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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(132), 1 de agosto de 2003

RIO DE JANEIRO: DOIS MUNDO NUM SÓ LUGAR. ABORDAGEM DA VIOLÊNCIA A TRAVÉS DA MOBILIDADE QUOTIDIANA

Caterine Reginensi
Université de Toulouse-Le Mirail, France


Rio de Janeiro: dois mundo num só lugar. Abordagem da violência a través da mobilidade quotidiana (Resumo)

Esse artigo propõe a discussão sobre os espaços residenciais cariocas destacando a questão da mobilidade no quotidiano e da violência a partir de observações e entrevistas de moradores, tanto de favelas, como de condomínios fechados. Estes espaços que parecem opostos, são abordados trabalhando a tensão entre processo de homogeneização e heterogeneização, a partir das práticas quotidianas de deslocamento: do espaço da residência ao espaço do trabalho, de serviços e comerciais, de consumo, de lazer, etc.

Palavras chaves: espaços residenciais, mobilidade, violência.

Rio de Janeiro: two worlds in one only place. Boarding of the violence from the daily mobility (Abstract)

This paper considers the quarrel on the carioca residential spaces detaching the question of mobility in the quotidiano and the violence from comments and interviews of inhabitants, as much of townships as of closed condominiums. These spaces that seem opposing are boarded working the tension between homogenization process and heterogenization from the every day practices of displacement from the space of the residenceto the space of the work, comercials services and consumption, leisure etc.

Key words: residential spaces, mobility, violence.

O material que serviu de base para este texto provém da pesquisa, realizada de agosto a outubro 2002, em vários espaços residenciais da cidade do Rio de Janeiro. Este trabalho inscreve-se numa pesquisa mas ampla, com participação de equipes pluridisciplinare sem 4 cidades de América Latina (Buenos Aires, Caracas, México, Bogotá e Los Angeles nos Estados Unidos), tratando do processo de homogeneização residencial e do habitar.

Este texto tem com objetivo tentar abordar duas questões surgidas ao final de nosso trabalho de campo no Rio:

- a violência impede o cidadão de usufruir da cidade. Retomando o discurso do antropólogo Gilberto Velho, deve-se reconsiderar os percursos e as trilhas cotidianasna cidade?

- de que maneira certos espaços, principalmente os espaços comerciais de trocas, se transformam em espaços coletivos onde se revelam competências urbanas?

Não pretendemos responder as preguntas mas além disso esboçar as bases de um futuro trabalho na questão da habitação, considerando que se a violência do tráfico é cada vez mais forte, os moradores, sejam das favelas como dos condomínios, apesar de muitos constrangimentos, desenvolven estratégias no cotidiano para circularem. Nem todos os moradores percebem a violência da mesma maneira, nem atuam do mesmo jeito para circular dentro do bairro, dentro da cidade. Pudemos observar diferenças e heterogeneidade de práticas dentro dos espaços cariocas. Nossa hipótese (a verificar no futuro) é que todas essas diferenças não são o fato de um grupo só, ao meio do mesmo grupo (os favelados, oscondomínios) revelam-se, em função de diversos critérios como o sexo o a idade, diversas modalidades de ocupação, de apropriação dos espaços e novos percursos (MORAES: 2001, 227). Por outros moradores, envolvidos nas atividades de comércio saber-se situar com relações aos traficantes revela competências citadinas.

Estas novas trilhas utilizadas poderiam ser consideradas com atos de sobrevivência tanto como formas de resistência a narcoditadura.

Violência urbana no Rio de Janeiro: atualidade e perspectiva socio-antropológica

A violência urbana não é um fenômeno recente no Brasil e no caso do Rio muitos estudos existentes alertam sobre a prática diária de atos de trangressão e de violência juvenil (ZALUAR:1997). Práticas estas, determinadas como arranjos específicos dotados de identidade própria definidos como "gangues".

Outros estudos, dentro de uma perspectiva antropológica, ligam o fenômeno da violência urbanacom apobreza e a desigualdade (VELHO: 2000).

A socióloga Angelina Peralva (2000) estuda a violência em relação a democracia. Ela considera que o retorno da democracia no Brasil, nos anos 80, intensificou a crimiminalidade. Acreditamos, como esta pesquisadora, que não podemos explicar as causas da violência raciocinando em termos de anomia, no sentido de Merton, ou seja: a impossibilidade para os pobres de ter acesso aos bens representantes dos valores positivos da cultura de massa provocaria um agravamento das tensões e do ódio social. Por outro lado, concordamos com a socióloga no sentido que o crescimento da violência urbanaconstitue uma "experiência complexa e multifacética, na qual pobres e ricos se encontram conjuntamente envolvidos. A dificuldade é melhor compreender a maneira com a qual os brasileiros coproduzem a violência de que são vítimas" (Peralva: 2000, 82).

Meu trabalho de campo no Rio consiste em trabalhar esta dimensão de complexidade dos espaços urbanos. Assim, no cotidiano, a rua, os becos, os bares são ocupados por moradores: jovens, idosos, mulheres, homens em função do dia da semana , da hora do dia ou da noite. As situações observadas têm um caráter ocasional, repetindo o ritual (AGIER: 1999, MITCHELL citado por AGIER ). Porém, o que altera a ordem do cotidiano é a presença do tráfico que oferece também os seus próprios ritual e repetição. Os atores são homens jovens, armados, que ocupam a rua ou certos lugares específicos chamados " boca de fumo " - referência à maconha vendida econsumida em alguns lugares obscuros - fixando as regras do jogo.

