Menú principal

Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(043), 1 de agosto de 2003

O CONSUMO DO ESPAÇO E O ESPAÇO DO CONSUMO EM EIXOS DE CIRCULAÇÃO INTERURBANOS NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE

Mariana Zerbone Alves de Albuquerque
Edvania Torres A. Gomes
Departamento de Ciencias Geograficas da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE)


O consumo do espaço e o espaço do consumo em eixos de circulação interurbanos na região metropolitana do Recife (Resumo)

Este trabalho realça as permanências e as transformações ocorridas ao longo da consolidação de seis principais eixos de circulação existentes no espaço metropolitano de uma cidade colonial brasileira. Com base nos registros iconográficos e cadastrais são apresentadas possibilidades de diálogo entre os caminhos de penetração utilizados e a situação atual, associados á técnica e a tecnologia (Santos, 2001). Além disso, os diferentes usos e ocupações revelam as mudanças culturais e a influência dos costumes que assumem conteúdos e formas distintas no espaço (Carlos, 2001). Dessa maneira, a análise do consumo do espaço permite revelar as heranças que historicamente resistem às novidades do tempo, de um lado, e do outro, análise  do espaço do consumo aponta para as tendências que a contemporaneidade projeta sobre às margens desses eixos, especialmente através da verticalização e dos business centers.

Palavras chave: consumo, espaço, circulação.

The consumption space and the consumption space in interurban axies in the Recife metropolitan region (Abstract)

The consumption of space and the space of consumption in axis of interurban circulation in the metropolitan region of Recife: inheritane and tendency. This research give emphasis to permanencies and transformations that happened along the consolidation of the six main circulation axis in the metropolitan space of a colonial brazilian city. The possibilities of dialogue between ways of penetration and the current situation that are presented, based on the iconographic and cadastralresisters, when associated with the technique and technology (Santos, 2001). They also, the different uses and occupation reveal the cultural changes and the influence of tradition, which take on distinct contents and shapes in space (Carlos, 2001). In this way, the analyse of the space consumption permit the revealing of inheritaneesthat historically resist the novelties of time, on one side, and on the other, the contemporarily projects over and around these axis, specially, through the verticalization and the business centres.

Key words: consumption, space, circulation.

Este trabalho está inserido em uma pesquisa de âmbito maior,que tem como objetivo resgatar, a partir dos tradicionais eixos de penetração metropolitana da cidade do Recife, as antigas paisagens urbanas, seus caminhos e vias de escoamento de mercadorias, pessoas e equipamentos, uma vez que estesestão assentados em áreas transitórias e históricas de ligação. Este recorte visa analisar o consumo a partir das permanências e transformações ocorridas através da consolidação dos seis principais eixos de circulação existentes no espaço metropolitano de uma cidade colonial brasileira.

Com base nos registros iconográficos e cadastrais, foi possível tecer algumas análises do consumo do espaço, possibilitando relevar as heranças que historicamente resistem às novidades do tempo, e que poderão ser projetadas sobre a contemporaneidade.

Recife é uma cidade cujas origens remontam à terceira década do século XVI, quando foi instalado um povoado de 200 pequenas moradias, que se destinava às atividades portuárias (estivadores, soldados) e de pesca., No século seguinte jáse torna perceptível as modificações na feição urbana do povoado, ainda simples, porém com a inserção de novas formas de edificações, não apenas casas e armazéns, mas também a presença de prédios. No século XVIII, Recife é elevada a categoria de vila, o que proporcionou uma relevante expansão, havendo uma forte valorização do espaço sacro.

