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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(128), 1 de agosto de 2003

EXCLUSÃO SOCIAL E CRESCIMENTO DAS CIDADES MÉDIAS BRASILEIRAS

Edemir de Carvalho
Universidade Estadual Paulista, Brasil 


Exclusão social e crescimento das cidades médias brasileiras (Resumo)

No Brasil, a globalização tem aprofundado as dimensões da desigualdade social, criando processos que podemos denominar de exclusão social. Esses processos estão acompanhados de uma urbanização, cuja importância na compreensão das transformações recentes, bem como, na elaboração de alternativas aos problemas contemporâneos, é decisiva. A recente urbanização brasileira tem evidenciado duas dimensões desses processos mais gerais: um processo global, impondo padrões de consumo e, um outro processo local, reproduzindo a desigualdade social, com novos conteúdos. A expansão das cidades médias tem revelado muito mais do que a simples expansão das desigualdades ou da exclusão social, evidencia uma descontinuidade na experiência social da vida cotidiana. Portanto, para analisar, desde o ato básico de morar ao mais amplo do conviver na cidade sugere a fundação de novos paradigmas.

Palavras chave: globalização, exclusão social, cidades médias, urbanização.

Social exclusion and growth of Brazilian medium sized cities (Abstract)

In Brazil, globalization has made the dimensions of social inequality more profound, creating processes, which we can denominate social exclusion. These processes are accompanied by urbanization, of which the importance in the understanding of the recent transformations, as well as, the elaboration of alternatives to contemporary problems, is decisive. The recent Brazilian urbanization has evidenced two dimensions of these more general processes: the global one, imposing standards of consumption and local one reproducing the social inequality, with new contents. The expansion of the average cities has disclosed much more of that the simple expansion of the inequalities or the social exclusion, evidences a discontinuity in the social experience of the daily, allied to those processes. Therefore, to analyze, since the basic act to live to amplest of coexisting in the city it demands the foundation of new paradigms.

Key words: globalization, social exclusion, medium sized cities, urbanization.

Exclusão social e globalização na América Latina

O escopo deste trabalho[*] é destacar e analisar dois aspectos importantes e articulados à exclusão social, tendo como cenário mais recente a expansão e consolidação do processo de urbanização caracterizado pelo crescimento das cidades médias.

O primeiro aspecto, diz respeito à globalização que, a partir dos anos 90, imprimiu novas questões ao habitar urbano, trazendo consigo uma gama de novidades às tradicionais questões sociais urbanas. O segundo aspecto destacado está relacionado aos problemas sociais decorrentes desses processos mais gerais que emprestam à exclusão social inéditas formas e conteúdos.

Quando articulamos a exclusão social, a globalização e o crescimento das cidades médias, avançamos na apreensão dos novos conteúdos da exclusão social, na medida em que rompemos as fronteiras conceituais metropolitanas, desde que não se limite às análises à mera questão da expansão quantitativa das cidades médias. Portanto, o tripé exclusão social, globalização e as cidades médias, podem fornecer excelentes estratégias para o entendimento das questões sociais urbanas.

O fenômeno da globalização trouxe importantes conseqüências para a América Latina, se considerarmos os novos conteúdos propostos para este processo. Na década de 1970, houve uma profunda transformação em escala mundial nas estruturas da sociedade moderna, traduzindo antigos processos históricos, em novos e complexos significados para as conjunturas contemporâneas. Este fenômeno tem provocado efeitos cada vez mais concentradores e excludentes no que se refere às riquezas e ao poder, cuja conseqüência é a ruptura com as tradicionais teorias de modernização ou desenvolvimentistas, como propõe Oliveira: "paralelamente, desencadeou-se uma revolução técnico-científica, baseada na informação e na automação dos processos produtivos. Os avanços das telecomunicações e da computação estão permitindo transferências, praticamente instantâneas, de vultuosos recursos especulativos de um centro financeiro a outro. A formação desse mercado financeiro global criou as condições para uma desterritorialização crescente do capital. Um capital que circula completamente desenvolto pelas economias nacionais, derrubando fronteiras e influenciando as políticas econômicas e nacionais." [1]

Podemos observar que a expansão da globalização ocorre nos decênios dos anos 90 de maneira bastante acelerada, devido o grande avanço tecnológico ao que se refere principalmente à área das comunicações, nas indústrias de transformação (reguladas pela automação). Hoje com o advento dos sistemas de transmissão de dados e informações através da internet é possível sabermos o que está ocorrendo de forma simultânea, qualquer tipo de atividade, seja de ordem econômica, política ou social, até mesmo os acontecimentos sem relevância do mundo, do planeta.