Depois de algum tempo a cocaína foi introduzida na favela e os indivíduos ligados ao tráfico são chamados" movimento ". Segundo os nossos interlocutores, está cada vez mais difícil circular pelas vielas. Os espaços se fecham. Mesmo se as grades não existem fisicamente elas existem simbolicamente, e funcionam tão bem quanto os guardas de segurança dos condomínios.

A maior parte dos entrevistados circulam dentro da favela seguindo os conselhos de segurança. Eles escutam também as notícias divulgadas pelas mídias que todos os dias só falam da violência na cidade.

Quando da nossa chegada no Rio no começo de agosto, a cidade estava eufórica: um jornalista, Tim Lopes, tinha sido sequestrado, torturado e assassinado pelos traficantes. Alguns deles foram presos, mas faltava um, o Elias Maluco, que ainda estava fugitivo.

A polícia multiplica ações nas favelas. O jovem baterista do grupo Rappa foi ferido por balas quando saía do seu carro na favela Vigário Geral. A imprensa denuncia a violência policial. Concertos de solidariedade são organizados. O cantor Caetano Veloso fez um show na praia de Copacabana e convidou o cantor do grupo Rappa, MV Bill, que disse numa entrevista: " a melhor maneira de sair do tráfico é não entrar "[1]

Espécie de Estado dentro do Estado, os narcotraficantes são reis. Três facções - Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos - dividem o poder que se manifesta de forma temível e cruel: penas pronunciadas por um tribunal, os que são acusados de delação ou de estupro são assassinados e, em certos lugares, os ladrões têm a mão direita amputada. É quase impossível determinar o número de pessoas desaparecidas e executadas. O arsenal possuído pelos traficantes (as armas mais utilizadas são os fuzis AR-15, AK-47, Fal e Rugger) escapa ao contrôle do exército.

Os habitantes das favelas não apoiam verdadeiramente os traficantes porém um jogo sutil se instaurou entre eles e muitas pessoas se sentem em segurança: a polícia tem uma imagem muito negativa de crueldade e de extorsão, daí a procura de uma proteção, de uma segurança paralela.

Além disso, os traficantes não aparecem somente como justiceiros mas também como organizadores de manifestações socio culturais, sobretudo de bailes funk gratuitos afim de atrair jovens de todas as origens e consumidores de drogas.

Aliás, foi durante uma reportagem sobre uma destas festas que o jornalista Tim Lopes foi sequëstrado.[2]

"Esta forma de ação social organizada pelo meio atenua a ausência de ação governamental nas favelas. Assim, o meio fornece medicamentos, constrói terrenos esportivos e creches. Estas ações não são gratuitas: a estratégia dos traficantes é suprimir os pequenos delitos para afastar a polícia e ter o campo livre para o tráfico de drogas duras". (Resumo do contexto da violência do tráfico na cidade à partir de uma reportagem da revista Isto É, São Paulo).

Praia da Rosa e Sapucaia, favelas observadas, são obrigadas à aceitar as regras ditadas pelos traficantes de uma favela maior (morro do Dende), o que provoca situações de tensão permanente entre os habitantes: os jovens traficantes ocupam o espaço público e a polícia abusa da violência.

Extrato do jornal do trabalho de campo:17 de agosto de 2002

Nós entramos na Sapucaia pela rua principal. De longe, na intersecção da rua principal com uma rua mais estreita, nós percebemos um sofá onde estão sentados quatro jovens mestiços, torso nú, com colares de ouro em torno do pescoço, com armas aparentes no bolso da calça, um corte de cabelo na moda, alguns com o símbolo Nike desenhado em um lado do crânio. Eles falam forte, dão risada, mostram as suas presenças. As colegas brasileiras e a presidente da associação de moradores do bairro estão inquietas. Elas me dizem: "acima de tudo, não fotografe nada". Nós continuamos nosso caminho.

Esta tensão, este medo acumulado dia após dia, fará com que a maior parte das pessoas entrevistadas digam:não vejo violência aqui.

Somente algumas pessoas que conhecem a equipe da Fatima Gomes há vários anos, vão falar mais abertamente da violência e dos moradores comprometidos:

Então é o que eu falo pra você a violência tá grande na favela? Tá. Tá no morro? Tá. Mas se você fizer uma pesquisa em qualquer lugar, você vai encontrar a mesma coisa, as respostas são sempre as mesmas. E aí a gente não pode fazer nada, infelizmente não. Sobre a violência tem que deixar o pessoal que tem o poder resolver, porque a gente só comenta

O caso da favela da Rocinha é muito mais complexo. O espaço físico é dividido em vários sub bairros - 17, nos disse um entrevistado. Nós constatamos que a favela cresce verticalmente e que avança para dentroda mata. Nós tivemos que adotar a distinção de alto e de baixo da favela para explicar os diferentes tipos de moradia, de serviços e o seu funcionamento. Visto o pouco tempo passado sobre o terreno, não foi possível captar todas as divisões, " fronteiras " simbólicas existentes no espaço da Rocinha.

