Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194 (104), 1 de agosto de 2005


EM TORNO DAS CIDADES: URBANISMO E SECAS NO NORDESTE DO BRASIL, 1900-1920

 

Angela Lúcia de A. Ferreira

Arquiteta; Doutora em Geografia; Professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do Depto. de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil.

E- mail: angela@ct.ufrn.br

 

George A. F. Dantas

Arquiteto; Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – USP – Brasil.

E- mail: georgeafdantas@hotmail.com

 

Anna Rachel B. Eduardo

Arquiteta; Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – USP – Brasil.

E- mail: annarbe@yahoo.com.br

 


Em torno das cidades: Urbanismo e Secas no Nordeste do Brasil, 1900-1920 (Resumo)

É inegável a importância que os engenheiros, sobretudo politécnicos, desempenharam como agentes do processo de modernização urbana de muitas cidades brasileiras na virada para o século XX, como Henrique de Novaes, Saturnino de Brito e Aarão Reis. No Brasil foram fundamentais para a estruturação e para a consolidação do saber e da prática do nascente urbanismo moderno. No Nordeste do país, o ciclo de grandes secas desse período, e seus desdobramentos sociais e econômicos, colocou novos problemas para pensar (e intervir sobre) a realidade urbana de então. Estas novas questões e o significado da representação técnica da cidade formulada nesse contexto, em meio às questões sobre o território, a relação entre campo e cidade e a formação de uma rede urbana viável, é o que se pretende analisar neste artigo. Para tanto, serão discutidos alguns dos elementos teóricos que fundamentam essa representação, contribuindo para a compreensão das especificidades da formação do urbanismo como disciplina no Brasil.

Palavras-chave: saber técnico, investigação do território, formação profissional, engenharia.


Around Cities: Town Planning and Droughts in Brazilian Northeast, 1900-1920 (Abstract)

The importance that engineers, mainly polytechnicians, such as Henrique de Novaes, Saturnino de Brito and Aarão Reis, carried out as agents into urban modernization process of many Brazilian cities in the turn to the XXth century is undeniable. In Brazil, they were fundamental for the structuring and consolidation of nascent modern urbanism’s knowledge and practice. In the Brazilian Northeast, the cycle of great droughts that took place in that period and its social and economic unfoldings brought forward new problems to discuss (and to intervene on) the urban reality. This article intends to analyze these new questions and the technical representation of city formulated in that context, amidst issues on territory, on connections between countryside and city and on the formation of a viable urban network. To that end, the theoretical elements that base that representation will be discussed hereby, thus contributing to the comprehension of some specific aspects of the formation of urbanism as a discipline in Brazil.

Key-words: technical knowledge, terrirorial survey, professional formation, engineering.


 

“Las disciplinas científicas no se definen a partir de propiedades

esenciales e inmutables, sino que, por el contrario, poseen un

cambiante, con limites y relaciones variables entre ellas”

Horacio Capel (1982, p.11)

 

 

O enfrentamento das conseqüências sociais e econômicas decorrentes do fenômeno climático das secas foi uma experiência decisiva para várias gerações de profissionais e intelectuais que se esforçaram para pensar o Brasil desde o último quartel do século XIX e ao longo do século XX. Para os engenheiros, em especial, exigiu o necessário enfrentamento com um território a se desbravar (pela leitura científica). Enfrentamento esse que – formula-se como hipótese – se tornou um campo comum de debate, um tema-chave que ajudou a forjar a cultura técnica no Brasil, e dos engenheiros politécnicos1 em especial, suas formulações e proposições de transformação do meio físico e social. Vinculadas desde cedo à necessidade de pensar o Brasil como um país integrado, superando a antiga divisão territorial e a dessimetria entre as províncias, provenientes do período colonial e imperial, as reflexões, planos e ações dos engenheiros mobilizariam consciências para a construção da cidade moderna e, por conseqüência, de uma nação moderna.

 

Dentro desta perspectiva, propõe-se discutir quais as representações de cidade emergem em meio ao esforço de conquista, pelo saber técnico, do território assolado pelas secas – os sertões do Nordeste do Brasil, principalmente, mas também as áreas litorâneas que recebiam o fluxo de migrantes, os “retirantes” das secas. Este objetivo, é importante afirmar, faz parte de um projeto de pesquisa maior, levado a cabo atualmente pelo grupo de pesquisa História da Cidade e do Urbanismo – HCURB (Base de Pesquisa Estudos do Habitat, Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e financiado pelo CNPq. Tal projeto pretende discutir a formação dos saberes e das práticas sobre as secas e, em conseqüência, a relação entre esses elementos formativos (comissões, instituições, “história sóciocultural dos itinerários pessoais”, polêmicas, debates, ações de campo, etc.) e o processo de construção da cidade moderna no Brasil.2

 

Neste artigo, mais especificamente, embora ainda de forma preliminar, pretende-se desvendar se esse enfrentamento suscitou novas elaborações e representações sobre o território, sobre as cidades. Afinal, há um conhecimento prévio que fundamenta as formulações e as ações dos profissionais e que está inscrito na própria história de cada ciência moderna em particular, cujo processo de consolidação se deu desde a segunda metade do século XVIII (cf. Capel, 1982). Contudo, esse conhecimento é posto à prova no confronto com novos objetos – no caso discutido neste artigo, as secas e suas conseqüências socioeconômicas e espaciais –, o que, muitas vezes, levou à redefinição dos “ideais que inspiram tanto sua atuação quanto suas modalidades concretas de trabalho” (Picon, 2001, p.66).

