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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(134), 1 de agosto de 2003

REESTRUTURAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL E A SEGREGAÇÃO DA VIVENDA: OS CASOS DE SANTIAGO DO CHILE, MENDOZA E BUENOS AIRES

Mara Lúcia Falconi da Hora Bernardelli
UNESP, Brasil

Celso Donizete Locatel
UNESP, Bolsista CAPES, Brasil

Reolarde Ramalho Barbudo
FEF e Unicastelo, Brasil

 
Reestruturação sócio-espacial e a segregação da vivenda: os casos de Santiago do Chile, Mendoza e Buenos Aires (Resumo)
 
As mudanças ocorridas na dinâmica econômica mundial, principalmente nas duas últimas décadas do século XX, desencadearam importantes transformações nos processos de produção e apropriação do espaço urbano, em especial nas áreas metropolitanas da América Latina. Essas transformações se refletem na reestruturação sócio-espacial da cidade, que tem como consequência o agravamento da segregação. Assim, buscou-se analisar as formas de habitat urbano, ressaltando a dimensão da moradia, uma vez que esta não é simplesmente produto, mas também condição para a (re)estruturação do espaço urbano. Para tanto, adotou-se como metodologia o trabalho de campo, nas áreas metropolitanas de Buenos Aires e Mendoza, na Argentina e de Santiago, no Chile, como ponto de partida para a análise desse fenômeno a partir de uma realidade concreta, já que as áreas metropolitanas se apresentam como espaços propícios para a territorialização das novas dinâmicas econômicas, sociais e políticas.
 
Palavras chave: novas dinâmicas econômicas, produção do espaço urbano, segregação sócio-espacial, moradia.

Socio-spatial restructuring and segregation of the housing: the cases of Santiago of Chile, Mendoza and Buenos Aires (Abstract)

The changes in the world economic dynamics, mainly in two past decades of the 20th century, have developed important transformations in the production and appropriation of the urban space processes, especially in the metropolitan areas of Latin America. Those transformations are reflected in the socio-spatial restructuring of the city as a consequence of the segregation process increase. For this reason we analyse the forms of urban habitat, establishing the implications of the housing, not only as a simply product, but also as a condition for the urban space (re)structuring. Therefore, we adopts as methodology the research in the field - in the metropolitan areas of Buenos Aires and Mendoza in Argentina and of Santiago in Chile - as a starting point for the analysis of that phenomenon. We start, then, from a concrete reality, since the metropolitan areas are presented as favourable spaces for the territorialization of the new economic, social and political dynamics.

Key words: new economic dynamics, production of urban space, socio-spatial segregation, housing.

O final do século XX foi marcado por uma série de transformações nas formas de produzir e na gestão do trabalho, nas formas de cultura e lazer, nas estratégias e formas de organização dos movimentos sociais, na gestão pública e atuação do poder público, na forma de organização do espaço.

Todas estas transformações, que vem sendo operadas em ritmos e intensidades diferenciados nos mais diversos lugares do mundo, são consonantes à atual fase atravessada pelo capitalismo, marcada pelos processos de globalização e mundialização, e promovido e (re)definido novas estruturas territoriais de produção, de consumo (sendo aqui entendido de forma ampla, abarcando informações, mercadorias, valores e, de forma singular, o espaço), de gestão, novos fluxos (de mercadorias, informações, idéias, pessoas), dando origem a constituição e consolidação de redes também diferenciadas.

Além destes aspectos mencionados, há que se acrescentar a emergência e acentuação de formas de fragmentação e segregação sócio-espacial, sendo necessário interpretá-las como parte integrante do processo em curso.

As transformações resultantes das novas dinâmicas econômicas são mais perceptíveis no espaço urbano, especialmente nas áreas metropolitanas[1]. Logicamente, as metrópoles constituem-se em "terreno fértil" para a territorialização das novas dinâmicas por se apresentarem estratégicas à reprodução do capital (maior concentração de capitais, onde já estão localizadas as grandes instituições e empresas - nacionais, multinacionais e transnacionais) [2].

Se, por um lado, neste espaço o processo de globalização pode ser melhor percebido, por outro, a fragmentação expressa-se de modo acentuado. É expressiva a presença de grande número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza e de miséria, bem como o número de desempregados - marcas da exclusão social. A diferenciação sócio-econômica e espacial é assim, tanto uma característica das metrópoles como uma conseqüência do processo de metropolização; a diferenciação socio-econômica entretanto, é, antes de mais nada, resultado da divisão da sociedade em classes, da divisão social do trabalho e da forma como, no capitalismo, ocorre a produção e a apropriação de riquezas.

A reestruturação do espaço urbano pode ser verificada a partir de uma série de dinâmicas, por sua vez vinculadas ao processo de urbanização. Deve-se destacar que a globalização, ao promover mudanças na divisão internacional do trabalho - ao mesmo tempo resultante da globalização e condicionante desta - implica em mudanças em outras escalas da divisão territorial do trabalho, havendo repercussões no nível nacional, regional e local, portanto repercutindo no processo de (re)produção do espaço.

Podemos identificar dois processos subjacentes atualmente marcantes nesta dinâmica: a concentração e a desconcentração. O primeiro[3] tem sua lógica atrelada ao próprio fenômeno da metropolização, especialmente ligado à produção das chamadas "economias de aglomeração", aqui pensadas não somente como interessantes para o capital produtivo - setor industrial, beneficiado com a concentração espacial (por conta da centralização da mão-de-obra, de um mercado diversificado, de empresas diversas e complementares, que viabilizam, possibilitam a reprodução ampliada), para o setor comercial e de serviços. A implementação dos meios de consumo coletivos (infra-estrutura, equipamentos e serviços), beneficia também o capital imobiliário, que se apropria da produção social da cidade, neste caso tanto resultado da ação do poder público, enquanto produtor da infra-estrutura, e também do setor privado, já que este é importante agente da produção da cidade (produção de imóveis dos mais variados usos, de um simples "barzinho", ou casas, à construção de "complexos empresariais" e grandes shopping centers, obviamente, aproveitando-se das ações do poder público, que implementa os meios de consumo coletivos).

É necessário lembrarmos que as contradições resultantes deste movimento desencadeiam, paradoxalmente, o processo inverso, qual seja: a desconcentração[4]. Esta, por sua vez, pode ser verificada na saída de unidades produtivas das metrópoles[5] (lembrando que a gestão, geralmente permanece no centro metropolitano) e também através da "dispersão urbana" (dos assentamentos: como conjuntos habitacionais, condomínios fechados, cidades satélites, loteamentos de chácaras[6]; do desdobramento das atividades de comércio e serviços dos centros tradicionais, originando daí novas centralidades). Estas transformações redefinem a relação centro-periferia, bem como reafirmam a fragmentação.