Tem essa violência[do confronto com a polícia], né? porque aí você corre o risco da bala perdida. Você tem esse confronto; aonde tá acontecendo, de que maneira, nem tudo que sobe desce (risos). Mas tem a violência também do próprio tráfico, porque acaba , de uma certa forma, você ehh..., sabendo que existe, né? e... você tendo que conviver com ele, mas de uma maneira que, você tem que saber conviver, saber conviver, porque a ASPA nunca se envolveu, nunca se envolveu com o tráfico, nunca foi pedir nada ao tráfico, então, nós fazemos nosso trabalho, e eles faz o trabalho deles lá; trabalho deles, então o problemadeles é com a justiça. Então nós, desenvolvemos nosso trabalho, na tentativa de prevenção, né? (Firmino,35 anos)

A violência está o cúmulo do absurdo. É geral, não é? É geral, não tem, não está distinguindo raça, cor, dinheiro, com dinheiro, sem dinheiro, tá de pessoa para pessoa, não interessa se eu te conheço ou se eu não te conheço. Me irritou na rua eu te dou um tiro. É assim mesmo que está, e é irritante, o ser humano está em um estado de nervos que ele não está mais se controlando, aí junta a falta de dinheiro, junta falta de tudo, e quem tem mais tá querendo mais, e quem tem menos tá querendo alguma coisa e vai descontar em cima de quem tem mais, e tá uma rivalidade, uma violência que não tem mais tamanho, tá uma coisa insuportável (Lucimar,33anos)

O caso das ocupações recentes é talvez o exemplo extremo, o mais marcado pelo medo cotidiano. Seria possível multiplicar este tipo de testemunho:

eu tive um problema ali com os traficantes ali porque o traficante não queria que eu fizesse rua" Sr Wilker

"Nós temos um problema aqui que não podemos atravessar pro lado de lá, comprar um pão, nada porque a facção não aceita que um atravessa pro lado do outro e nós somos praticamente vigiado, somo vigiado dentro disso tudo e somos praticamente prisioneiro deles é que o nosso mundo é legal, é paz aqui dentro faz uma paz enorme, mas lá fora... é difícil".  SrWilker

"por enquanto não, a gente não tem sossego por causa desses dois morros aí (Chapadãoe Pedreira) ainda mais se bota (boca de fumo dentro da comunidade)". Sr Baiano

Cruzar o olhar nos espaços residenciais cariocas: problemáticae aspectos metodológicos

Nossa inserção na equipe de pesquisa brasileira teve como objetivo uma visão antropológica sobre a questão: "o que é morar na cidade do Rio?" à partir de observações e de entrevistas qualitativas com os moradores de dois espaços residenciais muitas vezes opostos: as favelas e os condomínios fechados.

Nós poderíamos nos restringir a esta visão binária e um pouco maniqueana de dois fragmentos da cidade, reflexos de uma sociedade de extremos onde o rico é cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre (Laplantine: 2001, 247). Mesmo se encontramos um pouco disto nos espaços do Rio ou em outras cidades do Brasil, nós não quisemos lhes opor no nosso estudo. Nós escolhemos, propositalmente, estudar paralelamente estes dois espaços residenciais contrastados, trabalhar sobre a tensão entre homogeneização eheterogeneização do ponto de vista das práticas de morar e também sobre as situações e os processos.

Nós partimos do princípio que o urbano é a expressão própria da complexidade (Weber: 1992): ele oferece ao mesmo tempo possibilidades e oportunidades diversas; nem todos os habitantes têm a mesma imagem da cidade, a mesma relação ao urbano; a questão da urbanidade e dos processos de identificação ao urbano se colocade maneira crucial nas Américas (Monnet, Capron: 2000).

Aliás, nós levamos em consideração a preocupação da equipe brasileira que queria colocar em evidência os diferentes tipos de fragmentação do espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro [3].

Embora a segregação não se constitua em um processo recente no espaço citadino carioca, entendemos que os instrumentos e regras que a produzem têm sido redimensionados, ao longo do tempo, sendo hoje a violência urbana uma categoria fundamental para o entendimento do aprofundamento desse processo nas grandes metrópoles, como é o caso do Rio de Janeiro (Bastos & Gomes & Fernandes, 1996).

Pensando na hipótese que estes espaços (favelas e condomínios) passam por um processo de autonomização, podemos supor também que eles se integram em um sistema complexo de relações que se estabelecem através da freqüência de espaços divididos afim de realisar certos percursos dentro dos espaços de residência ou no exterior, mas sempre em relação com outros espaços introduzindo formas de mobilidades (espaço de trabalho, consumo,serviços, lazer, reuniões, ou ainda em relação com o lugar de residência anterior, ou de origem). A partir de então, o objetivo do trabalho foi refletir sobre esta dinâmica (forma de mobilidade)que se desenvolve recriando espaços na cidade, micro territórios, lugares de autonomia e de interações.O trabalho de campo tentou cobrir os principais polos destes espaços, conjuntos residenciais fechadas e favelas, levando em conta as suas diversidades.

Pesquisamos sobre os conjuntos residenciais horizontais, verticais, mistos, situados em bairros diferentes, próximos ou não das favelas, dos mais modernos e sofisticados aos mais antigos ou tradicionais[4].

Diante do caráter particularmente heterogêneo do termo favela tanto no que se refere a infraestrutura como a composição social dos habitantes, nós escolhemos como sujeitos de estudo: a) Rocinha, uma das maiores favelas cariocas, entre as mais antigas, as mais consolidadas e as mais heterogêneas, e cuja estrutura geral parece com um bairro[5], b) Praia da Rosa e Sapucaia, favelas de dimensão média, homogêneas e que tiveram um processo de urbanização planificado, e c) Apocalipse e Monte Sinai no bairro de Costa Barros, situado na zona norte da cidade, ocupações recentes com dimensões modestas, muito homogêneas pelo fato de abrigarem as frações mais pobres dos trabalhadores, e desprovidas de todas as instalações e infraestruturas.

Durante o trabalho de campo, foram efetuadas 60 entrevistas acompanhadas de técnicas de observação e de documentação fotográfica.

De um ponto de vista antropológico nós tentamos responder a um certo número de questões, tais como:

· Quem são os moradores dos condomínios e das favelas?