O globalismo, a despeito das características ou adaptações locais, diz respeito a uma realidade social, econômica, política e cultural articulada em âmbito propriamente planetário [2]. Essa realidade multifacetada e fragmentada também se impõe pela urbanização acelerada e concentrada em metrópoles e, em circunstâncias mais recentes, nas cidades médias. Este acontecimento, certamente, colocará a cidade média no centro das discussões sobre as principais questões que envolvem as sociedades latino-americanas.

Os efeitos da globalização tendem a homogeneizar os espaços nacionais, diferenciando-se em cada nação, região e, até mesmo pelas características locais, ou seja, as condições históricas e estruturais dos diferentes países e cidades - pesam na configuração das desigualdades sócio-espaciais, nos vínculos e relações de sociabilidade como as associativas, de segregação e/ou diferenciação.

Assiste-se na América do Sul, processos paradoxais: ao mesmo tempo em que incorporamos alta tecnologia, com a complexidade do setor eletrônico abrangendo desde a produção de bens de capital de elevada precisão à microeletrônica, eletrônica de consumo, informatização e automação de serviços, vemos, em contrapartida, a fragilização das suas economias, tornando ainda mais vulneráveis significativos segmentos sociais que acabam sendo empurrados para as periferias urbanas das grandes metrópoles e, mais recentemente, para as chamadas cidades médias.

Segundo Zicardi, o crescimento das grandes e médias cidades Latino-americanas é hoje bastante distinto daquele observado nos anos 60, "la dinámica poblacional en América Latina es muy diferente. A principio de los noventa se estimaba que la población urbana en América Latina era del orden del 70% del total, sin embargo, el ritmo del crecimiento urbano tiende a bajar en la última década ya que mientras, entre 1965 y 1980, la tasa de crecimiento urbano fue de 3,9, entre 1980 y 1990, fue del 3 % (Gilbert, Alan, 1993, pp 42-43). Esto es consecuencia de la caída de las tasas de fertilidad y la disminución del crecimiento natural. En el área existen tasas de fecundidad medias relativamente uniformes y es América Central la zona que registra el mayor descenso ya que en los noventa, pasó de 4,5 a 3,4."[3].

Í Catalã, desenvolve uma consideração muito próxima daquela de Ziccardi, "Estas rápidas cifras nos dan uma primera impreción de la magnitud de los câmbios que experimentan lãs ciudades latinoamericanas em el médio siglo comprendido entre 1960 y 2010. Un tiempo que, además, ve el abandono del modelo de desarrolloestadocéntrico y su substitución por un modelo nuevo aún dominado por la agenda neoliberal, todo ello en el contexto de un cambio de entorno caracterizado por la revolución tecnológica, la economia y la globalización"[4].

O pesadelo de técnicos governamentais, e urbanistas de modo geral, são as intensas desigualdades provocadas por um padrão de urbanização que estimula um crescimento urbano em total desajuste com a capacidade de absorção da mão-de-obra que aflui para as cidades.

Ricas cidades pobres, pois nelas, paradoxalmente, foi gerado o crescimento de muitos países, bem como a própria pobreza e miséria. "A vulnerabilidade social privilegia os grupos que na sociedade estão mais expostos para privações: as mulheres, as crianças, os anciãos, indígenas, que se identificam como grupos vulneráveis, exigindo atendimento prioritário." [5].

Nessas condições a exclusão social emerge como fenômeno amplo e diversificado, cuja definição passa pela constatação de que em 1995, 35% da população do Caribe e América Latina, viviam abaixo da linha da pobreza, impondo uma série de privações aos indivíduos, não permitindo que esses indivíduos possuam condições pra satisfazer suas necessidades materiais básicas.