No que concerne ao habitat urbano, foco central desta análise, cumpre ressaltar que sua dimensão não se esgota na moradia (vivienda), uma vez que esta não é simplesmente produto mas também condição para a (re)produção do espaço urbano, aí incluído o redirecionamento de fluxos, valorização imobiliária e, portanto, da apropriação diferenciada da cidade, do acesso ou não à esta em sua totalidade.

A análise deste fenômeno pode ser verificada a partir da realidade concreta, em especial das áreas de maior aglomeração, por se constituírem em um "campo fértil" para a territorialização das novas dinâmicas econômicas (que também têm decorrências sociais, políticas, culturais e ideológicas). Assim, serão consideradas as áreas metropolitanas de Buenos Aires e Mendoza, na Argentina e de Santiago, no Chile, que foram objeto do trabalho de campo realizado como parte da disciplina Dinâmica Econômica e Novas Territorialidades, do Programa de Pós-Graduaçao em Geografia, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), cursada no ano de 1999.

A (re)produção do espaço urbano: legalidade e ilegalidade materializados na paisagem

Para se compreender o processo de territorialização da nova dinâmica econômica em Buenos Aires e Santiago, faz-se necessário considerar que o processo de produção do espaço está imbricado ao processo de produção e reprodução ampliada do capital que se dá de forma desigual e combinada[7]. Assim, as contradições geradas se territorializam, também desigualmente, logo, a fragmentação manifestada espacialmente é resultado da produção e apropriação diferenciada da cidade, da renda, do lucro, da produção etc., ou seja, resultado da sociedade dividida em classes, em que a divisão técnica, social e territorial do trabalho é um dos elementos fundantes, portanto não se está diante de um espaço dual, mas de uma processualidade que é condicionada/produto de uma totalidade sócio-espacial.

Este não é um processo (em termos gerais) que se possa restringir somente ao caso da constituição da metrópole na Argentina e Chile, porém que se manifestou/manifesta em outros países latino-americanos, como nos casos do México e do Brasil (e logicamente, com suas singularidades, em outros países do mundo), ainda que se apresentem com intensidades, velocidades e especificidades próprias à cada formação econômico-social, portanto, também na dimensão espacial.

É certo que, apesar da diferencialidade existente nas cidades visitadas em relação à realidade brasileira, há muitos elementos comuns quando se trabalha a problemática urbana, especialmente no caso das metrópoles.

Há três aspectos que se fazem presentes quando discutimos a problemática habitacional ou de moradia. O primeiro é que a propriedade privada é um dos principais aspectos da questão. A existência da instituição jurídica da propriedade privada garante aos que detém este "direito" cobrarem dos que não o possuem, seja para ocupar terrenos ou moradias, no campo ou na cidade, através da venda ou aluguel do imóvel.

O segundo aspecto refere-se a possibilidade efetiva de acesso à moradia, perpassando, portanto, pela questão salarial. A existência da propriedade privada coloca a necessidade de se pagar pela terra e moradia para poder ocupá-las. Portanto, o acesso à habitação relaciona-se diretamente a capacidade/possibilidade de possuir rendimentos suficientes para o seu pagamento, seja através do aluguel ou da compra do imóvel.

Este aspecto apresenta desdobramentos na medida em que o nível salarial dos países considerados são baixos e agravados pela atual conjuntura de desemprego e crise. Muitos cidadãos (se é que se pode falar de cidadania nestes casos) mal conseguem alimentar a família com ospisos salariais existentes, pior ainda no que diz respeito ao acesso a uma moradia.

Um terceiro aspecto importante refere-se a divisão social do trabalho, uma vez que a moradia nas cidades implica na aquisição de considerável volume de bens (da alimentação aos bens de consumo coletivos), presentes de forma diferenciada no campo [8].

As cidades, conforme já salientamos, são marcadas pelas grandes diferenças econômicas, sociais, intra-urbanas e inter-urbanas, pela diversidade espaço-temporal, cultural, que se manifestam na produção do espaço, conforme destaca Rodrigues (1990):

Desde as mansões até os cortiços e favelas a diversidade é muito grande. Esta diversidade deve-se a uma produção diferenciada das cidades e refere-se à capacidade diferente de pagar dos possíveis compradores, tanto pela casa/terreno, quanto pelos equipamentos e serviços coletivos. Somente os que desfrutam de determinada renda ou salário podem morar em áreas bem servidas de equipamentos coletivos, em casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar, vivem em arremedos de cidades, nas extensas e sujas "periferias" ou nas áreas centrais ditas "deterioradas". Nestes arremedos de cidades, há inclusive os que "não moram", vivem embaixo de pontes, viadutos, em praças, em albergues, não têm um teto fixo ou fixado no solo. Nestes arremedos de cidades, mergulha-se num turbilhão de miséria, de sujeira, o que torna cada dia mais difícil ter força para resistir a estas cidades e aos efeitos da miséria[9].

Ou seja, em verdade, a crise ou carência de moradias, ocorre paralelamente à oferta de grande número de imóveis, assim como a implementação de bens de consumo coletivo não dependem do tempo de existência dos bairros e da densidade populacional, mas se relacionam à renda efetiva dos segmentos sociais que os ocupam, bem como de seu poder político.

Nesta linha de raciocínio não é possível entender como neutras as políticas e investimentos priorizados pelo poder público, bem como os lugares em que os recursos (públicos) são territorialmente materializados.

Da mesma maneira a superconcentração populacional nas metrópoles não pode ser entendida somente como decorrente de acelerado crescimento populacional e a migração campo-cidade (no caso brasileiro, que tem raiz em uma estrutura fundiária extremamente concentrada), mas que foi orientado por uma política de investimentos vultosos, dos setores públicos e privados, nestas áreas. Neste sentido Sposito (1991) destaca que

...os ritmos acentuados de crescimento populacional urbano e a superconcentração de capital nacional e internacional nas metrópoles para a criação da infra-estrutura necessária à reprodução capitalista, promoveram um aumento crescente de população não empregada que se "aloja" e não "habita" nos maiores centros. Este processo de "inchaço", manifesta-se numa série de "problemas" urbanos[10].

Estes problemas não são das cidades e sim ocorrem nas cidades, como expressão das contradições geradas por um sistema econômico excludente e desigual.

Tais problemas manifestam-se de modo mais expressivo e são mais visíveis nas regiões metropolitanas. Os pobres habitam as áreas desvalorizadas, públicas ou desinteressantes para o setor imobiliário, inclusive em áreas de proteção ambiental (onde não há fiscalização).

