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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(065), 1 de agosto de 2003

A FORMAÇÃO DE NÚCLEOS URBANOS NA REGIÃO DE COLONIZAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL

Maria Abel Machado
Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

Vania Beatriz Merlotti Herédia
Universidade de Caxias do Sul/Brasil

A formação de núcleos urbanos na região de colonização italiana no Rio Grande do Sul (Resumo)

Este estudo tem como objetivo apresentar de forma sucinta, os elementos que fizeram parte do processo de colonização no sul do Brasil, decorrente da política imigratória vigente no período imperial e republicano. O povoamento das terras devolutas no Nordeste do Rio Grande do Sul originou com trabalho livre e regime da pequena propriedade os núcleos urbanos que constituíram a região de colonização italiana no Rio Grande do Sul. A descrição desse processo mostra como a organização dos lotes coloniais propiciou o desenvolvimento econômico regional.

Palavras-chave: política imigratória, centros urbanos, zona de colonização italiana.

Abstract

The aim of this study is to present succinctly the elements that were part of the colonization process in South Brazil as a result of the immigration policy in effect in the Imperial and Republican periods. Settlement of vacant land in the Northeast of Rio Grande do Sul originated, with free work and a small property regime, the urban centers which then constituted Rio Grande do Sul's Italian colonization region. The description of this process shows how the organization of colony lots contributed to regional economic development.

Key words: immigration policy; urban centers, italian colonization region.

O processo de colonização no Rio Grande do Sul

O Governo Imperial concedeu em 1848[1], como doação 36 léguas quadradas de terras para a colonização de emigrantes europeus que ocupariam a planície dos Vales do Rio Caí e do Rio dos Sinos. O Governo Provincial do Rio Grande do Sul pressupunha que essas terras estivessem preenchidas pelas colônias de Santa Cruz, Santo Ângelo, Nova Petrópolis e Monte Alverne[2] e solicitava mais terras devolutas do planalto, cobertas de mata virgem, ou seja, dois territórios de quatro léguas em quadro, equivalentes a 32 léguas quadradas para continuar a obra de colonização. Essas terras situavam-se na região da Encosta Superior da Serra do Nordeste da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, localizada entre as bacias dos rios Caí, Antas e Taquari, com os limites geográficos em São João do Montenegro, São Sebastião do Caí, Taquara do Mundo Novo e São Francisco de Paula de Cima da Serra. Essa concessão não era gratuita e o preço estabelecido da terra pelo Império equivalia a 1 real por braça quadrada medida. Devido ao custo elevado, a Província teve de devolver as terras e ao mesmo tempo romper contratos feitos. Isso representava que a Província não tinha condições de assumir os compromissos estabelecidos pela lei.

O processo de colonização do Rio Grande do Sul visava a formação de colônias agrícolas, produtoras de gêneros necessários ao consumo interno implantadas longe da grande propriedade, para não criar problemas à hegemonia do latifúndio, como parte do projeto do Governo Imperial, de ocupar as regiões despovoadas do país na segunda metade do século XIX. Além de implantar novas colônias agrícolas, com mão-de-obra européia, tinha a pretensão de abrir estradas que permitissem a ligação do planalto com a Depressão Central, estimular a imigração, branquear a raça e formar um exército de defesa das fronteiras sulinas.

A Lei de Terras de 1850, n. 601, de 18 de setembro, havia alterado a política de uso da terra, com fins de estabelecer a regulamentação de seu acesso:

Dispõe sobre as terras devolutas no Império e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples títulos de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara[3].

A terra que até então era distribuída segundo critérios do Governo Imperial sofria alterações substanciais a partir da nova legislação, tornando-a objeto de venda e estabelecendo as normas para a sua aquisição, definindo os novos procedimentos de ocupação e facilitando as condições de acesso. Para tanto foi criada uma estrutura oficial responsável pela execução dessa política, representada pela Repartição Geral das Terras Públicas, funcionando na corte sob as ordens do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e nas províncias por meio de seus Delegados, com repartições especiais[4].

A estrutura organizada pelo sistema de colonização oficial, com a necessidade de intensificar o povoamento no sul do país, adequou as regras de ocupação através da Carta de Colonização da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Essa Carta estabeleceu os princípios básicos da colonização na província, definindo as condições de ocupação de terras e a formação dos núcleos coloniais. A colonização deveria ser feita sobre a base de terras devolutas, de acordo com as questões legais[5].