Até o momento séc. XXI, o que assistimos cotidianamente é o aumento das desigualdades, segundo, renova disparidades e cria novas desigualdades, o que é devido à violência dos seus processos fundadores, todos praticamente indiferentes às realidades locais. A aplicação brutal de princípios gerais a situações tão diversas é criadora de desordem.

Sem dúvida, na América Latina, a principal questão continua sendo a imensa desigualdade social, em que este continente sempre esteve mergulhado, cujo sustentáculo reside na crônica pobreza. Nessa segunda metade do século passado, a pobreza transfere-se para a cidade, não pela migração da população do campo para a cidade, mas pelo empobrecimento provocado pelas constantes transferências de riqueza para grupos sociais mais ricos, principalmente, no Brasil.

Os pobres são excluídos do processo produtivo, não têm sequer conhecimento dos seus direitos e deveres, não possuem segurança e também não têm sua própria identidade e são indivíduos totalmente sem espaço no poder, fato que está extremamente ligado ao acesso às informações e aos financiamentos, à visibilidade e a força política. Existe em nossa sociedade uma barreira cultural que impede com que os pobres os quais são considerados sem cultura e ignorantes, escutem e possam enxergar e serem ouvidos.

As novas desigualdades não se reduzem apenas à questão econômica, mas ela se apresenta multidimensional, articulando à exclusão social, tendo como resultado, uma urbanização, cujo crescimento urbano, tem reproduzido nas cidades médias contradições de difícil solução.

Quando falamos de pobreza estamos falando de desigualdade e certamente nos referindo à questão da exclusão social. O termo exclusão social surgiu na década de 60, mas a partir da crise dos anos 80 passou a ser intensamente utilizado, integrando discursos oficiais para designar as novas feições da pobreza nos últimos anos.A expressão, por ser relativamente recente, está longe de ser unívoca e está sempre relacionada às concepções de cidadania e integração social. Normalmente é empregado para designar a forma de apropriação dos frutos da riqueza de uma sociedade e do desenvolvimento econômico ou o processo de distanciamento do âmbito dos direitos, em especial dos direitos humanos.

Globalização e exclusão social no Brasil

Hoje no Brasil falar da exclusão social tornou-se natural, para abordar uma série de temas e problemas. O conceito mais conhecido e utilizado na França, recoloca algumas das questões abordadas no tema de underclass, sem os pressupostos teóricos e as conseqüências deste último, de inspiração e uso estadunidense. Autores como Sassen (1998)¸ Castells (1995, 1997) e Harvey (1998), mais recentemente têm discutido a respeito das cidades globais ou duais, tendo a classe como referência principal na medida em que reflete sobre o que falta, por comparação com a classe operária, aos pobres que não têm emprego regular, vivem em guetos, fazem parte de famílias desagregadas, estão submetidos à dependência de drogas ilícitas e têm vizinhanças com altas taxas de criminalidade e de baixíssima qualidade de vida.

Os fenômenos, pelo visto, não estão isolados, compartilham das causas e conseqüências da mesma fonte geradora: uma cidadania, no mínimo, esquizofrênica, já que não consegue ser extensiva a todos cidadãos que, ora se mostra democrática, ora discriminadora.

Tomar a exclusão social como eixo articulador das diversas questões decorrentes das desigualdades sociais é reconhecer a íntima imbricação das precárias condições de vida de amplos segmentos sociais.Já não é mais possível compreender ou tentar discutir isoladamente qualquer problema social, principalmente quando o que está em questão são os limites da sociedade contemporânea, especialmente quando observamos os complexos processos sociais na sociedade brasileira.

Por conseguinte, podemos adotar o conceito de qualidade de vida que mais se aproxima da discussão, acima elaborada, ou seja, aquele já indicado em outro texto, como "... a qualidade e a democratização dos acessos às condições de preservação do homem, da natureza e do meio ambiente..." [6]. Assim, o desenvolvimento humano para que possa ser "...a possibilidade de todos os cidadãos de uma sociedade, melhor desenvolverem seus potenciais com menor grau possível de privação e sofrimento e da possibilidade da sociedade usufruir coletivamente do mais alto grau da capacidade humana."[7].

