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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788.Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VIII, núm. 170 (33), 1 de agosto de 2004

A INOVAÇÃO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO: UMA APROXIMAÇÃO

Valdenildo Pedro da Silva
Doutorando em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Cláudio A. G. Egler
Professor-Orientador, Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro


A inovação em tempos de globalização: uma aproximação (Resumo)

A aceleração histórica que vivenciamos tem a inovação técnica como um conjunto de dispositivos impulsionadores das organizações territoriais. A inovação faz parte do dia-a-dia das sociedades e, em particular, das empresas, por meio de mudanças nos processos produtivos e nos modelos dos produtos que inserem o progresso tecnológico. Tem-se, assim, uma verdadeira difusão da inovação, ancorando-se em mudanças tecnológicas nos sistemas produtivos e no desenvolvimento e ordenação dos territórios, por meio de novos espaços de inovação (espontâneos e planejados), além de implicações territoriais decorrentes da inovação. Mas o que tornou as inovações um temário importante, ou uma questão preeminente desta atualidade?  Há quem diga que as inovações atuais, neste período das novas tecnologias aliadas às telecomunicações e à informática, alteram significativamente as estruturas sociais, modificando os modos de se produzir, circular, distribuir e consumir bens, serviços e idéias, por exemplo, na organização espacial. Ou ainda, que os territórios e as sociedades atuais estão sendo reorganizados de maneira essencial por intermédio de processos tecno-espaciais. A nosso ver, esse é o conteúdo novo que faz suscitar outros questionamentos ou novas interpretações, dessa vez relacionados às inovações tecnológicas recentes, ao sistema produtivo e ao território, o que contribui para a emergência de uma geografia da inovação. Este texto desenvolve uma reflexão sobre a difusão de inovação tecnológica, identificando as dimensões política, econômica e socio-cultural das novas tecnologias nesta atualidade.

Palavras-chave: inovação, inovação tecnológica, globalização.


The innovation in globalization times: an approach (Abstract)

The historical acceleration that we live deeply has the innovation technique as a set of devices boosters of the territorially organizations. The innovation is part of day-by-day of the societies and, in particular, of the companies, by means of changes in the productive processes and the models of the products that insert the technological progress. It is had, thus, a true geography of the innovation, anchoring itself in technological changes in the productive systems and the development and ordinance of the territories, by means of new spaces of innovation (spontaneous and planned), beyond decurrent territorial implications of the innovation. But what an important agenda became the innovations, or an preeminent question of this the present time? It has who says that the current innovations, in this period of the new allied technologies to the telecommunications and computer science, modify the social structures significantly, modifying the ways of if producing, circulating, to distribute and to consume good, services and ideas, for example, in the space organization. Or still, that the current territories and societies are being reorganized in essential way for intermediary of tecno-space processes. Ours to see, this is the new content that makes to excite other questionings or new interpretations, of this time related to the recent technological innovations, the productive system and the territory, what it contributes for the emergency of a geography of the innovation. This text develops a reflection on the diffusion of technological innovation, identifying to the dimensions politics, economic and partner-cultural  of the new technologies presently.

Key words: innovation, technological innovation, globalization.


Estamos diante de um novo período, conforme diz Milton Santos (1994), que pode ser denominado de técnico-científico-informacional, um novo período em que a modernidade se fundamenta pelo discurso, por isso "tanto o fazer a geografia, quanto o falar sobre ela estão irremediavelmente associados à ordem do mundo" (Gomes, 1996, p. 342).

A atual ordem do mundo apresenta traços característicos do contemporâneo processo de internacionalização do capital (ou de mundialização, como dizem os franceses). Esse processo se dá "não pela mundialização das trocas, mas pela mundialização das operações do capital, em suas formas tanto industrial quanto financeira" (Chesnais, 1995, p. 4), e decorre de um novo modo de funcionamento sistêmico do capitalismo mundial, ou seja, de uma nova modalidade de regime de acumulação e de regulação¹ a qual, sem dúvida, traz o conteúdo efetivo da globalização da economia.

