há identidade com este empreendimento, tampouco com seus resultados. A meta final repousa sobre a aquisição do salário.

Em oposição, o segundo sentido, diz respeito às execuções que implicam criação, ou seja, que trazem em si mesmas, aberturas para as capacidades particulares e cujos resultados pretendidos são igualmente reconhecidos. A finalidade está na própria construção, e portanto, permitindo o processo de homogenização e suspensão cotidiana, já referido.

Neste ponto de nossa exposição, é de fundamental importância retomar nossos objetivos. Ao analisarmos os sujeitos, apontamos os limites de entendimento que se formam no dia à dia, em função das qualidades inerentes a este patamar. Entretanto, estas afirmações estão sendo feitas sem a preocupação metodológica de responder aos critérios de uma episteme positiva, orientada pela necessidade de comprovar ou verificar àquilo que fora colocado, através do recurso da observação. Não há como mensurar, os elementos de nossas análises, a não ser, valendo-se da abstração.

Quando analisamos o sujeito, devemos considerar não o que ele supostamente conhece de si, dos outros ou de sua realidade, nem tentarmos reconhecer o quanto está ou não ligado ao mundo em que vive e do qual vive. Se adotássemos tal postura cognitiva, incorreríamos no equívoco das generalizações ou mesmo das classificações, anteriormente ressaltado a partir da menção a M. Sorre. Estamos no campo da reflexão, e como tal, devemos avaliar o que nós (geógrafos) conhecemos e acumulamos sobre os debates que envolvem a formação dos indivíduos e, a partir disso, lançar bases para uma releitura do denominado "espaço vivido".

Feitas as devidas ressalvas e tomando esta direção, nos deparamos com diversas contribuições de distintos campos do conhecimento, - da Psicanálise à Arquitetura - que se ocupam em definir esta totalidade (o indivíduo), não como mero agente das forças produtivas (o que já é de grande riqueza), mas parafraseando A.Heller, enquanto "depositário" da história.

Neste momento, cabe atentar aos significados que assumem o termo Sujeito, ressaltado sob pelo menos dois ângulos não excludentes, porque convivem coexistindo na mesma persona: Sujeito- submetido a, e Sujeito- senhor de si, os contrários que convivem coniventes. Significa dizer, no mesmo movimento que reproduzo a ordem das coisas, carrego aspectos singulares, que permitem minha própria reprodução. Sou autônomo para fazer escolhas, tomar atitudes, mas sempre num âmbito restrito. Nasce a particularidade una do indivíduo, onde se fundem ambos os aspectos.

É deste ser que queremos tragar os sumos , sorver as seivas que caracterizam o nosso mundo, o nosso tempo, e nenhum outro.

Voltando a nossa categoria central- o Habitat, e a ação que a ela corresponde, o ato de Habitar, somos remetidos a idéia de permanência, de fixação em um Lugar onde possa sobreviver e usar as possibilidades, oferecimentos e oportunidades disponíveis. No mundo do trabalho e do consumo, não é difícil concluir que o melhor lugar é aquele que potencializa viver, superando a mera subsistência. Os indivíduos são mais que manutenção; ampliam suas possibilidades tornando-as heranças para os demais – o ser "em si" e "para os outros".

A idéia de fixação tem como linha mestra a apropriação e o pertencimento: sentimo-nos bem quando estamos à vontade, quando reconhecemos ou identificamos, enfim quando estamos seguros. No caso das migrações, como se dá a relação entre pertencimento, propriedade e fixação? E ainda, considerando os aspectos ligados às nacionalidades, isto é, a proteção das fronteiras, especialmente, do mercado de trabalho, será que estas novas territorialidades não se constituem nesta empreitada ou aventura? As migrações não estariam facilitando a ruptura com o dia à dia, assim promovendo a homogenização e o lançamento intenso de toda a capacidade individual a um só destino?