Isto só pode ser alcançado por qualquer sociedade, se tomarmos em consideração a idéia de eqüidade, a partir do que nos sugere Sposati: "o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem restringir o acesso a eles, nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem[8].

O conceito guarda proximidades teóricas importantes com as teorias desenvolvidas na América Latina a respeito do mercado informal e da marginalidade, vinculando, sobretudo, o econômico ao social. Uma das conseqüências dessas contradições sociais e territoriais é a violência e a insegurança, cuja existência ou explicação, na América Latina, não está subordinada apenas e exclusivamente com a incapacidade das polícias em controlar os crimes, mas devem ser associadas, também, pela ausência de políticas sociais urbanas mais eficazes.

Para Ribeiro e Santos, o futuro das cidades brasileiras vai depender dos desdobramentos da crise econômica pela qual passa o Brasil nestas últimas décadas, bem como das soluções políticas e de gestão públicas que forem encontradas para "a adaptação de cada cidade a esse novo modelo de gestão vai depender de várias características e condicionantes, entre os quais os decorrentes do sistema político local. Nada indica que tais mudanças signifiquem melhoria da qualidade de vida e maior justiça social. O desafio está em buscar modelos de políticas que combinem às novas exigências da economia urbana globalizada a regulação pública da produção da cidade e o enfrentamento do quadro de exclusão social[9].

Dentro desse quadro de exigências e demandas sociais é necessário respondermos uma questão vital para o futuro das cidades. Cabe pergundar:"¿qué es lo que caracteriza a la/s cuestión/es social/es de la ciudad del fin de milenio?" [10].

Dados oficiais mostram que mais de 32 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, ou seja, 29% da população vivem com menos de US$ l por dia, o que significa mais que toda a população do Canadá. Fala-se em "apartheid social" quando sequer descrever a situação daqueles que vivem na miséria. Pois, são 14 milhões de pessoas não sabem ler nem escrever, como também, as áreas mais pobres do Brasil ainda são as zonas rurais, o crescimento urbano desordenado implicou numa grande concentração de famílias pobres vivendo em favelas de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. Este quadro é preocupante quando observamos que 80% dos brasileiros vivem hoje em áreas urbanas.

A pergunta que sempre resta é: apenas circunstanciar a exclusão social, no seu círculo das desigualdades, sempre pautado na lógica da acumulação do desenvolvimento contemporâneo do capitalismo, obteremos a resposta mais aproximada dessa realidade que se apresenta fragmentada e fugidia? Certamente a resposta para este tipo de questão exige sacrifícios de velhas posturas teóricas e epistemológicas, contudo, sem descartá-las totalmente, tornando-se necessária adicionar outros parâmetros. Dentre estes parâmetros, por exemplo, é intentar uma conexão entre as novas formas de sociabilidade e a exclusão social.

Exclusão social e crescimento das cidades médias brasileiras

Nesses últimos trinta anos, a sociedade brasileira vem se transformando sob a égide da globalização, impondo em todas as dimensões da sua vida cotidiano que alguns autores denomina de fragmentação social ou descontinuidade da experiência social [11]. A sugestão, aqui subentendida, reside na mudança do "olhar" sobre a exclusão social, ou seja, sem perder os processos mais gerais da geração e sustentação da exclusão social, deve-se articulá-la aos novos conteúdos da própria exclusão, como é a redefinição da sociabilidade, nessa sociedade globalizada.

A articulação entre, as abordagens mais gerais aos recantos mais íntimos da sociedade, como o da sociabilidade, vai exigir que se faça emergir o real mais fenomênico revelador inconteste das desigualdades, para, posteriormente, adentrarmos no interior das novas conexões, como aquelas possíveis com a sociabilidade. Este parâmetro é adequado para esquadrinhar uma primeira aproximação das novas condições da realidade social brasileira.

No Brasil, esse quadro fenomênico de mudanças profundas, principalmente em relação às cidades, expõe um cenário extremamente revelador em diversos aspectos. Assistiu-se, até 1970, uma concentração populacional nas áreas metropolitanas, impondo um padrão de urbanização, altamente concentrador tanto economicamente, quanto demograficamente.

