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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (83), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA CIDADE DE TOUROS –RN

Rita de Cássia da Conceição Gomes
Anieres Barbosa da Silva
Departamento de Geografia da UFRN

Márcia Silva de Oliveira
Mestranda em Geografia - UFRN


O presente trabalho objetiva analisar o processo migratório que vem acontecendo no município de Touros/RN, uma vez que este apresentou, na última década, um dos maiores índices de crescimento populacional do Estado, segundo o censo demográfico divulgado em janeiro de 2001 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Todos os municípios litorâneos do Rio Grande do Norte apresentaram crescimento populacional na década de 90, tendo o município de Touros, dentre todos eles, ocupado o 3º lugar, perdendo apenas para Parnamirim e Tibau. Porém, é importante ressaltar que, os dois municípios têm algumas especificidades que merecem ser mencionadas. O município de Parnamirim está localizado na região metropolitana de Natal, sendo, portanto, uma das áreas mais procuradas, devido ao menor custo de vida para aqueles que buscam Natal como alternativa de mercado de trabalho, justificando, assim, a sua condição de área de atração populacional. No caso de Tibau, trata-se de um município recém-criado, e que a sua população foi recenseada pela primeira vez.

No contexto municipal, chamou-nos a atenção o processo migratório que está se dando em direção à cidade de Touros. Em toda a sua história, Touros se caracterizou como um município eminentemente rural. No entanto, percebemos que nos últimos anos está havendo um crescimento bastante elevado da população urbana, mais havendo uma diminuição significativa. Convém mencionar que o município de Touros perdeu aproximadamente cinco mil habitantes em 1997, quando o povoado de São Miguel do Gostoso foi emancipado.

Dessa forma, os dados censitários apontam para o fato de que está havendo um crescimento urbano no município de Touros sem a ocorrência, na mesma proporção, do êxodo rural, sugerindo, portanto, a existência de um expressivo crescimento urbano, o que nos leva a inferir que está havendo um processo migratório em direção a Touros. (quadro 1).
 
 
 

Quadro 1
População do município de Touros/RN por situação de residência 1970/2000 
Ano População total População rural População urbana
    Valor Absoluto (%) Valor Absoluto (%)
1970 19.442 17.508 90,1 1.934 9,9
1980 19.731 16.871 85,5 2.860 14,5
1990 27.043 21.071 77,9 5.927 22,1
2000 28.597 21.035 73,6 7.562 26,4
Fonte: IBGE – Censos demográficos


Fazendo a leitura dos números acima, surgem alguns questionamentos, quais sejam: que fenômeno de caráter sócio-econômico está promovendo o crescimento urbano de Touros? Qual a origem da população que está se fixando em Touros; e por que tal fato está ocorrendo? Que resultados podem ser observados a partir do recente processo migratório para a cidade de Touros? Foram essas preocupações básicas que nos encaminharam para a realização da referida pesquisa. Tais preocupações tiveram sua origem a partir das primeiras investigações realizadas em conjunto com a orientanda Márcia Silva de Oliveira, que está elaborando sua dissertação de mestrado, buscando explicações para as recentes mudanças de caráter sócio-espacial que vem acontecendo em Touros, como decorrência do rápido processo de crescimento urbano naquela cidade.
 

Conhecendo a história e o território

Atualmente, Touros encontra-se inserida, em termos de microrregião do IBGE, no litoral Nordeste, e em termos de zona homogênea para o planejamento, no litoral Norte. Localiza-se a 05º11’56’’ de latitude sul e 35º27’39’’ de longitude oeste, sendo sua área equivalente a 821,6 km2, o que representa 1,54 por cento da superfície norte-rio-grandense. Assim, a cidade de Touros é bastante privilegiada, uma vez que, por localizar-se na chamada esquina do continente, torna-se o local da costa americana de maior proximidade com a Europa e a África.

Até os dias atuais, o município de Touros, especialmente a sua sede, guarda relíquias históricas e monumentos que remontam à época da colonização portuguesa. Dentre essas relíquias, a de maior destaque, diz respeito a três canhões, enviados por Portugal, para serem utilizados no combate aos holandeses. Hoje, esses canhões fazem parte do acervo cultural da cidade e, ao mesmo tempo, se constituem em mercadoria vendida àqueles que visitam a cidade de Touros, os turistas.