As condições da venda da terra foram definidas pela Carta e cabia ao Presidente da Província fazer as demarcações dos lotes coloniais, respeitando as servidões públicas como praças, igrejas, cemitérios e outros, que a princípio deveriam ser de cem mil braças quadradas pelo preço mínimo de 300$000 por lote. É oportuno lembrar que as terras deveriam ser usadas para a lavoura já que era interesse do Governo Imperial a formação de colônias agrícolas. O prazo definido poderia exceder a cinco anos, entretanto os colonos deveriam pagar 1% ao mês pelo excesso, permanecendo as terras hipotecadas até a quitação da dívida. Os colonos poderiam receber auxílio da passagem para os lotes coloniais, até a quantia de 50$000 com o compromisso de reembolsar no final do prazo estabelecido e também hospedagem até o local de destino. Famílias brasileiras poderiam se beneficiar da oferta. Porém, os colonos que cultivassem a terra o deveriam fazê-lo por meio de suas famílias ou por trabalho assalariado sendo proibido a presença e o trabalho de escravos nas terras dessas colônias.

O estabelecimento de novos núcleos coloniais era de responsabilidade da Inspetoria Especial de Terras e Colonização, onde através de suas secções, tratavam das questões referentes à terra, ao atendimento e ao destino dos colonos europeus. Essa Inspetoria era representada pela Diretoria da Colônia, sendo subordinada ao Presidente da Província[6].

As colônias agrícolas do Nordeste do Rio Grande do Sul foram no início divididas em léguas quadradas, linhas e travessões. Nem todas as léguas possuíam o mesmo número de travessões, dependendo dos acidentes do terreno, visto que as divisões eram feitas de forma geral sobre os mapas, não respeitando os acidentes geográficos de grande relevo[7]. Esse sistema foi parcialmente alterado sendo os travessões substituídos por linhas numeradas, e as léguas, substituídas por secções. O número médio de lotes em cada légua era de 132, enquanto o de travessões era de 32[8]. Desta maneira, os limites de cada colônia eram demarcados pelos travessões que significavam a divisão territorial entre as diversas localidades.

Constata-se que a política de colonização da Província propiciou a formação da pequena propriedade.

A colonização nas terras devolutas do Nordeste do Rio Grande do Sul

Os núcleos de Conde D’Eu e de Dona Isabel foram as primeiras colônias provinciais a serem organizadas no ano de 1870, criadas pelo Ato de 24/05 daquele ano pelo presidente da Província João Sertório.[9] Essas colônias apresentaram uma série de dificuldades para serem povoadas. Em 1871, o fracasso dessa ocupação era visível, pois apenas 37 lotes haviam sido ocupados em Conde D’Eu e nenhum em Dona Isabel.

Devido a essa situação, o Presidente da Província, Francisco Xavier Pinto, assinou um contrato em 29/04/1871, de acordo com a Lei n° 749, com a Companhia Caetano Pinto & Irmão e Holtzweissig & Cia.de introduzir “40.000 colonos industriosos, jornaleiros e principalmente agricultores, no prazo de dez anos”[10]. Uma das condições desse contrato era a introdução anual de 2.000 colonos no mínimo e 6.000 no máximo, devendo a maioria desses serem agricultores. Essa Companhia receberia 60$000 por adulto e 25$000 por menores de dez anos, cabendo à Província hospedar e transportar os colonos até o local destinado[11]. Em 1872, o número de colonos radicados nas colônias foi de 1.354; em 1873, 1.607; em 1874, 508 e, em 1875, foi de 315[12].

Esse contrato foi prejudicado pelo não cumprimento de suas principais cláusulas como também pela concorrência dos agentes do governo imperial, que pagavam por imigrante adulto 70$000, conforme contrato feito com a Mackai Son & Co. e Guilherme Hasfield, de Londres.

 O fracasso da iniciativa levou a Província a devolver o projeto ao Império, conforme aviso n° 56 de 27/10/1875, sendo que o débito do empreendimento da Província atingia, nesse período, 1/6 do seu orçamento, ou seja, 288:000$000.[13] Além de tudo, os novos colonos chegados às colônias recusavam radicar-se nelas por falta de condições apresentadas, no que incorria o não-cumprimento do estabelecido pelos agentes.

