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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (88), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

A MIGRAÇÃO RURAL NO OESTE PARANAENSE / BRASIL: A TRAJETÓRIA DOS "BRASIGUAIOS"

Miriam H. Zaar
Doutoranda em Geografia Humana
Universidade de Barcelona


A migração rural no oeste paranaense/Brasil: a trajetória dos "brasiguaios" (Resumo)

No espaço brasileiro, os movimentos migratórios foram intensos durante a segunda metade do século XX. Identificar os fatores que infuíram neste processo torna-se importante. Neste contexto, este artigo apresenta-se como uma pequena contribuição no intuito de analisar alguns aspectos da migração rural, em especial o caso dos agricultores familiares do sul do Brasil, que após migrarem dentro do País por duas, três ou mais vezes, deram continuidade à sua reprodução enquanto trabalhadores agrícolas, na República do Paraguai. E, mais recentemente iniciaram um movimento de retorno ao Brasil.

Palavras chaves: migração rural / agricultura familiar / projetos estatais / brasiguaios


The migration rural in the west paranaense/Brazil: the trajectory of the "brasiguaios" (Abstract)

In the Brazilian space, the migratory moviments were intense during the second half of 20th century. Identify the factors that influenced this process is important. In this context, this paper is a small contribution with objective of to analyze some aspects of rural migration, in special the case of the farmer’s family of the south of Brazil. They migrated inside of country twice, three, or more times, and after continued their reproduction like farmers’s worker, in the Republic of Paraguay. Recently, start the return moviment to Brazil.

Key words: rural migration / farmer’s family / state project / brasiguaios


A migração da agricultura familiar brasileira, torna-se um exemplo de como se deram parte dos movimentos migratórios brasileiros, que de internos expandiram-se ao vizinho país da República do Paraguai(1).

Os projetos estatais desenvolvidos a partir da conjuntura política e econômica nacional e internacional, foram determinantes neste processo migratório que se efetivou em vários momentos. Dentre os mais significativos, encontram-se os momentos da colonização a partir da década de 1940, da modernização agrícola a partir da década de 1960 e da construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu na década de 1970, os quais serão analisadas neste artigo, levando em consideração os principais fatores que influíram na necessidade de migrar. Uma necessidade que mais recentemente tem resultado em um movimento de retorno ao país de origem, e que gera, neste último, reivindicações e protestos em prol da realização de uma reforma agrária.
 

As origens do processo migratório interno no Brasil

As políticas estatais, que visavam a substituição das importações e o aumento das exportações, foi um dos fatores determinantes no direcionamento dos movimentos migratórios internos do século XX. Dentro deste contexto, destacaram-se o processo de industrialização e o incentivo à ocupação de novas "fronteiras agrícolas".

O processo de industrialização, mobilizou durante décadas, milhões de trabalhadores que à procura de ofertas de trabalho passaram a reproduzir sua força de trabalho em outras áreas do território brasileiro. Como polos de atração populacional destacaram-se inicialmente as áreas industriais das metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, seguidas por outras áreas metropolitanas, também industriais, como Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre.

A partir da década de 1980, com uma tendência à descentralização industrial, desenvolveram-se entre outras, as áreas metropolitanas das cidades de Curitiba, Fortaleza e Belém. Dentro desta mesma tendência, há um destaque para o crescimento das cidades médias: é o caso de Juazeiro do Norte e Sobral no Estado do Ceará; Anápolis e Rio Verde no sul do Estado de Goiás; de cidades mineiras como Uberlândia, Uberaba e Juiz de Fora; de Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto, São José dos Campos e São José do Rio Preto no Estado de São Paulo; Campos no Estado do Rio de Janeiro; Londrina e Maringá no Estado do Paraná; Joinvile no Estado de Santa Catarina, Pelotas e Caxias do Sul no Estado do Rio Grande do Sul.

O incentivo à ocupação das novas "fronteiras agrícolas" iniciou a partir da década de 1940, mas se intensificou com as ações geopolíticas da "guerra fria" desenvolvidas ao término da Segunda Guerra Mundial. A ocupação de territórios considerados despovoados tornou-se vital, e o desenvolvimento de políticas estatais que visassem o povoamento das áreas situadas na porção ocidental do País ganharam impulso. A construção da nova capital do País, Brasília, na década de 1950, também parte desta política, objetivou além do povoamento do centro-oeste brasileiro, a transferência do poder central para o interior do território.

Para tornar possível a ocupação destas áreas, as estratégias estatais deveriam em primeiro lugar criar condições para que as mesmas se tornassem "áreas de atração". O início da construção de Brasília atraiu milhares de trabalhadores. Alguns qualificados, como foi o caso dos engenheiros e arquitetos, e outros desqualificados, a procura de qualquer atividade que os permitissem sobreviver. Juntamente com estes trabalhadores migraram empresas ligadas ao setor da construção civil, e profissionais que de uma forma ou de outra prestavam serviço aos que trabalhavam na construção da nova capital. Foi o início do povoamento do Estado de Goiás, para a partir deste ponto atingir outras áreas centro-ocidentais do território.

Para povoar estas áreas mais ocidentais o "fator atrativo" foram: os preços baixos e as terras férteis principalmente no caso do oeste do Estado de Santa Catarina, oeste do Estado do Paraná e sul do Estado do Mato Grosso do Sul, nos quais predominam a denominada "terra roxa" proveniente de derrames basálticos. O público alvo desta política de incentivo, foram os trabalhadores agrícolas que encontravam-se em propriedades agrícolas inferiores as necessárias à sua reprodução, ou que encontravam-se sem terras para cultivar.