Historicamente percebemos o município de Touros como espaço de construção sócio-espacial, traduzido nos diferentes símbolos constituídos através das relações estabelecidas entre a população e o meio natural, e entre os próprios segmentos que a compõe. Acreditamos que tais relações podem ser lidas pela análise da paisagem tourense, pois, esta reflete, não apenas as contradições sociais, econômicas e políticas que permearam o ordenamento sócio-espacial do município, mas, principalmente, a maneira como a população local trabalhou imageticamente seus sonhos e decepções, seus desejos e fracassos, suas paixões e sofrimentos, suas alegrias e tristezas.

Assim, como afirma Holzer, citando as idéias de Buttimer, um precioso campo de pesquisa para a Geografia consiste em "construir o espaço como um mosaico de lugares que refletem a vontade, valores e memórias humanas"(1997:14). Tal afirmação, anuncia os princípios de investigação geográfica de que fazem uso os humanistas; estes, não apenas preocupados em entender racionalmente o espaço, mas, que, ao ultrapassarem os limites do entendimento cartesiano e mecanicista, voltam-se para a discussão acerca da emoção, da memória, da cultura e da paixão que permeia a criação de um imaginário social, lócus da compreensão de que o homem, ser histórico, político, social, é também ser humano emotivo e criativo, que se perde e se acha, se faz e desfaz, se individualiza e se coletiviza, através das relações que vivencia no exercício e no sentimento concebido a partir da percepção e da arte.

Quando o Farol do Calcanhar foi construído em Touros sua função principal consistia em auxiliar os navegantes do Atlântico a se orientarem quando se aproximavam da nossa costa. Formoso e altivo, constituiu-se a partir de então em símbolo da identidade de toda uma região. Hoje, esse símbolo tourense ganha novos significados, emoldurando uma paisagem em que suas novas funções traduzem-se em, não mais apenas orientar ou compor o território do pescador que ali se encontra, mas, principalmente, atrair ‘forasteiros’ que, embriagados por sua formosura e altivez, o compram enquanto mercadoria do lazer e do anti-stress. Tal fato, demonstra as mudanças sócio-espaciais que acontecem atualmente em Touros, e que se traduzem na construção de uma nova paisagem, diagnosticada através da germinação de diferentes formas e símbolos que ganham significado e que, portanto, podem transformar ou, até mesmo, criar uma outra identidade tourense.

Nesse contexto, entendemos Touros como um espaço de investigação geográfica, que passa constantemente por processos dialéticos de construção/destruição, onde fica clara a evidência de uma paisagem composta por um emaranhado contraditório de tempos diversos, acontecendo que passado, presente e futuro se mostram nos inúmeros significados contidos, simbolicamente, na paisagem percebida: na antiga carroça/no novíssimo bugre, na tradicional feira/na moderna boutique, na estrada de barro/na "super" atual BR 101, na casa do pescador/na pousada, no centenário canhão da praça principal/no atualíssimo circo instalado para as festas, na arquitetura secular das mais velhas ruas/nas funcionais casas de veraneio.

Sabemos que parte do litoral norte-rio-grandense encontra-se envolvido em uma grande polêmica acerca de um dogma histórico de relevância para o nosso país: o local exato onde nossas terras inspiraram as palavras: ‘Terra à Vista’. 500 anos de ocupação e produção do território brasileiro fizeram de Porto Seguro, na Bahia, a grande estrela, não do descobrimento, pois que enormes nações indígenas aqui já se encontravam, mas de nossa ‘festa’ de apresentação para o resto do mundo. Todavia, em terras potiguares historiadores afirmam, por vários motivos e evidências, ter sido o litoral de Touros, outrora mais extenso que agora, o primeiro local de conhecimento português sobre o Brasil.

Verdade ou não, talvez construída polêmica, apenas; a certeza é que tal fato demonstra a importância histórica e atual das terras tourenses. De terras comungadas pelos índios tapuias, navegantes que por ali passaram e migrantes sertanejos, que por ali se fixaram, bem como turistas e veranistas, que a redescobrem nos dias atuais, Touros reflete uma dinâmica de ocupação e ordenamento territorial marcada por momentos de exaltação e esquecimento, conflitos e contradições, que se traduzem na construção histórica de um variado quadro simbólico de identidade local.