 

Sem dúvida, esses profissionais enfrentaram o choque e o assombro ante a realidade convulsionada pelas secas, como ilustra a reminiscência do então jovem estudante de engenharia Henrique de Novaes:

 

“Natal estava invadida por cerca de 4 mil retirantes, a dormirem ao relento nas ruas mais afastadas do centro, quase sem vestes e sem alimentos, que não lhes podia fornecer a pequena população da cidade, em geral pobre, de 10 a 12 mil habitantes no máximo. Vezes várias, as famílias dos engenheiros hospedados no hotel, situado no centro comercial, tiveram de acudir, com um prato de sopa ou com uma fatia de carne, a retirantes, caídos nas proximidades, exaustos de fome” (Novaes, 1987, p.69).

 

Integrando a “Comissão de Estudos e Construções” de obras contra os efeitos das secas no estado do Rio Grande do Norte, criada em 1904 por ocasião de mais um período de secas e chefiada pelo engenheiro Sampaio Correia, as palavras de Novaes reverberam as dificuldades que se apresentavam antes mesmo de adentrar o sertão e apontam para um dos elementos centrais para entender o processo de modernização urbana por que passaram muitas cidades nordestinas, principalmente as capitais, nesse período: a presença dos retirantes e as representações daí decorrentes (Cf. Ferreira e Dantas, 2001).

 

Chamar a atenção para as palavras de Novaes serve também para assinalar duas questões de fundo que permeiam os interesses deste artigo, melhor detalhadas a seguir. Questões que, é importante ressaltar, são aqui delineadas por meio das formulações de um dos profissionais mais atuantes no campo da engenharia sanitária e do urbanismo (enfim, na consecução de redes técnicas que transformam, ou mesmo constroem, o território)3 e cuja trajetória foi marcada seguidamente pela ação contra os efeitos das secas, desde a construção de estradas de ferro até o debate sobre a transposição do rio São Francisco (Eduardo, 2003).4

 

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que embora, como apontam vários autores, não se tenham tido ações sistemáticas e perenes de combate às secas até a primeira década do século XIX por parte do governo central, quer imperial ou, depois, republicano (Avelar Jr., 1994; Telles, 1984b), vários profissionais que teriam carreira proeminente e influente, a exemplo do engenheiro Saturnino de Brito, apontavam para a necessidade de uma intervenção planejada, integrada e global sobre o território.

 

Os esforços para a construção das linhas férreas, defendia Brito – discutindo o prolongamento da Estrada de Ferro do Baturité, no estado do Ceará, em que trabalhara anteriormente, em 1892 – não poderia prescindir de um “plano geral e sensato” que fosse articulado às outras ações de combate às secas e que – e esse argumento é fundamental – ajudasse a consolidar e fixar a ocupação do território abrangido pelos sertões, evitando os grandes movimentos migratórios, nocivos à nação, e tornando viável a vida urbana nas cidades do interior do Nordeste. Infelizmente, lamentava o engenheiro, a desarticulação que marcara as ações sob o Império permanecia como tônica no governo republicano. Assim, “linhas vagabundas” passavam por vilas e cidades de acordo com as conveniências da “politicagem de aldeia”, suplantando as decisões técnicas e onerando os gastos do Tesouro Nacional. A possibilidade de aperfeiçoar as “condições vitais do meio” permanecia distante no horizonte (Brito, 1913, p.133, 145-157).

 

A segunda questão aponta para uma relação, a princípio causal, que é fundamental aprofundar e discutir. Pode-se questionar se é mera coincidência que alguns dos mais importantes agentes de modernização urbana nas primeiras décadas do século XX tenham atuado de forma decisiva ou mesmo forjado parte de suas formações nas ações de combate às secas, quer direta ou indiretamente? Por exemplo, Saturnino de Brito, autor de inúmeros planos de saneamento e extensão (como Novo Arrabalde em Vitória, Santos, Paraíba do Norte, entre outros), para nos limitarmos a um aspecto de sua obra, que se tornaram referências imprescindíveis no debate técnico nacional e na proposição dos projetos de outros profissionais, participou da construção de estradas de ferro no Nordeste e diversas vezes esteve comprometido com o debate público sobre a problemática das secas. Henrique de Novaes, que fez parte da equipe que executou o prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil – trecho de Pirapora a Belém –, foi autor de planos urbanísticos para Vitória e Natal, dirigiu Comissões de Abastecimento d’água em São Paulo e no Rio de Janeiro, assumiu cargos na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) e esteve envolvido praticamente até o fim de sua vida com a questão das secas.5