Para a efetivação desta ocupação o Estado se associou a empresas colonizadoras oferecendo-lhes áreas destinadas à ocupação. Às empresas caberia dividí-las em lotes rurais, montar uma infra estrutura mínima necessária, e encontrar compradores que se dispusessem trocar a área onde viviam com sua família, parentes e amigos por uma área nova, ainda desconhecida, mas que poderia lhe oferecer algumas vantagens. Entre elas, para os despossídos de terra, a vantagem de possuí-la, e para os demais, a oportunidade de tornarem-se proprietários de áreas maiores.

Este processo se deu principalmente à medida que as fronteiras agrícolas, situadas na porção oriental do País, se esgotavam, sendo que dentre as principais rotas migratórias rurais-rurais durante o século XX, destacaram-se as que envolveram dois tipos de trabalhadores. Por um lado, trabalhadores agrícolas nordestinos que durante todo o século deslocaram-se a vários pontos da Região Nordeste e do País, a procura de trabalho muitas vezes sazonal, mas que permitia a sua precária subsistência. Por outro, trabalhadores agrícolas oriundos principalmente dos Estados do Rio Grande do Sul (RS) e de Santa Catarina (SC), mas também nordestinos, mineiros e paulistas que colonizam: a partir da década de 1940, a região oeste do Estado de Santa Catarina e do Estado do Paraná (PR); a partir das décadas de 1960 e 1970 os Estados de Mato Grosso do Sul (MS), Mato Grosso(MT) e Goiás(GO); e durante a década de 1980 a região amazônica, principalmente os Estados de Rondônia (RO), Acre (AC), Roraima (RO), e sul dos Estados de Amazonas (AM) e Pará (PA).

A modernização da agricultura teve um papel fundamental, ao "expulsar" do campo trabalhadores rurais que transformaram-se em mão de obra barata nas indústrias, e ao direcionar a ocupação de áreas favoráveis à mecanização agrícola. Como resultado destes processos, o movimento migratório intensificou-se, em poucas décadas a população rural urbanizou-se e a porção ocidental do País foi povoada.
 

A migração em direção ao oeste do Estado do Paraná

A colonização do extremo oeste do Estado do Paraná, ocorreu a partir da década de 1940, com dois objetivos centrais: 1) nacionalizar a área que durante o século XIX, e início do século XX esteve ocupada por empresas denominadas "obrages"(2); 2) priorizar a expansão das "fronteiras econômicas", em especial as "fronteiras agrícolas", do Estado Brasileiro, centrando esforços no sentido de ampliar o crescimento dos setores que pudessem contribuir para o aumento das exportações.

Para que estes objetivos se concretizassem, empresas colonizadoras que atuavam no Estado do Rio Grande do Sul, foram estimuladas pelo governo do Estado do Paraná, a adquirirem terras ditas " boas e baratas", e iniciar o processo de colonização da área. No caso da colonização do oeste paranaense, haviam além da justificativa oficial e aparente de nacionalizar a fronteira, outros objetivos, entre eles o de abrir caminho para a expansão do capital e para a colonização gaúcha, que segundo Wachowicz (1987) "poderia contrabalançar a influência econômica e política do Estado de São Paulo" em um momento em que um gaúcho - Getúlio Vargas - subia ao poder, ocupando o cargo de presidente da república. Este processo passou por várias fases e, entre elas as principais foram:

- a compra das terras pelas empresas colonizadoras;

- a demarcação e construção das primeiras vias de circulação, bastante rudimentares;

- a demarcação dos locais onde mais tarde seriam construídas as áreas urbanas;

- a divisão da área em lotes rurais, que em sua maioria possuíam entre 240.000 e 300.000 metros quadrados de terra;

- uma intensa propaganda em determinadas áreas do Estado do Rio Grande do Sul.

No momento da propaganda, se enfatizava principalmente, a fertilidade do solo, o baixo preço das terras, o clima subtropical semelhante ao clima do Estado de origem, a abundância de cursos d’ água, as terras situadas em relevo plano e cobertas por matas subtropicais.

O público alvo desta propaganda eram produtores agrícolas familiares, que em sua grande parte descendiam de imigrantes europeus - basicamente italianos e alemães -. Durante o século XIX seus ascendentes já haviam iniciado o processo de colonização na porção centro-leste do Estado do Rio Grande do Sul, e no início do século XX, através de uma nova migração colonizaram o noroeste do mesmo Estado.

Concomitante a este estímulo à ocupação de novas áreas, alguns aspectos começavam a dificultar a reprodução da agricultura familiar no Estado do Rio Grande do Sul. Entre eles destacavam-se a redução da fertilidade do solo em função da intensa exploração, e a partilha dos lotes coloniais por herança o que resultava em uma conseqüente redução substancial do tamanho das propriedades rurais.

Dentro deste contexto, iniciou-se durante a segunda metade da década de 1940, e mais intensamente durante as décadas de 1950 e 1960, o movimento migratório que resultou na ocupação do território do oeste paranaense. A migração era realizada em grupos, geralmente formados por familiares, amigos e vizinhos, também trabalhadores agrícolas, que adquiriam lotes numa mesma área. Este tipo de migração era estimulada pela empresa colonizadora, uma vez que as condições de infra estrutura eram bastante precárias. A ajuda entre as familias que migravam era imprescindível para a derrubada da mata subtropical, para a construção das casas e dos galpões, e também para o preparo da terra e cultivo de produtos agrícolas de subsistência.
 