Diversas fontes históricas relatam que, em 1501, uma esquadra, sob o comando de Gaspar de Lemos, desembarcou no litoral de Touros entre os atuais municípios de Pedra Grande e São Miguel de Touros, a fim de oficializar a posse portuguesa da área. Para isso, fixaram um marco feito em mármore, com a inscrição do ano em que estavam, e o desenho da Cruz dos Cavaleiros de Cristo, a Cruz de Malta. Esse foi apenas um reconhecimento da área, visto que Portugal não efetivou um real povoamento da região. O segundo desembarque lusitano só veio a ocorrer em 1638, quando, sob o comando de Luís Barbalho, diversas tropas aportaram na praia dos Marcos antes de seguir viagem mais para o sul. Relatos afirmam que, antes de seguir para Salvador, tais homens deixaram quatro canhões sob um imponente rochedo na praia. Tal rochedo marcou a história do município, já que os indígenas que ali se encontravam percebiam, naquela barreira pedregosa, a figura de um animal, batizando-a de Çuaçu-Uguaçu, ou seja, ‘Veado Grande’ em tupi-guarani. Já os navegantes europeus imaginavam a barreira como uma grande cabeça bovina, chamando-a de ‘Touro-Grande’.

Vários navegantes europeus, portugueses ou não, que se aventuravam por terras brasileiras, conheciam a localização da ‘Costa do Touro’, ‘dos Touros’ ou ‘de Touros’, no litoral norte-rio-grandense, sendo que o grande ‘Çuaçu-Uguaçu’ emprestava seu nome ao litoral que ia desde Maxaranguape, ao sul, até Ponta de Guamaré, a norte. Apenas no século XIX, a porção noroeste desta costa, a partir da Ponta do Calcanhar, ficou conhecida como a ‘Costa do Sertão’. ‘Uguaçu’, como uma simplificação de ‘Çuaçu-Uguaçu’, ‘Touro-Grande’, ‘Barreira do Touro’, passaram a denominar o rio, o porto, a enseada e área onde se fixou o primeiro sítio de povoamento. A partir de então, a população indígena foi dizimada ou expulsa da região, acontecendo que o etnocídio, praticado pela colonização portuguesa, fez desaparecer a simbologia indígena do lugar, ao mesmo tempo que, por existirem outras barreiras semelhantes na região, esta ficou definitivamente batizada com o nome de Touros.

Não percebemos, neste momento, elementos suficientemente atraentes aos portugueses para que implementassem uma maior dinâmica territorial à região, visto que, por sua localização geográfica e pela caracterização de seus aspectos físicos, a área não era propícia à produção da cana-de-açúcar, principal símbolo a modelar a ocupação do Nordeste pelo colonizador. Sua localização, no entanto, a fez interessante enquanto área estratégica no caminho rumo ao povoamento e exploração do sertão norte.

A partir dos séculos XVII e XVIII, alguns eventos marcaram o crescimento populacional do município. Primeiro, a expansão agrícola de Extremoz e Ceará-Mirim impulsionou um certo desenvolvimento em toda a região; segundo, a grande seca de 1792 a 1796 levou à área um enorme contingente de trabalhadores agrícolas e sertanejos que fugiam em busca do sonho da terra boa para a lavoura e para o gado; terceiro, a chegada à região da imagem do Bom Jesus do Navegantes, padroeiro do município até hoje, e cuja origem ainda é fonte de mistério. Inicia-se a construção da capela em 1778 e esta é concluída em 1800. Aliás, igreja e padroeiro marcariam, a partir de então, o imaginário tourense, transformando-se em palco da principal festa popular da região e consistindo em símbolo de proteção do lugar e, principalmente, do pescador em sua batalha pela sobrevivência no mar.