Os investimentos públicos são concentrados em pontos da cidade, beneficiando o mercado de terras e os setores ligados à reprodução do capital, mais privilegiados que os destinados à reprodução da força de trabalho.

Outros pontos fundamentais, que se colocam hoje na discussão da produção do espaço urbano, fundam-se no paradoxo existente entre a legalidade e a ilegalidade, o moderno e o arcaico manifestos na cidade.

Para Maricato (1996), há um grande desconhecimento da cidade concreta, ao mesmo tempo em que há uma profunda separação entre a cidade real e a ordem legal. Assim, a segregação urbana, a violência, o aumento da pobreza, entram em conflito com a "cidade virtual", representação das elites para "escamotear" a realidade e mesmo no interior do próprio aparelho burocrático (poder público) comparece tal dicotomia.

Trata-se de uma "unidade contraditória", resultado do processo de desenvolvimento do capitalismo, da sociedade de classes, em que o atrasado e o moderno são parte da mesma lógica. Assim, o crescimento econômico apresenta como principais características a concentração (de renda, de terra, de poder) e a profunda exclusão social, temos então a "modernização com exclusão"[11].

Apesar de tratar da questão tomando como exemplo o caso brasileiro, em especial a metrópole de São Paulo, concordamos com a autora e entendemos que o planejamento oficial muitas vezes ignora os problemas da cidade concreta, preferindo deter-se na regulamentação/legislação rigorosa do uso do solo e zoneamento urbano voltado para o mercado imobiliário, havendo pouco interesse em buscar soluções para os problemas enfrentados pelos que habitam em ocupações ilegais de terras, que constroem suas casas sem atender às exigências urbanísticas.

Também é certo que diferentes classes sociais desenvolvem diferentes representações sobre a cidade, corroborada pela fragmentação do espaço, resultado da divisão técnica e social do trabalho (e do espaço), dificultando a apreensão da "cidade real" em sua totalidade[12].

Na organização do território de uma área metropolitana, segundo Bozzano (1997), estão presentes processos e fenômenos tão entrelaçados que se torna difícil diferenciar as lógicas de ocupação territorial. Para este autor, o território urbano se organiza a partir de articulações de racionalidades sociais, econômicas e ambientais, que são intermediadas por uma racionalidade política.

Diversos autores têm ressaltado que novas configurações do habitat vem sendo produzidas e localizadas em áreas periféricas e suburbanas da metrópole, sendo que podemos destacar: a) a instalação de grandes conjuntos habitacionais (muitas vezes construídos com financiamentos do poder público), que por sua vez acabam por estimular o surgimento de serviços e comércio para o consumo (farmácias, salões de beleza, açougues, pequenos mercados, oficinas, etc.); b) instalação em cidades na periferia das áreas metropolitanas, objetivando a desconcentração urbana [13] e preços fundiários mais baixos; c) implementação de novos loteamentos para a classe média e alta (não raro em condomínios fechados e chácaras para moradia ou lazer, vendendo idéias como: "viver bem", "segurança", "verde", "tranqüilidade", "status social", etc. [14]); d) especialmente para as metrópoles dos países considerados em desenvolvimento, caso aqui tratado, acrescentaríamos a proliferação de favelas e loteamentos irregulares (moradia daqueles que atualmente, além de negado o "direito à cidade", também sofrem com a negação do "direito ao trabalho", lugares onde equipamentos, serviços, infra-estrutura e lazer, estão ausentes ou são precários).

O habitat das classes de baixa renda: ocupações ilegais de terra, autoconstrução e conjuntos habitacionais

"Villas Miséria" é o nome dado na Argentina às ocupações ilegais de terra, geralmente sobre terrenos públicos (assim como no Brasil, onde recebe o nome de "favelas"), sobre os quais se erguem os assentamentos urbanos daqueles que não podem pagar por uma moradia digna. No Chile o termo utilizado é "callampas". Estas áreas se apresentam, quase sempre, destituídas de infra-estrutura, serviços e equipamentos urbanos de qualidade, apesar da elevada concentração de pessoas aí residentes.

Este fenômeno surgiu na Argentina há cerca de quarenta anos e os habitantes, atualmente (o perfil modificou-se nos últimos anos), constituem-se principalmente de imigrantes, sendo que a expressiva maioria encontra-se em situação ilegal no país e provém, geralmente, dos países limítrofes (maior parte é composta por bolivianos e paraguaios). Nos últimos anos, segundo informações obtidas pela prefeitura de Buenos Aires, com a realização de um Censo, a população habitante das favelas cresceu cerca de 15%. Há, apenas na cidade de Buenos Aires, 15 "villas miséria", onde"se alojam" cerca de100 mil pessoas [15] (Figura 1).

 
Figura 1. Grande Buenos Aires: exemplo de "villa miséria".
Foto dos autores.

 

Na década de 1970, durante o Regime Militar, houve a remoção de pobres para a periferia (para os municípios) da Região Metropolitana, numa política de "higienização" da capital, também voltada para a consolidação de Buenos Aires como importante cidade turística do país.

Maricato (1996) tece importante consideração a respeito da "lógica" que precede a retirada de favelas e destaca que

...enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferência do Estado. A partir do momento em que os imóveis adquirem maior valor de mercado por sua localização, as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial. É o que se depreende dos dados históricos e da experiência empírica atual. A lei do mercado é mais efetiva do que a norma legal.[16].

Revela-se interessante que, apesar do fenômeno estar presente, de um modo geral, em diversas partes da metrópole de Buenos Aires, há uma concentração deste na sua porção sul. Também é no sul que localizam-se as áreas mais baixas e, portanto, mais sujeitas às inundações, as áreas consideradas "cemitérios industriais" (há muitos frigoríficos desativados), as áreas mais pobres, degradadas e com menores inversões econômicas [17]. Em La Cava há uma "villa miséria" de grande proporção, em Quilmes há "villas" semelhantes às palafitas brasileiras (por estar em área de inundação).

No bairro de La Boca, próximo ao antigo porto, o habitat é bastante característico: as casas são, em grande parte, de dois pavimentos, feitas em zinco, muitas delas coloridas. Esta área passou por intenso processo de deterioração, a maioria dos imóveis apresentam-se bastante degradados, as "villas" também fazem parte da paisagem e muitas das ruas (próximas ao rio) ficam alagadas. Porém, com o incremento do turismo na área (por ser um bairro boêmio, com venda de artesanato e apresentações culturais, de danças como o tango e música), não é difícil concluir que haverá nova modificação, de certa forma já sugeridas por prédios (6 a 8 andares) residenciais recentemente construídos, de padrão médio.

