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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (1), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

A GEOGRAFIA URBANA NA DISSOLUÇÃO DAS IDENTIDADES ORIGINÁRIAS

Elvio Rodrigues Martins
Departamento de Geografia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


A Geografia na dissolução das identidades originárias (Resumo)

Posição que procura refletir o fundamento geográfico que representa a dissolução e metamorfoses de identidades tradicionais, dando origem a referências culturais de novo tipo. Procura-se destacar o movimento migratório que tem caracterizado a população centros urbanos, sua inserção numa geografia urbana de extrema dinamicidade. Questiona-se aqui o significado efetivo dos "guetos culturais" como espaços de resistência, bem como da possibilidade da existência efetiva de um fundamento urbano na constituição das individualidades contemporâneas. A alienação presente no espaço corporativo da geografia urbana das cidades, a redefinição dos laços de identidade e interatividade são alguns dos aspectos a serem abordados.

Palavras-chave: Geografia / migrações / cultura / cidade / identidade.


Geography in the dissolution of the originary identities (Abstract)

This article intend to make evident the diversity of nuances produced by the different types of migratory moviments, comprehending its sujective and objective repercutions for the individuals as well for the formation of places and its geography.

Key-words: Geography / migrations / culture / city / identity.


Mobilidade, movimento, de um lugar a outro lugar: deslocamento. Os lugares em relação, em ligação, em conexão: os fluxos. Movimentam-se capitais, em suas diferentes formas: dinheiro, tecnologias, bens de produção. Há também a comunicação, e de um lugar a outro movimentam-se informações, e com elas elementos diversos: universos culturais em movimento, de princípios éticos à manifestações artísticas. Mas há também deslocamento de pessoas: mobilidade de uma demografia, indivíduos e individualidades em movimento. A dinâmica móvel da Força de Trabalho. Enfim, os lugares e suas relações: eis a Geografia.

Neste pequeno ensaio estaremos enfocando uma destas facetas nesta geografia do mundo contemporâneo, a saber os fluxos migratórios de pessoas. O objetivo principal é observarmos algumas das conseqüências deste processo de escala verdadeiramente mundial, especialmente na definição daquilo que poderíamos designar como a cidades e sua geografia cultural-urbana. Há aqui fundamentos ontológicos a serem destacados, especialmente como esta geografia é elemento fundante de individualidades. Portanto, a atenção aqui é direcionada prioritariamente para aqueles nódulos espaciais de intensa urbanização, que, diga-se já, constituem os pólos de primeira grandeza na atração dos fluxos migratórios. Mas, para que se atingir este intento apresentam-se, antes destas ponderações finais, considerações sobre o processo evolutivo das migrações, verificando aí como sua dimensão geográfica em termos escalares repercute processos históricos específicos. Conjuntamente com isso, avalia-se alguns dos desdobramentos resultantes das ações dos fluxos migratórios nos seus diferentes estágios histórico-geográficos, para que com isso se possa refletir com maior propriedade o objetivo principal a que se propõe este ensaio.

Nesta dimensão geográfica básica que conhecemos, ou seja a divisão campo/cidade, pode-se dizer que o primeiro deslocamento efetivo que mostra uma geografia em metamorfose, é sem dúvida a migração campo-cidade. Não há dúvida que a emergência da manufatura, da fábrica e da indústria, traz consigo a hegemonia do industrial sobre o agrário, do avanço da geografia urbana sobre a geografia rural. A densidade espacial das cidades, nódulos essenciais da urbanidade, toma proporções nunca vistas, arrastando consigo novas dimensões na relação homem/meio. A progressiva industrialização das atividades agrárias, fazendo por redefinir o arranjo espacial da geografia rural, estabelece a dinâmica do fluxo migratório campo/cidade. No nódulo do espaço urbano, a cidade cresce em densidade absorvendo como demanda cada vez mais crescente a mão-de-obra e a força de trabalho necessária. Este é um processo, pode-se dizer clássico onde o mundo da manufatura torna-se hegemônico. E nesta densidade acarretada amplia-se a divisão social do trabalho, a interdependência das atividades, e portanto não só produção mas também circulação tem sua geografia dilatada.