A modernização agrícola e as novas formas de reprodução da agricultura familiar no oeste paranaense

Concomitante ao processo de colonização da área, o Estado Brasileiro desenvolveu, a partir da década de 1960, políticas que visavam o incremento das exportações brasileiras. A expansão dos cultivos de soja e trigo - o primeiro com ampla demanda no mercado mundial, e o segundo objetivando diminuir as importações - justificaram o desenvolvimento de estratégias que consolidou, a partir da década de 1970, o processo de modernização da agricultura brasileira(3).

Entre os fatores mais importantes para que o processo se consolidasse, estava o acesso ao crédito que apresentava-se disponível para todas as fases do processo produtivo agrícola, desde o preparo da terra à compra de insumos e implementos, até a comercialização, a industrialização e o armazenamento da produção.

A transferência de complexos industriais de capital multinacional, com o objetivo de atender a demanda de insumos, máquinas e implementos agrícolas; e a implantação de agroindústrias de esmagamento de soja para a produção de óleo e farelo, este último utilizado na fabricação de ração, foram condições imprescindíveis para que a modernização agrícola se efetivasse. Inseridas nesta estratégia, as cooperativas foram criadas e fortalecidas, para se tornarem agentes de comercialização da produção, entre produtores e órgãos governamentais e, direta ou indiretamente encarregavam-se da distribuição do produto à indústria de processamento. As instituições bancárias, ao atuarem como agentes financeiros deste processo, introduziram novas formas na relação comercial: a agricultura familiar que até este momento comercializava seus produtos, sem a interferência de terceiros, passou a fazê-lo por intermédio de financiamentos bancários, tornando-se ao mesmo tempo um vendedor de produtos agrícolas e um comprador de sementes, insumos, agrotóxicos e equipamentos agrícolas. Assim, novas formas de reprodução das relações de produção passam a fazer parte do cotidiano do trabalhador agrícola no oeste paranaense e, em grande parte do sul do Brasil.

Esta situação se manteve até o final da década de 1970, a partir da qual a demanda da soja no mercado mundial diminuiu considerávelmente, e, como conseqüência, a política agrícola estatal de estímulo ao plantio da soja passou a ser menos generosa para com os produtores agrícolas. Os juros bancários que até então, eram em grande parte subsidiados pelo Estado, elevaram-se, endividando os agricultores e, inclusive " forçando" alguns deles a vender parte e até toda a propriedade agrícola, para pagar dívidas. Este fato se tornava comum com a frustração de safras por problemas climáticos como seca ou geadas, e a necessidade de refinanciar as dívidas bancárias.

Após a venda das terras e o pagamento das dívidas bancárias, este agricultor, detentor de poucos recursos, tinha como meta principal encontrar outro local no qual pudesse continuar a sua reprodução enquanto trabalhador agrícola. A opção mais confortável, mas inviável devido aos preços, seria a aquisição de uma propriedade nas proximidades do local onde residiam até então. Que outras opções teriam se apresentado naquele momento, para esta parte da agricultura familiar que necessitava migrar novamente?
 

A formação da represa de Itaipu e a desestruturação do território e da vida cotidiana

Concomitante ao processo de modernização agrícola, um novo elemento passou a fazer parte da paisagem e da vida da população residente no extremo oeste do Estado do Paraná (4). Foi durante a década de 1970, a partir da execução dos I e II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que tinham como meta principal proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento do país. Através de um tratado assinado entre as Repúblicas do Brasil e do Paraguai, em 23 de abril de 1973, o qual previa o aproveitamento hidrelétrico dos recursos do Rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois países, foi criada a entidade Binacional Itaipu, a qual a partir desta data viabilizou a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu.

Segundo dados da Binacional Itaipu, a obra foi iniciada em 1975, e a formação do reservatório ocorreu em setembro de 1982, inundando 1.460 quilômetros quadrados de áreas marginais ao Rio Paraná. Destes, 835 quilômetros quadrados encontram-se em território brasileiro e 625 quilômetros quadrados em território paraguaio, limitando a área de desapropriação até a curva de nível de 225 metros acima do nível do mar.

Este foi mais um processo que ao beneficiar para uma parte da população, através do aumento da oferta de energia elétrica, prejudica a outra parte da população. Estamos nos referindo a propriedade agrícola familiar situada nas áreas ribeirinhas ao Rio Paraná, que naquele momento representou, segundo dados da Binacional Itaipu 42.000 brasileiros expropriados e indenizados, destes 38.000 residentes na área rural.

Diante do poder dos aparelhos estatais e da perspectiva inevitável da desapropriação, e, sentindo-se "despejados" de um espaço que fazia parte de sua territorialidade, os futuros desapropriados passaram a se organizar e receber apoio de vários segmentos da sociedade, entre eles, da Comissão Pastoral da Terra. Com a organização dos trabalhadores agrícolas, o movimento visava a mantenção de estratégias de luta, à fim de que fossem atendidas algumas reivindicações que tornassem a desapropriação mais justa.

Entre as reivindicações estavam: o aumento no valor das desapropriações, uma vez que à medida que as mesmas ocorriam, o aumento por procura de terras aumentava e os preços também; a desapropriação de toda a propriedade se a área remanescente não fosse suficiente para a reprodução do agricultor; e, a realização de uma reforma agrária no Estado do Paraná para que os agricultores indenizados tivessem a oportunidade de adquirir novas terras no próprio Estado(5).
 