Grandes equipamentos como shopping centers e hipermercados estão mais presentes na porção norte da metrópole, haja visto que o nível de consumo dos habitantes da porção sul é visivelmente mais baixo, não estimulando muitos investimentos de vulto. Porém, atualmente, a implementação da autopista Buenos Aires - La Plata [18] têm provocado o crescimento da especulação imobiliária e, apesar da segregação já apontada, esta "transmutação rentista", com chácaras rurais passando a ser incorporadas ao estoque urbano de terras, pode vir a promover intensificação das contradições sociais, reforçando/estimulando ainda mais a segregação sócio-espacial.

Isto porque o mercado urbano de terras não funciona baseado unicamente na lei da oferta e da demanda, ou seja, não necessariamente ampliando-se o estoque de terras disponíveis o preço tenderia a cair. Este fato relaciona-se especialmente aos atributos externos (extrínsecos) dos terrenos: proximidade de equipamentos (públicos ou privados), infra-estrutura, serviços, fatores relacionados à "vizinhança", localização na malha urbana, acessibilidade (proximidade de avenidas, rodovias, facilitando o deslocamento), entre outros. Ou seja, a incorporação de mais terrenos, com menores vantagens, em tese, aumentam ainda mais os preços dos terrenos que já se encontram em áreas mais estruturadas da cidade. Nesta lógica, o preço da terra tende a subir e não a cair.

Em Mendoza verificamos a existência de "villas" em terreno da Faculdade de Medicina, bem como bairros irregulares. Pelo fato de um dos principais problemas enfrentados ser a falta de água (chove cerca de apenas 250mm anuais), a população pobre acaba por sofrer mais em períodos de racionamento.

O processo de "higienização do espaço urbano", com a retirada de moradores das ocupações ilegais, especialmente das áreas interessantes ao mercado imobiliário, e sua remoção para áreas mais periféricas, não é exclusividade somente de um governo ou país [19]. Prática semelhante à ocorrida em Buenos Aires, em relação as "villas" também foi verificada nas "callampas" no Chile. Para Ducci,

...la segregación socioeconómica de la capital, tradicionalmente reconocida por la existencia de um "barrio alto", fue especialmente agudizada durante el gobierno militar cuando se implementó un "programa de erradicación de poblaciones" que "limpió" al barrio alto de los campamentos y poblaciones que ocupaban terrenos en el sector nororiente"[20].

Em Buenos Aires a segregação social e econômica é ainda agravada com a segregação espacial, haja visto que o elevado custo do transporte termina por tornar "proibido" para os segmentos que habitam a periferia metropolitana o acesso a um conjunto de equipamentos (de saúde, de educação, também mais concentrados na porção norte metropolitana), que agrava ainda mais a carência e a exclusão, ou seja, ampliam o fosso social existente [21].

A discriminação sofrida pelos que habitam as favelas é outro problema a ser enfrentado, especialmente em relação à oportunidades de trabalho e obtenção de crédito, uma vez que o "endereço", já representa uma barreira. A reflexão feita por Kowarick (1979) [22], para o caso brasileiro, pode ser representativa também para outros países latinos. Para esse autor,

...a favela é percebida como um atestado potencial de má conduta. Ao contrário do que muitos pensam ela não concentra uma população com características de lúmpem.(...) impera o trabalhador assalariado ou autônomo que leva adiante a engrenagem produtivo[23].

Porém também é preciso lembrar que o agravamento da crise econômica na última década do século XX, e o desemprego dela resultante, representou menores oportunidades, especialmente se considerarmos que a ampliação das exigências dos empregadores (idade, nível de escolaridade, experiência anterior e especialização em certas áreas), têm agravado o quadro para estes segmentos.

Mesmo habitantes integrantes do mercado formal de trabalho muitas vezes são excluídos do "direito à cidade", sendo difícil definir o limite excluídos/incluídos, sendo porém fácil caracterizar a exclusão, assim como "...a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, sobretudo, a ausência de cidadania." [24].

Portanto a existência das ocupações ilegais demonstra que há certa tolerância sobre o "direito de ocupar" (desde que a respectiva área não seja de interesse do mercado imobiliário), mas não há o direito à cidade e à cidadania (incluindo acesso aos meios de consumo coletivos e à "condição habitacional legal").Tais direitos implicam em transformações na sociedade, na economia, na política, no mercado, na propriedade e na forma como ocorre a produção do espaço [25].

Os investimentos na periferia não contam para a dinâmica do poder público, como os próprios excluídos não contam para a cidadania ou para o mercado. E, o que é mais trágico, a priorização das políticas sociais, de complexa visibilidade, freqüentemente não conta nem mesmo para os próprios excluídos, cujas referências são a centralidade e a modernidade dominantes [26].

No Chile não vimos "ocupações ilegais" [27] de grandes proporções, porém há "callampas" com pequeno número de barracos, bastante espalhadas pelo tecido urbano, denunciadas pela maior precariedade. A exceção foi a existência de aproximadamente 400 barracos, localizados às margens do Rio Mapocho entre as comunas de Las Condes e Lo Barnechea. Trata-se de uma zona da cidade (nordeste) ocupada (na expressiva maioria) por classes de alta renda, lócus de concentração de muitos loteamentos e condomínios horizontais e verticais de elevado padrão. Já houve inúmeras tentativas de erradicação e quando a população moradora é removida para outras áreas da metrópole, outras pessoas ocupam a mesma área[28].

Em Santiago, as zonas ocupadas por classes de baixa renda concentram-se especialmente na porção oeste e sul, a exemplo de Conchalí, Pudahuel, La Granja, La Cisterna, La Pintana, e das cidades satélites de Quilicura (onde verificamos habitações bastante precárias e de classe média baixa) e Puente Alto [29].

A autoconstrução é mais presente, havendo bairros inteiros em que o próprio morador e sua família constroem suas casas sobre terrenos adquiridos (muitas vezes em prestações) em bairros geralmente distantes do centro, pouco arborizados, com carente infra-estrutura. O aspecto de inacabado, a precariedade, a aparência insalubre, o tamanho (do lote e da casa) não raro pequeno para o número de moradores, muitas vezes em áreas de topografia inadequada à construção são características presentes. Ainda assim, em função dos próprios materiais utilizados na construção da moradia, possuem menos aspecto de improvisados que as áreas favelizadas e, em geral, materiais de qualidade superior ao que comumente é utilizado em ocupações ilegais, onde o improviso de materiais é mais evidente.