Nas décadas seguintes, o efeito da concentração metropolitana continuou, mas foi interposto pelo crescimento das cidades médias brasileiras, ou seja, induzindo para um tipo de urbanização com uma desconcentração-concentrada[12] ou desmetropolização [13]. Mais recentemente, na década dos anos 90, as cidades médias cresceram pouco mais de 7 (sete) milhões de habitantes que, em termos absolutos, estes números aproximam-se do crescimento das cidades com mais de 500 mil habitantes ( ver tabela 1).

Ainda que considerássemos o crescimento relativo negativo das metrópoles, ao contrário de alguns pesquisadores, não houve uma demetropolização nestes últimos 30 (trinta) anos, pois, se considerarmos que em 1970, o Brasil possuía apenas duas metrópoles, com população acima de 2 (dois) milhões de habitantes, passando para 5 (cinco) metrópoles, no ano 2000. Enquanto que as cidades médias, no mesmo período, passaram de 40 para 194 cidades médias, respectivamente. Sendo que, no ano 2000, as cidades médias concentravam uma 27,23% da população brasileira, contra 17% apresentados pelas cidades acima de 500 mil habitantes e 16,23% das metrópoles (ver tabela 1). Estes dados sugerem uma distribuição populacional menos concentrada, ou seja, observamos que o processo de urbanização imprimiu uma desconcentração-concentrada.

Tabela 1
Classe de tamanho da população
das áreas urbanas, número de áreas urbanas,
população urbana residente e taxa percentual/população urbana - Brasil - 1970/2000
 
1970
1991
2000
Classe de Áreas Urbanas (1.000 habitantes)
Número de áreas urbanas
População (1000 habitantes)
% de área urbana
Número de áreas urbanas
População (1000 habitantes)
% de área urbana
Número de áreas urbanas
População (1000 habitantes)
% de área urbana
Menos de 20
3.574
13.849
26,17
3.736
21.471
19,30
4.074
18.493
13,40
Entre 20/100
226
9.062
17,12
598
25.164
22,60
1.262
36,031
26,12
Entre 100/500
40
6.697
11,77
133
27.114
24,40
194
37.573
27,23
Entre 500/2.000
8
8.363
15,81
20
18.262
16,50
26
23.454
17,00
Acima de 2.000
2
14.935
28,23
4
18.980
17,10
5
22.403
16,23
Total/Brasil
3.850
52.906
100%
4.491
110.991
100%
5.561
137.954
100%
Fonte: IBGE, Censos Demográficos: 1970, 1991 e 2000.

Em grande parte, o incremento populacional nas cidades médias deve-se, em grande parte, ao crescimento de centros intermediários pertencentes às Regiões Metropolitanas. Assim o anúncio de um ritmo mais elevado de crescimento do conjunto de cidades médias, muitas vezes por incluir as metropolitanas, não deve ser diretamente associado ao processo de desconcentração populacional.Em que pese esta afirmação, as cidades de porte médio apresentam-se em todas as Regiões do Brasil, indicando a desconcentração, depois da década dos anos 80, mesmo em Regiões onde era caracteristicamente de predominância de população rural.

Concomitante ao crescimento das cidades médias, no período de 1995/1997, exatamente um ano antes e outro depois, da implantação do Plano Real, observa-se que a exclusão social, no tange a proporção de pobres se estabilizava, nesses anos, em um patamar muito próximo, "apesar de os efeitos da redução da pobreza terem se difundido amplamente, não se verifica atualmente uma alteração significativa da sua repartição entre as áreas metropolitanas, urbana e rural em relação a 1993. A participação das metrópoles no número de pobres no Brasil, que se reduziu de início, voltou a aumentar, enquanto a participação das áreas urbanas não-metropolitanas apresentou movimento oposto. A participação dos pobres rurais aumentou apenas levemente, parecendo ter esgotado a tendência de forte redução que caracterizou o início da década" [14].