· Como eles circulam ? Para fazer o quê ? Com que rítmo, com qual freqüência ? Com quem eles passam o tempo e onde ? Qual é a percepção que eles têm dos lugares, das relações que eles mantém ? Como eles vêem os outros moradores ? O que eles pensam da violência e como eles se exprimem sobre este sujeito?

Nós apresentaremos aqui, através das observações (dos espaços e das práticas dos moradores nos espaços residenciais das favelas e dos condomínios) e o discurso dos entrevistados, as diferentes representações que os indivíduos elaboram.

Durante o seu percurso no habitar. Habitar no sentido: do espaço da moradia aos espaços de vizinhança e aos espaços públicos próximos até os espaços mais distantes (lugar de trabalho, compras, lazer). Representações consideradas como imagens mentais(Lynch: 1998) e relações entre simbólico e imaginário tal como definem Trindade e Laplantine, (1997: 22)

O simbólico se faz presente em toda vida social, na situação familiar, econômica, religiosa, política etc. Embora não esgotem todas as experiências sociais, pois em muitos casos essas são regidas por signos, os símbolos mobilizam de maneira efetiva as ações humanas e legitimam essas ações. A vida social é impossível, portanto, fora de uma rede simbólica.

Tomando como referência as reflexões teóricas mencionadas podemos considerar o imaginário como um construído em e pelas relações sociais, tendo características spatio temporais o que significa a referência à um tempo determinado e à uma situação; o imaginário se situa então no campo das representações exprimindo a interpretação que os indivíduos têm da realidade. Enfim, o imaginário social se constrói em uma tripla relação fazer/representar/dizer estruturada historicamente à partir de valores, emoções ou instituições.

Entre favelas e condomínios fechados "dois mundos em um só lugar": abordagem da mobilidade

Nós analisaremos os resultados das observações colocando-os paralelamente com os discursos dos moradores[6]sobre as suas próprias práticas.
 
Quem são eles? Semelhanças e diferenças

Para descrever o mais fielmente possível os indivíduos encontrados, nós examinamos a idade, a tempo de instalação na favela ou no condomínio, a profissão e a origem no momento da entrevista. Com relação à idade, nós temos indivíduos de todas as classes, de 18 a 60 anos para os favelados. Diante das dificuldades para fazer as entrevistas nos condomínios, neste caso, nós temos indivíduos de mais de 60 anos, isto é, aposentados na maior parte das grandes empresas nacionais como Petrobrás, ou funcionários bancários ou ainda profissionais liberais (médicos, advogados).

Os moradores dos condomínios e das favelas encontrados são "velhos" habitantes. Eles moram alí há mais de 5 anos e na maior parte há mais de 20 anos. Isto significa que os mais jovens nasceram alí. Para os moradores das ocupações recentes, dos 11 entrevistados somente três viviam alí depois de um ano. É importante de ressaltar que a ocupação da Apocalipse se faz desde 1995 e a de Monte Sinai desde 2000.
 
Dois pontos diferenciam os moradores das favelas e os dos condomínios: a origem e a renda[7]: na maioria, os moradores dos condomínios são cariocas, eles ocupavam a parte sul da cidade antes de se instalarem na Barra; os bairros de origem os mais citados são: Copacabana, Ipanema, Leblon . A maior parte era proprietária da sua moradia. La maioridade morava em um prédio. O principal motivo de mudança é a necessidade de calma, de natureza:
Nós queríamos o quê? Silêncio... e calma... né? "(Marilu, condominio horizontal- Greenwood Park).

Uma outra moradora dirá que não é por causa da violência que ela mudou da Zona Norte do Rio, mas por causa da proximidade do mar e da vista.

De fato, a segurança é invocada mais como uma das razões de ficar na moradia atual que como uma razão de ter mudado para um outro bairro. Isto é, sem dúvida, uma variante, pois a maior parte dos entrevistados, com mais de 45 anos, compararam "a vida antes com violência menos importante" e agora "com violência em todos os lugares".

Alguns como Márcia, falam da violência que se introduziu dentro do próprio condomínio:

Eu acho que na zona norte você ia, pelo menos na minha época, há trinta e tantos anos atrás você ia pra fora, conversava, ficava uns grupos, bom! Apesar que agora você não pode por causa da violência na rua, né. De qualquer forma isso daqui não muda muito não, tá...! Não se tem assaltos aqui, mas já teve seqüestros

Uma outra moradora do Village São Conrado sulinha a entrada da droga no condomínio dizendo serem os jovens consumidores que facilitam a entrada dos dealers.

As suas rendas lhes permitem de mudar de residência dentro de um espaço circonscrito aos bairros da zona sul da cidade. Morar em outro lugar esperando melhorias, representa para os moradores dos condomínios ainda mais segurança e serviços. No momento da nossa pesquisa, o bairro mais citado foi Recreio.

Quanto aos favelados, eles são de origens diversas. Por exemplo, na Rocinha, entre 15 moradores entrevistados: 4 vinham do Nordeste, 2 de Minas Gerais, 3 do Estado do Rio e os outros nasceram alí mesmo. No caso de Praia da Rosa e Sapucais, as origens são bastante diversificadas. Em Praia da Rosa, entre 8 indivíduos: 2 moravam na Ilha do Governador, 2 vinham de outros bairros do Rio, un vinha de São Paulo e um de Natal, enfim um só não divulgou a sua origem. Entre os 8, 4 disseram ter morado em um outra favela antes. Em Sapucaia, entre 8 entrevistados: 6 vinham da Ilha do Governador e dois de outros bairros do Rio. Três moravam em favela e 4 em casa de aluguel. Neste exemplo, 5 entre 8 afirmaram se instalar em Sapucaia por falta de meios de pagar um aluguel, tal como mostra o testemunho "figurado" deste morador:

Eu pagava aluguel, aí pagar aluguel é ruim né colega, dorme contigo, o aluguel. (Amaral, 50 anos)

Os moradores de Monte Sinai e de Apocalipse vêm também de diferentes bairros do Rio ou de outros municípios do Estado. Porém, ainda mais que os moradores da Rocinha , da Praia da Rosa e Sapucaia, eles se instalaram, todos sem excepção, para " fugir " do pagamento de um aluguel cujas rendas muito precárias, quase inexistentes, não lhes permite de pagar.