O cenário emergente é o da hegemonia da globalização (com vínculos de interdependência entre empresas e, por extensão, entre regiões e países, quer no âmbito produtivo, quer no financeiro), da reestruturação produtiva e da crescente financeirização da riqueza, numa temporalidade ímpar, que põe em movimento, por meios eletrônicos - em tempo real -, uma sociedade em rede (Castells, 2002), conectada, de uma maneira ou de outra, a diferentes localidades, e o mundo inteiro a diversas redes e circuitos.

Nesta contemporaneidade, as realidades geográficas têm se renovado o que contribui paralelamente para o eterno retorno e a emergência de velhos e novos conceitos. Uma palavra relativamente esquecida do vocabulário volta à cena. Referimo-nos ao termo "inovação". Trata-se de um tema que ressurgiu em decorrência de novas perspectivas socioespaciais vigentes, de invenções e inovações técnico-científicos de outros campos do conhecimento, e do saber geográfico, em particular.

A aceleração histórica que vivenciamos tem a inovação técnica como um conjunto de dispositivos impulsionadores das organizações territoriais. A inovação faz parte do dia-a-dia das sociedades e, em particular, das empresas, por meio de mudanças nos processos produtivos e nos modelos dos produtos que inserem o progresso tecnológico. Tem-se, assim, uma verdadeira geografia da inovação, ancorando-se em mudanças tecnológicas nos sistemas produtivos e no desenvolvimento e ordenação dos territórios, por meio de novos espaços de inovação (espontâneos e planejados), além de implicações territoriais decorrentes da inovação.

Para nós, está claro que, a cada nova temporalidade da história humana impõe-se, às investigações geográficas, o aprimoramento de antigas questões simultaneamente às novas que naturalmente vão emergindo. E ainda lembramos que "novos paradigmas delineiam-se, abrindo espaço a novas questões e novas discussões" (Castro, 1993, p. 92).

Uma nova era, revendo os conceitos

Não é nenhum exagero afirmar que temos, nós que vivenciamos este início de milênio, o privilégio de ser atores de uma das fases da história de grandes transformações científico-tecnológicas e socioeconômicas da humanidade e, por que não dizer, da pujança do meio técnico-científico informacional, de que fala Milton Santos, no curso dos últimos tempos. Esse é o meio geográfico aonde se vem dando a maior difusão de invenções e inovações ao longo da história humana e que é coetâneo de movimentos como o da globalização, o da reestruturação produtiva e o da financeirização da riqueza, a que aludimos acima.

Numa breve exposição, faz-se mister esclarecer que invenção e inovação não são palavras sinônimas; elas apresentam diferenças em suas bases conceituais. Numa primeira aproximação conceptual, recorremos à abordagem de Lynn Browne, para quem as modificações que ocorrem nos processos de produção e nos modelos dos produtos que sejam à base do progresso tecnológico constituem inovações. O autor ainda diz que: "a invenção é a descoberta das relações científicas ou técnicas que tornam possível o novo modo de fazer coisas; a inovação é sua aplicação comercial" (Browne, 1985, p. 8).

Participando também dessa discussão, Georges Benko nos dá alguns argumentos que contribuem para que se compreenda a distinção entre a inovação e a invenção.  Para o autor, uma invenção não comercializada não é uma inovação, do ponto de vista econômico, nem tampouco certas inovações fazem parte do domínio tecnológico propriamente dito. Exemplificando, diz que as criações de supermercados são inovações comerciais, mas não constituem progresso tecnológico, por exemplo (Benko, 1996).

Por seu turno, Rogers e Shoemaker (1971, p. 39) entendem a inovação como "uma idéia, uma prática ou um objeto percebidos como novos pelo indivíduo que a adotou". Mas é bom lembrar o que diz Milton Santos (1979, p. 34) a respeito disso: "não há inovação sem invenção, da mesma forma como não há técnicas sem tecnologias" ou, ainda, "a inovação é a transformação de invenções em fatos históricos", como bem já pontuou John Friedmann (apud Santos, 1979). Para esse autor, a invenção é "a criação de algo novo a partir de um rearranjo de elementos já existente".