Mas sabe-se que este movimento não é sem conflito. De um lugar a outro lugar, ou seja no campo e na cidade o processo é caracteristicamente dramático. Especialmente para os indivíduos e suas individualidades. Principalmente para classe trabalhadora. Os motivos da mobilidade espacial em si já possui seus traumas. Mas o fato possui repercussões ainda mais fundas, pois serão outra coisa em outro lugar: deixaram de ser camponeses para serem o nascente proletariado, mas todavia o farão conservando consigo uma subjetividade rural num mundo em velocidade urbana. A memória fica num lugar que não é o dela. É o lugar de uma outra subjetividade. Mais intensamente alienada, numa espacialidade intensamente mais descontinua e fragmentada. A distâncias são outras. Os ritmos são outros. A memória agora está longe, numa distância involuntária, numa geografia que ficou para traz. Saudades.

Na premência da sobrevivência, nos desafios impostos pelo estranhamento do novo lugar, os laços identidade vêem-se impulsionados a se redefinirem. A geografia agora é marcada por lógicas novas. Lugar de morada não é o mesmo que o lugar de trabalho. Neste mosaico denso das cidades, os lugares tendem a discriminação. A redefinição da identidade encontra seu lugar no bairro operário. Reduto dos mesmos em suas identidades de lugares longínquos. O contíguo agora e a identidade no outro que tem em comum o fato de seu lugar não ser ali. Ser aqui sendo de lá.

A Cidade mostra aspectos novos. Não só os lugares são diferentes na sua constituição. Também nestes lugares a relação homem/meio mostra singularidades. Os que não são dali agora também pertencem a cidade, e por isso farão parte dela. Farão o que a cidade será. Na cidade rapidamente se deixa de ser estrangeiro. Os ritmos são outros. A cidade assimila. Ao indivíduo cabe assimila-la, se não morre. Daqui veremos as primeiras manifestações fruto desta nova interação entre homem/meio. Um Homem impingido a ser urbano, situação estacionada no coração da alienação que ele produz em sua relação, mas também um Homem de subjetividade calcada na ruralidade. No bairro a solidariedade é outra, a ética é outra. Reporta-se muito ao lugar que ficou para traz. A cultura agora será síntese de dois lugares. Um do imaginário e outro do vivido. Dois espaços num só lugar. Eis o traço da primeira geografia cultural-urbana. A segunda é mostrar o lugar vivido. Aqui se toca um samba e se dança um tango. A primeira cultura de origem urbano-industrial é uma cultura popular. Ela passa a marcar e dizer o que é a cidade.

Nesta situação toda, a geografia do estado-nacional se forma, sua unidade territorial é constituída. A geografia regional e reconstituída. O nacionalismo quer se ver no lugar das nacionalidades. A polaridade dos nódulos urbanos é hierarquizada. E nisto as migrações assumem outra escala: passam ser de região para região. A distância aumenta. O estranhamento dos indivíduos e das culturas também. O outro lugar agora é mais distante. O mundo rural agora vem de regiões diversas e distantes. A cidade agora começa a viver a territorialidade fundada em regionalismos distintos. Misturam-se agora nos bairros operários geografias distintas e histórias distintas. Já há gerações presentes que ali existem a mais tempo, já são mais urbanos em relação aqueles que chegam. Mais singularidades a este universo particular. Agora nesta nova dinâmica migratória é possível que se veja além de regiões distintas também haja raças distintas. A assimilação não é simples. Traz consigo tradições distintas. O bairro operário passa por uma transformação. Absorve uma nova geografia. O bairro operário mostra uma inclinação, uma tendência, algo ainda em vias de se consolidar: a de dividir-se em guetos.

Nisto tudo o diverso tende a se transformar. O regional tende ao citadino, ruralidades de origens distintas tendem a urbanidade. O anterior, à ruralidade, não se faz por anular por completo. Na verdade faz por fazer existir o que será o urbano. Não morre, se recria no urbano. A geografia cultural-urbana ganha em complexidade. A cidade vai criando sua identidade. O Lugar e seus habitantes vão reconstruindo suas identidades específicas. Uma simbiose está em curso.

Mas isto tomará proporções ainda maiores quando a densidade da cidade tornar-se crítica. No processo histórico a geografia das cidades tornar-se-á tensa. Os ritmos que em sua síntese são o urbano, não mostraram harmonia mas sim hierarquia. A densidade é expressão que o espaço toma no ritmo industrial. E todos os recursos serão empregados para que ele se acelere. Nisto o número dos que chegam torna-se incompatível com a premência desta velocidade rítmica. A tecnologia toma o lugar do homem no campo e na cidade. E a este volta a necessidade de migrar. Agora o espaço contíguo não é mais possível. A saída é para o mar, no além-mar. As distâncias podem ser agora oceânicas, ou mesmo continentais. Do outro lado, outro lugar, outra cidade outro campo, outras culturas. Tão grande agora o estranhamento, quão grande é agora a distância. O drama ganha em proporções maiores. A origem agora será o velho mundo, no oriente e no ocidente. No destino o novo mundo. Sua história é recente. Sua geografia é nova e dinâmica. A saudades vem agora com a esperança.