 

Além dos dois profissionais já citados aqui, pode-se lembrar, em meio a muitos outros, dos também engenheiros Aarão Reis e Omar O’Grady. O primeiro, autor de um dos marcos iniciais do urbanismo moderno no Brasil – o plano para a nova capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, inaugurada em 18976 –, foi Inspetor da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS)7 entre 1913 e 1919, sendo responsável pelas obras nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí; o segundo, formado nos Estados Unidos em 1917, foi superintendente na construção de grandes barragens, vinculadas às ações da IFOCS, no estado do Ceará no início da década de 1920 e, logo depois, seria prefeito de Natal, capital do Rio Grande do Norte, entre 1924 e 1930, período no qual foi personagem fundamental no processo de modernização urbana.

 

O que podem dizer estas relações? Há alguma influência entre a experiência de gestão das ações técnicas na região assolada pelas secas e a experiência de administração municipal urbana pela qual muitos passaram? Se há, como se deu? Pela experiência de leitura técnica e da proposta de transformação do território? Enfim, são questões que apontam para uma discussão sobre as possíveis ressonâncias, oriundas dos temas que eram julgados de interesse nacional, na constituição da cultura técnica do urbanismo no Brasil. No sentido de contribuir para este debate, o trabalho foi estruturado em duas partes. Inicialmente procura-se apresentar alguns elementos relevantes da formação acadêmica dos engenheiros e da constituição dessa categoria em associações profissionais que contribuíram para a construção dessa cultura técnica. As representações fomentadas a partir de então, no esforço de compreensão científica da região Nordeste e, em conseqüência, das propostas de construção do território, compõem a segunda parte.

 

Cultura técnica em formação

 

Mas, afinal, quem eram esses técnicos envolvidos com a problemática das secas? Dentre os vários profissionais (como geólogos, botânicos, entre outros), enfatizam-se, como já se disse, as formulações e as ações dos engenheiros. A formação destes profissionais, embora tenham muitos pontos de aproximação, a exemplo da postura em relação ao planejamento abrangente e integrado, não era unívoca e tinham algumas importantes distinções (como em relação à aplicação ou não dos conceitos da microbiologia nos pareceres sobre sistemas de separação de esgoto). Conquanto fundamental, vamos apenas esboçar aqui alguns elementos desta discussão sobre a cultura técnica dos engenheiros no Brasil. Para ilustrar o espírito da época, vale lembrar um pronunciamento do engenheiro Morales de Los Rios:

 

“Outras seriam as condições higiênicas, morais e econômicas das povoações brasileiras há pouco em embrião, informes no dia de ontem, hoje progressistas no seu desenvolvimento espontâneo e inconsciente e amanhã quiçá pletóricas, se a sua fundação tivesse precedido o conselho do engenheiro. Outras seriam as facilidades que este acharia no desempenho do seu verdadeiro sacerdócio se as crenças de há dez anos, hoje em vésperas de formatura, se lhes tivesse ensinado nas suas escolas o que significa para a grandeza de um país o trabalho do engenheiro sanitário”. (ANNAES..., 1901, p.35).

 

As palavras citadas acima denotam a importância atribuída aos profissionais engenheiros como idealizadores, gestores e executores da modernização das cidades brasileiras em fins do século XIX e princípios do século XX – período assinalado pelos constantes problemas de insalubridade e, em contrapartida, pelas nascentes preocupações com o meio urbano. As práticas da engenharia, todavia, embora firmadas e fortalecidas graças ao prestígio assegurado aos conhecimentos técnicos e científicos nessa virada de século, ainda requeriam uma maior visibilidade e confiança, “ainda precisavam interessar a mais grupos dentro da sociedade brasileira” (Cerasoli, 1998, p.91). Assim, pouco a pouco, como numa congregação de esforços intelectuais, institucionais e políticos, a engenharia firmou-se e ascendeu como mola mestra das questões nacionais.

 

Esse momento profícuo para a implementação de obras de engenharia, especialmente na então Capital Federal Rio de Janeiro, gerou também um campo de debate e um espaço singular para que os engenheiros “produzissem para si a identidade de grupo social diretamente comprometido com o projeto de modernização nacional que se encaminhava”, tendo como princípios que regiam as intervenções o “sonho da razão e a alegoria da ordem” (Kropf, 1996, p.70); ordem que se pretendia, igualmente, higienizadora, saneadora, educadora, reformadora, regeneradora e civilizadora (Herschmann e Pereira, 1996).