Sobre a produção social de habitação dos países em análise verificamos também muitos pontos em comum com os conjuntos habitacionais existentes no Brasil. A localização dos grandes conjuntos ocorre na periferia, como resultado dos preços mais baixos da terra, o que, num primeiro momento, representa um custo mais baixo (por unidade), porém obriga a outras inversões em função da ausência dos bens de consumo coletivos necessários e das dificuldades relativas aos transportes coletivos e a acessibilidade. Na Argentina, verificamos a existência de conjuntos habitacionais financiados com recursos públicos em praticamente todos os municípios que compõem a Grande Buenos Aires (em Quilmes, La Plata, Berazatequi, entre outros). Em Santiago, tais problemas sao muito presentes com a execução do "Programa de Erradicación de Campamentos" desenvolvido pelo poder público na Região Metropolitana, que erradicou "callampas" e construiu conjuntos na periferia, em lugares como La Pintana, Puento Alto e Renca.

Problemas como grande distância de escolas e postos de saúde são evidentes, sendo que, geralmente, nas proximidades dos lugares onde se localizavam as "callampas" (regiões valorizadas de Vitacura e Los Condes, áreas de alto padrão residencial) o acesso a serviços e equipamentos coletivos era maior e com melhor qualidade (que entretanto desagradava aos setores imobiliários com negócios no local, pois as "callampas" são consideradas como externalidades negativas).

A forma de crescimento da periferia de Santiago tem provocado sérios problemas, como ocupações indiscriminadas do solo próximo a rios, em áreas suscetíveis a inundação (inclusive no setor ocupado por classes de alta renda como em Renca e Cerro Navia). A expansão urbana sobre o "piedmont cordillerano", traz riscos de desabamentos e deslizamentos das encostas como em Lomas de Lo Aguirre, onde há um conjunto habitacional de alto padrão construído no sopé de uma montanha, além de ocuparem áreas de risco em razão dos constantes abalos sísmicos sentidos.

O setor sul e oeste de Santiago concentra zonas ocupadas por classes médias, como é o caso de Nuñoa, Maipú, La Reina. Maipú, cidade satélite (cerca de 250 mil habitantes), praticamente conurbada com Santiago, é uma área predominantemente residencial (anteriormente agrícola), transformada com o desenvolvimento industrial em área de habitação operária. Muitas casas apesar de apresentarem construção padronizada foram produzidas pela iniciativa privada [30].

Entre 1964 e 1970 a autoconstrução foi bastante incentivada pelo poder público, com financiamento do terreno e de parte do material de construção, assemelhando-se ao padrão de muitas vilas operárias. Também entre 1965 e 1973 foram construídos conjuntos habitacionais financiados, com edifícios de quatro pavimentos, com quatro apartamentos por piso, e área de 70 m2 [31].

Especialmente a partir dos anos 80 a política governamental só atende cerca de 20 por cento da população mais pobre [32], com a construção de casas de tamanho menor (20 a 40 m2), as iniciativas resultam de parcerias entre as prefeituras (poder local) e o Ministerio de la Vivienda y Urbanismo (MINVU). Atualmente muitos dos conjuntos habitacionais são constituídos por edifícios de três ou quatro pavimentos, de 40 a 47 m2, usando a redução da área como fórmula para rebaixar os custos (Figura 2).

 
Figura 2. Conjunto habitacional popular na periferia da Grande Santiago.
Foto dos autores.

 

Mesmo Santiago apresentando a mesma lógica de segregação sócio-espacial, no geral, as condições de moradia da população mais pobre é superior à observada em Buenos Aires e também no Brasil, o que pode ser atribuido a menor concentração de renda nesse país e conseqüente melhor distribuiçao de recursos públicos.

O habitat urbano das classes de alta renda

Já apontamos anteriormente algumas das lógicas que estão presentes na produção e (re)estruturação do espaço. Vimos que as dinâmicas econômicas, sociais e políticas têm repercussão espacial, bem como o espaço coloca-se como condição para que estas ocorram como parte de um processo complexo e contraditório no capitalismo. Tais dinâmicas concorrem para as mudanças de preço da terra e, em conseqüência, podem redefinir o uso do solo e as classes sociais que se apropriam de determinado lugar.

Não é difícil identificar na paisagem urbana os contrastes entre os lugares ocupados pelas diferentes classes sociais na cidade, sendo características daqueles ocupados pelas classes de renda elevada: prédios de apartamento de vários pavimentos, loteamentos e condomínios de alto padrão, arborizados, terrenos grandes, casas (ou apartamentos) amplos e material de boa qualidade empregado nas construções, locais bem servidos por infra-estrutura, ruas e praças bem cuidadas.

Muitos dos loteamentos e condomínios fechados não são mais do que "bairros-dormitório", opção das classes de alta renda que fogem da poluição, da violência, do congestionamento do centro metropolitano (cidade principal), da falta de áreas de lazer, da ausência de segurança. A segurança privada é viabilizada com a contratação de guarda particular e guaritas em locais estratégicos para se fazer a vigilância e assegurar a exclusividade e com o "cercamento" do loteamento e, portanto, com a privatização das vias, das ruas, das áreas verdes, que se tornam de uso exclusivo de seus moradores e de seus convidados, criando o que muitos denominam de "enclave urbano" [33].

Nas campanhas publicitárias tais loteamentos são oferecidos com atributos muitas vezes externos, porém, conforme já discutimos, fatores como localização, acessibilidade, externalidades e meios de consumo coletivos também são incorporados aos preços praticados pelos incorporadores e proprietários de terra.

Tal forma de produção e apropriação do espaço urbano ficou patente nas metrópoles e cidades visitadas.

As áreas consideradas mais valorizadas em Santiago ficam localizadas no nordeste, onde inclusive localizou-se o primeiro shopping construído na metrópole. Esta zona é considerada a mais moderna, com arquitetura arrojada, vários shopping centers, loteamentos e condomínios de alto padrão (Las Condes, Lo Barnechea, Vitacura, La Reina). Também há uma concentração deprédios de apartamentos luxuosos nesta parte de Santiago, inclusive com alguns destinados exclusivamente à imigrantes e descendentes de origem alemã, palestina e belga-francês, representando mais uma faceta da segregação.

Em função dos menores preços dos terrenos periféricos, há também produção de loteamentos destinados às classes de renda elevada, em que o sonho do "viver com qualidade" do norte-americano se concretiza para essa parcela da população, na possibilidade de comprar áreas maiores para fazer casas rodeadas de jardins [34].