Apoiando-nos nessas concepções, podemos afirmar de imediato que as inovações, no e sobre o território, não são um problema de interesse geográfico destes tempos de globalização e de aceleração histórica do sistema-mundo. Mas não resta dúvida de que outros elementos têm proporcionado a instantaneidade e a universalização das modernizações na atual ordem do mundo. Novos requisitos, resultantes da confluência entre técnica e ciência, emergiram com mais força nessa era de globalização e têm impulsionado a difusão imediata (ou em tempo real) de inovações ou, mais precisamente, do espraiamento de inovações tecnológicas com base na comunicação e na informação, o que faz emergir novas questões de importância para os dias atuais, a partir de "fatores de concentração e de dispersão", para a compreensão das modernidades dos territórios (Santos, 1992).

A difusão da inovação tecnológica numa outra temporalidade

 No âmbito da geografia, vários estudiosos, como o geógrafo sueco Torsten Hägerstrand, em tempos pretéritos, já se tinham preocupado com o temário da difusão das inovações na agenda dessa ciência[1]. É por isso que esse autor tem sido considerado por Santos (1979) um dos pioneiros nos estudos sistemáticos sobre a difusão de inovações no âmbito da ciência geográfica.

Por volta dos anos de 1950, Torsten Hägerstrand apresenta os seus estudos geográficos sobre a difusão de inovações tomando por base a perspectiva da adoção de inovações. Em seus trabalhos, aparecem as primeiras considerações teórico-metodológicas que dão suporte ao tema das inovações. Nos idos de 1970, novas proposições teóricas surgem, enriquecendo as análises já desenvolvidas. Dessa vez, são incorporadas as perspectivas de mercado e infra-estrutura e, mais recentemente, a perspectiva do desenvolvimento, que considera as implicações da difusão da inovação sobre a estrutura socioeconômica de um dado território (Silva, 1995).

Pelo visto, a discussão da inovação não é uma novidade desta era de revoluções tecnológicas. Muitos autores já vêm se debruçando sobre essa questão há algum tempo. Por exemplo, no âmago da geografia brasileira, a inovação tem sido discutida por Milton Santos (1979), em seu trabalho crítico sobre "Difusão de inovações ou estratégia de vendas?" e por Carlos Alberto Franco da Silva (1995), em seu artigo intitulado "Os avatares da teoria da difusão espacial - uma revisão teórica", o qual traz a lume um resgate analítico das principais contribuições teórico-metodológicas dos estudos de difusão de inovações, merecendo destaque os estudos de Torten Hagerstrand - "Innovation diffusion as a spatial process", realizado em 1953 - e o de Lowrence Bown - "Diffusion processes and lacation: a conceptual framework and bibliograpy", publicado em 1968. Lowrence Bown foi um dos difusores e revisores das idéias de Hagerstrand. Silva (1995) procurou dar ênfase também às reflexões sobre o pensamento do professor Milton Santos (1985), mais precisamente a respeito da difusão de inovações, a partir da inclusão das categorias do método geográfico (forma, função, processo e estrutura) por ele proposto, bem como destacou a análise das práticas espaciais que envolvem as tomadas de decisão identificadas por Corrêa (1991) para uma corporação.

A modernidade, aproximando-se do pensamento de Joan-Eugeni Sánchez (1997), apresenta-se como uma coisa nova, ou "estilo, costume de vida ou organização social" que ulteriormente tem se tornado mais ou menos mundiais em sua influência, como defende Giddens (1991), ou, ainda, como uma idéia ligada a um dado momento histórico, que neste caso estamos pensando como atrelada ao "contexto do mundo atual, em que a inovação o é com respeito a uma sociedade global - que abarca o mundo como um todo" (Sánchez, 1997, p. 294). E ainda segundo Sánchez (1997), a modernidade, como objetivo, implica a modernização, como processo direcionado para a inovação, em escala global. Assim, podemos dizer que o processo atual de modernização leva a que todos os territórios se globalizem, graças à difusão generalizada de inovações técnicas, a qual ocorre, de maneira extensa e contínua, em algumas áreas territoriais, enquanto em outras apenas se manifestam como "manchas ou pontos" (Santos, 2002).