 

Ainda no século XVIII foram firmados os primeiros cursos de engenharia no Brasil com a criação, em 1792, da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. A partir de 1810, a engenharia passou por um processo mais concreto de institucionalização – tanto no que se refere à prática profissional quanto ao ensino – com a formação da Academia Real Militar. Essa oferecia um curso de sete anos subdividido em Curso Militar e Curso Matemático (Kropf, 1996, p.75). Contudo, foi somente na segunda metade do século XIX que os engenheiros, de modo mais consolidado, firmaram-se como categoria profissional estritamente ligada à vida social e pública do país. Afigura-se, nesse momento, uma ampliação das atividades nos serviços urbanos, sendo a cidade do Rio de Janeiro centro promissor para a consolidação da engenharia civil, sobretudo, com os avultados projetos para sua remodelação e com a transformação, no campo do ensino, da então Escola Militar em Escola Central, no ano de 1858, “instituindo pela primeira vez um curso de engenharia civil, além do ensino específico de estradas de ferro” (Ibid., p.76).

 

A criação da Escola Politécnica no Rio de Janeiro, em 1874, separou efetivamente as formações militar e civil da engenharia, tornando-as autônomas e valorizando essa última no contexto brasileiro. Criada nos moldes da École Polytechnique de Paris, houve o predomínio do ensino que “privilegiava a engenharia de construção, principalmente ferroviária, e, da clássica, engenharia de pontes e estradas” (Gitahy, 1994, p.41). Gradativamente, o espírito empreendedor – e, por que não, gestor – engendrado no curso de engenharia civil assegurou o desenvolvimento das intervenções urbanas aliando a técnica ao tema corrente da época que era a unificação nacional. Ao longo de toda a história da Politécnica do Rio de Janeiro se ressalta a atuação cívica de alunos e professores, empenhados na discussão de temas considerados nacionais como a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República – eminentemente políticos – ou a demarcação geográfica do território, as vias de unificação e os flagelos das secas, de caráter mais técnicos, por exemplo. Exerciam influência significativa quanto ao “desenvolvimento do país e à programação e efetivação técnica da infra-estrutura necessária ao progresso fundamental de todo o povo brasileiro” (Barata, 1973, p.80).

 

Os detentores do novo saber tecnológico, necessário ao crescimento econômico do país, foram de maneira acentuada convocados a participar das “grandes questões nacionais”, concorrendo, para tanto, a criação de institutos que se destinavam à congregação profissional; tal qual é o exemplo do Instituto Politécnico Brasileiro no Rio de Janeiro, datado de 1862 e constituído sob influência do Instituto Politécnico da França (Telles, 1984b). Em 1916, suas atividades foram encerradas e alguns autores relacionam tal fato à crescente projeção do Clube de Engenharia – fundado em 1880 – e à criação da Academia Brasileira de Ciências, que absorveu, em parte, as atribuições do antigo Instituto. O Clube foi também importante divulgador da engenharia brasileira, de modo especial com a criação da Revista do Clube de Engenharia que começou a circular em janeiro de 1887. No editorial constava a sua “razão de ser”: nascia uma revista eminentemente técnica – em um meio ainda carente e restrito – com o objetivo de “servir a Engenharia Brasileira” e auxiliar “o engrandecimento da Pátria pelo trabalho” (Portella, 1959, p.21).

 

Se a participação dos engenheiros nas discussões de grandes questões nacionais por meio de suas organizações corporativistas e instituições acadêmicas tinha sido significativa, o que dizer a respeito das questões específicas sobre as cidades, seus problemas e soluções? Para dar início ao debate sobre o papel dos engenheiros na atuação sobre as cidades no Brasil, torna-se necessário descrever um pouco a formação politécnica por meio de um esboço da grade curricular das Escolas de engenharia em princípios do século XX. A Escola Politécnica do Rio de Janeiro teve aprovado, em fevereiro de 1901, um novo estatuto que manteve, contudo, os cursos criados pelo “Projecto de Estatutos da Escola Polytechnica” de 1895. O Curso Geral continuaria com a duração de três anos, enquanto que os Cursos Especiais (Engenharia Civil, Engenharia de Minas, Engenharia Mecânica, Engenharia Industrial e Engenharia Agronômica) passariam a dois anos, completando um total de cinco anos de curso. Os que concluíssem o Curso Geral receberiam o título de “Engenheiro Geógrafo”, ficando os títulos de Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas ou Ciências Físicas e Naturais para os que obtivessem nota igual ou superior a seis (aprovação plena) em todas as disciplinas dos cursos especiais (Barata, 1973; Telles, 1984a).