Mas, para onde migrar?

Com algumas reivindicações atendidas e outras não, o processo de indenização desapropriava de suas terras, um número cada vez maior de agricultores que neste momento, tinham como objetivo imediato a adquisição de uma nova propriedade onde pudessem, juntamente com sua familia, continuar a sua reprodução enquanto trabalhadores agrícolas, assim como o fizeram seus antecedentes durante várias gerações.

Entre as opções, a partir das quais o movimento migratório se efetivou destacamos as três principais.Uma das opções está vinculada à aquisição de terras dentro do próprio Estado do Paraná. Isto ocorreu principalmente porque a Binacional Itaipu, juntamente com o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o ITC (Instituto de Terras e Cartografia) criaram a "Bolsa Agrária (6)" que objetivava, através dos escritórios regionais destes órgãos, elaborar uma relação de terras que estavam à venda no Estado. Este mecanismo fez com que uma parcela de dezenove por cento (7) dos indenizados migrassem em direção a outros municípios paranaenses.

A outra opção foi a migração em direção às regiões Centro-Oeste e Norte do País, como resultado de um processo, que ocorria concomitante aos processos que levaram à desapropriação das terras de um grande número de trabalhadores agrícolas: a política agrícola que retirava incentivos estatais ao cultivo da soja e dotrigo e a indenização compulsória pela Binacional de Itaipu. Para tanto, empresas vinculadas à política estatal que incentivava a "ocupação" de novas áreas na fronteira agrícola do País, passaram a oferecer terras aos agricultores que de uma forma ou de outra, haviam "perdido" suas propriedades. A compra destas terras, localizadas nas regiões Centro-Oeste e Norte, apresentava como uma das vantagens, preços menores do que os praticados na Região Sul. Como resultado, principalmente durante a década de 1980, levas de migrantes oriundos da Região Sul passaram a se reproduzir nas áreas mais setentrionais do País. Considerando apenas o processo de desapropriação efetivado pela Binacional Itaipu, vinte e quatro por cento dos agricultores desapropriados migraram para as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. Para muitos agricultores, na maioria das vezes com poucos recursos finaceiros, esta transformou-se na única forma de recomeçar.

Além destas opções, devido a política de incentivo a "ocupação" das novas fronteiras agrícolas, uma parte dos indenizados pela Binacional de Itaipu, cerca de vinte e cinco por cento, conseguiram adquirir novas terras no município em que residiam: quinze por cento em seu próprio distrito e dez por cento em outros distritos. Isto porque, agricultores que não haviam sido desapropriados, se sentiram atraídos pelos baixos preços das terras e pela possibilidade de adquirir áreas com maior extensão. Ao disponibilizarem suas terras, abriram perspectivas para que os desapropriados por Itaipu permanecessem na área.

Também como conseqüência deste processo, uma grande porcentagem destes migrantes, deixaram de trabalhar na área rural e passaram a exercer atividades na área urbana, principalmente no setor terciário. Considerando apenas os desapropriados por Itaipu, vinte e sete por cento dos mesmos dirigiram-se às áreas urbanas, o que nos leva a crer que os processos de expropriação analisados, contribuíram decisivamente para o êxodo rural e, para a expansão das área urbanas. A população urbana, que na maioria dos municípios localizados no extremo oeste paranaese, era menor que a população rural até 1980, passou a predominar a partir desta década.
 

Quem são os "brasiguaios" ?

Inseridos no processo que estamos analisando, uma parcela dos agricultores paranaenses emigraram em direção à República do Paraguai, os quais se somaram aos brasileiros que já estavam se reproduzindo no vizinho País, "empurrados" por um sistema que visava a modernização do Brasil a qualquer preço. Mas, por que se dirigiram à República do Paraguai?

As primeiras entradas significativas de brasileiros, em território paraguaio, ocorreram em 1954, e eram em sua maioria composta por grandes proprietários de terras. A partir da criação do programa "marcha al este" em 1961, com o objetivo oficial de ocupar a fronteira leste paraguaia com campesinos paraguaios, o processo se acelerou com a venda de imóveis rurais a latifundiários e empresas estrangeiras. Durante as décadas de 1960 e 1970, com o apoio do Instituto de Bienestar Rural (IBR), órgão latifundista paraguaio, algumas destas terras de propriedade de brasileiros foram transformadas em projetos de colonização privados, que ofereciam terras férteis e baratas aos agricultores que quisessem migrar para o leste paraguaio.

A decisão de incentivar ou de permitir a migração entre os Estados brasileiros e paraguaios teria ocorrido de forma unilateral ou bilateral? Quais teriam sido as estratégias do Estado Paraguaio ao permitir o povoamento de parte do território paraguaio com agricultures brasileiros? Estariam as políticas estatais paraguaias centradas apenas no aumento das exportações, a partir do incremento do cultivo da soja em uma área pouco povoada? Ou, mais do que isto, pretendia desenvolver políticas de boa vizinhança com o Brasil, para que este o favorecesse no momento de decidir sobre o parceiro ideal para a construção da que foi a maior hidrelétrica do mundo - a Binacional Itaipu? Ou ainda, concomitante a isto, estaria desenvolvendo políticas de branqueamento(8) de uma população predominantemente indígena?

O Estado Brasileiro, como entendia este movimento de emigração? Como um meio de diminuir as tensões internas existentes na área rural ou também com objetivos geopolíticos, isto porque, ao nosso ver: primeiro, o apoio entre os dois governos autoritários nunca foi tão forte como neste período e segundo este grupo de migrantes representa um exemplo de identidade cultural que ao superar os limites de um Estado consegue manter seu idioma e tradições frente a sociedade que o acolhe(9).