De um modo geral, a intensidade da modernização não se dá aleatoriamente, mas privilegiando áreas territoriais, setores da economia e segmentos sociais, mais rapidamente receptíveis a todo um colorário de variáveis ligadas às novas formas de produção, distribuição e consumo e que podem com maior vigor responder às suas necessidades. A modernização tem, na essência, um elevado grau de seletividade de países e regiões. Vejamos um exemplo que nos é dado por Bernardes e Silva (1997). Esses geógrafos, ao analisarem o complexo agroindustrial no cerrado matogrossense, depararam-se com vários indicadores de modernização ou de inovações que se diferenciam dos outros complexos agroindustriais existentes no Brasil, o que leva à criação de condições distintas de competitividade entre as diversas áreas territoriais do país.

Para Santos (1997), a importância dos estudos sobre difusão espacial de inovações passou a ser mais evidente, no decorrer dos últimos anos, nos países subdesenvolvidos, dado o fato de que, só recentemente, precisamente a partir do século XX, esses países passaram a ter uma maior disseminação de inovações, diferentemente de antes, quando as inovações ocorriam limitadas a seletos pontos ou regiões e atingiam uma pequena minoria de privilegiados. Com isso, não estamos querendo dizer que as inovações ora em curso são mais intensamente difundidas e chegam igualmente em todos os quadrantes dos territórios mundiais ou dos de um país. Elas são, em seus esteios, também, excludentes.

Ultimamente, um dos principais interesses dos geógrafos têm sido os modelos de difusão de inovações tecnológicas. A expansão dessas inovações tornou-se mais evidente após a Revolução Industrial, na qual o invento da máquina a vapor teve um papel importante e decisivo. A partir daí, a cada momento que uma inovação de peso se impõe, anuncia-se a emergência de uma "outra revolução". Reflitamos, por exemplo, sobre o que ocorreu por volta de 1890, quando os primeiros automóveis começaram a circular ou, nos anos de 1920, quando da expansão das redes de eletricidade e, mais recentemente, com o advento de um novo espectro que recorre o mundo: o das novas tecnologias da informação e comunicação, como nota Castells (1986). Nesse sentido, concordamos com o pensamento de Benko (1996, p.169), quando nos diz que existe, nestes tempos modernos, uma certa ligação entre a inovação e as novas tecnologias e, mais ainda, que a "pesquisa está na fonte da inovação e do progresso tecnológico".

Mas o que tornou as inovações um temário importante, ou uma questão preeminente desta contemporaneidade?  Há quem diga, como Santos (1994), que as inovações atuais, neste período das novas tecnologias aliadas às telecomunicações e à informática, alteram significativamente as estruturas sociais, modificando os modos de se produzir, circular, distribuir e consumir bens, serviços e idéias, por exemplo, na organização espacial. Ou ainda, que os territórios e as sociedades atuais estão sendo reorganizados de maneira essencial por intermédio de processos tecno-espaciais (Sánchez, 1997, p. 296). A nosso ver, esse é o conteúdo novo que faz suscitar outros questionamentos ou novas interpretações, dessa vez relacionados às inovações tecnológicas recentes, ao sistema produtivo e ao território, o que contribui para a emergência de uma geografia da inovação, como expõe Ricardo Méndez, no seu livro "Geografía económica: la lógica espacial del capitalismo global (1997)".

Ao lado de processos como os da globalização, da reestruturação e da financeirização mencionados, e com eles interagindo, temos verificado, no curso das últimas décadas, uma difusão vertiginosa de um novo paradigma tecnológico, que, com se sabe, é baseado na microeletrônica e nas tecnologias da informação, de um lado, e a adoção e difusão de formas flexíveis de inovações, de outro.