Martine (1994), para definir esse processo de urbanização, propõe o termo contrametropolização [15], cuja primeira conseqüência é que "há uma urbanização do mundo, pois no contexto de um espaço-tempo transformado pelas tecnologias de ação a distância, surge a cidade-mundo, e nesse tempo não é partilhado pelos diferentes grupos de pessoas. Assim como há uma geografia social, poderíamos falar também de uma cronologia social,ou, como denominamos, assincronias urbanas"[16].

A exclusão social, obviamente, se expande juntamente com o processo de crescimento das cidades médias, levando consigo todas as contradições e conflitos inerentes às desigualdades sociais que dão sustentação à exclusão. Esta constatação teria pouco efeito significativo, visto que estaríamos nos referindo aos aspectos quantitativos mais aparentes destes processos, no entanto, a exclusão social apresenta-se de modo peculiar, nesta contextualização, isto é, há peculiaridades na exclusão social, tal como ela se manifesta, coincidentemente, nestes últimos 20 (vinte) anos.

É dentro desse processo recente de urbanização entre 1970/2000, que as cidades médias cresceram em quantidade e em tamanho, principalmente os centro urbanos entre 100 (cem) e 500 (quinhentos) mil. O resultado mais aparente desse processo foi uma distribuição populacional mais equânime no território nacional. Esta fenomenologia urbana trouxe uma série de conseqüências na constituição das questões sociais urbanas, principalmente pela inserção de novas e inéditas formas de sociabilidade que permeiam todas as esferas da sociedade, desde a forma de planejar, do habitar e da utilização dos espaços públicos.

As transformações ocorridas na constituição da rede urbana brasileira, como conseqüência do crescimento das cidades médias, não só apontam para o mercado ou para as novas exigências ou demandas sociais urbanas mas, principalmente, adentram e redefinem conceitualmente os espaços públicos, bem como, dão novos conteúdos aos lugares, enquanto definidores da eficácia das relações sociais. Provavelmente o lugar mais íntimo dessas transformações é a habitação.

Toda uma parafernalha tecnológica doméstica se impõe como necessária, invadindo este espaço íntimo e privado que é a habitação. Pois, a partir de 2001, 89% (41 milhões) dos domicílios possuíam televisão; 12,6% (6 milhões) tinham microcomputador;85% (40 mulhões) tinham geladeira e 59% (27 milhões) tinham telefone. Esta massa disseminada de inúmeros eletrodomésticos e outros bens eletrônicos transformaram radicalmente o modo de vida, como também, a sociabilidade, marcada por originais espaços e tempos intrinsicamente urbanos.

É nesta perspectiva que as cidades médias ganham importância, para a compreensão das questões urbanas brasileiras, ou seja, aquilo que era visível nas metrópoles, a fragmentação de todas as dimensões da vida social.

Para além da análise metropolitana sobre a exclusão social, com o crescimento das cidades médias brasileiras fica sugerido que não basta apenas reproduzi-las, tal qual acontece nas metrópoles. Pois, o rompimento das fronteiras conceituais metropolitanas, a urbanização brasileira, a partir dos anos 70, interioriza e expande para todos os recantos urbanos, um novo padrão de urbanização, agora também centrado nas cidades médias e consubstanciado por uma produção e um consumo globalizado, todavia, sem deixar de levar em conta as especificidades da sociedade brasileira.

A que se considerar que a múltipla fenomenologia da exclusão social não se reduz, simplesmente, aos dados de caracterização da exclusão, já que eles são conhecidos pela disponibilidade de dados estatísticos importantes que vão desde os mecanismos seletivos do mercado da habitação popular, até a distribuição espacial da renda, da pobreza, percorrendo uma familiar topografia urbana da desigualdade. É nesta insistência dos estudos da exclusão social que deve ser extrapolado, propondo-a em novos termos, ou seja, rompendo com uma conceituação que a aproxime das idéias sobre marginalidade social.

O recente crescimento das cidades médias brasileiras oportuniza, através de um universo empírico privilegiado, a possibilidade de visualizar para além da morfologia social que a apreensão da exclusão social nos impõe. Dito de outra forma, se a escala da urbanização distribui a população concentrada nas cidades médias e nas metrópoles, de imediato, isto nos remete às demandas de comércio e serviços necessários nesta escala de urbanização.