A intensificação da corrente imigratória italiana se deu à medida que o contrato com a Companhia Caetano Pinto & Irmãos e Holtzweissig & Cia. se rompeu, e o programa de colonização foi devolvido ao Império. O Governo Provincial, na vigência da lei 749, contratara os serviços de José Antônio Rodrigues Rasteiro para receber e destinar os colonos ao local prometido.[14] À medida que aumentava o número de imigrantes, o Império suspendia os benefícios criados pela lei de 1867, conservando apenas a venda do lote a crédito e trabalho remunerado, ou seja, 15 dias por mês de trabalhos para a direção da Colônia na construção de estradas.

Em 1884, a Província encaminha a emancipação dessas colônias, suspendendo ao mínimo suas responsabilidades. Acreditavam que o sucesso dessas colônias surgiria do trabalho humano e da expansão da agricultura. Com a aproximação da abolição da escravatura, a obra da colonização continuava. Com a Proclamação da República, o Governo Federal através da Delegacia das Terras e da Colonização, assumiu essa grande obra e em 1895 transferiu a responsabilidade desta para o Governo do Estado. Entretanto, em 1892, foram estabelecidas novas regras referentes a colonização do Rio Grande do Sul. Essas regras determinavam que os lotes coloniais não seriam maiores de 30 hectares, preferindo, para a compra dos mesmos, famílias residentes nos núcleos, aos quais seus antecedentes poderiam afiançar o aproveitamento das terras pretendidas.[15] A dimensão das terras para a lavoura seria de 100 hectares e das destinadas à área de colonização, de 400 hectares, tendo cinco anos de prazo para o pagamento final sob condição de perda da própria terra. Quanto às zonas privilegiadas das estradas de ferro, reservava uma faixa de 20 Km em cada margem dos rios navegáveis e das estradas de rodagem, para a formação de núcleos coloniais.[16]

Através da Lei n° 28 há uma nova regulamentação das terras devolutas, da formação dos núcleos, do preço das terras, da cobrança da dívida colonial, das obrigações, da defesa das matas naturais. De 1903 a 1913, a Diretoria do Povoamento do Solo remeteu por conta da União grandes levas de imigrantes sem grandes critérios de escolha. Essa Diretoria elegeu uma inspetora de Povoamento que adiantava aos imigrantes 250$000 para a construção da casa e 150$000 para ferramentas e sementes. A fim de regularizar essa massa imigratória, o Estado firmou com a União, em 1908, um convênio, pelo qual esta se comprometeria a remeter apenas 400 imigrantes por mês, e pagar ao Estado as despesas de hospedagem, à razão de 1$500 por dia e por pessoa, sendo o auxílio família de 400$000. Por outro lado, o Estado deveria devolver à União 150$000 por família estabelecida, à medida que fossem as famílias liquidando os seus débitos.[17]

Esse acordo foi rescindido pelo Estado, em julho de 1913, quando retornou o regime de imigração e colonização espontâneo. Borges de Medeiros, Governador do Estado, justificava essa medida dizendo que o Rio Grande do Sul já possuía um número elevado de imigrantes, por ser sua população agrícola elevada, representando mais de 1/3 da população total.[18]

Através dessa descrição do programa de colonização e das políticas adotadas pelo Governo Imperial e pelo Governo Republicano tem-se uma visão da organização administrativa dos núcleos coloniais e da orientação dada aos primeiros colonos pelas autoridades brasileiras. Esses dados permitem acompanhar a trajetória da formação da zona colonial[19] definida pela política provincial e financiada pelo Governo Geral.

A formação de núcleos urbanos

De conformidade com a legislação que norteava a colonização de terras desocupadas, já mencionada anteriormente, deveria haver uma administração central para cada Colônia, composta por funcionários do governo, responsáveis pela implantação do projeto, que se dividia em várias etapas, iniciando pela demarcação dos lotes rurais, pela distribuição e assentamento dos colonos, pelo atendimento de suas necessidades básicas e iniciais, como o fornecimento de ferramentas, sementes e alimentos que garantissem a sua sobrevivência até as primeiras colheitas. O corpo de funcionários era formado por um diretor geral, um engenheiro, dois ajudantes, um subdelegado de polícia, um médico, um farmacêutico e dois fiscais. A legislação previa também que o diretor da Colônia fosse auxiliado por um Conselho Diretor, composto pelos colonos mais velhos, prática que não foi adotada nas três principais colônias da região, Caxias, Dona Isabel e Conde d’Eu.[20]