A freguesia do Bom Jesus dos Navegantes do Porto de Touros foi criada em 1832 e em 11 de abril de 1833, pela Resolução do Conselho do Governo, Touros foi elevado à categoria de município do Rio Grande do Norte, sendo assim desmembrado de Ceará-Mirim. Nessa época e até parte deste século, expandia-se às áreas dos municípios de João Câmara, Maxaranguape, Pureza e São Miguel de Touros, situação esta que se modificaria com o processo de emancipação de tais áreas.
 

A migração: um movimento secular

A busca de sobrevivência, de melhores condições de vida, de lazer, de cultura, tem sido uma ação constante na vida do homem. Além destes aspectos, outros foram significativos para implementar essa movimentação do homem. Esse processo de ir e vir constante, de duração variada, dependendo de contextos diversificados, tem sido bastante estudado por demógrafos, sociólogos, geógrafos. Enfim, por aqueles que procuram entender o homem e sua complexidade.

De uma forma bastante simplificada, os estudos de migração tem procurado estabelecer áreas de atração e áreas de repulsão. No entanto, as explicações para esse movimento têm sido diversas, sendo o aspecto econômico, considerado por grande parte dos estudiosos, um dos mais significativos e, portanto, aquele que se impõe.

Falar de migração interna no Brasil é resgatar, principalmente, a história do nordeste brasileiro, região em que as secas têm sido uma das principais marcas de sua história. Isto porque, o nordeste brasileiro tem se apresentado, de forma marcante, como uma área de emigração de população, sendo esta apontada como uma resultante do fenômeno das secas, que periodicamente acontecem na região.

É significativa a história dos migrantes nordestinos que, transportados em paus- de- arara (caminhão coberto com lona usado no transporte de retirantes do nordeste brasileiro), deixavam o Nordeste para buscar na região sudeste e nas fazendas do estado de Goiás a sua sobrevivência. Na história econômica da região, destacava-se, no litoral, apenas a cana de açúcar, e, no sertão, o gado, o algodão e a agricultura de subsistência até os anos 70, que se constituíram nos principais complexos de produção. Essas atividades, até bem pouco tempo, graças à baixa tecnologia empregada nas mesmas, dependiam basicamente, dos fenômenos naturais, especialmente, as chuvas, sendo a ausência dessas um dos motivos principais para a ocorrência das migrações. Somente nos anos 70, mais precisamente, é quando o estado brasileiro implementa algumas áreas industriais. No entanto, diante do atraso científico tecnológico, a que estava submetido a indústria, não se constituiu num mercado de trabalho significativo, pois a força de trabalho semi-analfabeta não dava conta de tal mercado. É importante salientar que, até 1970, 50 por cento da população do Rio Grande do Norte era analfabeta. Esse quadro, embora tenha sido um pouco modificado em termos percentuais, ainda é considerado elevado, uma vez que a taxa de analfabetismo está em torno de, no mínimo, 30 por cento. Por isso, o analfabetismo deve ser motivo de grande preocupação para a sociedade, isto porque, no atual contexto técnico-científico-informacional, ser analfabeto ou semi-analfabeto significa estar fora do mercado de trabalho formal e até mesmo informal. Ou seja, ao analfabeto resta-lhe a exclusão, vista como um dos maiores problemas da sociedade moderna.

Nos anos de 1980, uma nova atividade econômica entra em cena: o turismo. Essa nova atividade econômica vai proporcionar uma reestruturação produtiva em todo o contexto litorâneo, principalmente, porque é nesse espaço que a expansão da referida atividade vai se dar com maior ênfase, uma vez que, os pilares dessa atividade são: o sol, o mar e as belas paisagens naturais, constituídas por falésias, rios, dunas, lagoas dentre outras atrações naturais. No contexto desse novo modelo da atividade turística, as praias nordestinas têm sido uma das maiores atrações, tanto para brasileiros de outras regiões, quanto para turistas estrangeiros que procuram no litoral nordestino, o que as antigas áreas de turismo do Brasil, como é o caso de Copacabana, já não pode mais oferecer. Isto é, uma bela paisagem natural e muita tranqüilidade.