Tal qual as metrópoles, as cidades médias também passam a construir tempos e espaços metropolitanos e, conseqüentemente, a reproduzir em outra escala, os mesmos problemas das metrópoles. Para além dessa reprodução, esse crescimento das cidades médias atesta a tendência dessa nova urbanização em tornar indiferenciados os espaços metropolitanos e das cidades médias.

Alguns textos[17], elaborados nos anos 90, já apontavam para os processos socio-espaciais, revelados a partir das categorias de espaço-tempo, especialmente aqueles gerados nas metrópoles. O que se colocaé que as cidades médias passaram a compartilhar do mesmo espaço-tempo e, como conseqüência, a exclusão social apresenta novas características, particularmente no que tange às sociabilidades estabelecidas dentro desta contextualização.

O que há de novo na urbanização brasileira?

Se os processos mais gerais de produção da exclusão social e da profunda desigualdade social, como sua conseqüência mais ampla, sempre são referenciados à expansão do capitalismo e, particularmente, na sua lógica de acumulação, cuja característica está na constante expropriação das condições necessárias à reprodução das classes subalternas, então como explicar as características peculiares da exclusão social, sem incorrer em explicações velhas e seguras, contudo, sem dar conta do que há de novo?

O novo está no fato de que não há mais como apreender a realidade, a partir de uma totalidade, tal como pensávamos que isto era possível. Pois, o rompimento de uma visão unificada do mundo, cuja insistência em tomá-lo como uma totalidade. Esse rompimento leva-nos à fragmentação da experiência, ou seja, no imediato da vida social, na sua superficialidade, dada a impossibilidade de perceber ou apreendê-la em todas as suas conexões. O que resta são eventos desconexos cujos conteúdos estão reduzidos às imagens planas ou numa sucessão de imagens fílmicas, como se expressaria Jameson[18].

O novo está, em primeiro lugar, no que conceitualmente poderíamos denominar de metropolização do espaço urbano brasileiro, desde o início da década passada. esta metropolização só pode ser identificada se tomarmos como pressuposto a fragmentação da experiência social e, conseqüentemente, da sociabilidade e do espaço urbano. Eleita esta premissa, resta estabelecer os nexos entre os novos espaços-tempo metropolitanos, agora fragmentados, e a exclusão social.

Certamente, haverá a necessidade de estabelecer parâmetros mais adequados para conceituar o urbano - a cidade e a metrópole -, assim como, reconhecer que a fragmentação, não é apenas espacial, poupando as sociabilidades. O que aqui se propõe é o entendimento de uma sociedade que não mais comporta uma cidade ou uma metrópole instituída de uma aurea onde afruição da experiência social, da idéia de um planejamento que tomava o espaço como instrumento de dominação do tempo e, conseqüentemente, do controle obediente à lógica de acumulação fordista, fazendo da cidade e da metrópole uma fantasmagoria ordenada e ideologizada [19].

É sob estas inéditas condições do fazer e do conviver no urbano que devemos apreender a exclusão social, ou seja, torna-se necessário reorientar a análise e evitar explicações que dão novas roupagens às antigas estratégias da acumulação do capital, no interior das metrópoles ou das cidades. Portanto, quando se adiciona a idéia de fragmentação, ela está correlacionada à experiência social que já não dá mais conta de estabelecer os mesmos nexos anteriormente estabelecidos.

Assim, se os espaços urbanos se apresentam fragmentados porque, previamente, as relações sociais já estão fragmentadas. Neste sentido a exclusão social estará permeada pela fragmentação, especialmente quando consideramos os meios de comunicação e as tecnologias que imprimem velocidade aos espaços-tempos urbanos.

Considerações para além da fenomenologia do crescimento das cidades médias

O processo de industrialização, implantado a partir dos anos 40, produziu um espaço urbano em consonância às exigências de produção em massa das condições gerais necessárias à reprodução dos trabalhadores urbanos. Tiveram início as políticas habitacionais no final daquela década, articulando o capital imobiliário e a produção em massa de habitações populares, formando imensas periferias, nas décadas seguintes, nas grandes cidades brasileiras.