 

O curso geral (Engenheiro-Geógrafo) era composto pelas seguintes disciplinas: Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral; Geometria Descritiva; Física, Meteorologia; Aula: Desenho Geométrico, Aguadas e Sombra; Cálculo das Variações, Mecânica racional; Topografia, Legislação de Terras, Princípios de Colonização; Química Geral e Inorgânica, Análise Química; Trigronometria Esférica, Astronomia, Geodésia; Mecânica Aplicada às Máquinas; Mineralogia e Geologia; Aula: Desenho de Cartas Geográficas e Máquinas. Já o curso especial (Engenharia-civil) contemplava: Materiais de Construção, Tecnologia das Profissões Elementares, Resistência dos Materiais, Estabilidade das Construções, Grafostática; Estradas de Ferro e Rodagem, Pontes e Viadutos; Navegação Interior, Portos de Mar, Faróis; Economia Política e Finanças; Hidráulica, Abastecimento de Águas, Esgotos, Hidráulica Agrícola; Arquitetura, Higiene das Construções, Saneamento; Máquinas Motrizes e Operatrizes, Motores; Direito Constitucional e Administrativo, Estatística; Aula: Desenho de Arquitetura (Eduardo, 2003).

 

Merece atenção o conteúdo programático da disciplina de Arquitetura, Higiene das Construções e Saneamento lecionada aos alunos do 5º ano do curso de Engenharia Civil. Tomando-se por base as notas de aula do ano de 1918, percebe-se a subdivisão da disciplina em duas áreas de concentração bem delimitadas: a primeira contemplava a “Hygiene dos Edifícios e Saneamento das cidades” e a segunda abordava os mais distintos temas da “Architectura”. É claro que nessa disciplina os engenheiros avocam a responsabilidade de efetivar as precursoras análises e investigações dos médicos higienistas. Esse, ao que tudo indica, era o princípio instruído aos alunos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, uma vez que se divulgava: “A higiene tanto compete ao médico como ao engenheiro e a este último ainda mais, pois os seus conhecimentos, mais vastos, permitem resolver os casos que o primeiro apenas pode indicar a necessidade” (Hygiene..., 1918, p.9).  Em “Saneamento das cidades”, além das preocupações técnicas de aparato, adequação higiênica e suporte da cidade, difundia-se também o saber projetual com detalhados preceitos de concepção urbana. Aos engenheiros eram passados princípios e regras para construção de futuras cidades e “meios de corrigir os efeitos de uma cidade antiga” (Hygiene..., 1918, p.105) sendo Belo Horizonte exemplo emblemático, no Brasil, da aplicação dos métodos. Três eram, portanto, os princípios essenciais para a concepção de uma nova cidade: escolha do terreno, traçado das ruas e arborização; traçado, aliás, que poderia ser desde o modelo “desordenado, em que há curvas e retas cortando-se em ângulos diversos, até ao sistema americano, em que no traçado entram exclusivamente o esquadro e a régua” (Hygiene..., 1918, p.108).

 

Mário Barata (1973) ressaltou outra importante contribuição da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em fins do século XIX, que foi a de “semear” catedráticos para as então nascentes Escolas Politécnicas de São Paulo, em 1894, e da Bahia, em 1897. Contudo, a Escola Politécnica de São Paulo, fundada pelo engenheiro Antônio de Paula Souza, com financiamento do governo paulista, diferenciou-se da do Rio de Janeiro, fundamentalmente pelo modelo de ensino adotado. Abraçou-se o modelo civil, guiado pela indústria e pela prática, da Eidgen Ossische Technische Hochscule (E.T.H) (posteriormente, Polytechnikum de Zurich) de Zurich, onde estudou Paula Souza de 1861 a 1863 (Gitahy, 1994). Foi também nesta Escola que se criou, no ano de sua fundação, o primeiro curso de engenheiro-arquiteto do Brasil, em alternativa à Escola Nacional de Belas Artes sediada no Rio de Janeiro. Tratava-se “de um curso de engenheiros, de construtores, cuja ênfase maior residia no caráter racional e construtivo da obra” (Santos, 1985, p.256). Assim, aos engenheiros formados no Rio de Janeiro, somaram-se importantes profissionais que, a partir de 1899, com a composição da primeira turma da Politécnica de São Paulo – balizada por uma proposta diferenciada de ensino –, atuaram de forma direta no meio urbano brasileiro. 

 

Cidades no território

 

Diversas representações de cidades, pode-se conjeturar, foram criadas, forjadas e legitimadas no Brasil desde sua mais remota formação. Com o intuito de melhor administrá-las, desde o Império, as decisões escritas (formais e documentais) passaram a ser necessárias para que as aglomerações urbanas se desenvolvessem de modo controlado e organizado. “A cidade das letras”, a cidade das leis e dos advogados, como discute Phillip Gunn, surge ainda sob a égide de Portugal que transfere para o Brasil toda a burocracia do Estado.

 

De forma gradativa, e muitas vezes concomitante, outras “cidades” despontam. A cidade enferma, insalubre, que atribui aos médicos o papel de examiná-la e curá-la; ou esta mesma cidade, contudo agonizando por uma solução mais precisa e eficiente, requerendo aos engenheiros seu pleno restabelecimento. Eles, os engenheiros, estimados como os novos detentores do saber hábil a civilizá-las, extrapolaram os limites dos problemas higiênicos e sanitários, passando a questionar e estudar também as questões de comunicação e circulação, bem como, de administração. A engenharia, na interpretação de sua entidade de classe em fins dos 1900, “torna-se indispensável nos povos que se civilizam, quando sob o regime das leis, se organizam em municípios ou outras divisões administrativas; ela é sinônima de civilização na mais alta acepção da palavra” (Obras..., 1900, p.126).