Em 1823, Recife é elevada a capital de Pernambuco, abrigando em seu território a sede do governo. Isto contribuiu para que no século XIX fosse implementada uma reestruturação urbana com a abertura de ruas, construção de novas pontes e estradas carroçáveis que interligam o interior ao núcleo central, além da instalação de linhas férreas para o funcionamento das diversas linhas de bonde. A cidade se libertou da influência religiosa e pode construir edifícios dos mais variados gêneros (teatros, hospitais, cemitérios, palácios, entre outros). Na segunda metade deste século a cidade é marcada pela ampliação das atividades comerciais regionais e internacionais, e para atender a essa demanda, Recife teve que se equipar, dando ênfase na infra-estrutura e nos transportes, havendo a restauração de vários caminhos já existentes.

A cidade no século XX já se afirma como importante centro regional, apresentando os bairros do núcleo central bem consolidados, e os arrabaldes tomam características de bairros periféricos que iniciam um processo mais intenso de urbanização a partir da ampliação da rede viária. As seis primeiras décadas deste século serão marcadas pela intensa modificaçãona feição da cidade, preocupada em atender as necessidades de uma tendência urbanística e esquecendo de conservar as evidências da paisagem urbana de épocas pretéritas.

Como pode-se perceber, a cidade do Recife veio ao longo do tempo sofrendo profundas mutações no campo da fisionomia urbanística, refletindo sempre um contexto da história atual, passando de um pequeno povoado de pescadores a um grande centro regional. Assim, "a paisagem não só é produto da história como também reproduz a história, a concepção que o homem tem e teve de morar, do habitar, do trabalhar, do comer, do beber, em fim, do viver" (Carlos, 1997 p.38).

Atualmente o Recife apresenta uma morfologia típica de um centro regional brasileiro, com sua paisagem essencialmente verticalizada, com equipamentos estruturais dos mais variados níveis. "Tudo indica que a verticalização (processo de construção de edifícios) é uma especificidade da urbanização brasileira. Em nenhum lugar do mundo o fenômeno se apresenta como no Brasil, com o mesmo ritmo e com a destinação prioritária para a habitação." (Souza, 1994 p. 129). Também é forte a presença de grandes avenidas, sendo estas os principais eixos viários de penetração da cidade. No estudo presente, foram enfocadas seis destas principais vias: Av. Eng. Abdias de Carvalho, Av. Boa Viagem, Av. Caxangá, Av. Mal. Mascarenhas de Moraes, Av., Nortee Av. Recife; sendo estas analisadas de forma singular devido as peculiaridades formadas e construídas ao longo do consumo do espaço correspondente.

A Av. Eng. Abdias de Carvalho, com seus 4,8 km de extensão, configura-se como um eixo de interligação inter e intra-urbano. Segundo a lei de uso e ocupação do solo da cidade do Recife n° 16.176/96,esta é classificada como uma artéria principal do município, tendo como função atender ao tráfego de âmbitoregional e metropolitano.

O traçado desta via demonstra desde sua origem o papel de eixo de interligação, pois os antigos caminhos que existiam na área antes da implantação desta avenida já cumpriam esta função. Esta teve sua origem na década de cinqüenta. Em 1951, no plano de construções de novas avenidas no município do Recife, constatava na área oeste da cidade a projeção de uma nova avenida, tendo em vista que toda esta porção sofria um intenso processo de urbanização desde o final do século XIX.

Ao longo deste cinqüenta anos de criação, observa-se que mesmo sendo uma importante via metropolitana, o uso e ocupação do solo da avenida ocorre de maneira singular, se comparada com outras vias de igual importância. O consumo do espaço deste eixo não esta voltado para a construção de imóveis residenciais mais sofisticados,apesar da existência de áreas propícias a construções, não havendo restrição com relação a tipologia na lei de uso e ocupação do solo da cidade do Recife, nem dificuldades no que se trata das condições físicas, além do que este eixo está localizado, de acordo com a Prefeitura da Cidade do Recife, na Zona Urbana 01 - (ZUP-01) Zona de Urbanização Preferencial 01, possibilitando alto potencial construtivo. Esta via ainda se encontra em localização estratégica, proximidade com o núcleo central e dos principais sub-centros comerciais.