Na atualidade, as realidades geográficas encontram-se eivadas de inovações tecnológicas. Países e regiões do mundo inteiro, até mesmo aquelas áreas "opacas" ou mais pobres do planeta, estão sendo alcançados por um certo número de modernizações. Isso é, do nosso ponto de vista, um fator importante na história do mundo moderno e principalmente na história de parcela dos países subdesenvolvidos ou emergentes (como alguns são chamados).  Mas é preciso não esquecer que, em outras temporalidades, as inovações estiveram sutilmente incrustadas no território (porém, em menor escala), por meio de modernizações ou pela presença de coisas novas que diferiam do que até então se fazia ou praticava (Sánchez, 1997), até porque a história das inovações sempre esteve vinculada aos interesses e necessidades das sociedades.

A priori, a questão das inovações recrudesce hoje motivada pelas mutações técnico-científicas mais velozes que vêm assolando os territórios mundiais. Pode-se afirmar que estamos diante de uma avassaladora difusão de inovações, cuja força motriz é dada pela ciência, pela técnica e pela informação. O novo tem sido essencialmente representado pelas inovações que se distribuem por meio de redes técnicas materiais e imateriais, respeitando-se e perseguindo-se os requisitos competitivos da sociedade global vigente.

Para a professora Lia Osório Machado, as inovações tecnológicas atuais vêm, sem qualquer dúvida, "revolucionando a vida social e produtiva em geral, o que não é surpreendente, tendo em vista que novas formas de divisão técnica, social e territorial do trabalho não podem mais do que ter conseqüências sociais e políticas" (Machado, 1995, p. 9). Ancorando-nos nessa discussão, podemos depreender os ingredientes que motivam o nosso debate sobre as inovações como uma questão importante desta época.

O advento das novas tecnologias traz em seu bojo a velocidade como um elemento essencial, o que contribui para a aceleração e alteração dos padrões de produção do território e, por conseguinte, para as transformações das relações sociais, a divisão de trabalho antes existente, bem como para as relações de poder da sociedade desta época (Machado, 1995). Estamos pensando na difusão das novas técnicas de produção e de teleinformatização que vêm se espraiando com maior intensidade em vários segmentos da economia e constituindo-se em condições favoráveis principalmente para a acumulação do capital.

As inovações tecnológicas atuais têm proporcionado novas estruturas e inter-relacionamentos espaço-temporais diversos, com implicações de ordem social e territorial ainda hoje não amplamente definidas e pouco estudadas. As palavras de Sánchez (1991, p. 263) estão em sintonia com o raciocínio apresentado. Segundo ele, "as novas tecnologias estão se configurando como um dos âmbitos mais dinâmicos de atuação humana" neste início de século.

Tratando sobre a relação entre território e inovação tecnológica, ou melhor, sobre as bases para uma geografia da inovação, Méndez (1997, p. 159) assinala que as inovações tecnológicas têm um componente espacial indiscutível e que apresentam mudanças nesta atualidade, a saber: uma modificação nas relações espaço-tempo, com a melhoria das comunicações, a qual passa a operar em tempo real e de forma simultânea entre vários lugares; uma densificação das redes de fluxos tangíveis e intangíveis interconectando empresas e territórios; uma nova divisão espacial do trabalho, como decorrente das diferenças de cada território para produzir ou incorporar inovações tecnológicas; e a crescente tendência de promover a inovação tecnológica e sua difusão no tecido produtivo e social, no ponto de vista das políticas de desenvolvimento e ordenação territorial.

Ainda segundo Méndez (1997), considerando-se a intensidade das inovações, elas podem ser classificadas em dois tipos: as inovações incrementadas ou adaptativas e as inovações radicais. Para ele, as primeiras constituem as melhorias sucessivas que vêm sendo implementadas na maior parte dos produtos e processos e que permitem elevar a produtividade, a qualidade dos produtos, os mercados de venda etc., enquanto as inovações radicais correspondem à introdução de um produto ou processo novo, capaz de proporcionar uma ruptura com a trajetória tecnológica anterior.