 

O tema da civilização foi, sem dúvida, uma questão central mesmo no que diz respeito a problemas que de início emergiram como periféricos no contexto brasileiro. Levar o progresso tecnológico às cidades castigadas pelas secas, no Nordeste do Brasil, foi paulatinamente associado à civilização destas áreas do interior do país. Contudo, os esforços no combate a este flagelo – que insistentemente levou à migração de milhares de sertanejos para outras regiões brasileiras – foram lentos e relegados a um plano secundário em função das sempre escassas finanças. Embora morosas, as intenções de minorar o problema sugiram ainda em fins dos 1870, quando em sessões do Instituto Politécnico Brasileiro, presididas pelo Conde d’Eu, várias sugestões foram propostas ao Governo Imperial que incumbiu uma Comissão de percorrer a Província do Ceará a fim de propor sistema eficiente de irrigação e abastecimento de água. Apesar de dissolvida um ano depois, esta Comissão, em relatório, chegou a propor importantes obras para a região: obras do porto de Fortaleza; estradas de ferro; construção de canal ligando o Rio são Francisco ao Jaguaribe; construção de açudes, etc. (Guerra, 1981).

 

A intenção de melhor conhecer e explorar esta área do país ressurge com a continuidade do problema. Já no início do século XX, aliás, descobria-se que esse não era interesse meramente brasileiro. O engenheiro Miguel Arrojado Lisboa, então Diretor da recém criada IOCS, solicitou ao Diretor da Leland Stanford Junior University na Califórnia, John Casper Branner, que enviasse ao Brasil geólogos para trabalhar na Inspetoria, uma vez que tomou conhecimento dos seus estudos sobre o país, “terra que o entusiasmara muito” (Guerra, 1981, p.45). Vieram ao Brasil, então, Ralf H. Sopper, Gerald A. Warring, Horace Small e Roderic Crandall. Segundo o Inspetor,

 

“todos estes trabalhos (...) permitirão abranger, em conjunto, as condições diferentes das regiões flageladas, sob os seus vários aspectos, geográficos, geológico, climatérico, botânico, social e econômico, e assim poderá a Inspetoria traçar o programa dos seus serviços apoiada em fatos de pura e real observação do terreno” (Ibid.).

 

Há, nas primeiras décadas do século XX, uma formulação, pode-se dizer, já consolidada acerca da problemática das secas. Ela pressupõe uma leitura abrangente do território. Mais ainda, pressupõe a construção do próprio território. Ao invés de povoados, vilas e cidades desarticuladas, sem possibilidades de crescimento econômico, isoladas (comercial e culturalmente) e sujeitas continuamente ao flagelo das secas, um meio transformado e integrado pelas ações e obras planejadas e conduzidas sobretudo pelos engenheiros.

 

Observe-se que, pelo que se pesquisou e se discutiu até o presente momento na investigação que secunda este artigo, não há uma representação específica sobre a cidade em meio a tais formulações; há, sim, uma representação das cidades no território – partes de um sistema estruturado nos elementos de circulação e de fixação. É, sem dúvida, uma leitura mais abrangente do próprio processo de modernização da nação, na busca de um equilíbrio regional entre o campo e a cidade, no esforço de constituição de uma rede viária de âmbito regional, sem a qual, indispensável à circulação das riquezas que poderiam ser produzidas, tornar-se-iam inválidas as ações de fixação do homem no campo através da açudagem e da irrigação. Tal era a elaboração de Aarão Reis, em conferência proferida no Clube de Engenharia, em agosto de 1919, sobre “as secas no Nordeste”:

 

“O que tudo depende – principalmente num país, como o Brasil, novo, de enorme extensão territorial, de solo demasiado acidentado e de população ainda demasiado escassa – do rápido desenvolvimento dum bom sistema circulatório, bem traçado e bem aparelhado, na terra, na água e no ar: – navegação de longo curso, de cabotagem, e fluvial, estradas de ferro e de rodagem, aerocirculação, telégrafo por fio e sem fio, aperfeiçoamentos postais; isto é: – larga, ampla e fácil circulação para pessoas, cousas, pensamentos e ordens” (Reis, 1920, p.230, grifos nossos).