"O espaço urbano apresenta-se de modo complexo existindo elementos sociais que definem os seus usos como é o caso dos proprietários fundiários, que detém a posse da terra (como uma prática de antecipação espacial ou reserva de mercado); os promotores imobiliários, responsáveis pela sua incorporação e transformação da mercadoria e do Estado. Tais agentes atuam no espaço com certos interesses específicos como os proprietários fundiários que estão interessados fundamentalmente no valor de troca da terra e não no seu valor de uso residencial, diferentes formas, como: a urbanização de status e a urbanização popular, variando de acordo com o interessedos proprietários fundiários." (CORRÊA, 1991).

Desta forma, percebeu-se que tal característica se deve ao fato da vai estar localizada em uma áreaque não apresenta características comoa supervalorização do solo, amenidades naturais ou socialmente produzidas, imóveis anteriormente construídos, pois estas características são o que classificam muitos bairros residenciais como sendo "nobres".Apesar da via apresentar pontos que não impeçam um uso habitacional mais sofisticado, o mesmo não acontece por um simples preconceito existente para com a área. Com isso ocorre a desvalorização do valor do metro quadrado. Segundo o Departamento de Tributos Imobiliários da Cidade do Recife (2002), o preço do metro quadrado na Abdias para cálculo do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) varia em quatro trechos, entre R$ 130,00 a R$ 160,00, em forma decrescente à medida que se afasta do centro da cidade.

Sendo assim, o uso e ocupação presentes nesta avenida ocorre de modo bem definido, podendo esta ser dividida em quatro trechos. O primeiro é caracterizado por estar inserido no pólo médico da cidade do Recife. Devido a isso, esse é o setor mais verticalizado desta via. O segundo trecho caracteriza-se pela presença de grandes equipamentos, como por exemplo, clube, shopping e faculdade. No trecho seguinte o uso ocorre de maneira mais diversificada, comércio e serviço ligados ao setor automobilístico, além de manchas habitacionais. O último trecho destacam-se os serviço do setor automobilístico, residências de baixo gabarito e áreas subocupadas.

Contradizendo a tendência da verticalização brasileira, onde a maioria dos edifícios são utilizados como residências, entretanto no caso desta avenida a maior parte dos prédios são utilizados pelo setor de serviços.

A Av. Abdias de Carvalho apresenta-se como um eixo metropolitano significativo, com características singulares no que cerne ao uso e ocupação, apresentando áreas específicas de comercialização e moradia, sendo fortemente marcada por um expressivo processo de dinamização que remonta do século passado e que parece perdurar até os dias atuais. Desta forma, esta avenida está em plena "efervescência", onde o espaço está sendo consumido a fim de se tornar espaço de consumo.

A segunda avenida a ser trabalhada é a Avenida Boa Viagem, localizada na porção sul da cidade do Recife, cortando apenas dois bairros com seus 8 km de extensão, margeia apraia de Boa Viagem. De acordo com a lei de uso e ocupação do solo a avenida é classificada como um corredor de transporte metropolitano, artéria principal, que tem por função atender ao tráfego de âmbito regional e metropolitano.

Os caminhos que formam a avenida remontam do século XVII, caminhos estes por onde passavam os viajantes. As primeiras ocupações na praia de Boa Viagem foram casas de pescadores(no século XVIII).No final do século XIX estas foram substituídas por casas de veraneios pertencentes aos moradores do Recife. Em outubro de 1924 foi inaugurada a avenida Boa Viagem para facilitar o trânsito dos veranistas. Já na década de 40, essas casas passaram a ser substituídas ou até mesmo utilizadas como primeira residência.Na década seguinte surgiram os primeiros edifícios da Avenida Boa Viagem, porém a intensificação da verticalização nesta área aconteceu na década de 60.