Estamos diante da diáspora das culturas. A geografia agora tem escala planetária. De campo para cidade, vamos agora de país para pais, os mais exatamente a migração campo-campo, campo-cidade, cidade-cidade, cidade-campo onde a origem é um pais e o destino é um outro país. Aos recém chegados as dificuldades de adaptação são agora ainda maiores. De origem distintas, num primeiro momento podem estar juntos. Todavia, a identidade cultural faz muitas vezes que o convívio torne-se difícil, e das dificuldades enfrentadas a tendência é a solidariedade baseada na origem ou na raça. Aquilo que era antes uma inclinação torna-se algo efetivo: os guetos se constituem. Ali, no gueto, o mundo pregresso em seus valores ético-culturais são melhor exercidos e até mesmo uma certa paisagem originária é territorializada.

A cidade agora é um complexo espacial hierarquizado, onde sua ordem mostra as classes sociais distintas e os grupos culturais distintos. Mas ela é mais que isso. Ela mostra um perfil fragmentado em sua densidade urbana, isto no que diz respeito a existência dos indivíduos. Os guetos na sua predominância são lugares de morada e convívio. Mas não lugares de trabalho. A não ser em seu comercio local, aspecto este que mostra ativamente os elementos de identidade ética local. Todavia, marcante é para a maioria dos indivíduos a necessidade de ter que sair deste lugar apara ir trabalhar em outro. Lugar onde outras classes vivem, ou lugar onde convivem os da mesma classe sendo que sua origem cultural pouco importa, sua individualidade pouco interessa. Ou, importa na dimensão de maior ou menor facilidade de arranjar trabalho. Estes deslocamentos internos da cidade, pondo em relação lugares diferentes, também será fundamental para a caracterização do que a cidade será. Nesta mobilidade interna da cidade, funde-se o que nos bairros e guetos está separado. Trata-se do contato das classes, de grupos de diferentes naturezas culturais. As relações são determinantes para as partes em contato. A relação predica. Nesta dinâmica, nesta espacialidade densa, pois é intensa a trama de relações de diferentes tipos, a cidade passa a admitir sua principal caraterística: ser um espaço de simbioses, de mestiçagens, de hibridismos. Ou seja, tem início a dissolução das identidades culturais-locais originárias. Na fusão nasce o outro, o do lugar. O da cidade. O indivíduo urbano.

Talvez a resistência à simbioses exista. De fato existiram e existem. Em maior ou menor grau. Como é fato admitir com relação a mobilidade vertical das classes. Mas o que não existe é a impermeabilidade total. Isto em especial com relação aos fundamentos culturais originários. Mesmo no arranjo espacial dos guetos, onde estes tenderão a ser as reminiscências de uma geografia pregressa, de um universo espacial de identidades que agora estão se reconstituindo. Os que vieram também são daqui, mas não como eram lá, na sua origem. Pois mesmo entre estes, afora as relações múltiplas com outros, também entre eles se processa uma hierarquização. Também do gueto haverá a exclusão. E o gueto deixa de ser o que é, e a aos outros a necessidade de ser mais periféricos nesta espacialidade. Mas aí já não encontram um espaço de identidade como antes, onde vivem os mesmo de mesma origem. Agora o bairro operário é múltiplo, e o único elemento de identidade é o seu perfil de pertencer basicamente a mesma classe social.

Na expansão do espaço urbano, a Cidade no seu conjunto se redefine. O centro se esvazia, se especializa. Os bairros e suas classes se expandem, multiplicam-se, deterioram-se. O passado mostra-se no presente como reminiscência histórica, lugar por vezes de contemplação, do que existiu, do exótico. Na expansão do espaço urbano, a cidade encontra novos meios de relação. O urbano se espraia na perspectiva da relação entre lugares de distintas distâncias. Os lugares passam a estar em rede. Os nódulos de urbanidade estão em contato, em escala progessivamente mundial. A cidade agora é cidade mundial. E a relação entre os lugares são fluxos. A rede é um continente. Um continente descontínuo, de urbanidade desnivelada e intensamente hierarquizada. Os fluxos foram marinhos, depois foram também terrestres, depois também foram aéreos, mas agora são também virtuais. No horizonte das relações internacionais entre os lugares, os fluxos eram de mercadorias, depois de capitais, de bens de produção e agora também de informação. Nesta linha progressiva e cumulativa de fluxos, pessoas sempre migraram do campo para cidade, de um pais para outro ao sabor das novas geografias que se construíam, numa ação de desterritorialição e reterritorialização, num ato de romper com a identidade e reconstrui-la em outro lugar. E nesta linha evolutiva de fluxos, neste processo de pessoas em trânsito, o mundo se urbanizou, ou o urbano tornou-se hegemônico. Construiu-se um mundo de cidades urbanas, de indivíduos urbanos. E no ápice as distâncias se estreitaram, pois a ordenação espacial agora conta com uma hierarquia móvel entre as cidades em contato.