 

A ênfase na circulação, primordial a sua metáfora do complexo organismo nacional, era também uma das questões centrais ao projeto de reforma da estrutura urbana herdada de uma economia colonial, construindo e aparelhando os portos, as ferrovias e estradas de rodagem, (re)estruturando o sistema viário das cidades, principalmente nas áreas centrais. Se na concepção de Belo Horizonte Aarão Reis deu grande importância à circulação, como Haussmann a Paris, estabelecendo ligações entre pólos funcionais, o que facilitaria o deslocamento de pessoas e direcionamento do desenvolvimento da cidade (Guimarães, 1996, p.129), esta função era colocada como fundamental para a modernização do país, para superar o erro, de “funestíssimas conseqüências”, de ter-se arvorado como “país essencialmente agrícola” (Reis, 1920, p.227), e para evitar os desequilíbrios regionais que começavam a se acentuar, e que, no Nordeste, tinham o flagelo das secas como a tematização principal, como a causa da miséria da região. Assim, continua Reis:

 

“grande e principal obstáculo que a natureza, sempre caprichosa, opõe, na bela terra dos seus antepassados, a produção regularizada da riqueza; capricho esse tanto mais digno da atenção e das cogitações humanas quanto foi escandalosamente pródiga essa mesma natureza em dotar aquele sedutor recanto da terra brasileira duma fertilidade miraculosa quando irrigada e duma gente irredutível diante do infortúnio, ousada diante do futuro, inteligente diante do desconhecido, intemerata diante do labor, sóbria diante da miséria e surpreendentemente fecunda na formação de novas gerações que sucedam e substituam, acrescentadas as porventura dizimadas pelo impiedoso flagelo periódico” (Reis, 1920, p. 225). 

 

Uma de suas maiores convicções, como ele mesmo discorre, era a de que “o futuro do norte do nosso país depende – hoje em dia – das estradas de rolagem, que, ali, com maior rapidez e bastante eficiência, poderão, graças ao progresso do automobilismo, desenvolver, os centros de produção de cuja vida depende o crescimento da riqueza nacional, e, com ela, o progresso cada vez maior da Nação” (Reis, 1920, p. 237).8

 

As representações, diga-se de passagem, de inviabilidade de civilizar-se os trópicos, devido ao clima e ao caldeamento racial, formulação tão comum entre intelectuais e cientistas europeus e, mesmo, brasileiros dos séculos XVIII e XIX, já eram consideradas superadas pela leitura técnica. De fato, a chave de leitura é invertida: Saturnino de Brito afirmaria que o aperfeiçoamento das “condições vitais” do meio seria fundamental para transformar a resistência do sertanejo em “energia empreendedora e previdente”. A solução deveria ser “sociológica”, pautada na lavoura intensiva e na exploração pecuária e viabilizada nas soluções técnicas de pequeno, médio e grande porte, o que incluía, dentre muitas, as ações para regularização e perenização das águas, com a construção de aterros-açudes, de oásis escalonados, etc. As modificações pontuais poderiam assim criar um micro-clima vantajoso à produção e, conseqüentemente, à fixação do homem no campo e nos núcleos urbanos do interior (Brito, 1913).

 

O engenheiro Henrique de Novaes também voltaria a insistir, já na década de 1930, nas possibilidades de transformação das áreas atingidas pelo fenômeno climático das secas. A construção de grandes barragens, por exemplo, poderia significar a transformação do território circundante, fomentando, “no futuro, centros de atividade agrícola e industrial; em torno deles formar-se[-iam] núcleos de instrução e educação; para eles convergir[iam] os habitantes que se retiravam...” (Novaes, 1935a, p.374).

 

A despeito dos muitos insucessos e da falta de continuidade da ação da IFOCS, devido principalmente, segundo a formulação dos muitos técnicos, à ingerência política de cada localidade, permanecia a crença de redenção social do país por meio das soluções e ações técnicas; permanecia um sentido de missão que suplantava até mesmo as dificuldades de andança das comissões técnicas pelo Sertão.9 Missão que pressupunha um território a construir.

 

Considerações finais

As ações de investigação do território – com o intuito de propor soluções e políticas públicas de promoção ou para delimitar as possibilidades de exploração econômica – foram fundamentais para o desenvolvimento e para o próprio processo de consolidação das disciplinas científicas modernas (Cf. Capel, 1982). Mais ainda, foram estruturais para a construção do próprio território, a exemplo do papel desempenhado pela Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo a partir do final do século XIX, cuja ação de prospecção do território fundamentaria a modernização econômica do estado – identificando as áreas mais adequadas para o plantio do café, viabilizando um planejamento territorial que buscaria unir os centros de produção e de consumo, etc. (Costa, 2000).

 

As ações, inicialmente desarticuladas – mas não desprovidas de um sentido e da necessidade de abrangência na análise e na intervenção –, de investigação sobre o Nordeste e, principalmente, sobre o fenômeno das secas ajudaria a construir a própria noção de Nordeste, uma região – geográfica e cultural – específica dentro de uma Nação, ela própria em construção. Mais importante, dentro da perspectiva de uma história das disciplinas científicas, no caso, do urbanismo, essas ações ajudaram a constituir um campo de atuação profissional – fundamental para legitimidade social dos técnicos e dos engenheiros, em particular – e mesmo um saber científico que se tornaria imprescindível para discutir a questão.