Após uma ampla divulgação, os pequenos proprietários agrícolas do Sul do Brasil começaram a se sentir atraídos pela idéia de migrar em direção ao Paraguai. Alguns, residentes nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina; outros, no oeste do Estado do Paraná, em sua maioria expropriados das terras em que se reproduziam, pelos processos já comentados.

Repetindo uma imigração já realizada por seus avós, a partir de políticas brasileiras que no século XIX e início do século XX incentivaram a imigração de italianos e alemães, possuidores de um pequeno capital, e com experiências em mudanças e adaptação à novas culturas, estes agricultores se dirigiram à República do Paraguai, principalmente durante as décadas de 1970 e 1980. Em sua maioria adquiriram terras, construíram suas casas e passaram a se dedicar principalmente ao cultivo da soja, o que fez com que a República do Paraguai também se tornasse produtor e exportador deste produto agrícola.

Em um primeiro momento, encontraram muitas dificuldades relacionadas com a falta de infra-estrutura, situação esta que já havia ocorrido no momento do início da colonização, no oeste paranaense. Porém, além destas, outras dificuldades passaram a fazer parte da vida cotidiana destes pequenos agricultores, que nas últimas três décadas tem contribuído para impulsionar a economia paraguaia. Mas que problemas são estes que vem sendo denunciados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelos sindicatos, por instituições religiosas e pela imprensa?

Um dos problemas está relacionado com a documentação destes brasileiros residentes no Paraguai, entre os quais tem sido freqüente, a exigência, por parte de algumas autoridades paraguaias de altos valores para realizar os trâmites legais, no momento de removar a autorização para residir naquele País. Além disto há denúncias de atitudes de violência e arbitrariedade para com os brasileiros quem não a possua. As denúncias também relatam que muitos pequenos proprietários rurais brasileiros, no momento em que adquiriram seus lotes rurais, receberam títulos de propriedade questionáveis quanto a sua validez. Devido a isto, para não serem detidos ou expulsos da área, foram obrigados a pagar várias vezes pela mesma propriedade. O outro problema está vinculado a saída do poder do general Alfredo Stroessner e o reinicio da democratização no País, momento em que as reivindicações sociais que até então encontravam-se reprimidas, começam aflorar.

Entre estas reivindicações, encontram-se a dos campesinos paraguaios (10), que acusam o governo autoritário destituído, de reprimir e eliminar , entre 1971 e 1975, as denominadas "ligas agrárias", as quais, tinham por objetivo organizar os segmentos campesinos neste país. Além disto, estes campesinos defendem a idéia de que este mesmo governo, utilizou-se de mecanismos para se apropriar de terras que lhes pertenciam para distribuí-las entre setores do próprio governo, empresas estrangeiras e projetos agropecuários, sendo que nestes últimos ocorreu o assentamento de milhares de pequenos agricultores brasileiros.

Com o objetivo de exercer pressão, estes trabalhadores rurais paraguaios organizam-se em grupos, intimidam e invadem as propriedades rurais de brasileiros. Segundo depoimentos, a intolerância dos campesinos paraguaios tem atingido principalmente os pequenos agricultores brasileiros do Estado de Alto Paraná. Os brasileiros, donos de grandes propriedades, ainda não se sentem importunados.

Este, nos parece ser um exemplo de conflito, que durante décadas se manteve sufocado pelo Estado autoritário e que nos últimos anos ressurge como um problema agrário, mas que pode também conter um sentimento xenófobo bastante forte. Um sentimento que talvez represente uma mescla de desprezo e medo por um grupo que não se integrou a sociedade guarani, ao contrário, manteve e impôs uma estrutura cultural distinta, e que por isto, representa uma ameaça a identidade guarani enquanto grupo étnico. Pelo que percebemos, este se trata de um problema semelhante ao que ocorre em outros países:

"la llegada de fuertes cifras de inmigrantes puede provocar muchas veces sentimientos de miedo y rechazo. Los llegados pueden generar desempleo, sobrepoblación, aumento de la marginación, conflictos culturales cuando son tan numerosos que amenazan la identidad cultural del grupo receptor."(11) De acordo com levantamento realizado da Pastoral do Migrante, a violência é maior em Porto Índio, a 120 quilômetros de Foz do Iguaçu, onde em poco mais de seis meses os campesinos paraguaios já haviam ocupado mais de 1.800 hectares de terra. No lugar haviam 62 propriedades de brasiguaios, sendo que metade das mesmas já foram tomadas pelos campesinos.

O Ministério de Relações Exteriores divulga, que viviam no final da década de 1990, na República do Paraguai, 459.000 brasileiros. Os dados de censos mais recentes, se referem a 98.000 brasileiros em situação legal e a imprensa vem trabalhando com uma cifra de 350.000 não regularizados. Estes brasileiros, legalizados ou não, representam oito décimas partes dos habitantes do Estado do Alto Paraná e seis por cento da população total do Paraguai, e são responsáveis por oitenta por cento da soja produzida naquele País.
 

Uma nova migração?