A expansão e o desenvolvimento da atividade econômica turística no Nordeste promoveu não apenas uma mudança na estrutura produtiva da região, mas também, implementou uma nova dinâmica no processo de produção sócioespacial, de modo que, atualmente, o turismo se constitui em uma das mais importantes atividades econômicas do Estado do Rio Grande do Norte, pois contribui para o rápido crescimento do setor de comércio e serviços, bem como, é uma atividade geradora de renda e de empregos diretos e indiretos. Segundo dados do governo estadual, o turismo se constitui na segunda maior fonte de emprego, perdendo apenas para o serviço público.

Como já mencionamos anteriormente, a partir da expansão dessa atividade, houve uma reestruturação produtiva, uma vez que foi implementada uma cadeia de atividades que dão suporte ao turismo, relacionado não apenas à produção propriamente dita, mas também à prestação de serviços. No Rio Grande do Norte, as intenções para o desenvolvimento do turismo datam dos anos 1960, mas, é somente na década de 1980, após a implantação da via costeira na cidade do Natal, que esta atividade ganha a sua maior expressão. Antes desse período, apenas alguns pontos do Estado recebiam atenção especial, tais como: Ponta Negra, Pirangi, Genipabu e Touros. Esta situada a uma distância mais expressiva da capital.

Graças às suas potencialidades, representadas por belas paisagens, praias belíssimas, sol e muita tranqüilidade, o Nordeste brasileiro se constituiu num roteiro turístico obrigatório. Nesse contexto, o Rio Grande do Norte com seu extenso litoral, não ficou de fora. Ao contrário, o Rio Grande do Norte é hoje um dos estados nordestinos, onde o turismo vem apresentando uma maior dinamicidade, atingindo não somente as praias localizadas na área litorânea de Natal, a capital do Estado, mas também àquelas mais distantes, como é o caso de Touros. Dessa forma, gradativamente, as praias foram descobertas para o turismo principalmente a partir da implementação de projetos estatais que criaram uma infra-estrutura capaz de atender às demandas efetuadas pelos turistas que chegam ao Rio Grande do Norte.

Historicamente, a cidade de Touros tem se apresentado como uma das áreas de bastante procura por parte dos veranistas, tendo em vista as suas belas praias. Podemos afirmar que até os anos 80, Touros, Ponta Negra, Genipabu e Redinha eram as praias de maior atrativo para aqueles que procuravam as áreas marítimas para repor suas energias durante os períodos de férias. Porém, é importante frisar, que esse era um movimento que se limitava às famílias de maior poder aquisitivo no Estado e que possuíam uma segunda residência – casa de veraneio.

O período de veraneio era apenas um período de refúgio. Passada a temporada de verão, a cidade de Touros retomava as suas origens, voltando a ser uma cidade pacata, sem grandes atrações, com uma pequena prestação de serviços, limitada à saúde e ao setor escolar, e um comércio que dava conta, tão somente, das demandas de primeiras necessidades.

Embora Touros seja uma das cidades que desde há muito tempo tem sido procurada para a realização do turismo de veraneio, a sua entrada na rota do turismo, de forma mais sistematizada e regular, vai acontecer a partir dos projetos Rota do Sol e, mais recentemente, do Costa das Dunas. Esses dois projetos são produtos integrantes da política do Estado Brasileiro implementada para o Nordeste, através do Prodetur, com o objetivo de desenvolver a atividade turística na região. O projeto Costa das Dunas é resultante de uma parceria entre o Banco do Nordeste, enquanto executor financeiro do BID, e os Governos Federal e Estadual, e se constitui num conjunto de ações convergentes de todos agentes para gerar um novo produto turístico capaz de consolidar essa atividade em todo litoral do Estado.

Touros, assim como todas as áreas turísticas, vende aos turistas imagens que fazem parte da sua história e do seu território. O farol do Calcanhar, considerado como o mais alto da América Latina e o segundo do mundo, possui 298 degraus e 64 metros, constituindo-se num imponente monumento que permite ao turista uma visão panorâmica do litoral. Também está localizado em Touros o primeiro e mais antigo monumento da colonização lusitana, o Marco de Touros. Além dos monumentos históricos, Touros é detentor de paisagens formadas por belas praias com uma morfologia onde se misturam as falésias, lagoas e tantas outras belezas naturais que dão ao município um estatuto de área de rara beleza, tão procurado por aqueles que vivem nas grandes cidades, marcadas pela violência, trânsito congestionado e tantos outros problemas que afligem o homem da cidade grande.