Outros moradores, expulsos da favela por de razões obscuras, trata-se de fugir dos traficantes.

A maior parte dos entrevistas (favelas e ocupações recentes) trabalham no setor informal. As rendas são fracas e condicionam o tipo de moradia e sobretudo dificultam a mudança para um outro lugar da cidade. Ao contrário dos moradores dos condomínios que possuem meios financeiros de mudar e investir em novos lugares.

O que nos apareceu interessante através deste problema de mobilidade - possível ou impossível - é que todos tiveram a oportunidade de se exprimir sobre a questão do apego ou não ao bairro.

No Golden Green, o condomínio mais recente onde os apartamentos são muito grandes (230 m2 o menor e 800 m2 o maior), uma moradora, se perguntando se ela ia mudar, vai exprimir o que representa para ela e seu marido viver em condomínio:

vamos ou não continuar nesse apartamento, vamos ou não para um apartamento menor, essa semana mesmo eu resolvi; para mim, morar nesse condomínio não significa nada, entendeu? ...se eu encontrasse um lugar que me oferecesse uma área de lazer, não precisava ser igual, mas que fosse boa o suficiente, então, a gente agora tem um parâmetro, né.-(Ana Maria Golden Green)

Através deste testemunho é colocado em evidência a importância de viver dentro de um estilo agradável, com uma oferta de lazer que ultrapassa o apego a um lugar em particular.

Isto é ainda mais expresso pelos moradores que sempre viveram em condomínio. É o caso de Ana Maria que viveu sucessivamente em condomínio nos Estados Unidos, no Novo Leblon e na Barra.

Podemos também citar Katia, no Riviera dei Fiori, que procura ao mesmo tempo se sentir em casa, o silêncio, o lado funcional e agradável de viver em condomínio:

eu gosto muito do lugar, as pessoas não te incomodam, são pessoas mais ou menos da mesma faixa de educação e quando não são, não demoram muito aqui, elas se sentem fora do ambiente delas, logo depois, estão semudando, então, é uma coisa muito gostosa eugostomuito daqui.

Tranqüilidade, silêncio, muito calmo, é uma área muito gostosa, você pode descer e andar por dentro do condomínio, andar, você não se sente perdido, você precisou fazer uma compra você liga, a padaria entrega.

No caso das favelas, além do aspecto financeiro que dificulta ou torna impossível o acesso a um outro bairro, uma moradora da Rocinha valoriza a vantagem de viver na Rocinha, tido como um lugar "amigável":

A vantagem é porque, eh... você faz amigos....Eu acho a vantagem, assim: a amizade..(Maria Ester)

Um outro testemunho, em Sapucaia, reforça esta idéia que são os moradores que criam as condições para "viver bem", eles são os atores das suas vidas cotidianas:

Esse local aqui, essa comunidade pra mim, é ótima, é maravilhosa. Você sabe porque que eu falo isso, eu sou realista. Porque eu sou fundadora daqui e quem faz o lugar não é ninguém, nada nãoé o morador que mora no local,. Esse lugar é maravilhoso. O que faz o local é a gente.(Neinha)

Apesar da falta de estrutura de base (falta d'água, de esgoto, eletricidade obtida clandestinamente) alguns moradores das ocupações recentes manifestam um sentido de apego ao lugar: falta de melhor ou porquê eles têm ao mesmo tempo um trabalho e uma casa:

"a gente arrumou esse barraco aqui e morava na casa de família eu morava na casa da minha sogra e arranjei e vim pra qui, invadi e vim... ah! Porque eu não gostava de lá é eu (...) quero ficar aqui, com certeza, só se for para um lugar melhor, nem volta para minha terra (a entrevistada é de Recife) nem volto para a casa da minha sogra, aí a minha sogratá morando aqui perto de mim ali em baixo ela resolveu vir para cá, também" Sra Roberta

"ah! Eu gosto daqui, eu trabalho né (...) Eu gosto da minha casa, eu gosto de morar aqui". Sra Jô

Apego ao bairro ou desejo de mudança ficam condicionados para os moradores dos condomínios pelos serviços oferecidos e a segurança, criando uma separação com o resto da cidade, para os favelados são os meios financeiros inexistentes mas também a capacidade de criar vínculos no cotidiano, podendo criar situações mais heterogêneas do que predominantes.

Estas observações foram tiradas das pesquisas feitas no Rio mas igualmente em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Belém que trabalharam a relação desigualdades e mobilidades entre as diferentes camadas da sociedade. O coordenador desta pesquisa, Luis César Ribeiro do IPPUR, Instituto de Pesquisa e de Planificação Regional da Universidade Federal do Rio sulinha, no resultado desta pesquisa, os aspectos positivos e outras preocupações: segundo ele, o caso dos condomínios fechados simbolisa a separação das camadas superiores do resto da cidade, isto é muito negativo pois os problemas das regiões metropolitanas devem ser resolvidos pela interação entre grupos sociais; nas favelas, ao contrário, o grau de mistura é de acordo com ele mais importante, pois vivem pessoas com um percurso diversificado, indo dos moradores que atingiram um nível de mobilidade social graças ao trabalho mas que continuam vivendo nos morros aos moradores sem recursos (Diário de Pernambuco, agosto de 2002, depois do seminário nacional do Rio sobre o tema: Metrópoles, entre coesão, fragmentação, cooperação e conflito).