A avenida Boa Viagem é uma das mais verticalizadas da cidade do Recife, e com uma peculiaridade, onde quase todos os edifícios são de uso residencial, salvo aqueles utilizados pelo serviço hoteleiro.

O valor do metro quadrado deste eixo, se comparado com os demais, é o que possui o maior valor. Segundo o Departamento de Tributos Imobiliários da Cidade do Recife (2002), o preço do metro quadrado na Av. Boa Viagem para cálculo do IPTU varia em três trechos, entre R$ 800,00 a R$ 1800,00. "A verticalização, portanto, tem um efeito de sobrevalorização do espaço, visto que se instala em áreas bem equipadas, do ponto de vista da infra-estrutura, e vai projetar-se como valor..." (Souza, 1994p.143).

Desde o início de sua construção, esta avenida tem como um aspecto importante a beleza e o padrão arquitetônico, sendo isto um elemento atrativo para a especulação imobiliária. "...Erapreciso aproveitar aquele aspecto encantador para nosso embelezamento estético. E o governo sem esquecer os moldes de absoluta economia a que se tem adstrito, lançou mãos a obra cuja conclusão não está tão longe..." (Revista de Pernambuco, 1924 ).

Segundo a Lei de uso e ocupação do solo do Recife de 1996, a avenida está inserida em algumas Zonas de classificações especiais, são estas: ZUP-01 (Zona de Urbanização especial 01); ZEPH (Zona especial de Patrimônio Histórico), onde está localizada a igreja de Nossa Senhora de Boa Viagem; e a ZEPA (Zona Especial de Proteção Ambiental), que abrange as praias do Pina e Boa Viagem.

É importante salientar que este eixo é ocupado em quase sua total extensão por residências, em sua maiorias de forma predial, ou então por serviços e comércios voltados para o turismo e lazer, sendo vetada a instalação de outros equipamentos se não estes.

Desta forma, a avenida Boa Viagem torna-se peculiar no contexto da cidade do Recife, podendo ser classificada como Corredor de Transporte Metropolitano, Corredor turístico e Via cartão-postal, devido a maneira de como foi consumido oseu espaço.

O terceiro eixo a ser analisado é a avenida Caxangá. O maior corredor de transporte coletivo em linha reta do estado de Pernambuco, com 6,5 km de extensão, está situado na porção centro-oeste da cidade, e no que se refere a lei de uso e ocupação do solo, este é classificado como um corredor de transporte metropolitano, artéria principal, com a função de atender ao tráfego no âmbito regional e metropolitano.

Em terras onde hoje se encontra a atual avenida Caxangá, no século XVII foi fundado o engenho do Brum. Posteriormente estas terras foram compradas pelo padre Francisco Pereira Lopes Caxangá, dando início a um próspero povoado (já no final do século XVIII) com o mesmo nome do atual bairro. Em 1842, a atual avenida Caxangá teve seu primeiro trecho construído, porém com outra denominação. No início do século XIX os arredores desta via eram conhecidos por serem uma região de amenidades, onde a população passava suas férias e tratava suas doenças. " O bairro da Caxangá, na beira do rio Capibaribe, era o melhor lugar do Recife para veraneio, pois ir as praias era procurar doenças." (Diário de Pernambuco, 1952 ). Posteriormente a avenida Caxangá abrigou uma importante estação férrea do Recife, nela circulavam trens e bondes que transportavam as pessoas que residiam nas proximidades para o centro do Recife. Em 1940 deu-se início à pavimentação de apenas um lado da avenida, sendo concluída apenas em agosto de 1966.É importante salientar que a avenida só foi construída por vontade popular, pois não foi objeto de nenhum projeto de lei. Em toda região, devido a implantação da avenida ocorreu uma dilatação e expansão ocupacional, tomado em sua maioria por residências. Porém este impulso foi cessado devidoaos impactos causados pelas consecutivas cheias que ocorreram no período de 1960 a 1975. Com isso houve uma desvalorização gradativa da área, levando hotéis a falência e tornando o local desabitado.