Foi este conjunto de belezas naturais, aliado a fatores de uma maior qualidade de perspectiva de investimentos financeiros e a possibilidade de uma maior qualidade de vida que, segundo o nosso entendimento, garantiu à cidade de Touros um dos maiores crescimentos populacionais do Estado, pois como mostram os dados do IBGE, o município de Touros teve um crescimento na ordem de mais de 7,66 por cento ao ano, perdendo apenas para os municípios de Tibau e Parnamirim. Estes municípios, como já foi mencionado anteriormente, apresentam especificidades que não podem deixar de serem consideradas. Assim, podemos dizer que Touros é, na realidade, o município que teve um crescimento significativo, pois, o mesmo não está atrelado a nenhum elemento específico e ainda devemos levar em consideração que em 1997, seu maior distrito se emancipou, sendo sua população diminuída em 5.853 habitantes.
 

Para entender a migração em Touros

Muitos foram os estudiosos que se preocuparam com a questão da migração, ou seja, com o processo quase que intensivo da mobilidade de população. No entanto, a maioria dos estudos tem enfocado o migrante como uma pessoa que busca melhores condições de vida. No momento atual, a mobilidade da população vem ganhando novas formas, fazendo-se necessária uma reflexão mais aprofundada sobre a questão, uma vez que, os estudos clássicos, em especial aqueles que trataram de estudar a migração nordestina, não dão mais conta do processo. As grandes cidades tornaram-se um espaço de migrantes, não apenas do campo em direção à cidade. É nas cidades que nos deparamos com migrantes que vêm de outras paragens urbanas ou que de lá saíram, não porque não tinha o que comer, mas que já não encontravam razões para viverem ali. Na entrada do novo milênio, parece que novos paradigmas passam a ser observados no que se refere à reprodução da própria sociedade.

Para entender o processo migratório de Touros és necessário analisar outros fatores que não sejam os de apenas de entrada e de saída de populações. Outras questões devem ser levadas em consideração, como os processos sociais, naturais e econômicos, para que possamos observar quais os fenômenos que ocorrem. Queremos dizer que os estudos populacionais, e de modo específico os estudos da migração, não devem excluir a população do contexto sócio-espacial que esta se encontra. Para Singer, (1987:31) "como qualquer outro fenômeno social de grande significado na vida das nações, as migrações internas são sempre historicamente condicionadas, sendo resultado de um processo global de mudança elas não devem ser separadas".

Nessa mesma linha de compreensão, devemos destacar Damiani (1991:40) quando assinala que "a migração não pode ser vista apenas na perspectiva do deslocamento humano, mas deve ser visto como irradiações geográficas de um dado sistema econômico e de uma estrutura social". Dessa forma, o processo migratório envolve interesses contraditórios que se expressam espacialmente no território, quer seja pela decadência de certas estruturas ou pela consolidação de outras.

Nas últimas três décadas, Touros vêm apresentando uma dinâmica urbana bastante significativa, que se expressa num crescimento bastante elevado da sua população urbana. Este fato resultou, não apenas em um crescimento urbano do ponto de vista espacial, mas principalmente num crescimento das atividades comerciais e de serviços.

É nesse sentido, que podemos perceber o resultado do processo migratório na cidade de Touros, que se caracteriza pela presença de migrantes que vêm para essa cidade implementar negócios voltados para a atividade turística, em especial o turismo de veraneio. Por outro lado, a sociedade local, que tem por base a atividade pesqueira, começa a perder espaço, não apenas enquanto atividade econômica importante, mas, principalmente no que se refere à força de trabalho. Isto porque, os empreendimentos que vêm sendo implementados em Touros/RN são de pequeno porte, não atendendo à grande demanda de emprego por parte da força de trabalho existente na cidade.Isto ficou claro para nós, diante dos resultados da pesquisa de campo realizada em fevereiro de 2001, que apontou os seguintes resultados: dos 36 estabelecimentos comerciais e de serviços pesquisados, 51 por cento possuem apenas um ou, no máximo dois empregados que, na sua maioria, não possuem carteira assinada. Por outro lado, 39 por cento dos estabelecimentos pesquisados contam somente com a força de trabalho familiar. Os 10 por cento restantes não contam com nenhum tipo de empregado, sendo o próprio dono que desenvolve todas as tarefas, desde a administração até os serviços de higienização e limpeza. Neste caso, trata-se de estabelecimentos comerciais bastante pequenos, que possuem uma demanda, também pequena, não sendo necessário o uso de força de trabalho extra.