Voltando ao cotidiano, este é feito de trajetos para o trabalho, a escola, compras, lazer, nós analisaremos agora estes percursos de mobilidades cotidianas para aprofundir esta questão da tensão entre homogeneização e heterogeneização.

O discurso e as práticas de mobilidades

Examinaremos as mobilidades consentidas ou impostas que resultam em vários trajetos na cidade.

Entre os trajetos mais freqüentes estão aqueles em relação com o lugar de trabalho, em seguida aqueles ligados à necessidade de consumo e lazer. Os moradores não indicaram nesta ordem. Com efeito, moram em um condomínio ou uma favela induz estes trajetos masos lugares, a freqüência e o tipo de relação partilhada não são descritos nem vividos da mesma maneira.

O fato de ter entrevistado uma maioria de pessoas aposentadas, no espaço dos condomínios, colocará em primeiro lugar os lugares mais freqüentados aqueles em relação com as atividades de lazer: todos os entrevistados freqüentam todos os dias os espaços de lazer no interior do condomínio. As atividades esportivas são abundantes: quadra de tênis, piscina, musculação, ginástica, golf (no caso do Golden Green). Aliás, foi em 80% dos lugares esportivos que encontramos os moradores. Os moradores vão à pé ou de bicicleta, usando às vezes a ciclovia quando esta existe. Os mais jovens freqüentam os clubes esportivos e participam aos encontros interesportivos entre condomínios. O Novo Leblon oferece nada menos que 26 clubes de esportes e os mais jovens competem com os clubes de Nova Ipanema, um condomínio próximo e construído pelo mesmo promotor.

Somente um morador, mesmo se ele reconhece aspectos positivos destes clubes falará de isolamento dos condomínios com relação à cidade: (Sr. Meninique, morador e administrador do Novo Leblon):

Isso aqui é uma utopia de vida...Eu acho que a desvantagem é que você acaba não conhecendo a rua aí mais, você não sai mais daqui e fica isolado do universo aí fora, para os filhos é até um pouco prejudicial que eles tem uma visão um pouco errada, distorcida do que está acontecendo lá fora. E cada vez mais com a insegurança a gente está se voltando cada vez mais para dentro.

As saídas do condomínio se fazem através da relação com o lugar de trabalho para os ativos (pouco representados entre os entrevistados) que, na maior parte, trabalham no bairro da Barra ou na Zona Sul. Eles vão ao escritório de carro e alguns utilisam o ônibus do condomínio:

Quem trabalha no centro ou quem trabalha na zona sul nem trabalha de carro, porque é imbecilidade, um ônibus com ar condicionado, todo mundo sentado, dentro de quinze em quinze minutos tem o ônibus na parte da manhã, na parte da tarde já começa de hora em hora, tem um horário de quase de duas em duas horas, tem um ônibus que vai direto para a PUC, pega o pessoal da PUC e volta, sabe? Faz o trajeto das escolas da zona sul, quer dizer, falta muito pouca coisa (Sr.ª Márcia, Novo Leblon).

O carro fica sendo um meio muito utilisado pelos moradores dos condomínios, às vezes com motorista. Alguns utilisam helicóptero: principalmente os dirigentes de empresa que têm medo de serem seqüestrados e que lhe peçam resgate, às vezes possuem carros blindados. Aqueles que utilisam o próprio carro, queixam-se dos enfarrafamentos mesmo quando eles reconhecem que uma nova via de circulação, a linha amarela, transforma o trajeto para a zona sul mais fácil e mais rápido (aproximadamente 40 minutos).

Nas favelas, o trabalho ou a procura de um trabalho pontua a vida cotidiana e é para muitos uma valor e uma maneira de viver; os fins de semana se passam com os amigos em torno de uma cerveja; assim este morador da Rocinha, com 47 anos de idade, dirá:

A minha vida é de segunda à sexta trabalho, na sexta feira de tarde eu vou curti minha vida, beber minha cerveja e curtir com os meus amigos. Curtir minha cerveja na sexta, sabado e domingo. A minha vida é essa. Então segunda feira eu trabalho (Antonio).

Os moradores da Rocinha dizem não ter nenhuma relação com os moradores de São Conrado, eles reconhecem porém ter uma relação de trabalho como mostra o testemunho seguinte:

"Os mais próximos são bem vindos e eles aceitam as pessoas daqui numa boa, tanto que os porteiros sempre trabalham para lá, já estão conhecidos, (...) É esses condomínios tudo perto, é porteiro, é doméstica, tudo trabalham por lá. Então eles já sabem que a relação com o pessoal da Rocinha não tem violência.(Consolação, 31 anos)

O espaço do comércio, em particular o da Rocinha, revela uma rica experiência urbana, a maior parte dos moradores são originários do Nordeste e vendem produtos desta região, certas praças viram o lugar de "exposição" da identidade nordestina, como a praça do mercado todos os domingos.

Extrato do jornal de campo: 25 de agosto de 2002

O mercado é composto de stands de vendedores de frutas e legumes e de vendedores ambulantes qui propõem produtos do nordeste: diferentes tipos de farinha de mandioca e duas vendedoras me preparam o famoso bolinho de tapioca recheado com côco ralado e queijo. Um pouco mais longe em uma pracinha, barzinhos fabricam espetinhos, pratos à base de carne seca e os repentistas tocam música. Um pouco da alma de Lampião flutua na cidade maravilhosa!