Apesar disto, atualmente é possível encontrar neste eixo edificações com formas que remontam do passado daquela área, segundo Santos (1978) isto representa as rugosidades," as rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado" (Santos, 1978 p. 138).

Entretanto, esta que era uma região consumida por pessoas de alto poder aquisitivo, passou a ter seus usos substituídos, e a ser consumida por outras classes da sociedade. Esta avenida, com características inicialmente residenciais sofreu transformações ao longo do tempo, tornando-se uma via de comércio e serviços, havendo apenas algumas mancha de residências uni e muitifamiliares ao longo dela.

A avenida Caxangá, em geral, é raramente verticalizada, com a presença de alguns conjuntos habitacionais de alto gabarito,e atualmente nesta área está havendo a implantação de alguns edifícios utilizados como business centers. O comércio e o serviço são os principais usos existentes nesta avenida, principalmente aqueles ligados ao setor automobilístico.

Neste eixo existe uma diferenciação de valores do metro quadrado para cálculo do IPTU em três trechos, variando de R$ 150,00 a R$ 200,00, segundo o Departamento de Tributos Imobiliários da Cidade do Recife (2002). É possível perceber a valorização a medida que a área se aproxima do núcleo central da cidade.

Ao analisar a lei de uso e ocupação do solo da cidade do Recife, constata-se que a via está inserida naZUP-01 (Zona de Urbanização Preferencial 01); na ZEPH (Zona Especial de Preservação do Patrimônio Cultural), valorizando as áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de relevantes expressões arquitetônicas, históricas, culturais e paisagísticas; na ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo estas áreas ocupadas por população com renda familiar inferior ou igual a 03(três) salários mínimos, ter carência ou serviço de infra-estrutura básica, possuir densidade habitacional inferir a 30 (trinta) residências por hectare e ser passível de urbanização;e na ZEPA 02 (Zona Especial de Proteção Ambiental).

Com isso, observou-se que a avenida Caxangá, mesmo remontando do século XVII, ainda exerce uma dinâmica de consumo do espaço de maneira muito visível. Apesar do setor automobilístico estar bem consolidado nesta via, esta ainda está sofrendo muitas transformações, conseqüência de acontecimentos de um passado recente.

A quarta avenida a ser estudada é a Marechal Mascarenhas de Moraes. Localizada na porção sul da cidade do Recife, corta 4 bairros e possui aproximadamente 6,5 km de extensão. Segundo a lei de uso e ocupação da cidade do Recife, este eixo é qualificado como corredor de transporte metropolitano, artéria principal.

Esta via remonta do século XVI devido a batalha do Montes dos Guararapes que aconteceu nas proximidades do traçado atual desta via. Porém os caminhos que vieram formar este eixo tem origem no século XVII. Aproveitando este caminho,em 1836, começou a ser aberta a Estrada da Imbiribeira. Esta estrada só passou a receber a atual denominação em novembro de 1971.

Atualmente esta avenida assume o papel de uma via de escoamento, servindo como uma das principais áreas de entrada e saída da cidade, principalmente por estar assentada às suas margens do Aeroporto Internacional dos Guararapes Recife-Gilberto Freyre. Além de passarparalela a ela a nova linha do metrô do Recife.

É importante salientar que devido a esses aspectos esta avenida não oferece amenidades suficientes para se tornar uma via de atração residencial. Atualmente este eixo caracteriza-se por ser uma via comercial e de serviços. O uso residencial ao longo desta se faz muito espaçado e quase inexistente, e o uso industrial existe em pouca quantidade, entretanto os existentes ocupam grandes áreas.

Esta avenida é a que possui o menor índice de verticalização das que estão sendo estudadas, pois existe um aspecto relevante que determina isto, a inserção desta no cone do aeroporto,não permitindo nesta região a construção de edificações de alto gabarito.