Os estabelecimentos que detém força de trabalho de caráter mais formal são: postos de gasolina, farmácias e supermercados. No entanto, o número de empregados desses estabelecimentos não ultrapassa 10 funcionários. A Pescampelo Indústria e Comércio Ltda é o empreendimento com maior número de empregados. Cerca de 80 funcionários. Trata-se de um empreendimento que opera na área de industrialização e comercialização do pescado, sendo esta feita no contexto da região e, também internacional. Fato este que tem provocado uma certa crise na atividade dos pescadores da área, uma vez que a referida empresa ao comprar o pescado em grande quantidade contribui para uma queda no preço de pescado.

A expansão do turismo em Touros fez surgir uma variedade de serviços, tais como: hotéis, restaurantes, bares, dentre outros, que demandam um número significativo de força de trabalho. Além dos empregos "formais" podemos também fazer referências aos informais, como sejam: barraqueiros, vendedores de sorvete, vendedores de coco, etc. O setor público também vem sendo dinamizado, tendo sido criado alguns setores especificamente ligados ao turismo.

Não podemos deixar de concordar com aqueles que assinalam que o processo migratório é produto das desigualdades regionais e, dessa forma, as migrações somente poderão ser bem compreendidas se forem vistas como um processo social. Ou seja, a migração não é algo isolado. Assim, para entendermos a migração que vem acontecendo em Touros, faz-se mister entender o processo de reprodução social no seu conjunto.

Durante a realização das entrevistas, embora alguns dos entrevistados apontassem como causa da migração para Touros problemas de ordem familiar, violência – por parte dos que estavam vindo das grandes cidades em busca de um lugar tranqüilo, a maioria apontou a questões ligadas à reprodução da força de trabalho, quer seja a procura de emprego, quer seja para implementar negócios comerciais ou de serviços.

Segundo o coordenador de Turismo do município de Touros, em estudos realizados pela Prefeitura no ano de 2000, foi constatado que mais de 60 por cento dos estabelecimentos comerciais e de serviços instalados em Touros pertencem a pessoas vindas de outras áreas, principalmente de Natal, João Câmara e Ceará-Mirim. Tal afirmação foi possível ser constatada na nossa pesquisa de campo que nos deu os seguintes resultados (quadro 2).
 
 

Quadro 2
Procedência do migrante de Touros/RN
Local Porcentagem (%)
Natal
22,3
João Câmara
13,9
Ceará-Mirim
12,2
Macau
5,5
Pureza
5,5
Rio de Janeiro
5,5
Santa Cruz
5,5
Paraíba
5,5
Outros*
25,1
TOTAL
100,00
Fonte: Pesquisa de Campo
* Outros:  São José, Rondônia, Taipu, Nova Cruz, Paraná, São Paulo, Jandaíra, Barcelona e São Miguel do Gostoso.


Chama-nos a atenção a referência a Touros feita pela grande maioria dos entrevistados, como "um lugar bom de negociar". Na nossa compreensão, tal fato ocorre em virtude de uma nova dinâmica que o município vem apresentando, graças à expansão das atividades agrárias, em especial a agricultura irrigada, como também aos novos investimentos que os governos estadual e municipal vêm implantando no sentido da criação de uma infra-estrutura voltada para a atividade turística. Assim sendo, a cidade de Touros tem apresentado características fundamentais para essa expansão, o que favorece ao processo migratório.