E as hierarquias mostram a existências regiões no continente. A dinâmica da relação campo-cidade, num campo cada vez mais urbano e menos rural, a cidade e seu hinterland mostra o passado diante das novas premências estabelecidas pela sua inserção no continente. A história não se apaga, a geografia também não, e as diversidades internas a cidade menos ainda. E o mesmo pode ser dito das diversidade entre as cidades. Ao contrário, mais do que nunca se aprofundam. O desequilíbrio existe é real, mas é combinado, ligado, conectado, em rede.

E este desequilíbrio põe mais uma vez os indivíduos em movimento. Mas agora um continente composto de cidades mundiais conectadas, e os fluxos migratórios serão de fora para dentro do continente e entre os nódulos desiguais do continente. Assim como teremos agora não só estrangeiros, também teremos clandestinos. As cidades são mundiais mas as fronteiras para a mobilidade das pessoas são cada vez mais rígidas. Um desequilíbrio sob controle precário.

E o que há de novo nestas migrações? As culturas continuam diversas. Mas agora são culturas de origem urbana. Os que chegam clandestinos ou não, são também de origem citadina. Talvez os que migrem para dentro do continente não o sejam assim tão fundados numa subjetividade urbana. Porém, muitas vezes são um híbrido dicotômico entre passado e presente, entre a mentalidade do colonizador e condição de colonizado, entre o mundo ocidental e sua alteridade. Algo que tenderá a se reconstituir no seu destino, na sua nova condição, em sua nova geografia. Assim as pluralidades muitas vezes já estão dadas na origem.

A geografia urbana das cidades está como nunca mais complexa. Os guetos se reconstituem. Novos surgem e não necessariamente nas periferias. Áreas deterioradas acolhem estes novos estrangeiros-clandestinos constituindo-se não mais só o gueto clássico, mas sim uma espacialidade marginal, ou mesmo paralela. Um submundo mundial numa geografia desintegrada.

E aquilo que anteriormente era uma tendência manifesta, nestas atuais circunstâncias, já e caraterística marcante das cidades: o seu multiculturalismo e seu estágio mais profundo, o hibridismo cultural. As origens culturais agora são memória, são folclore. O que agora viceja nas cidades é uma tradição metamorfoseada, fundida pelas contingências da geografia das cidades. Mesmo assim, os dramas não desaparecem. As intolerâncias ressurgem numa face curiosamente perversa. Pois, agora aqueles que outrora, em gerações anteriores eram estrangeiros, mostram-se intolerantes aos recém chegados. É o sentimento extravasado de uma adversidade mal identificada, fruto de uma geografia fragmentada na subjetividade destes homens urbanos. No coração da lógica que produz o espaço urbano encontra-se o motivo da exclusão, do medo e da insegurança da vida. A identidade com o lugar é difusa. É longínqua em suas tradições, muitas vezes reinventadas, mas sucumbida pelo nascionalismo que agora parece mais fundamental na constituição da integridade, mais verdadeiro na afirmação da identidade com o lugar. Portanto, o estrangeiro/clandestino é o elemento que mostra-se como desintegrador.

A par disto caminha a pluralidade de culturas presentes e convivendo. Em atrito ou não. E nisto sedimentando a possibilidade nascente de uma nova subjetividade urbana. Muito mais que multicultural a cidade será o lugar da ontologia híbrida. Processo que se acelera especialmente com as mídias e seus avanços tecnológicos. Mais que informação, a comunicação também é vetor de valores culturais. A absorção é feita por alguns de forma não hierarquizada. No híbrido não há coerência consciente entre os diferentes fundamentos culturais que o compõe. Um indivíduo e sua individualidade híbrida encontra seu lugar nas cidades mundiais. Este é o fundamento geográfico de sua ontologia. Polidiverso, muito mais que multi e trans ele é híbrido. Sua identidade é a cidade.