Para que fosse instalada a sede da Colônia era escolhido um local, o mais conveniente possível, que deveria se transformar no futuro centro do município, onde passavam a residir os funcionários do governo. Assim, os primeiros edifícios construídos foram a casa da Comissão de Terras e Colonização, o Barracão para receber os imigrantes, um depósito de materiais e almoxarifado, o Cemitério e as residências dos funcionários do governo. Junto aos edifícios principais era construída uma Igreja de madeira, muito simples, atendida por um pároco vindo da Itália, a quem cabia dar assistência religiosa aos imigrantes. Um edifício para a Escola também foi preocupação dos primeiros administradores. Os núcleos logo foram sendo ampliados com a construção de mais moradias para os imigrantes que não se adequavam ou não queriam se dedicar às atividades agrícolas, surgindo os primeiros estabelecimentos de serviços, como oficinas, funilarias, artesanatos, casas de negócios, botequins, etc.

Ultrapassado o período das primeiras safras, quando predominou uma economia de subsistência, começaram a surgir os primeiros excedentes dos produtos agrícolas e agroindustriais, dando inicio a um comércio inter-regional e logo a seguir, estadual e nacional, a despeito das dificuldades de transporte e da precariedade das estradas. A cultura que melhor se adaptou a região foi a videira. Outros produtos como o milho, feijão, batata, trigo, cânhamo, linho e arroz também eram cultivados e garantiam boas safras.

Conforme relato do cônsul italiano em Porto Alegre, Enrico Perrod:

A videira cresce de modo surpreendente. Já no segundo ano dá uva e no terceiro a colheita é abundante [...] Segundo afirmações de muitos colonos, foi precisamente esta riqueza agrícola que reteve os nossos imigrantes. [...] Em Conde d’Eu produziu-se em 1881, aproximadamente 5.000 hectolitros de vinho. No presente ano espera-se obter o triplo.[21]

À medida que a Colônia ampliava as suas atividades agrícolas, o comércio crescia, refletindo-se no surgimento de um grande número de casas comerciais, tanto no núcleo urbano como ao longo das principais vias de acesso e nos centros distritais. Os estabelecimentos de prestação de serviços, oficinas, artesanatos, ferrarias, moinhos, etc., também cresciam graças à dinâmica da economia regional. O núcleo urbano via a cada ano, a ampliação de seu espaço e à medida que diversificava as suas atividades econômicas, se refletia na zona rural e provocava também o seu crescimento. Em apenas três anos do início da colonização, 73,35% do total dos lotes da Colônia Caxias tinham sido vendidos e a Comissão de Terras precisou apressar a demarcação de mais 4 léguas, totalizando 16 léguas.

Dessa forma, as duas zonas, rural e urbana, mantinham estreitos vínculos de ligação; agricultores e moradores da Sede tinham interesses e necessidades comuns, no entanto foi a atividade comercial que modelou a Colônia e organizou o seu espaço econômico.

As feiras também foram adotadas pelos agricultores, para comercializar os seus produtos. Acostumados que estavam com as feiras européias, utilizaram o mesmo modelo e passaram a vender em praça pública, o excedente de sua produção. Na Colônia Caxias a feira era realizada na Praça Dante Alighieri, situada na zona central, nos domingos e feriados religiosos. Os colonos vinham à sede para assistir a missa e aproveitavam para vender seus produtos e fazer as suas compras. A praça se tornava assim um centro comercial dinâmico e um local de alegria e confraternização. Segundo João Spadari Adami:

Nela vendia-se um pouco de tudo: frutos do trabalho agrícola e da engenhosidade de artesãos. Cozinheiras e confeiteiras tinham as suas barracas. Nela trocavam-se notícias de familiares e da comunidade. Nela reuniam-se os amigos e conhecidos. A feira da Praça Dante era um espaço de alegria na vida dos colonos dedicados somente ao trabalho.[22]

Na praça Dante também foram construídos “quiosques”, que eram pequenos estabelecimentos comerciais, onde os moradores da Vila se abasteciam de bens de consumo, especialmente alimentos deixados pelos produtores rurais. Os quiosques mantinham também serviços de bar, restaurante e de jogos e, em alguns casos serviram também de moradia do próprio comerciante.[23] Uma legislação especifica regulamentava a construção e o funcionamento dos quiosques, que, durante muitos anos fizeram parte da paisagem urbana de Caxias do Sul.[24]