A maior parte dos moradores entrevistados utilisam o ônibus ou os transportes informais como as combis (mini-ônibus) ou moto táxis para ir para o trabalho.

Dois lugares de passeios são privilegiados tanto para os moradoresdos condomínios como para os da Rocinha: os dois lugares mais citados foram os shopping centers e a praia. Para ir eles utilisam os ônibus do condomínio , os ônibus da linha, as combis ou o carro. O shopping mais freqüentado é o da Barra, mesmo pelos moradores dos condomínios que possuem um shopping no interior do espaço residencial. Eles vão fazer compras, ir ao cinema e mesmo estudar como testemunham estes dois moradores do Riviera dei Fiori:

eu nunca fui tanto ao cinema como eu vou aqui, porque de manhã saio de carro, entro num estacionamento de shopping com todo conforto, toda segurança e vou ao cinema, vou jantar e depois volto (Sr Hanz).

Estuda (sua filha) aqui na Barra, faz inglês no Barrashopping -elle étudie (sa fille) ici à Barra, elle fait de l'anglais à Barra shopping (SrGeraldo).

Na Rocinha são os mais jovens que citam como lugar de lazer o "Barra shopping". Os lugares de lazer mais freqüentados são os barzinhos na Rocinha mesmo onde pode-se dansar (pagode e forró). As vezes um mutirão é feito no domingo. Nós pudemos vê-lo na sede da associação ASPA, um grupo de membros da associação, os pais das crianças da creche pintavam os muros.

A praia é o lugar predileto: para os moradores da Rocinha é a praia de São Conrado também citada pelos mais jovens para encontrar os amigos, tomar uma cerveja e paquerar.

Para os moradores dos condomínios do Novo Leblon e Riviera dei Fiori, a praia é accessível por um caminho particular e por um barco que atravessa o canal, este serviço de barco é fornecido pelo condomínio, como explicam estes dois moradores:

Todos vão, todos os dias, muitos, tem fila às vezes, 7:00 horas da manhã já começa a funcionar o barquinho e atravessam o Canal de Marapendi (...) Muita gente vai a pé, de bicicleta, eu quando ia, ia de carro (Sra Katia).

Nós temos balsa para atravessar o canal aí depois anda uns 200 metros e já está na praia(Sr Geraldo).

A praia foi citada regularmente pelos aposentados como um lugar para andar.No caso do Golden Green, uma moradora disse que o espaço da praia em frente do espaço residencial era ocupado quase exclusivamente pelos moradores do condomínio, criando uma fronteira simbólica entre eles e os outros. Porém, estas fronteiras são típicas do espaço das praias (exemplos: os posto de Copacabana, Ipanema, Leblon são os pontos que dividem a praia, estabelecendo fronteiras simbólicas no interior do bairro e outros lugares da Zona Sul da cidade. Sendo assim, os cariocas marcam encontro no posto 3,5,9).

As favelas da Praia da Rosa e Sapucais se diferenciam da Rocinha no sentido em que cada entrevistado não mencionou ter nenhuma relação com os moradores dos condomínios. Eles também não freqüentam os shoppings mas sim o supermercado mais próximo O Mundial; os moradores em maioria ficam no espaço residencial ou no bar da favela ou na casa dos amigos festejando (aniversários). Um outro lazer citado são as viagens, mesmo se poucos indivíduos podem fazê-las: apenas um dos nossos entrevistados declarou gostar pegar ônibus e viajar no estado do Rio para ir às praias (que são, aliás, residências segundárias de certos moradores dos condomínios!) como por exemplo Cabo Frio.

Os moradores das ocupações recentes não freqüentam os shoppings ou a praia. Eles citam como lugar mais freqüentado a própria casa, inclusive nos finais de semana:

eu, sábado e domingo não faço nada, fico trabalhando em casa". Sra Jô

Enfim, é interessante comentar a freqüência das igrejas (católica, evangélica, batista e os terreiros de candomblé)como lugar de prática cotidiana de vários moradores dos condomínios e das favelas: na Praia da Rosa, uma moradora freqüenta diferentes lugares de culto e em São Conrado a missa é feita nos próprios prédios e é considerada como um regrupamento comunitário:

só não vou em centro de coisa (umbanda, candomblé), né? Agora nesses lugares eu vou. Nas igrejas, todas as igrejas tem Deus, né (Georgete)

Nós temos aqui todo sábado uma missa em cada um dos prédios, e aí há uma reunião comunitária, há um grupo comunitário a partir desse encontro das missas no sábado. Há um outro encontro comunitário a partir do grupo que freqüenta a piscina (Maria do Socorro).

Algumas considerações finais

A procura da segurança, ocasionada pela violência, é um dos elementos que mais contribuiram para reforçar o processo de auto segregação dos moradores dos conjuntos residenciais fechados. Porém, esta escalada da violência atinge ainda mais os moradores das favelas, já tão vulneráveis, cada vez mais estigmatizados e marginalizados da " cidade oficial ". Nas favelas, cujo território é dominado pelo tráfico de drogas, a discriminação, a violência e a pobreza levam a uma situação próxima do isolamento social. Porém, nem todos os moradores da favela são traficantes mesmo se existe, principalmente nos mais jovens favelados, uma identificação forte com os bandidos e com o mundo do crime (PERALVA:2000, 129 -156).A maior parte dos moradores das favelas trabalham e consomem fora delas, o que traduz uma certa incorporação da favela pela sociedade, mesmo que isto aconteça sob uma forma subordinada (Gomes: 2001).
 