Em Santiago, no condomínio em construção "Santuario del Valle, Camino Los Trapenses", a vista privilegiada dos Andes é transformada em mercadoria incorporada aos terrenos e preços, como pode ser observado no material feito para o "marketing imobiliário", em que se lê "...una reserva de vida para quienes comprenden la naturaleza y quieren convivir com ella." Ou ainda: "Un Santuario en el Camino de Los Trapenses que lo espera al final del dia, en donde se albergan los tesoros mas preciados: el hogar, la familia, los sueños- la tranquilidad"[35].

A principal vantagem oferecida é morar próximo a um grande centro, sem entretanto ter de enfrentar cotidianamente os "problemas urbanos". Levanta-se ao redor do loteamento a "muralha" e tem-se a impressão de isolamento dos principais problemas metropolitanos.

Tais elementos estão presentes também em Buenos Aires, sendo especialmente na porção norte que se concentram os loteamentos de elevado padrão. Ducci (1998) destaca que

...en la periferia de Buenos Aires en los últimos años se han desarrollado cientos de "countries" o "clubs" residenciales completamente aislados por altos muros y acceso exclusivo. Esta característica ha pasado a ser un símbolo de estatus, al grado de que la publicidad de uno de ellos lo señalaba como ´una nueva ciudad medieval´[36].

Atualmente muitos destes loteamentos de alto e médio padrão oferecem também ao comprador projetos arquitetônicos para as casas, inclusive responsabilizando-se pela construção destas. Em Lomas de Zamora as residências do condomínio tem padrão bastante semelhante, inclusive nas cores utilizadas na pintura dos imóveis, como pode ser observado na Figura 3.

 
Figura 3. Grande Buenos Aires: condomínio fechado em Lomas de Zamora.
Foto dos autores.

 

Para Ducci (1998) o modelo de crescimento periférico acelerado que tem caracterizado Santiago, corresponde àquele verificado principalmente nos EUA, marcado pela descontinuidade, com zonas de alta especialização funcional. Referido modelo decorre das limitações enfrentadas pelo planejamento territorial, implementado em 1994 (Plan Regulador Metropolitano), principalmente frente à resistência do setor imobiliário, que não tem interesse no controle sobre a extensão da periferia, e dos proprietários fundiários. Entre estes, parte se interessa em continuar a parcelar e vender terras nas "bordas urbanas", inclusive que anteriormente apresentavam uso agrícola. Outros não querem que haja adensamento em certas áreas "privilegiadas", como na porção nordeste da capital, temendo perder a "qualidade de vida" que desfrutam e preocupados com a desvalorização dos imóveis e efeitos indesejáveis de vizinhança provocados pelo adensamento populacional, proposta expressa no Plano [37].

Não raro, moradores dos condomínios moravam em áreas centrais da capital e entre os fatores que induziram a mudança está também a deterioração e envelhecimento do centro, com a progressiva ocupação por classes de rendas mais baixas.

Ducci (1998) avalia que as razões para a expansão periférica são: a) a "utopia da cidade jardim"; b) a existência de terrenos maiores e mais baratos [38] (cabe ressaltar os custos com a implementação dos bens de consumo coletivos, que acabam ficando às custas do Estado, ou seja, do conjunto da sociedade; obviamente os conjuntos habitacionais implementados na periferia para as classes de baixa renda têm tamanhos reduzidos tanto do terreno quanto das casas); c) maior segurança (que, em verdade, só existe para os setores médios e altos; para os setores de baixa renda a violência e a insegurança aumentam com a ocupação periférica); d) elevada especulação desencadeada pelo setor imobiliário; e) o crescimento periférico é considerado mais barato, por não ser preciso recuperar terrenos (elevado custo das renovações, demolições, etc.) e não ser necessário fazer desapropriações (por exemplo, para aumentar a largura das ruas).

O poder público é muitas vezes conivente com tais práticas; pois as obras e intervenções que executa adquirem maior visibilidade na periferia que em áreas já consolidadas, além dos custos (na aparência) serem mais baixos.

Na verdade, a expansão desmensurada é mais cara para a sociedade, pois temos, por um lado, a subutilização dos equipamentos das áreas consolidadas, que só favorece os especuladores da terra urbana. Por outro lado, o conjunto de infra-estrutura a ser implementado muitas vezes atravessa grandes "vazios urbanos", encarecendo os custos e "valorizando" áreas (em "pousio social").

Por esta razão e buscando "revalorizar" as áreas centrais, locais que contam com multiplicidade de papéis, usos, infra-estrutura consolidada, além das heranças arquitetônicas de outros tempos, de imenso valor histórico e elevado potencial turístico, ultimamente têm ocorrido iniciativas (do poder público, dos proprietários e dos comerciantes) para a renovação e revitalização, com a recuperação de prédios, praças e monumentos, implantação de projetos paisagísticos nas praças, muitas vezes com a modificação do uso dos imóveis.

Conforme já destacado, em Buenos Aires, o Porto Madero se transformou de antiga área portuária em que os armazéns estavam abandonados e degradados, em uso comercial e residencial sofisticado. A junção moderno/antigo revalorizou a área próxima ocupada por intensa verticalização, inclusive com hotéis ("edifícios inteligentes", arquitetura em concreto e vidro) destinados ao atendimento de altos executivos e turistas.

O mesmo pode ser dito a respeito do projeto de revitalização urbana empreendida no bairro da Recoleta. Todo o entorno é destinado às classes de renda média e elevada, além dos turistas. Há intensa verticalização, muitos cafés, restaurantes e comércio sofisticado. Apresenta boa infra-estrutura, grandes praças com jardins, monumentos e passeios bem cuidados. Não tememos afirmar que deve ser um dos lugares de maior preço do metro quadrado em Buenos Aires.

Já em Mendoza (fundação da cidade data de 1591) as áreas mais valorizadas estão localizadas na porção sul e oeste, como ao longo da avenida Boulogne Sur Mer que concentra grande número de mansões. Há também grandes equipamentos de lazer nesta área (teatros, clubes, estádio). O baixo índice de verticalização (os prédios existentes não possuem muitos pavimentos) deve-se ao fato da cidade estar localizada em área em que há freqüência de abalos sísmicos. O cemtro histórico da cidade é considerado uma zona deteriorada, onde predomina o comércio mais popular e vivendas de classes de menor renda.

Um dos lugares em Santiago que atualmente está passando por processo deremodelação e modernização é "Santiago Poniente" (zona oeste), promovido pelo planejamento municipal e apoiado pelo "Ministerio de la Vivienda y Urbanismo" (MINVU). Verifica-se aí a construção de edifícios de até 20 andares, subsidiados pelo Estado, destinados a classes de renda média. A renovação urbana empreendida, entretanto, não faz parte de um "projeto global" traçado para a área, que tem desprezado o padrão arquitetônico original dessa porção central, e embora esteja conseguindo (re)densificar tal parcela do espaço, há críticas que afirmam que os moradores continuarão a depender do centro para o trabalho, o consumo e o lazer e prevêemque haverá desvalorização e possibilidade de nova deterioração.