No final do século XIX toda a região dava sinais de prosperidade. Muitas pequenas indústrias já tinham sido instaladas. Em Caxias havia 65 moinhos, 41 serrarias, 35 alambiques, 27 ferrarias, 17 engenhos de cana, 9 curtumes, duas funilarias, além de inúmeros outros estabelecimentos. Em Bento Gonçalves[25] havia 12 fábricas de açúcar, 30 de cachaça, 8 de graspa, 7 curtumes, 6 fábricas de chapéus, 3 de cerveja e 3 ferrarias, entre outras.[26]

Como resultado do crescimento que as colônias vinham apresentando, em 1884, foram emancipadas as Colônias Caxias, Dona Isabel e Conde d’Eu, passando à condição de distritos. Em 1890, foi criado o município de Caxias, através da Lei Estadual 257, de 20 de junho, tendo como sede a Vila de Caxias. A administração municipal passou a ser exercida por um Intendente, nomeado pelo governo estadual e um Conselho Municipal, cujos conselheiros eram eleitos pelo voto direto.

As relações entre os colonos imigrantes e os funcionários do Estado nem sempre eram as mais cordiais, ao mesmo tempo havia um considerável descaso às suas reivindicações no sentido da melhoria da infraestrutura local, que permitisse o fluxo normal das mercadorias destinadas à comercialização. As estradas precisavam de mais atenção, devido às péssimas condições de trafegabilidade. Os comerciantes precisavam chegar à capital do estado, eliminando a intermediação dos comerciantes teuto-brasileiros de São Sebastião do Caí e mesmo de Porto Alegre. Para tanto, reivindicavam a construção de uma estrada de ferro que fizesse a ligação desejada, prometida pelo governador Julio de Castilhos, em sua visita a Caxias no final do século XIX. Pediam também um serviço de Correios, a instalação do telégrafo e de telefones, entre outros.

Criar uma associação que reunisse os comerciantes e os empresários dos diversos setores da produção, foi a solução encontrada, a exemplo do que vinha ocorrendo em diversas outras cidades do país. Assim, no dia 8 de julho de 1901, foi fundada a Associação dos Comerciantes de Caxias, reunindo num mesmo grupo personagens antagônicos, de diversas disputas político-ideológicas, mas que tinham interesses comuns a defender. Ultrapassados os primeiros desafios, próprios de uma entidade que inicia o seu trabalho, a Associação não se limitou à busca de soluções ligadas a problemas de infra-estrutura, mas ampliou a sua área de atuação para a representação política, em busca do poder municipal, que nas primeiras décadas do século XX, ainda sofria uma forte interferência do governo estadual e do partido político que o apoiava.[27]

A expansão do comércio possibilitou o crescimento das atividades artesanais e industriais e promoveu na região colonial o aparecimento de grandes indústrias nos setores vinícola, tritícola, madeireira, mecânica, metalúrgica e têxtil. A diversificação desses setores colocou a economia regional no mercado nacional, garantindo sempre a presença dos produtos fabricados nesses municípios, independente das crises setoriais no país. O processo de industrialização nesta zona “não surgiu apenas como processo de substituição às importações”[28]. O crescimento de alguns setores se deu devido à demanda da necessidade dos núcleos coloniais. Entretanto, a capacidade industrial instalada conquistou mercados de outros centros do país, fortalecendo a economia regional.

É oportuno salientar que a agroindústria foi um elemento fundamental no processo de acumulação de capital e serviu de apoio às economias familiares uma vez que propiciava a comercialização do excedente agrícola e ampliava a produção pelo beneficiamento desses produtos. Esse processo fortaleceu e permitiu a expansão dos núcleos urbanos, promoveu a integração das principais atividades econômicas e estreitou as relações entre as zonas rural e urbana. O desenvolvimento da agroindústria propiciou o surgimento de empresas que pela qualidade de seus produtos atingiram o mercado nacional.

O Primeiro Conflito Mundial oportunizou as condições de expansão de indústrias já existentes e o surgimento de novas diante da proibição das importações para atender as necessidades do mercado regional e simultaneamente o mercado como um todo. Convém ressaltar que em 1910, havia sido inaugurada a estrada de ferro, o que agilizou o escoamento da produção dos municípios aos demais mercados e a instalação da rede de energia elétrica contribui para o crescimento das indústrias.