Observando a tabela podemos destacar Natal, João Câmara e Ceará-Mirim como as principais cidades de origem dos migrantes. Contudo, questionando aqueles oriundos de Natal, foi comum apresentarem a busca de tranqüilidade e daí o porque da escolha de Touros. No caso de João Câmara, o turismo de veraneio praticado antes da implementação de atividades comerciais teria sido o ponto de partida para o processo migratório. Já especificamente Ceará-Mirim, chamou-nos a atenção a mobilidade diária que ocorre, o que pode ser explicada pela facilidade de acesso entre as duas cidades, sugerindo um outro tipo de migração. A pendular.

Embora não tenha sido objeto de uma investigação mais sistematizada, constatamos durante a pesquisa de campo a presença siguinificativa de migrantes ocupando cargos administrativos de serviço público municipal. Fato este, bastante questionado por alguns dos entrevistados.

Os estudos clássicos de população analisaram o movimento migratório na perspectiva da mobilidade do desempregado, do pobre. Nessa ótica, a região Nordeste sempre foi vista como uma área de repulsão, uma vez que a região padece, de tempos em tempos, de um grave fenômeno de cunho natural que é ausência das chuvas, caracterizando o que tem sido denominada de seca. "A descoberta do turismo" exige um redimensionamento dessa perspectiva, uma vez que toda a área litorânea passa a ser uma importante área de atração.

O desenvolvimento do turismo promoveu uma mudança na estrutura produtiva da região, exigindo uma força de trabalho mais qualificada, maiores investimentos de capitais, redimensionamento espacial e, por conseguinte, provocou mudanças sócio-espaciais bastante significativas. No caso de Touros, uma das marcas dessa reestruturação produtiva pode ser apontada como a chegada do migrante que passou a fazer parte desse processo, o que vem corroborar com o pensamento de Singer (1987:33), quando afirma que "as migrações internas não parecem ser mais que um mero mecanismo de redistribuição espacial da população que se adapta, em última análise, ao rearranjo espacial das atividades econômicas". No caso do Nordeste brasileiro podemos mencionar que a dinâmica capitalista, cada vez mais contraditória, promove a inserção de novas áreas no contexto de sua reprodução. Assim, essa dinâmica tem assinalado para o surgimento de uma reestruturação produtiva, a partir da emergência de novas atividades econômicas e, portanto, de uma nova dinâmica espacial.

Considerando os dados e informações citadas, podemos inferir que nessa nova dinâmica sócio-espacial, expressa em uma expansão do setor terciário, há uma pequena participação da população nativa de Touros nos setores de serviço e comércio. Além do mais, quase todos os empreendedores filhos da terra já haviam se ausentado de Touros e, ao retornarem abriram o seu próprio negócio. Dessa constatação, emergiu um questionamento: por que os filhos da terra, ou aqueles que nunca se ausentaram de Touros, não participam dessa nova dinâmica econômica do município?

Para muitos dos entrevistados, este fato está atrelado ao "comodismo da população de Touros" que não tem iniciativa para tal. Para nós, uma outra explicação é mais condizente. A base econômica da cidade de Touros é a pesca e, nessa atividade não há uma prática de acumulação. É tanto que os comerciantes de Touros são migrantes de retorno, ou seja, pessoas que saíram de Touros, foram trabalhar em outras atividades e ao voltar, após a aposentadoria, montaram seu próprio negócio.

No que se refere à presença de migrantes na administração pública, entendemos que esse é um dos reflexos do baixo nível escolar que, não somente, Touros, mas a grande maioria dos municípios do Rio Grande do Norte, apresenta.

Por fim, podemos afirmar que a expansão urbana de Touros se dá em função de uma nova dinâmica sócio-espacial que vem ocorrendo no município como um todo e, particularmente na cidade, em virtude do desenvolvimento de atividades de comércio e serviços. Neste contexto, vale salientar a importância da atividade turística que começa a despontar no município, que graças a forte intervenção do Estado permite a aceleração do capital numa região que, até bem pouco tempo, não passava de uma área de repulsão populacional para áreas ricas do país.
 

Bibliografia

CAIADO, Maria Célia Silva. O padrão de urbanização brasileiro e a segregação espacial da população na região de Campinas. O papel dos instrumentos de gestão urbanos. Anais do XI Encontro Nacional dos estudos populacionais da ABEP.

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© Copyright: Rita de Cássia da C. Gomes, Anieres B. da Silva e Márcia Silva de Oliveira , 2001
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