Considerações finais

O que é facilmente constatado nas áreas metropolitanas da Argentina, Chile e também do Brasil é o que se acentuam as diferenciações sócioeconômicas, muitos dos espaços públicos são privatizados e, consequentemente, desvalorizados, em contraste aos espaços privados e ao "moderno" que são valorizados[39].

A dinâmica de reestruturação do espaço urbano acaba gerando novas estratégias de localização do comércio e prestação de serviços, com a abertura de supermercados, hipermercados, grandes galerias, shopping centers, que localizam-se na periferia da cidade, em eixos movimentados e de fácil acesso, tornando-se os novos centros de consumo, bens de serviços e lazer, porém "proibidos" para a população de baixa renda, que praticamente não tem acesso a esses equipamentos.

Por certo temos a descontinuidade como a forma de expansão territorial, apesar desta não negar a aglomeração, originando uma estruturação urbana polinucleada (descontinuidade e concentração múltipla), bem como a multiplicação das centralidades [40].

No trabalho de campo (metrópoles de Buenos Aires, Mendoza e Santiago) pudemos perceber com clareza tais processos, e verificamos como as novas dinâmicas trazem consigo uma nova (re)estruturação, porém amalgamando-se às redes e estruturas preexistentes, representando ao mesmo tempo integração e fragmentação.

Para fugir dos problemas urbanos apresentados pelas metrópoles, aqueles que possuem maior poder aquisitivo buscam isolar-se nas periferias. Com isso, muitos dos novos condomínios "modernos" já apresentam nos projetos outros confortos para os moradores: clubes, sauna, academia, comércio especializado, entre outros serviços e equipamentos, nos levando a pensar que a "muralha moderna" existe, em verdade, para tentar conter a "horda de bárbaros" (os modernos "excluídos") da "cidade concreta" e "shoppinizar" o habitat, tornando aos seus moradores a referência de cidade (virtual). É preciso alertar, entretanto, que com o aumento da violência urbana é difícil imaginar um lugar totalmente seguro da dura realidade da cidade concreta, fato comprovado pelos registros de assaltos, seqüestros e assassinatos que também chegam (obviamente em menor número) aos condomínios fechados, inclusive aos prédios de apartamentos e shopping, a princípio mais seguros.

Todas as questões referentes aos fenômenos de metropolização e periferização (desde tornar problemática a definição dos limites entre cidade e campo e daí suscitar reflexões sobre novas formas de cobranças de impostos; problemas como o crescimento dos índices de violência; o aumento da pobreza e da concentração de renda; congestionamentos no trânsito; aumento de impactos ambientais ligados à perda da qualidade de vida) representam, em verdade, desafios à sociedade e indicam a necessidade urgente de se (re)pensar políticas públicas e definir novos rumos de gestão das cidades.

Implica no poder público estabelecer regulamentações e desenvolver o planejamento territorial urbano restringindo/controlando, de modo efetivo e não somente no discurso, as ações da iniciativa privada. Assim, é preciso uma nova forma de se fazer política, novos políticos e também uma nova sociedade que cobre ações que realmente revertam em benefício da maioria. É necessário, portanto, uma nova forma de gestão da "coisa pública". Caso estas questões sejam encaminhadas é possível voltar a sonhar com cidades mais humanas, menos fragmentadas, em que o "apartheid social" recue, especialmente nas grandes metrópoles, com diminuiçao da segregação sócio-espacial e melhoria na qualidade das moradias das classes de menor renda, além de possibilitar a esta o acesso ao consumo dos equipamentos públicos, devolvendo o "direito a cidade" aos citadinos e cidadãos que nela habitam, e volte a ser possível o "encontro" num espaço menos segregado.

 

Notas

[1] Neste trabalho consideramos metrópole como grandes aglomerações urbanas consolidadas, marcadas pela multifuncionalidade (desempenho de diversos papéis) e que apresentam expressivas inter-relações (econômicas, culturais, políticas) com outras metrópoles. Também é certo que em seu processo de constituição e consolidação as relações interurbanas se ampliaram e se diversificaram. Destacamos que a metropolização implica na multiplicação e aumento do número das grandes aglomerações urbanas, assim como na concentração de capitais, riquezas, população e atividades (Sposito, M. E. B. 1999, notas de sala de aula).

[2] A justificativa para a elevada concentração existente nas grandes cidades é forjar um nível de complexidade comparável à situação urbana existente nos países centrais, tendo em vista a acumulação do capital ocorrer com intensidade menor. Este fato se expressa tanto em relação às regiões de um país quanto se tomamos a estrutura interna à região metropolitana (Jaramillo e Curvo 1990, p.110).

[3] A concentração pressupõe inúmeros elementos, podendo-se destacar as edificações (verticalização aí incluída), o adensamento populacional, os meios de consumo coletivos, capitais, fluxos diversificados, etc.

[4] Desvantagens como a poluição, os congestionamentos, etc., também são desencadeados com a concentração.

[5] Isso gera a desconcentração também da atividade industrial moderna que abandona as áreas centrais rumo a periferia da metrópole, buscando preços da terra mais baixos, assim como IPTU reduzido, além de outros incentivos oferecidos por muitos governos municipais, num movimento de construção de novas fábricas uma vez que os custos de transporte e comunicação diminuíram, facilitando o controle das empresas e pelas empresas (Grandes Corporações, que trabalham numa estrutura em rede). Ocorrem então mudanças (de gestão, de trabalho, nas relações de trabalho) que se concretizam na mudança da paisagem, como, por exemplo, nos diferentes e inovadores tipos de construção das indústrias, mais compactas, preocupadas com o padrão arquitetônico, buscando uma imagem mais moderna, "ecologicamente correta" (daí a existência de jardins cuidados), sugestivos de prosperidade (progresso e evolução) e eficiência (sucesso).

[6] Sao lotes de grandes dimensoes, localizados na zona rural, com a finalidade de moradia e lazer. Estas propriedades mesmo estando na zona rural nao tem como finalidade a produçao agrícola.

[7] Ver Smith 1988, O desenvolvimento desigual.

[8] Ver, entre outros, Sposito1991 e Rodrigues 1990.

[9] Rodrigues 1990, p. 12.

[10] Sposito 1991, p. 70.

[11] Maricato 1996, p. 15.

[12] Maricato 1996.