Entrementes, para Machado (1995), as principais inovações tecnológicas estão nas novas possibilidades de difusão das redes territoriais de circulação e comunicação cada vez mais velozes; na redução do volume e do tipo de matéria-prima (novos materiais); bem como na informatização dos processos de produção industrial, a qual eleva a produtividade das máquinas, mas elimina processos manuais e as perspectivas da mão-de-obra. Portanto as inovações tecnológicas apresentam implicações territoriais e sociais que repercutem de modo geral no sistema produtivo e, por conseguinte, sobre o desenvolvimento de países e regiões, já que as atuais constituem um fenômeno altamente seletivo, que tende a concentrar-se em certos ramos de atividade e/ou em certas áreas territoriais.

A difusão das inovações tecnológicas da época atual traz para discussão outros tipos de questões - questões éticas e sociopolíticas, por exemplo -, que vão além dos campos da hierarquia, do contágio e/ou da relocação, tratados em outros momentos da difusão das inovações. As inovações tecnológicas têm produzido uma verdadeira reviravolta nas estruturas socioeconômicas atuais: por exemplo, introduzindo mudanças nas formas de organização familiar, pois a família está tendo agora que se adaptar ao fato de seu habitat tomar-se também local de moradia e de trabalho (Benakouche, 2003). O cenário que se tem visto nesses tempos de globalização é o de que, a cada inovação tecnológica, correspondem, pois, novos padrões de estratificação e hierarquização social.

Inovação tecnológica: algumas implicações socioterritoriais

A nosso ver, a periodização da história da humanidade sempre esteve seqüenciada por sucessivas inovações, até porque isso é inerente à vida do homem. Em alguns períodos históricos, as inovações ou modernizações estiveram presentes, mas poucas foram as transformações relacionadas ao território. Já no período tecnológico, elas têm causado as mais intensas mudanças socioespaciais e repercutem no modo de produção, distribuição e consumo de produtos e mercadorias. Como diz Milton Santos, a reestruturação do território se dá pela interação de fixos e fluxos, em cujo âmago se processa um jogo de relações dialéticas entre o externo e o interno, o novo e o velho, e entre o Estado e o mercado (Santos, 1988). A inovação, em tempos de globalização, resulta cada vez mais do equilíbrio entre fatores de dispersão, concentração e contradição, que se dá por meio de movimentos desiguais e combinados. Logo, as inovações seguem, também, uma lógica, que é a da seletividade e da fragmentação espacial, por conseguinte propulsora de desigualdades socioespacias. Por seu turno, a inovação tem sido a responsável direta pelas modificações nos sistemas socioeconômicos e, por conseguinte, nas diversas áreas territoriais, pois, em seus esteios, ela passa a difundir suas implicações no desenvolvimento regional, até porque é confluente com a densificação das redes técnicas e a competitividade ou complementar a estas.

Diz-nos Arrighi, no seu livro "A ilusão do desenvolvimento", que o capitalismo difere dos demais sistemas sociais anteriores implementados, pois ele "tende a gerar inovações que rompem qualquer ordem costumeira que tenha sido, ou esteja sendo, estabelecida em um momento dado. Essa tendência aumenta as pressões competitivas que, por sua vez, suscitam novas ordem costumeiras" (1998, p.19).

O cenário atual da inovação tecnológica ou da inovação contínua, por meio da difusão das novas tecnologias, é de uma nova relação espaço-temporal de transformações, por sua vez capaz de modificar não só "o setor tecnoprodutivo civil e militar, como também as relações sociais e de poder", como salientou Becker (1995, p. 287). Portanto estamos diante um processo inovador que tem afetado principalmente a divisão espacial e internacional do trabalho e da produção, por conseguinte difundindo efeitos sobre o desenvolvimento de diversos lugares e regiões (Sánchez, 1991)

Ao discutir a difusão da inovação ou da inovação tecnológica como uma questão desta temporalidade, estamos a evidenciar novas implicações de ordem socioterritorial que, de certa forma, diferem do que ocorreu em outros momentos da história humana. A ordem do mundo está a nos mostrar um meio geográfico cada vez mais resultante da ação da ciência, da técnica e da informação, portanto de uma territorialidade permeada por outras condições sócio-tecnológicas de competitividade, em que a inovação tem como lugar central os nós das redes em escala global (Sánchez, 1997).