Após quinze, vinte ou mais anos trabalhando em território paraguaio, muitos destes brasileiros estão vivendo uma nova fase de expropriação de suas terras, agora principalmente devido a ação de trabalhadores agrícolas expropriados no Paraguai, e a falta de uma política estatal que assegure os seus direitos naquele País. Para milhares de brasiguaios, a única opção tem sido o retorno ao Brasil. Mas, retornar para onde? Em um país com mais de 8.500.000 quilômetros cuadrados, parece não haver terras para grande parte dos trabalhadores agrícolas brasileiros, sejam estes brasiguaios ou não!

Uma grande parte dos agricultores, cultiva em áreas reduzidas dificultando a sua reprodução enquanto trabalhador agrícola, o que obriga parte de sua família migrar para áreas urbanas ou então, para outras áreas rurais a procura de trabalho sazonal. A outra parte, são trabalhadores agrícolas que encontram-se totalmente despossuídos de terras. Com o desenvolvimento de projetos estatais nas últimas décadas, como os que visavam a modernização agrícola e a construção da Hidrelétrica de Itaipu, foram expropriados da terra em que trabalhavam. Estão entre os mesmos, arrendatários, parceiros, assalariados do campo que foram substituídos pela máquina ou individados pelos juros bancários.

Nas áreas urbanas igualmente não há trabalho para estes agricultores, que de qualificados no campo, passam a desqualificados nas cidades, e tem como destino certo as favelas das cidades de porte grande e médio. Mas, mesmo conhecedores desta situação, os brasiguaios se dispõem a iniciar um processo de retorno, porque acima de tudo se consideram brasileiros. Seus filhos nascidos na República do Paraguai, possuem duas certidões de nascimento: uma brasileira e outra paraguaia. Isto nos leva a crer que mesmo se vivendo no vizinho país, nunca deixaram de ser brasileiros, conservando além do idioma, hábitos e tradições que mantinham enquanto viviam no Brasil. Spradel assim se refere ao fato

"El contacto con la población paraguaya dependía de la localización de los inmuebles. Podría ser inexistente para aquellos que trabajaban en la frontera seca, o intenso, con la escolarización de los hijos brasileños en escuelas paraguayas. (...) Básicamente los contactos sociales entre brasileños y paraguayos ocurrían en el circuito policía-comercio-escuela. Existen pocos registros de casamientos entre brasileños/as y paraguayos/as, así como de establecimiento de relaciones de padrinazgo o vecindad."(12) Teriam grande parte dos agricultores brasileiros que migraram para o Paraguai em busca de novas terras para se reproduzir enquanto agricultores, transformaram este território em uma continuidade do território brasileiro? Nos parece que sim se levarmos em conta que quando estes agriocultores dispúnham de terras nas áreas fronteiriças continuavam mantendo contatos comerciais, bancários, de amizade, e frequentando escolas em território brasileiro. Aos que residiam no interior, com exceção da documentação exigida pelas autoridades locais, a necessidade de vender e comprar produtos, e de freqüentar escolas, as demais atividades não os identificava como paraguaios.

Quando entrevistamos algumas famílias que haviam retornado, encontramos entre os motivos deste retorno, a invasão das terras por campesinos paraguaios, os problemas de individamento e a preocupação em manter os filhos em escolas brasileiras.

Uma das famílias de agricultores brasileiros entrevistados, residentes na República do Paraguai desde 1984 é um exemplo desta preocupação. Dedicando-se a atividades comerciais, mantém no Brasil, uma parte da família composta pelos filhos que acompanhados de avós estudam em escolas brasileiras. Trata-se de uma forma de manter vivos, além do idioma, os usos, hábitos e as tradições brasileiras, que pode ser traduzido, também como uma perspectiva de retorno, considerando prováveis problemas de instabilidade econômica e/ou política no vizinho país.

É necessário que se diga que a situação que acabamos de descrever não faz parte de um fato generalizado e sim de exceções, pois a grande maioria dos trabalhadores agrícolas brasiguaios não dispõem de recursos que os permita manter seus filhos em escolas brasileiras. Diante da possibilidade, ou seria uma necessidade de retorno de muitos "brasiguaios", vários organismos não governamentais tem se mostrado solidários. Entre eles está o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)(13) - no Brasil, a Comissão Pastoral da Terra(14), a Pastoral do Imigrante em Foz do Iguaçu, sindicatos e partidos políticos de esquerda.

Na última década, o processo de re-imigração ou de retorno entre os brasiguaios tem sido freqüente, e realizado em etapas:

A primeira delas, compreende a venda de sua propriedade, quando ela ainda não se encontra invadida ou se encontra invadida parcialmente; e, se a mesma ja foi invadida torna-se primordial a venda da casa, dos móveis e utensílios domésticos, para que com o valor recebido - geralmente bem inferior ao preço de mercado-, a família supra suas necessidades básicas até o momento em que possa voltar a cultivar. Nestes casos, a família migrante leva consigo apenas a roupa, objetos pessoais e as ferramentas agrícolas.

Em um segundo momento realiza-se a viagem de retorno organizada pela Pastoral do Imigrante no Paraguai, a partir de contatos no Brasil, com representantes do MST e da Pastoral do Imigrante em Foz do Iguaçu. Primeiramente, os migrantes utilizam um ônibus paraguaio que os leva até a Ponte da Amizade(15), que é atravessada caminhando. Depois, com um ônibus brasileiro que os espera na cidade de Foz do Iguaçu, seguem até um dos acampamentos do MST localizados no oeste paranaense.

Devido as intimidações provocadas pelos campesinos paraguaios, muitas vezes a família se divide no momento do retorno. Parte da mesma, composta pela mãe e pelos filhos deixam o País rapidamente, enquanto o pai se encarrega da venda dos pertences.