Até os anos 70, predominou um padrão de urbanização periférico, centrado na expansão demográfica e territorial das grandes cidades e das Regiões Metropolitanas, cujo efeito maior foi uma clara especialização do espaço urbano, concomitantemente à segregação espacial.

A partir dessa década (1970), entra em crise esse modelo de urbanização experimentado entre 1940 e 1970, gerando uma enorme esforço para o estabelecimento de condições para a formulação de alternativas de planejamento urbano, como uma tentativa de domar ou controlar a urbanização, particularmente no tange ao ordenamento urbano e no controle das precárias periferias.

Nessas últimas décadas, o processo de urbanização brasileiro adquire uma característica de expansão que altera o modelo altamente concentrador nas metrópoles para expandir em número e tamanho as cidades médias.

A exclusão social revela de forma conclusiva as diversas formas e modos pelos quais a exclusão se dá, superando uma concepção que a confundia com pobreza absoluta. É neste aspecto que este artigo procurar apontar alguns pontos importantes sugeridos pelo crescimento das cidades médias. Dentre estes pontos destacam-se a impossibilidade de apreendermos a exclusão social se não buscarmos os novos nexos que podem ser estabelecidos entre as novas formas de sociabilidade que atravessam as fronteiras entre a segregação espacial e a social.

Se o espaço revela-se altamente segregado, igualmente ele se propõe de forma fragmentada, rompendo antigos mitos construídos pelo urbanismo no século XIX. Em outras palavras, uma sociedade imbuída do "mito da modernidade", mas que a realização desse mito dificilmente acontecerá, visto que, a sociedade já não consegue estabelecer seus antigos nexos.

Quando pensamos que a sociabilidade se constituiu na modernidade através do seu quotidiano, aflorando no imediato da vida social, temporal e espacialmente concatenada às centralidades subterrâneas da sociedade, em outras palavras, ela se confundiu com a vida quotidiana, ganhando importância, nos dias de hoje, se articulada aos processos de exclusão social.

É de influência fundamental na sociabilidade as transformações em curso, especialmente àquelas que dizem respeito à passagem de uma sociedade de tipo produtivista ou produtiva em uma sociedade onde a comunicação ganha a mesma significância que o social, ou seja, uma forte tendência ao "destronamento" dos valores de tipo político e econômico e de base produtiva, para uma sociedade regulada por valores comunicativos. São poucas chances do sujeito emergir e de orientar a execução de projetos. A bem da verdade, os projetos perdem a razão da sua existência, dado que a experiência social se apresenta descontínua.

A exclusão social é, sem dúvida, uma das questões que dificilmente a sociedade capitalista poderá superá-la, pois, como parte constitutiva do processo de acumulação capitalista, ela se realiza enquanto contradição, contudo, a exclusão social se vê revestida de novos conteúdos gerados pelas novas formas de sociabilidade que lhe emprestam características até então, inéditas. Enfim, a cidade ou a metrópole enquanto espaços indiferenciados e de lugares especiais da concretização das relações, colocam a exclusão em novos termos.

 

Notas

[*] Financiado por la Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAOESP

[1]Oliveira. 1999, p. 8.

[2]Ianni, 1992, p. 65.

[3] Ziccardi, 1998a, p. 6.

[4] Cátala, 2000, p. 6.

[5] Ziccardi. 1998a, p.11.

[6] Sposati, 1996, p. 71

[7]Idem. p. 89

[8] Idem. p. 105.

[9] Ribeiro e Santos Jr. 1994, p. 15.

[10] Ziccardi, 1998, p. 4.

[11]Carvalho. 1998, p. 111.

[12] Andrade e Serra. 1998, p.5

[13] Santos. 1996, p. 23.

[14]  Rocha. 1998, 10.

[15] Martine. 1994, p. 13.

[16] Véras. 2001,p. 9

[17] Carvalho. 1998; Castells 2000 ;Harvey. 1993; Jameson. 1989; Santos. 1996.

[18] Jameson. 1989.

[19]Os exemplos mais concretos e triunfantes disto são os shopping-centers.
 

 
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Ficha bibliográfica:
CARVALHO, E. Exclusão social e crescimento das cidades médias brasileiras. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(128). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(128).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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