A construção do Aeroporto Internacional dos Guararapes na década de cinqüenta foi um evento marcante na dinâmica do consumo do espaço, pois a partir disso o comércio e serviço desta avenida se voltarampara atividades relacionadas a ele, por exemplo as transportadoras. Estas instalaram-se nesta área devido a maior acessibilidade para o transporte. Porém, atualmente está acontecendo uma modificação no uso desta região, devido a migração destas transportadoras para áreas mais afastadas do centro urbano, sendo estas substituídas por outros seguimentos.

Os setores que se destacam neste eixo são principalmente o automobilístico e o alimentício. Os setores de lazer, saúde, educação, financeiro e religioso também se fazem presentes. A presença de grandes equipamentos é um ponto marcante neste eixo, sendo o principal destes o aeroporto.

Segundo a lei de uso e ocupação do solo de 1996, a avenida Mascarenhas de Moraes esta inserida na ZUP-01 (Zona de Urbanização Preferencial 01), na ZEPA 07 (Zona Especial de Proteção Ambiental 07), na ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e na ZEA (ZonaEspecial do Aeroporto) a qual corresponde a áreas no entorno do aeroporto, que requerem tratamento diferenciado quanto a ocupação e instalação de usos, visando conter a densidade populacional e a compatibilização com a Lei Federal específica da área.

Contudo, percebeu-se que a avenida Mascarenhas de Moraes é um eixo de penetração viária que possui como características um intenso fluxo e a ocupação das suas margens por grandes equipamentos. E ainda possui a peculiaridade de ser o eixo menos residencial em estudo.

O quinto eixo a ser estudado é a avenida Norte, a qual encontra-se assentada na porção norte da cidade do Recife, cortando um total de 15 bairros ao longo dos seu 8,3 km de extensão.A maior avenida da cidade é classificada de acordo com a lei de uso e ocupação do solo da cidade do Recife como um corredor de transporte urbano principal, tendo por função específica ligar áreas ou bairros da cidade e estaa porção norte do estado.

Os caminhos que vieram a formar a atual Av. Norte não remontam de um passado muito distante, uma vez que no século XIX, idealizava-se ligar Recife a Limoeiro (cidade da mata norte do estado). Assim, em 1879 iniciaram-se os trabalhos da construção da Estrada de Ferro do Limoeiro, a qual foi inaugurada dois anos e meio depois. Este caminho media aproximadamente 83km; a estrada de ferro parecia ser propriedade particular das famílias inglesas que moravam no Recife e se deslocavam para o interior. Nos anos 20 a estrada do Limoeiro já era conhecida com avenida Norte, porém ainda sendo uma linha férrea. Em 1952 os trilhos da avenida foram levantados e sua pavimentação teve início cinco anos mais tarde. Quando houve esta transformação, a população dos arredores da avenida já era bem densa, inclusive os morros que a acompanha.

A partir dos anos 30 do século XX, os morros passaram a serem vistos como áreas propícias para a ocupação por pessoas de baixa renda que estavam sendo expulsas do centro da cidade. Entre as décadas de 30 e 40, o governo promoveu a remoção de mocambos que ocupavam os mangues do centro da cidade, conseqüentemente essa população passou a ser transferida para os morros da zona norte , que até então eram subocupados.

Um fator importante para a ocupação dos arredores da avenida Norte foi a Fábrica de Tecidos Othon. Esta instalou-se no início do século XX às margens da Estrada de Ferro do Limoeiro devido a facilidade de transportes de mercadorias e matéria-prima. Em função da fábrica foram criadas as vilas operárias, para instalação dosseus trabalhadores o que contribuiu bastante para a ocupação da parte norte deste eixo.