Uma etapa seguinte ocorre com a chegada ao acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, momento em que inicia para este migrante, mais uma fase em sua vida. Neste acampamento, em companhia de centenas de outros agricultores, brasiguaios ou não, más que em todo Brasil são milhares, a bandeira de luta do MST cria novas perspectivas. Ao recebê-los nos assentamentos e integrá-los no movimento lhes dão a oportunidade de lutar por um direito que é seu e que lhe vem sendo expropriado através das décadas: o direito ao trabalho e, portanto a terra que é seu principal instrumento de trabalho.

Mas quem são realmente os "brasiguaios"?

Segundo Spradel (2000) o termo "brasiguaios" aparece com os primeiros grupos de brasileiros que retornaram ao Brasil de forma organizada a partir de 1982:

"Tal expresión, entretanto, no apareció en ningún documento o noticia anterior al 14 de junio de 1985, cuando - frente a la divulgación de un Plan Nacional de Reforma Agraria en Brasil - más de mil familias así autoidentificadas volvieron masivamente del Paraguay y armaron un inmenso campamento en la plaza principal de la ciudad fronteriza de Mundo Novo (Mato Grosso do Sul), reivindicando tierras." Ainda segundo a autora, uma das principais características da mobilização destes brasiguaios é a utilização de um discurso político que reafirma constantemente a nacionalidade brasileira, enquanto agricultores expulsos do Brasil, e reivindicava os direitos que esta cidadania deveria lhe oferecer.

Teria a identidade "brasiguaios" sido criada com o objetivo de organização, que lhes permitisse um maior poder de negociação? Pretendiam, com esta identidade se diferenciar dos demais milhões de brasileiros que se encontram sem terras? Se este era o objetivo, em parte foi alcançado, porque a partir de então todos os documentos produzidos pela Comissão Pastoral da Terra e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - assim os denominaram.

Mas, muitos agricultores brasileiros residentes na República do Paraguai, não aceitam serem identificados com "brasiguaios". Provavelmente se sentem diferentes dos demais, pelo fato de ainda não terem sido vítimas das invasões dos campesinos paraguaios, o que os possibilita continuar a trabalhar nas suas terras, ou também pelo fato de terem alcançado uma certa estabilidade econômica.

Nos acampamentos, ao mesmo tempo que a expressão "brasiguaios" é utilizada perante a sociedade para fortalecer o movimento e as reivindicações, internamente, muitos deles não se identificam desta forma. Ao contrário se identificam com as tradições regionais vividas pelos pais e avós. Assim filhos e netos de pais gaúchos se "sentem" gaúchos, filhos e netos de pais nordestinos se "sentem" nordestinos e jamais "brasiguaios", apesar de terem nascidos em território paraguaio.

Outro fato a ser analisado, diz respeito a forma como estes brasiguaios são aceitos pelos parentes, amigos e vizinhos. Os vizinhos, na maioria das vezes preferem manter distância dos acampamentos, evitando que eles e seus filhos mantenham contato com os mesmos. Para os parentes que continuam residindo na República do Paraguai, e trabalhando em terras próprias, a atitude de retornar e de se dirigir aos acampamentos também não é vista com bons olhos, entendem que sua atitude representa uma falta de iniciativa.

Esta, como tantas outras, trata-se de uma atitude proveniente de uma ideologia que difundida através de gerações, ao mesmo que enaltece o trabalho, meio através do qual tudo se obtém, despreza os indivíduos que se encontram despossuídos de bens materiais. Indivíduos que segundo os seguidores desta ideologia, são débeis, tem preguiça para lutar e portanto precisam do apoio de órgãos estatais para conseguir um pedaço de terra para plantar.

No Brasil, esta ideologia é defendida pelos segmentos da sociedade que se beneficiam da atual estrutura fundiária. Entre os mesmos estão os latifundiários que enfatizam o fato de terem adquirido terras após muito trabalho, e o Estado que procura justificar a inoperância dos órgãos destinados à realização de uma reforma agrária.

Diante do exposto, e considerando que este conflito entre trabalhadores agrícolas sem terras dos dois países teve origem a partir três situações principais: os interesses geopolíticos de dois governos autoritários, a implantação do processo de modernização agrícola e a construção da Hidrelétrica Binacional Itaipu, perguntamos: Os brasiguaios que estão retornando ao Brasil e que se encontram nos acampamentos mantidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, terão, juntamente com seus descendentes, a oportunidade de continuar a sua reprodução enquanto trabalhadores agrícolas, em terras próprias ou em assentamentos comunitários?

Quanto tempo ainda teremos que esperar para que o Brasil deixe de ser um dos países com maior concentração de terras? Para Martins (1977) a questão agrária brasileira tem duas caras. Primeiro, é a fonte básica dos grandes problemas sociais do Brasil. Problemas sociais que representam uma deterioração material e moral das condições de vida. Material, porque não oferece a oportunidade para que esta população se insera na única via que há para gestar e sustentar a cidadania, o mercado de trabalho; e moral, porque é através do mercado de trabalho que o indivíduo se "sente" cidadão. Em segundo, é a existência de uma contrapartida dessa miséria, a partir da qual é possível continuar produzindo excedentes populacionais quando o país não tem mais condições de absorvê-los, o que revela uma elite incompetente para administrar a riqueza que lhe chegou às mãos em decorrência do monopólio da terra e da exploração e miséria de muitos.