A região de colonização italiana era constituída pelas colônias Caxias, Dona Isabel, Conde D’Eu, Antonio Prado, Alfredo Chaves, Guaporé e Encantado. Segundo Vitalina Frosi e Ciro Mioranza, a configuração dessa região foi determinada pela fase histórica dos fluxos emigratórios. Esses autores classificaram em duas etapas a fase de estabelecimentos dos emigrantes e seus descendentes, localizando a imigração nos núcleos de Nova Milano, Caxias, Dona Isabel, Conde D’Eu na fase de 1875-1884 e nas colônias de Antônio Prado e Alfredo Chaves na fase de 1884-1894. Dessas antigas colônias originaram-se os municípios de Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha, São Marcos, Bento Gonçalves, Garibaldi, Carlos Barbosa, Antonio Prado, Veranópolis, Nova Prata, Nova Bassano, Cotiporã, Guaporé, Muçum, Serafina Correa, Casca, Encantado e Nova Bréscia.[29]. O projeto de colonização constituiu uma região diferenciada das demais regiões do estado do Rio Grande do Sul, por ter características diversas, trazidas na bagagem cultural dos imigrantes e que deram uma nova fisionomia no processo de urbanização do Estado.

 

Referências bibliográficas

1 FREITAS Junior, Augusto Teixeira. Terras e Colonização. Anotados e editados por A.T.F.J. Rio de Janeiro: Garnier, 1982, p. 51.

2 PELLANDA, Ernesto. Aspectos Gerais da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. In: Álbum Comemorativo do 75° Aniversário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo, 1950,p.36.

3 TERRAS E COLONIZAÇÃO. Op. Cit. p.1.

4 A Repartição Geral de Terras Públicas foi organizada pelo Decreto n°1318 de 30 de janeiro de 1854. As Repartições Especiais das Províncias foram criadas pelo Decreto 6129 de 23 de fevereiro de 1876. Op. Cit. p. 41-42.

5 Segundo a disposição do art. 16 da Lei Geral n° 514, de 28 de outubro de 1848 In: PORTO, Aurélio. O Trabalho alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Estabelecimento Gráfico Santa Terezinha, 1934, p. 164 - 165.

6 Art. 14, S 1° da lei n° 601 de 18 de setembro de 1850. Op. cit., p. 30.

7 ADAMI, João Spadari. História de Caxias do Sul, 1864-1962. Caxias do Sul: Editora Paulinas, 1970, p.51.

8 GIRON, Loraine Slomp. O cooperativismo vinícola gaúcho: a organização inicial. In: A presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST/ Fondazione Giovanni Agnelli, 1987, p. 274. Op. cit., p. 109.

9 PELLANDA, Ernesto. Op. Cit. p. 36-37.

10 Ibid.

11 Ibid., p. 38.

12 Ibid., p. 37-39.

13 Ibid., p. 36.

14 Ibid., p. 39.

15 PELLANDA, Op. cit. p. 49.

16 Ibid.

17 Ibid.

18 Ibid.

19 HERÉDIA, Vania Beatriz Merlotti. O Processo de Industrialização na zona de colonização italiana. Caxias do Sul: EDUCS, 1997.

20 COSTA, Rovilio et alli. As colônias italianas Dona Isabel e Conde d’Eu. Porto Alegre: EST – Escola Superior de Teologia, 1999. p. 16

21 Ibid, p. 17. Visita do Cônsul realizada à Colônia Conde d’Eu, em 1883.

22 ADAMI, João Spadari. História de Caxias do Sul. Caxias do Sul: São Miguel, 1966, p. 187.

23 HEREDIA, Varia Beatriz Merlotti. Processo de industrialização da zona colonial italiana. Caxias do Sul: EDUCS, 1997, p.57.

24 MACHADO, Maria Abel. Construindo uma cidade. História de Caxias do Sul – 1875/1950. Caxias do Sul: Maneco, 2001, p. 285

25 Bento Gonçalves era a ex-Colônia Dona Isabel. A Colônia Conde D’Eu teve o seu nome trocado para Garibaldi, ambos heróis da Revolução Farroupilha. A mudança dos nomes se deu com a proclamação da República.

26 GIRON, Loraine Slomp. As sombras do Littorio – o facismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Perlada, 1994, p. 36 e 37.

27 MACHADO. Op. Cit. P. 167.

28 HERÈDIA, Vania B. M. Op. Cit. p. 69.

29 FROSI, Vitalina e MIORANZA, Ciro. Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Movimento, 1975. p.54.

 

© Copyright Maria Abel Machado y Vania Beatriz Merlotti Herédia, 2003

© Copyright Scripta Nova, 2003

 

Ficha bibliográfica:
MACHADO, M. A. y HERÉDIA, V. B.
A formação de núcleos urbanos na região de colonização italiana no Rio Grande do Sul. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(065). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(065).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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