O que se viu até aqui foram fases. Todavia cabe ressaltar: o difícil é que os períodos que se marcou anteriormente, podem em determinadas geografias se confundirem e se entrelaçarem. E aí a complexidade aumenta. E o drama também. E isto não caberia em poucas linhas.

Em resumo o drama é o seguinte: a emergência do território do multiculturalismo; a redefinição ou mesmo ausência de sentimentos de identidade; o surgimento de uma territorialidade descontinua dos guetos; dissolução ou arrefecimento de velhos sentimentos locais redundando em intolerâncias; absorção inevitável do valor estrangeiro; o nascimento de uma ontologia híbrida convivendo com o que insiste em ser tradição local. A cidade como territorialidade do diverso, lugar onde muitas vezes a população em sua maioria não é de origem local.

Agora cabe, nestas linhas finais, pensar um pouco mais sobre esta ontologia híbrida. Por vezes esta é tomada como destituída de atitude sensível a valores culturais tradicionais, e por conta disto algo resultante da dissolução acarretada por valores estrangeiros impostos. Algo, por exemplo, vítima de uma poderosa industria cultural, que indiscutivelmente procura estabelecer padrões homogeneizados dentro do continente. Mas será necessariamente assim? Não terá a hibridez, o diverso no uno, uma singularidade mais ativa em reconhecer exatamente o diverso, o outro, a alteridade, pois considera que sua geografia é constituída destas mesmas características? Aqui, nestas linhas, acredita-se nisto. E identificada esta ontologia, tomada no plano político necessário, as intolerâncias de todos os tipos serão terminantemente rechaçadas. Este híbrido é tão local como mundial, pois sua identidade é a cidade e sua geografia urbana. Mas a escala desta geografia transcende ao local contíguo, pois a comunicação e suas mídias torna os lugares então distantes em algo coexistente. O híbrido, o mestiço em sua faceta crítica se indispõe contra as hogenizações, pois se alimenta e se determina da diferença. Aqui a identidade é itinerante e não fixa. Os apriori fundantes (sexo, raça, tribo, credo, nacionalidade, nacionalismos)são relativisados e reavaliados. A racionalidade torna-se diversa operando sistemas lógicos diversos, sem hierarquias, sem coerência. É o uno mais que soma de vários é síntese dos múltiplos. É o ser de estar na cidade. Algo que como nunca, em geografia nenhuma, encontrou tantas possibilidades de ser o que quer ser independente do lugar de onde veio. O mestiço, o híbrido não tem para sí que a resistência a homogeneização de uma cultura mundial passa por acender valores locais, pois o seu local é diverso, então sua contestação está em afirmar a mestiçagem, a hibridez. A identidade em questão é processual, aberta em perpétuo devir em constante vir-a-ser. O que desfaz tradições. Não é algo escolhido conscientemente. É algo determinado por uma geografia adensada, de ritmo intenso, de espacialidade móvel. E sito terá de ser considerado quando se estabelece a necessidade de uma atitude ativa diante das contradições presentes nas geografias do mundo contemporâneo.

Em que pese tudo isto que foi afirmado, resta indagar o papel dos guetos. São sem dúvida lugar de refúgio. Algo que em sua presença na geografia, dá conta da existência de relações homem/homem-meio pontuadas pela intolerância, preconceito e alienação. Mas se não for isto, será o que? Lugar de culto as tradições? Emilio Roger Ciurana afirma "o verdadeiro inimigo do indivíduo não é humanidade universal e sim os particularismos nacionais, biológicos, raciais, sexuais, classistas, estes são os que sufocam a liberdade e uniformizam os homens"(1). A cidade em sua geografia é feito do diverso inclusive daqueles que recusam esta diversidade.

Este foi mais um momento da discussão entre ontologia e geografia. Em questão estavam as migrações. No futuro tem mais...
 

Nota

1. CIURANA, Emilio Roger. Identidad, Relativismo Cultural e Individuo. Revista Complejidad, 2001, nº 06, p.04-15.
 

Bibliografia

BEAUJEU-GARNIER, J. Geografia da População, 2a ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980, 441 p.

GEORGE, P. População Povoamento, 10 ed. São Paulo: Difusão Editorial, 1974, 242 p.

MATTELARD, A. História de la Utopia Planetaria, 10 ed. Barcelona: Paidós, 2000, 446 p.
 

© Copyright: Elvio Rodrigues Martins, 2001
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