As mobilidades cotidianas são consideradas como um ponto essencial para conhecer os moradores e suas práticas do morar no sentido amplo, paraperceber as diferentes estratégias dos moradores no dia-a-dia e para se ter uma visão construída da tensão homogeneização/heterogeneização. A escolha de trabalhar em um terreno que parece com uma favela e um condomínio em um espaço valorizado da cidade (Rocinha e São Conrado) é, do ponto de vista de algumas entrevistas e observações uma escolha pertinente para efetuar uma leitura dos percursosde certos indivíduos comprometidos em atividades comerciais ou associativas. Neste entre os dois revelam-se competências, um " saber circular " (Peraldi, Mazzella: 2001) para ser responsável da associação, comerciante rua 3 ou ainda motorista de combi.
 
Saber como estes espaços de comércio, de trocas verbais cotidianas, são espaços coletivos ou comuns aos moradores da Rocinha e de São Conrado, é uma questão a desenvolver.
 
Aliás, pudemos constatar também que as mobilidades dos habitantes dos espaços residenciais estudados são variadas mesmo se o medo da violência e as restrições financeiras (sobretudo para os favelados) é um freio para a circulação e às vezes um fator de concentração no bairro, no shopping center , nos clubes, no espaço da residência ou através da freqüentação de lugares de cultos diversos.

Faltou certamente ao nosso trabalho a realisação de mapas individuais do conjunto das práticas urbanas para medir, de um lado, a amplitude das escalas espaciais e do outro, confortar uma hipótese com relação à violência. O fato que vários moradores da cidade " nobre " deixem de circular através certos lugares, reconsidera os trajetos cotidianos, tanto os mais ricos como os mais pobres. Em uma entrevista na Globo, oantropólogo brasileiro Gilberto Velho, morador de Ipanema, (" O cidadão deixou de usufruir da cidade " - Setembre de 2002) fala de hierarquia do perigo. Ele diz que os indivíduos fazem os seus próprios mapas, definem os seus próprios percursos na cidade. Cada mapa é assim diferente um do outro e podem se tornar verdadeiras pistas para pesquisas futuras.
 
 

Notas
 
1Jornal do Brasil, 11 Août 2002: O percussionista Negueba do grupo o Rappa é baleado
O Globo, 16août 2002,
- Ana Claudia Costa e Michel Alecrim, « Morto mais um do bando de Elias
-· Antônio Werneck, « Aumentam mortes de civis em confronto, »
O Globo, 1 septembre 2002: Patricia Faria et Paulo Marqueiro "Cidade proibida , os lugares do Rio que o carioca perdeu para a violência
O Globo 15 septembre 2002," Trafico faz propaganda do crime pela internet "
 
2 De SOUZA Percival, 2002, Narcoditadura. O caso Tim Lopes, crime organizado e jornalismo investigativo no Brasil, São Paulo, Labortexto Editorial
 
3 Durante esta pesquisa, muitas vezes nós trocamos nossos pontos de vista sobre o tema da fragmentation com Fatima Gomes. Elas nos fez descobrir textos brasileiros sobre este sujeito, especialmente o estudo de Luciana Corrêa do Lago, 2000, Desigualdades e segragação na metropole: O Rio de Janeiro em tempo de crise, Editora Revan. Nós insistimos sobre o fato de que esta noção de fragmentação se submete à críticas e que em todo o caso, é uma hipótese a verificar ( Navez Bouchanine F., 2001,"Des villes entre fragmentation spatiale et fragmentation sociale: une approche critique de la notion de fragmentation "inVocabulaire de la ville Notions et références sous la direction de Elisabeth Dorier Apprill, Editions du temps, pp. 109-118). Nós preferimos falar de segregação mais ou menos aceita pelos habitantes dos condomínios e mais ou menos imposta para os habitantes das favelas.
 
4 Fazem parte do universo estudado: Greenwoodpark em Itanhangá (conjunto residencial horizontal),Village, em São Conrado perto rès dafavela da Rocinha; Riviera dei Fiori, Golden Green, na Barra da Tijuca (conjuntos residenciais verticais), Novo Leblon no bairro daBarra da Tijuca (conjunto residencial misto).
 
5 Segundo a Associação Comercial da Rocinha, esta favela possui 200.000 habitants. Ela dispõe de uma variedade de serviços compreendendo: 2.500 comércios,2 Bancos (CAIXA e BANERJ), 2 Rádios, 3 jornais, 3 Salas deVariedades, 2 pontos de táxis, diversos pontos demoto-táxis e duas linhas regulares de Combis (Rocinha-Botafogo e Rocinha -Copacabana), assim como combis que cobrem o circuito interno, entre autros serviços. A Rocinha possui também, 4 escolas públicas, 1 posto de saúde da prefeitura , 1 agência dos Correios, 1 telefônica, e um número impreciso de creches (próximo de 10) particulares e convencionadas com a prefeitura.
 
6 Todas as entrevistas foram retranscritas. É necessário agradecer: Aline Loureiro do Espírito Santo, Adriana Castro, Cilene Almeida, Mirella Amorim, Rizete Costa por este trabalho.
 
7 Nas favelas os salários mensuais mais altos mencionados vão de 3 a 6 salários mínimos (un salário mínimo = 200 reais, ou seja, aproximadamente 90 euros). Diante da dificuldade em encontrar os moradores dos condomínios, a equipe preferiu não abordar diretamente esta questão de rendas com os entrevistados. Porém, Fatima Gomes e Maria Helena Rauta Ramos indicam (2001: 14) que 30,8 % dos chefes de família domiciliados na Barra da Tijuca ganham mais de 20 salários mínimos mensuais.
 
 
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Ficha bibliográfica:
REGINENSI, C. Rio de Janeiro: dois mundo num só lugar. Abordagem da violência a través da mobilidade quotidiana. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(132). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(132).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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