Veja-se que as inovações, a exemplo do que tem ocorrido com a densificação das redes e a competitividade, tem se difundido através de práticas espaciais que levam à seletividade, à fragmentação, ao remembramento, à marginalização e à antecipação espaciais de que nos fala o professor Roberto Lobato (1995). Assim sendo, podemos afirmar que, se, por um lado, as inovações são geradoras de densidades técnicas de lugares e regiões (com a melhoria de produtividade, desenvolvimento de novos processos ou produtos, dentre outras), por outro, elas excluem muitas dessas áreas territoriais, modificam a divisão do trabalho e as relações sociais, por exemplo, além de outras implicações que vêm afetando o desenvolvimento de muitos países e regiões pelo mundo afora.

Considerações adicionais

A inovação é um dos temas que têm ocupado lugar de destaque na agenda das discussões socioeconômicas neste início de século. Há um certo consenso em que são incógnitas de uma mesma equação, decisiva para se compreender o desenvolvimento do sistema econômico capitalista nessa nova ordem mundial, em que têm ocorrido grandes transformações no contexto produtivo, tecnológico, social e institucional. A ação da inovação tecnológica tem contribuído para a ampliação do desenvolvimento socioeconômico de algumas regiões pelo mundo afora; isso é inegável.

Entretanto poucos têm sido os estudos que evidenciam as implicações que decorrem da difusão da inovação tecnológica, no tocante ao desenvolvimento de países e regiões. Ouve-se, sim, mais freqüentemente, que as transformações, ocorridas nas últimas décadas, têm na inovação e no desenvolvimento tecnológico fatores importantes, tanto para melhorar a eficiência e a capacidade competitiva das empresas como para impulsionar o desenvolvimento regional, através da ação das redes técnicas.

Espaços terrestres, em atuação sob os desígnios do mercado - com a ação da inovação - têm apresentado diferenciações regionais herdadas do passado e em evolução, até porque o desenvolvimento não tem se propagado de forma difusa pelo espaço, mas se concentrando em certos pontos. Alguns deles vêm se projetando nesta ordem do mundo em focos dinâmicos ou de competitividade articulados à economia global. Isso é resultado da capacidade inovativa e da elevada densidade técnica implementada. Outros espaços apresentam-se com reduzida e, em alguns casos, nenhuma condição de competitividade, dada a fragilidade da inovação difundida.
 

Notas

[1] Destacam-se, também, por exemplo Lowrence A. Bown e Peter Haggett, que realizaram estudos sobre a difusão de inovações nos territórios e sobre eles, ancorando-se nos estudos de Hagerstrand.
Esses termos apresentam uma certa distinção, do ponto de vista de Leborgue e Lipietz (1994). Para eles, o regime de acumulação significa um "conjunto de princípios gerais de organização do trabalho e de utilização das técnicas, a que se pode chamar um paradigma tecnológico".  Por outro lado, entendem o modo de regulação como um "conjunto de normas, implícitas ou explícitas, das instituições, dos mecanismos de compensação e dos dispositivos de informação que ajustam permanentemente as antecipações e os comportamentos individuais à lógica de conjunto do regime de acumulação. Estas formas de regulação incidem em especial sobre a formação de salários, sobre as modalidades de concorrência entre as empresas e sobre os mecanismos de criação da moeda e do crédito". (Leborgue e Lipietz, 1994, p. 224).
 
 

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Ficha bibliográfica:

SILVA, V. P. EGLER, C.A inovação em tempos de globalização: uma aproximação. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2004, vol. VIII, núm. 170 (33). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-170-33.htm> [ISSN: 1138-9788]

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