"...nos primórdios da industrialização, basicamente até os anos 30, as empresas resolviam boa parte do problema de moradia da mão-de-obra construindo vilas operárias. Com a intensificação da industrialização, aumentam o número de trabalhadores e a pressão para a aquisição da moradia, o que gera o aumento do valor dos terrenos residenciais e fabris pelo crescimento da demanda, tornado-se muito oneroso para a indústria financiar a habitação. Passam para o trabalhador, e posteriormente para o Estado, os encargosda moradia e do transporte, criando-se, então, a 'periferia'."(KOWARICK, 1979, apud SOUZA.1994 p.172).

Atualmente a avenida Norte possui usos bastantes diversificados, sendo estes, retratos nos bairros os quais são cortados por este eixo. Ao analisar esta via observou-se um aspecto interessante, pois apesar desta ser a maior avenida da cidade, a ocupação de seus arredores não se deu a partir dela, a paisagem que se pode ver às margens deste eixo corresponde ao interior dos bairros que ela corta. Com isso os serviços encontrados ao longo deste eixo estão diretamente relacionado com a necessidades dos bairros.

As residências estão presentes nesta via em grande quantidade, sendo em sua maioria unifamiliar, havendo verticalização em alguns trechos específicos (nos bairros que possuem características de bairros "nobres").Devido a grande quantidade de bairros de baixa renda e a falta de atratibilidade nesta via, a especulação imobiliária não aparece de forma intensa, tornando-a, a que possui o menor valor do metro quadrado, variandoentre R$ 80,00 a R$ 150,00.

Com isso percebeu-se que para haver uma (re)utilização do espaço, a fim de que se torne um espaço de consumo, é necessário que haja diversas intervenções (públicas e privadas)nesta área, principalmente voltadas para a questão de infra-estrutura, para que se torne uma local de atratibilidades e amenidades.

A última via a ser estuda é a avenida Recife, localizada na porção sudoeste da cidade, com 7km de extensão, é o principal eixo de ligação entre a zona sul e a zona norte do Recife, cortando um total de oito bairros. Segundo a lei de uso e ocupação do solo, este eixo é classificado como corredor de transporte metropolitano, artéria principal, e tem como função principal atender o tráfego de âmbito regional e metropolitano. Até a década de 50 esta avenida era denominada como Estrada Perimetral, passando a ser chamada de avenida Recife apenas em 1960.

O sítio em que se encontra a atual avenida Recife era ocupado por engenhos que se instalaram nesta área no século XVI. Entretanto, a nova dinâmica de ocupação desta região acontece a partir da década de 40 do século XX, devido a construção do aeroporto, e se consolida na década de 50 com o surgimento dos bairros conhecidos como Vila da SUDENE e Vila do IPSEP, ambas implementadas por políticas governamentais para serem utilizadas como residências de funcionários públicos que trabalhavam nestes respectivos órgãos.

Por ser um eixo de ligação, estavia atraiu uma grande quantidade de residências uni e multifamiliares. No final da década de 70 e início da década de 80, novamente impulsionada pela política federal de habitação, foi construído às margens desta avenida o maior conjunto habitacional do Brasil e o segundo da América Latina.

Na década de 90, vários novos grandes empreendimentos começaram a ser instalados neste eixo (supermercados, shopping, fóruns..). Entretanto, os usos mais representados ao longo desta, salvo o residencial, são os automobilísticos ( postos de gasolina e oficinas). Em geral o comércio e serviço encontrados nesta via são bastante diversificados.

O valor do metro quadrado na avenida Recife varia de R$100,00 a R$ 160,00, decrescendo o preço a medida que vai se afastando do bairro de Boa Viagem. Segundo a lei de uso e ocupação do solo da cidade do Recife de 1996, esta avenida está inserida na ZEA (Zona Especial do Aeroporto), ocasionando em algumas restrições de construção, o que torna a avenida Recife raramente verticalizada; na ZEIS; e na ZECM (Zona de Especial de Centos Metroviários).