Os indivíduos são elementos que compõem a esfera produtiva, mesmo quando desempregados, porque consomem mercadorias e criam a possibilidade de reposição barata da força de trabalho. Obviamente não se limitam exclusivamente a este papel, mas dentro dos movimentos migratórios estes perdem sua particularidade. Do ponto de vista da construção geográfica, são fatores produtivos que passam e neste passar, caracterizam as geografias.

O Habitat tem como motor, este movimento. Meu Habitat é onde posso ir e vir, para onde vou e de onde volto. São os lugares por onde passo, que compõem a vida privada. É neste patamar que se experimenta o sentimento de estar livre das algemas cotidianas, da mera reprodução. Habitat e nacionalidade não se fundem. Não há a idéia de país ou de Estado nacional, permeando ou fundamentando a territorialidade produzida, nesta escala espaço-temporal; a percepção que temos sobre àqueles, é de constituírem uma instância superior, ora distantes do cotidiano, nos territórios que integram a vida privada, ora presentes, quando incidem sobre cada um, ordenando e gerindo a produção social, através de seus mecanismos administrativos.

Assim e finalizando, para pensarmos sobre a geografia construída atualmente pelas migrações, a análise das condições em que se instauram tais movimentos, se tornam prementes. Caracterizar os indivíduos como sujeitos deste processo, implica em avaliar as facetas de que são constiuídos, e o quê, em suas realidades, pode oferecer maior ou menor abertura aos seus respectivos desenvolvimentos. Lembramos que os objetivos postos pela esfera produtiva entram em contradição com as metas pessoais, colocando-as em cheque. Apesar de estarmos sob as regras de um mesmo Modo de Produção, nunca foi e nunca será possível afirmá-lo com as mesmas qualidades, com as mesmas características, em todos os lugares, por todo seu desenvolvimento. E isto apesar do objetivo em comum, da acumulação do grande capital.

De outro lado, temos a análise dos aspectos legais, as regras que coordenam tais iniciativas, entendidas como norteadoras deste processo, e mesmo, mediadora entre objetivos individuais e sociais, novamente a dicotomia entre interesses privados e públicos. Neste sentido, as legislações sobre as migrações seus direitos e deveres, assim como as punições para quem não as respeita, advém da intensidade dos fluxos presentes. Analisando-as detalhadamente, possivelmente encontraremos explicitadas as demandas internas às fronteiras de um país, sua seguridade em relação aos recursos disponíveis – capitais privados e/ou públicos, matéria primas, capitais financeiros, fontes de energia e obviamente a própria mão de obra. Entretanto, não devemos nos deter exclusivamente a estas normas específicas. Temos ainda, as questões ligadas ao estabelecimento destas pessoas, ou seja, o problema da habitação, e de suas manutenções. Novamente surge outro embate no seio das relações capitalistas: acesso a moradia e especulação imobiliária. Mesmo que aquelas manutenções sejam vividas e realizadas no âmbito individual, manter a reprodução social implica em construir bases (ampliar serviços de infra-estrutura por exemplo), dimensionando a realidade a partir desta fluidez que trazem as migrações.

Assim, não é difícil concluir a riqueza deste tema para a construção das geografias. Em verdade, a dificuldade está em delimitar o recorte que devemos fazer sem provocar a exclusão de aspectos relevantes. Isto porque em tais percursos, nenhum dos personagens que os transcrevem devem ser omitidos em pról de outros. Sua "interdeterminação", prescreve este caminho.
 

Bibliografia

HELLER, Á. Sociologia de la Vida Cotidiana, 2a ed. Barcelona: Ediciones Península, 1987, 418p.

LEFEBVRE, H. La Vida Cotidiana em el Mundo Moderno, 2a ed. Madrid: Alianza Editorial, 1980, 256p.

MARX, K. Manuscritos Económico-Filosóficos, 10 ed. Lisboa: Edições 70, 1989, 270p.
 

© Copyright: Cecilia Cardosos Teixeira de Almeida, 2001.
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