Com a realização de uma reforma agrária no Brasil, os brasileiros que se encontram no Paraguai, também retornarão ao Brasil? Se isto acontecer quais serão as conseqüências para os dois países? Acreditamos que os brasileiros que conseguirem uma certa estabilidade economica não o façam, pelo menos de imediato. Mas, como ainda se sentem brasileiros, poderão fazê-lo en qualquer momento ou através de seus descendentes?

O retorno massivo destes agricultores brasileiros "empurrados" pela pressão que os campesinos paraguaios exercem ao intimidá-los e invadir suas terras, que efeito terá sobre a economia paraguaia? Os campesinos paraguaios "assumirão" a produção de grãos que até este momento tem sido realizada pelos brasileiros que vivem no Paraguai? E, para concluir, estes trabalhadores agrícolas denominados de "brasiguaios" conseguirão sair do estado de marginalidade e se integrar novamente a sociedade? Perderão o estigma de serem "brasiguaios"?

Acreditamos serem estas algumas questões importantes a serem estudadas, levando-se em conta como se dão as estratégias que levam os indivíduos a perderem o território e o grupo social em que se reproduzem. Da mesma forma, considerando o local de destino, torna-se necessário dar continuidade à investigação com o objetivo de analisar como se apresentam as novas formas de reprodução e de adaptação destes trabalhadores agrícolas migrantes.
 
 

Notas

1. Neste artigo, a denominação "brasiguaios" refere-se principalmente a trabalhadores agrícolas brasileiros que se reproduzem na República do Paraguai.

2. Latifúndios de capital estrangeiro, que extraíam na área produtos como a erva-mate e a madeira com o objetivo de exportá-los através do Rio Paraná.

3. Sobre o processo de modernização da agricultura no oeste paranaense ver Miriam H. Zaar (1999).

4. Ver Miriam H. Zaar (1999).

5. Ver Guiomar Germani (1982).

6. A "Bolsa Agrária" foi resultado das pressões exercidas pelos desapropriados, para que se realizasse uma reforma agrária no Estado do Paraná.

7. Os dados deste capítulo que se referem às porcentagens de indivíduos que migraram a partir da desapropriação pela Binacional Itaipu, foram obtidos a partir de questionários quantificados.

8. Ver Horácio Capel (2001).

9. Ver Horácio Capel (2001).

10. Os campesinos paraguaios são trabalhadores rurais sem terra, que em sua maioria, descendem dos indígenas guaranis. Ao nosso ver seria interessante analisar esta problemática a partir de um ponto de vista destes campesinos paraguaios.

11. Ver Horacio Capel, 2001,p.13.

12. Ver Marcia Spradel, 2000, p. 302.

13. O MST teve origem no final da década de 1970, quando milhares de trabalhadores rurais desenvolviam uma intensa luta pela resistência na terra. Ocupações nos Estados do Rio Grande do Sul em 1979 e Santa Catarina em 1980; conflitos entre o Estado e agricultores no oeste do Paraná, com a construção da Hidrelétrica de Itaipu; lutas de posseiros nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul entre outros; culminaram com a criação do MST, em 1984, na cidade de Cascavel/Paraná. A partir deste momento o Movimento começou a articular-se nas demais regiões brasileiras. Entre as diversas formas de luta que mantém, com o objetivo de pressionar a realização de uma reforma agrária no País estão: acampamentos, ocupações, greves de fome, marchas e manifestações públicas. Para os agricultores já assentados, reivindica aumento de crédito, assistência técnica, escolas, assistência médica além de incentivá-los a organizarem-se em cooperativas de produção e comercialização de produtos agrícolas.

14. A Comissão Pastoral da Terra é uma entidade ligada a Igreja Católica que presta assistência aos trabalhadores agrícolas despossuídos de terra.

15. A Ponte da Amizade está localizada sobre o Rio Paraná, entre as cidades de Foz do Iguaçu no Brasil e Ciudad del Leste no Paraguai.
 

Bibliografia

CAPEL, Horacio. Inmigrantes extranjeros en España. El derecho a la movilidad y los conflictos de la adaptación: grandes expectativas y duras realidades.Escripta Nova. Revista Electrónica de Geografia y Ciencias Sociales, Universidade de Barcelona, n° 81, 1 de fevereiro de 2001( http://www.ub.es/geocrit/sn-81.htm).

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FURTADO, Bernardino. Na Fronteira da Miséria.Revista Época – Editora Globo, Brasil, edição número69, de 13-09-99, Editora Globo, Brasil.

GERMANI, Guiomar. Os Expropriados de Itaipu. O Conflito: Itaipu x Colonos. Cadernos do Propur. Porto Alegre: UFRGS, 1982.

ITAIPU BINACIONAL: Resumo do Projeto Itaipu. 1980.

MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis,RJ: Editora Vozes, 1981.

MARTINS, José de Souza. A questão brasileira e o papel do MST. In Pedro Stédile (org): A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis,RJ:Vozes,1997.

SPRANDEL, Marcia. Una Identidad de Frontera y sus Transformaciones. In: Colección Signo. Tradução: Laura Abramzón. Buenos Aires: Ediciones Ciccus, setembro de 2000, pp 299-320.

WACHOWICZ, Ruy Christovam. Obrageros, Mensus e Colonos. Curitiba: Ed. Vicentina, 1987, 2a. ed.

ZAAR, Miriam Hermi. A Produção do Espaço Agrário: da colonização, à modernização e formação do Lago de Itaipu. Cascavel/PR: Edunioeste, 1999,148p.
 

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