Aoanalisarcomo ocorreu a recente ocupação neste eixo, é possível perceber que grande parte do espaço, até a década de 80, foi alvo de especulação por parte do poder público, e conseqüentemente, contribuí para que a partir da década de 90 este espaço passasse a ser consumido de forma mais intensa pelo capital privado.

A avenida Recife configura-se como um eixo moderno e devido a isso está em um forte processo que permite formar uma nova dinâmica no espaço.

Ao analisar todas essas seis avenidas de maneira singular, foi possível perceber quemesmo possuindo características básicas similares,elas possuem peculiaridades, devido a maneira de como foi consumido o espaço ao longo da formação e ocupação de cadaárea. Conseqüentemente, os espaços de consumo tornam-se específicos, de acordo com suas heranças. Porém, os usos não estão totalmente consolidado, aptos a mudanças que poderão acontecerem de acordo com as tendências obedecidas pela dinâmica do espaço.Essa diferenças, semelhanças e peculiaridades desses eixos de circulação intra-urbanos são em conjunto o retrato da evolução e do processo de ocupação e consumo ocorrido na paisagem da região metropolitana do Recife.
 

Bibliografia

ANDRADE, Manoel Correia de Recife: uma problemática de uma metrópole de região subdesenvolvida. Recife: Universitária, 1979, 120p.

BITOUN, Jan. A intervenção no Espaço Urbano: memória e identidade - Ensaio sobre o Recife, Recife: DCG/UFPE, 1992 (mimeo)

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Cidade. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1997. 98 p. ISBN 85-7244-015-1.

CAVALCANTI; Clóvis. A viabilidade do setor informal: a demanda de pequenos serviços no grande Recife. 2°ed. Recife: Massagana, SUDENE, 1983. 160p.il.

CORRÊA, Roberto Lobato, Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 1991, 93p. (princípios)

CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1995, 95 p. (princípios).

FERREZ, Gilberto. Raras e preciosas vistas e panoramas do Recife 1755-1855 coleção pernambucana 2ª fase, v. XII. Recife: Leonardo Dantas Silva, 1981.

FRANÇA, Rubem, Monumentos do Recife. Recife: Governo do Estado de Pernambuco -Secretaria de Educação e Cultura, 1977, 382p.

GOMES, Edvânia Torres A. et. al.Estudo da dinâmica da paisagem do Recife através dos seus principais eixos depenetração metropolitana. Recife 2002 . No prelo

GOMES, Edvânia Torres A. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife: uma abordagem geográfica. 1997. 305f. Tese (Doutorado em geografia humana). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

GOMES, Edvânia Torres A. "Paisagem" Trilha fugaz e permanente na análise dos espaços. In: Revista de Geografia. Recife UFPE/DCG/NAPA, v.11, n.1, p.19-35.Jul/dez 1996.

MENEZES, José Luiz Mota (org.); FILHO, Jaime de Azevedo Gusmão (aprest.); MELLO, José Antônio Gonçalves de (prefácio)Atlas Histórico - Cartográfico do Recife. Recife: FUNDAJ, Massangana, 1988 110p.

SANTOS, Milton. SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record. 2002. 473 p. il.

SANTOS, Milton. O Espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. 142p. (Coleção Espaços)

SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985. 88 p. (Coleção Espaços).

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: HUCITEC, EDUSP, 1978236 p.

SOUZA, Maria Adélia Aparecida de. A identidade da metrópole: a verticalização emSão Paulo. São Paulo: HUCITEC, EDUSP, 1994.

 
 
© Copyright Mariana Zerbone Alves de Albuquerque y Edvania Torres A. Gomes, 2003
© Copyright Scripta Nova, 2003

 

Ficha bibliográfica:
ALBUQUERQUE, M. Z. A. de, GOMES, E. T. A. O consumo do espaço e o espaço do consumo em eixos de circulação interurbanos na região metropolitana do Recife. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(043). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(043).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
Índice de Scripta Nova
Menú principal