 

É importante apontar que esse saber, conquanto especializado, pressupôs, principalmente nas formulações iniciais dos profissionais envolvidos, um esforço de leitura abrangente e de busca de soluções também abrangentes e articuladas. Daí depreende não uma leitura específica para cada cidade, mas uma leitura das cidades no território, que merece ser ainda discutida de forma mais aprofundada. Contudo, pode-se afirmar, é uma leitura não idealizada – que busca construir modelos ou esquemas teóricos; ao contrário, é uma leitura premente, de urgência, um pôr-em-ação para viabilizar a transformação do meio. O foco estava assim não na cidade ou no campo como entidades individuais, mas nos elementos de infra-estrutura técnica que permitiriam o deslocamento, a circulação de pessoas, de mercadorias, de idéias.

 

 

Notas

[1] Denominamos aqui de “engenheiros politécnicos” os profissionais formados nas Escolas Politécnicas, como engenheiros civis, engenheiros-geográfos, etc., cuja formação era muito abrangente, como se discute na primeira parte deste artigo, “Cultura técnica em formação”.

 

2 O projeto intitula-se “Entre as Secas e as Cidades: formação de saberes, práticas e representações do Urbanismo (1850-1930)” e tem previsão de término para junho de 2007.

 

3 Como discutem Vallejo e Torner (2002, p.07), a construção das redes de infra-estrutura é a base para a construção do próprio território, entendido como organização social e espacial que transforma e adapta a “geografia física”.

 

4 Novaes também contribuiria para a construção da própria memória das ações institucionais, em especial da Inspetoria Federal de Obras Contras as Secas, em relação a esse problema secular que marca a história do Brasil (Cf. Novaes, 1935a, 1935b, 1948).

 

5 Há uma produção mais vasta sobre a atuação e a influência dos estudos e das obras realizadas por Saturnino de Brito e pelo seu Escritório, fundado em 1920, no âmbito da historiografia urbana brasileira, dentre a qual confira em especial Andrade (1992) e Ferreira et al. (2005). Henrique de Novaes, a despeito da sua cada vez mais conhecida importância para a própria consolidação do campo profissional da engenharia e do urbanismo no Brasil, mereceu poucos estudos (Cf. Eduardo, 2003; Mendonça, 1999a e 1999b); atualmente é tema da pesquisa de doutorado da arquiteta Anna Rachel Eduardo, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos-USP.

 

6 É importante lembrar que Aarão Reis chefiou a Comissão Construtora da Nova Capital de março de 1894 a maio de 1895, sendo substituído pelo eng Francisco de Paula Bicalho, que ainda ocupava o cargo em dezembro de 1897 quando a cidade foi inaugurada (Cf.Leme, 1999, p.222-225).

 

7 A Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) foi criada em 1909, submetida ao Ministério de Viação e Obras Públicas, para congregar e conduzir todas as ações concernentes, com o intuito de realizar estudos científicos abrangentes e agir de forma articulada; em 1919, seria transformada em Inspetoria Federal (IFOCS); o cargo de Inspetor era o mais alto dentro da hierarquia do órgão.

 

8 Sem estabelecer, de maneira alguma, uma relação direta entre essa defesa e os desdobramentos ulteriores de uma política rodoviarista nacional, é fato que o entusiasmo com o transporte rodoviário apenas aumentaria nas décadas seguintes, com repercussões tanto para a infra-estrutura de transportes do país, que deixou em segundo plano o sistema ferroviário, quanto para o planejamento das cidades, em que se enfatizou o transporte individual em detrimento das soluções de transporte coletivo. Cabe ainda uma outra observação: Aarão Reis se refere ao Norte nessa conferência embora esteja discutindo mais detidamente a região que depois seria definida como Nordeste – em princípios do século XX ainda era comum usar-se em vários discursos a antiga divisão do Brasil entre províncias do Norte e do Sul.

 

9 A esse respeito,veja-se o testemunho de Dora von Inhering Bonança sobre as ações, chefiadas pelo seu pai, o cientista Rodolfo von Inhering, da Comissão Técnica de Psicultura do Nordeste, vinculada à IFOCS, na década de 1930 (Von Inhering, 1983, p.70-97 passim).

 

 

Agradecimentos

 

Aos bolsistas de iniciação científica Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros e Hélio Takashi Maciel de Farias pelos comentários e revisão do texto; ao CNPq, pelo apoio ao projeto de pesquisa que secunda este artigo e pelas bolsas; A. R. B. Eduardo agradece a FAPESP pela bolsa concedida.

 

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© Copyright Angela Lúcia de A. Ferreira, George A. F. Dantas y Anna Rachel B. Eduardo, 2005

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Ficha bibliográfica:

FERREIRA, A.; DANTAS, G.; EDUARDO, A. Em torno das cidades: Urbanismo e Secas no Nordeste do Brasil, 1900-1920. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (104). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-104.htm> [ISSN: 1138-9788]

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