[13] Podemos citar como exemplos que chamaram atenção no trabalho de campo a cidade planejada de La Plata (capital da província de Buenos Aires); bem como no Chile destacamos a cidade de Maipú.

[14] Sposito 1999 (notas em sala de aula).

[15] Reportagem publicada na Folha de São Paulo, Caderno Mundo, 21/2/2000, O artigo destaca que, com a crise econômica e o desemprego, atualmente, ao mesmo tempo em que aumentou o número de imigrantes, vindos de países vizinhos, ilegais no país, também aumentou o xenofobismo: "O aumento da desocupação alimentou os sentimentos de rechaço e xenofobia. Esse é um momento de queda social na Argentina. As classes médias deslocadas para baixo buscam se diferenciar dos outros pobres discriminando-os pela cor ou pela raça." (p.8).Este fato é agravado pelo "complexo de europeu" muito presente na sociedade argentina (Lelio Mamora, especialista em migrações, professor da Universidade de Buenos Aires). Também é interessante destacar que geralmente os imigrantes são recrutados para tipos de trabalho desprezados pelos argentinos, havendo denúncias de trabalho escravo (em que não houve pagamento), além de receberem menos (cerca de metade) do que receberia um trabalhador argentino.

[16] Maricato 1996, pág. 26.

[17] Informações fornecidas durante o trabalho de campo pela RM Buenos Aires, pelo professor Horácio Bozzano.

[18] Logo na saída de Buenos Aires, em direção ao sul, a rodovia "separava" duas realidades da metrópole: do lado direito da pista, há maior ocorrência de áreas favelizadas e bairros de classes de baixa renda, com autoconstrução, já à esquerda vimos condomínios fechados, verticalização, sendo visível maior especulação, inclusive com placas anunciando a venda de imóveis.

[19] Tal fato também é parte da realidade brasileira, agravada pelo número de pessoas que são obrigadas a morar em favelas no Brasil. No Rio de Janeiro o percentual de população habitante em cortiços ou favelas era de 34 por cento, enquanto que em São Paulo o índice é de 25,5 por cento, dados de 1993 (Folha de São Paulo, 2/5/1999, caderno especial Cidades, p.8).

[20] Ducci 1993, nota de rodapé n.19, p.94.

[21] Têm havido, desde 1996, na cidade de Buenos Aires, um programa governamental objetivando promover melhorias urbanas nas "villas": melhoria da rede de esgotos, espaços comuns, corredores e ruas internas: "O objetivo é urbanizar as "villas" para que não se perpetuem as condições de segregação e passem a ser bairros" (Daniel Figueroa, secretário de Promoção Social da capital). Muitas vezes tal "urbanização" ocorre sem a consulta aos próprios moradores do lugar, conforme informações na mesma reportagem (Folha de São Paulo, Caderno Mundo, p.8).

[22] Kowarick (1979) no livro A espoliação urbana, discute que a acentuação da pobreza decorre de dois fatores principais: a exploração (diretamente vinculada ao acirramento das relações entre o capital e o trabalho; que atualmente é agravada com a flexibilização do trabalho e das relações de trabalho, com o discurso da "globalização inexorável") e a espoliação, que vincula-se diretamente ao processo de exclusão vivido por grande parcela das classes trabalhadoras dos benefícios produzidos socialmente, ou seja, do acesso aos bens de consumo coletivos, levando à deterioração da vida nas cidades.

[23] Kowarick 1979, p. 92.

[24] Maricato 1996, p. 57.

[25] Maricato 1996.

[26] Maricato 1996, p.69.

[27] Entretanto, pudemos observar mendigos dormindo em praças públicas no centro de Santiago. Em decorrência do tamanho da população (cerca de 14 milhões de habitantes) o déficit habitacional também é menor, fato que explicaria não termos visto grandes aglomerações de moradias precárias.

[28] Informação dada pelo professor Juan Zegers, durante o trabalho de campo.

[29] Instituto Geográfico Militar, 1986, p.172-5.

[30] Segundo o professor Juan, casas de boa qualidade, padrão médio, custam cerca de 6 mil dólares.

[31] Segundo professor Juan.

[32] O governo chileno desde a década de 70 adotou fortemente a liberalização econômica do país, deixando ao mercado o papel de destaque na economia, mudando inclusive o direcionamento de sua intervenção direta na produção da cidade, ou seja, deixando para a iniciativa privada a implementação de infra-estrutura e equipamentos coletivos, bem como a construção de habitações e a recuperação das áreas centrais. Sobre o novo direcionamento da gestão territorial e urbana no Chile ver: Mattos 1996.

[33] Fora a privatização de áreas que deveriam ser de uso público (como praças e ruas), os condomínios fechados comprometem (em geral) a circulação na cidade, na medida em que se cria uma "barreira" que deve ser contornada para ser transposta. Para Gottdiener (1993) os espaços públicos estão sendo, cada vez mais, substituídos por espaços privatizados (o lar, os shopping). Outro autor que discute a questão é Carlos (1994).

[34] Ducci 1998, p.88.

[35] Catálogo promocional de vendas do condomínio, projeto imobiliário de Manso de Velasco Ingenieria e Inmobiliaria - Filial Enersis. Há também muitas referências ao grupo de profissionais de alto nível envolvidos no projeto. Como fato pitoresco de nossa visita fica a lembrança de termos sido interceptados por um dos carros que fazem a segurança, como o professor Juan conhecia alguns dos profissionais envolvidos no projeto, liberaram a nossa entrada.

[36] Ducci 1998,p. 88-9.

[37] Ou seja, o mercado considera que se deve "..."respeitar la liberdad individual" de los proprietarios de terrenos periféricos que tienden a obtener el máximo de plusvalía de sus terrenos.(...)" (Ducci 1988, p.89).

[38] As grandes e pequenas empresas industriais também se aproveitam deste fator que, num estágio de políticas neoliberais bastante avançadas, desde o final dos anos de 1980 e principalmente na década de 1990, com a evolução tecnológica e com todas as facilidades de acesso já providas pelo Estado (desde vias de acesso a subsídios financeiros) buscam localizar sua unidade produtiva na periferia das regiões metropolitanas, projetadas em moderna arquitetura, mantendo, com freqüência, o escritório administrativo no centro da cidade.
[39] Sposito 1999 (notas em sala de aula).
[40] Sposito 1999 (notas em sala de aula).

 

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Ficha bibliográfica:
BERNADELLI, M. L. F., LOCATEL, C. D., BARBUDO, R. R. Reestruturação sócio-espacial e a segregação da vivenda: os casos de Santiago do Chile, Mendoza e Buenos Aires. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(134). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(134).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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